terça-feira, 11 de junho de 2013

A galinha dos ovos de ouro

Há até um FMI da bola, que é a dona Fifa, senhora absoluta do negócio


Por Luiz Ricardo Leitão


Indignado com os absurdos que reinavam no futebol brasileiro já em sua época, o jornalista, técnico e comentarista de futebol João Saldanha não hesitava em afirmar, há mais de três décadas, que os cartolas de bruzundanga estavam matando a nossa “galinha dos ovos de ouro”. Pois se ainda estivesse vivo, o que diria o saudoso “João Sem Medo” sobre a farra da Copa e esta nova etapa do monumental e espetacular negócio da bola em plagas tupiniquins?

O quadro é ainda mais grave porque, ao menos nos áureos tempos das “feras do Saldanha”, os absurdos da ditadura ainda não haviam exaurido a genialidade de nossos craques e grandes equipes exibiam sua arte pelo mundo afora, como o Santos de Pelé e Clodoaldo, o Botafogo de Gérson, Jairzinho e Paulo César, ou o Cruzeiro de Piazza e Tostão. Fora das quatro linhas, porém, a arrogância dos cartolas e generais já fazia suas vítimas – e o próprio João pagou o preço pela sua coerência, ao não aceitar a indicação de Dario para o escrete, cunhando aquela frase lapidar sobre o ditador de plantão: “Ele escolhe o ministério, e eu escalo a seleção...”

Hoje, com a globalização da empresa da bola e a avassaladora invasão do capital especulativo na área esportiva, vivemos um quadro singular, com um futebol opaco em campo, público reduzido nas arquibancadas e... lucros colossais para meia dúzia de “investidores”. A recente abertura do Brasileirão, no novo e superfaturado estádio Mané Garrincha (ou “Arena Nacional”, na pomposa língua da Fifa), é um exemplo de tal desfaçatez. Com ingressos acima de R$ 160,00 (!), a insossa partida entre Santos e Flamengo arrecadou 6,9 milhões de reais, mas o mandante só recebeu R$ 800 mil e o visitante, que lotou o estádio com sua torcida, nada levou para casa. Quem faturou, claro, foi o consórcio que “administra” a arena depois que o governo do DF lhe entregou de mão beijada o reluzente elefante branco.

Enquanto isso, em Londres, no mesmo fim de semana, Bayern e Borussia, os dois gigantes alemães, decidiam a Liga dos Campeões da Europa, em um jogo eletrizante e de alto nível técnico. Essa final "germânica" em Wembley não ocorreu por acaso: a Alemanha possui hoje o campeonato mais popular do planeta, com estádios lotados e média de público superior a 40 mil pagantes.

É claro que rola muito dinheiro fora dos gramados: em 2011/2012, o Bayern faturou 201,6 milhões de euros só com patrocínio, publicidade e a venda de seus produtos – somando-se os ingressos e direitos de TV, a receita total atingiu € 368,4 milhões (R$ 976 milhões), cifra inconcebível para qualquer time da terrinha. Eles sabem que o capital dá as cartas: “Futebol é show business, não esporte; o Bayern não é só um clube, mas uma empresa”, disse o ex-jogador Paul Breitner em recente visita ao Brasil.

Convém, porém, não esquecer que “dinheiro na mão é vendaval”, como já cantava Paulinho da Viola em um samba lapidar. Três semanas depois da declaração de Breitner, revelava-se na Bavária que Uli Hoeness, presidente do Bayern e dono de uma indústria de salsichas, é investigado por crime de sonegação fiscal, sob suspeita de remeter para o exterior cerca de 20 milhões de euros.

Pois é, caro leitor, na matriz e nas filiais o esquema é sempre o mesmo. Há até um FMI da bola, que é a dona Fifa, senhora absoluta do negócio. É ela quem, ao lado das empresas de plantão, mais ganhará em 2014, como fez em 2010 na África do Sul. Lá na terra de Mandela, o legado da Copa é um cenário surreal: o que fazer com os estádios colossais, agora vazios? Já se pensa até em demolir uma das ‘arenas’, enquanto outra se tornou palco de casamentos (!). E no Rio, qual será a herança da Copa? Maior mobilidade urbana, com novos estacionamentos ao redor do Maracanã? Mais recursos para os clubes, com o estádio nas mãos de Eike Batista? Ou, enfim, a democracia no futebol, com o ‘Zé das Medalhas’ Marin à frente da CBF? Cartas para a redação...

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor associado da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidad de La Habana, é autor de Lima Barreto: o rebelde imprescindível e Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil.

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