quinta-feira, 2 de junho de 2011

Otimistas & pessimistas – o destino de Bruzundanga

Por Luiz Ricardo Leitão



Após a queda do Muro, no limiar dos anos de 1990, os arautos da pós-modernidade apregoaram, sem nenhum pudor, o “fim da História” e de todas as grandes ‘narrativas lineares’. Era o fim da luta de classes, prognosticavam eles; as macrorrevoluções não teriam mais espaço em um planeta neoliberalmente globalizado e as aspirações dos indivíduos seriam reguladas pela mão invisível do onisciente mercado, o novo fetiche divino do imaginário social. Instaurava-se, em suma, uma “nova era” de microtransformações subjetivas e fragmentárias: as questões de gênero e o debate ambiental, por exemplo, estariam situadas em uma “zona neutra” político-ideológica, dissociadas por completo dos imbróglios do capital. Os partidos foram abaixo e as ONGs irromperam na cena pública, empenhadas em amortecer tensões que, apesar das profecias contrárias, continuariam a eclodir em escala crescente em todos os hemisférios, à medida que se aprofundava a falência do paradigma neoliberal nos países que haviam subscrito os “contos da carochinha” (Livre comércio! Livre circulação de capitais! ...) do Consenso de Washington.

A América Latina foi a primeira região a proclamar que o rei estava nu. O colapso do México, que se viu convertido em um imenso pátio das montadoras ianques e livre pasto dos narcotraficantes, foi uma dura lição para os povos do subcontinente. A arrogância das elites criollas logo seria contestada pelos movimentos sociais, propiciando a emersão na cena pública de nomes como Chávez, Morales e outros líderes historicamente vinculados à causa anti-imperialista. Nesse ínterim, nossa distraída Bruzundanga também se arejou com alguns ventos que sopravam ao sul do Rio Grande, ainda que, como sói ocorrer por estas bandas, tudo tenha transcorrido em ritmo de “paz & amor”, tão a gosto dos netos de Brás Cubas e Macunaíma, ou seja, na maciota e com aquele ‘jeitinho’ tropical.

A ausência de uma ruptura radical em nossa história (a nova ordem é sempre uma versão requentada do velho pacto oligárquico firmado entre os monopólios e o latifúndio) enseja malabarismos fantásticos na política tupiniquim. Ainda assim, surgem novidades na tela. Por certo, é muito mais fácil avançar na “microfísica” do poder: agora mesmo, o reconhecimento da união estável homossexual pelo STF gerou enorme bulha nos currais do atraso, incapazes de compreender a dinâmica de uma sociedade tutelada pelo mercado e pelo credo da mídia liberal. De certa forma, a histeria dos Bolsonaros, pastores, padres e outros fundamentalistas presta-nos um favor, evidenciando aos pessimistas que é possível, sim, promover mudanças nestas plagas, mesmo que, por ora, elas estejam restritas ao plano dos costumes.

Já os pessimistas têm motivos de sobra para crer que, em meio ao longo refluxo do movimento social (salvo a briosa resistência do MST e outras organizações), há mais pedras do que se desejaria no caminho das mudanças. De fato, enquanto espocam os fogos do crescimento econômico, o festival de maracutaias segue a todo vapor na província e a desfaçatez dos oligarcas e novos-ricos só é equiparável à impunidade de que gozam em suas jogadas mirabolantes. A farra da Copa 2014 não para: orçamentos bilionários erguem e destroem estádios, vias e quejandos, desalojando milhares de pessoas sob mínima indenização; Ricardo Teixeira & Cia. tornam a protagonizar escândalos internacionais de corrupção, mas são tratados como lordes nos salões de Brasília.

Ai de quem reclamar... Os defensores públicos que denunciaram os abusos da empresa de Eike Batista em Santa Cruz (RJ) têm sofrido duras represálias das ‘autoridades’ locais. Contudo, não há como reprimir a nova “Revolta da Vacina” que essa laia há de gerar em breve. Com a Educação e a Saúde relegadas a último plano no estado, a tchurma de Sérgio Cabral, Eduardo Paes e sua “base aliada” logo terá de se mexer. As greves dos bombeiros salva-vidas e dos 5 mil professores de Caxias são apenas um prenúncio... Otimistas e pessimistas, a História de Bruzundanga mal saiu do prólogo – mas o destino dos protagonistas dependerá muito de nossa intervenção nessa grande narrativa nada linear.


Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.

Crônica originalmente publicada na edição 429 do Brasil de Fato.

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