segunda-feira, 13 de setembro de 2010

De Graciliano para Getúlio

Em carta nunca enviada a presidente, escritor comenta os 11 meses que passou em prisão
Reportagem de MARCELO BORTOLOTI

Pouco mais de um ano após ter deixado a cadeia, onde esteve preso durante 11 meses por associação ao comunismo na ditadura de Getúlio Vargas, o escritor Graciliano Ramos -autor de clássicos como "Vidas Secas" e "Memórias do Cárcere"- escreveu uma carta ao então presidente.
O documento, datado de agosto de 1938, não chegou a ser enviado, mas faz parte de pesquisa em andamento na Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.
O objetivo da pesquisa de Sonia Jaconi é analisar os métodos administrativos do escritor, considerados dinâmicos e revolucionários para a época -entre outros cargos públicos, foi prefeito da pequena cidade de Palmeira dos Índios, em Alagoas, entre 1928 e 1930.
Na carta, Graciliano não usa palavras duras, mas trata com bastante ironia o episódio de sua prisão e o fato de o presidente ser seu "colega de profissão" -na época, a editora José Olympio lançava um livro com discursos de Vargas e tiragem de 50 mil exemplares. "Vossa Excelência é um escritor", ironizou.
Ele alude à falta de razões para ter sido preso, quando era secretário de Educação em seu Estado.
"Em princípio de 1936 eu ocupava um cargo na administração de Alagoas. Creio que não servi direito: por circunstâncias alheias à minha vontade fui remetido para o Rio de maneira bastante desagradável."
"Percorri vários lugares estranhos e conheci de perto vagabundos, malandros, operários, soldados, jornalistas, médicos, engenheiros e professores da universidade. Só não conheci o delegado de polícia, porque se esqueceram de interrogar-me."
Graciliano também fala da falta de emprego a que acabou condenado, já que seus algozes o tiraram de Maceió e, depois de soltá-lo, não lhe arrumaram nova colocação.
"Até hoje ignoro por que se deu semelhante desastre". E despede-se com elogios: "Apresento-lhe os meus respeitos, senhor presidente, e confesso-me admirador de Vossa Excelência".
O rascunho foi guardado por James Amado, irmão de Jorge Amado, casado com a filha de Graciliano, Luiza Ramos. Hoje existem duas cópias. Uma na Casa Museu Graciliano Ramos, em Palmeira dos Índios, e outra em poder do pesquisador Wander de Melo Miranda, diretor da Editora UFMG.
"Acho que ele nunca teve a intenção de enviar a carta. Foi um desabafo íntimo, uma necessidade de expressar sua revolta através da ironia", diz Miranda.
Um ano depois de tê-la escrito, Graciliano foi nomeado inspetor federal de ensino secundário do Rio de Janeiro, cargo que recebeu de Gustavo Capanema, então ministro da Educação do próprio governo Vargas.
Fonte: Folha de São Paulo, 12 de setembro de 2010.

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