terça-feira, 21 de setembro de 2010

O holocausto cigano: ontem e hoje - II


Por José Steinsleger


Depois da guerra, os países aliados dissolveram o Estado nazi alemão e seus hierarcas foram julgados por crimes contra a humanidade (Nuremberg, 1945-1946). Em inícios de 1950, quando começou a negociação de indenizações pelo holocausto, o novo Estado alemão estimou que só os judeus tinham direito a elas.
Sem organizações políticas que os defendessem, os povos rom (ciganos) foram ignorados e excluídos. O governo democrata-cristão de Konrad Adenauer estimou que as medidas de extermínio tomadas contra os ciganos antes de 1943 eram políticas legítimas do Estado. Mas os sobreviventes a este ano tampouco cobraram um centavo.

A polícia criminal da Bavária ficou a cargo dos arquivos do doutor Robert Ritter, o especialista nazi sobre os rom que não foi condenado. Ritter retornou à atividade acadêmica e em 1951 se suicidou. Recentemente, em 1982, o chanceler social-cristão Helmut Kohl reconheceu o genocídio dos rom. A tempo: a maioria dos que poderiam ter direito a restituição já tinham morrido.

Em troca, a sanha da Suíça contra os yenishes (assim chamam os ciganos no país de Heidi) foi mais... discreta? Durante cerca de meio século (desde 1926), com a ajuda da polícia e do clero, a Obra de Assistência às Crianças da Estrada, da muito respeitável Fundação Pró-Juventude, arrancou a mais de 600 crianças ciganas de suas famílias.

O doutor Alfred Siegfried (1890-1972), diretor e fundador da obra, foi um psicopata ferozmente decidido a vencer o mal do nomadismo. Num informe sobre suas atividades (1964), Siegfred afirmou que "...o nomadismo, como algumas doenças perigosas, é transmitido principalmente pelas mulheres... todos os ciganos são maus, mentem, roubam...".

O financiamento oficial se manteve até 1967, e em 1973 a obra se dissolveu. Mas, de acordo com uma lei de 1987, tudo que é relativo a seus experimentos médicos com crianças ciganas poderá ser revisado dentro de... cem anos. Em 1996, a Confederação Helvética reconheceu sua responsabilidade moral, política e financeira a respeito da Pró-Juventude, encarregada de proteger as crianças ameaçadas de abandono e vagabundagem.

Mais das três quartas partes da população mundial de ciganos (de 12 a 14 milhões) vivem nos países da Europa Central e do Leste. Mas só na Iugoslávia de Tito os rom conseguiram ser reconhecidos como uma minoria com os mesmos direitos de croatas, albaneses e macedônios. Não obstante, após o reordenamento balcânico que teve lugar no decênio de 1990, dez mil ciganos bósnios se refugiaram em Berlim.

Na Romênia os ciganos tiveram que sobreviver à ditadura de Ceausescu. O socialismo real reforçou os tenebrosos orfanatos que funcionavam desde a época da monarquia, e neles encerrou milhares de crianças rom. Ceausescu caiu, e o livre mercado foi mais duro ainda. As tendas de alguns ciganos que lograram êxitos econômicos com a liberalização da economia foram saqueadas.

A deportação em massa de ciganos para a Romênia e a Bulgária, ordenada pelo governo do presidente francês Nicolas Sarkozy (judeu de origem húngara), é particularmente perversa. Segundo país mais pobre da União Europeia, a população da Romênia é sumamente hostil aos 2 milhões de ciganos que vivem ali, sob um governo que, para acatar o FMI, acaba de baixar em 25% o soldo dos funcionários, e de subir o IVA em 24%.

Em dias passados, o presidente romeno Traian Basescu chamou de cigana asquerosa a uma jornalista, e o chanceler Teodor Baconschi declarou em fevereiro que "...algumas comunidades romenas têm problemas psicológicos (sic) relacionados com a delinquência, especialmente as comunidades ciganas".

A situação dos ciganos na antiga Checoslováquia não fica muito atrás da romena. Até o momento da partição (1992), eram cidadãos. Depois, nem checos nem eslovacos os reconheceram como tais, apesar de terem vivido durante gerações no país.

Em julho de 1998, um cigano foi atacado e apunhalado por um skinhead em Pisek, pequena cidade ao sul da Boêmia checa. Pisek está situada a escassos quilômetros do campo de concentração de Lety, estabelecido pelos checos e só para ciganos, nos tempos da ocupação alemã. E, de Lety, se os enviava aos campos nazis de extermínio.

Por seu lado, os vizinhos da cidade eslovaca de Michalovce acabam de concluir um muro de 500 metros para evitar a passagem dos ciganos que habitam uma aldeia próxima. A obra recebeu o apoio das autoridades. Em fins de 2009, obras similares isolaram os ciganos nas cidades de Ostrovany, Secovec, Lomnicka e Trebisov.

Nessa espécie de holocausto silencioso e consensuado pelos cruzados da União Europeia, os meios da aldeia global aportam o seu. Em 30 de agosto passado, a CNN informou de um assassino que matou oito pessoas, ferindo outras 14 em Bratislava, capital da Eslováquia. Em nenhuma parte da notícia, a CNN esclareceu que todas as vítimas eram ciganas.

Da civilização versus barbárie à barbárie da civilização.

Fonte: La Jornada
Tradução: Sergio Granja
Revisão: Silvia Mundstock

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