quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Proibição não reduziu abortos, constata a OMS (Organização Mundial da Saúde)


Jamil Chade, correspondente Estadão 
Genebra 
27/09/2017


Proibir abortos não gerou sua queda e, hoje, 25 milhões de abortos inseguros são realizados a cada ano, com grande parte deles ocorrendo em países em desenvolvimento


Um novo levantamento publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta que 45% de todos os abortos no mundo são considerados como inseguros e que banir a prática não funciona. O estudo também constata: a taxa geral de abortos é menor nos países onde eles são legalizados.

Publicado na revista "The Lancet", o estudo indica que 97% dos abortos inseguros hoje no mundo são registrados na América Latina, Ásia e África.

"Mais esforços são necessários, especialmente em regiões em desenvolvimento, para garantir acesso a métodos de contracepção e abortos seguros", declarou Bela Ganatra, autora do estudo e cientista da OMS. "Quando meninas e mulheres não tem acesso a isso, existem consequências sérias para suas saúdes e suas famílias", disse. "Isso não deveria ocorrer. Apesar dos avanços tecnológicos, abortos inseguros ainda ocorrem e mulheres continuam a morrer", alertou.

Segundo ela, se os padrões da OMS forem seguidos, o risco de complicações severas em um aborto é pequeno. Entre 2010 e 2014, as estimativas apontam que 55% dos abortos foram realizados de uma maneira segura, o que significa que foram realizados por pessoas treinadas, usando métodos recomendados pela agência de saúde da ONU.

Mas 31% dos abortos foram realizados de forma "menos segura", seja com pessoas não treinadas ou métodos ultrapassados. Em 14% dos casos, os abortos são realizados ainda com métodos perigosos e pessoas não-treinadas.

Proibição

Um dos fatores denunciados pela OMS, porém, é a questão dos direitos de mulheres a ter acesso legal dos abortos. De acordo com o levantamento, leis restritivas estão associadas com altas taxas de abortos inseguros. "Em países onde o aborto é completamente proibido ou autorizado apenas para salvar a vida da mãe, apenas um a cada quatro abortos eram seguros", disse. "Enquanto isso, em países onde o aborto era legal em uma dimensão maior, quase nove de cada dez abortos são feitos de forma segura", explicou.

"Acesso restritivo a abortos não reduzem o número de abortos", alertou o estudo. No norte da Europa e na América do Norte, a maioria dos abortos é seguro. "Essas regiões também são as que tem as menores taxas de abortos e tem regras mais abertas", indicou a OMS.

No caso dessas regiões, o desenvolvimento econômico, igualdade de gênero, uso amplo de contraceptivos, assim como serviços de saúde de alta qualidade, são fatores que fazem abortos serem seguros. "Nesses países, onde o aborto é amplamente legal e sistemas de saúde são fortes, a incidência de abortos inseguros é o menor do mundo", disse.

Na América do Sul, a realidade é radicalmente diferente. Na região, apenas um a cada quatro abortos é seguro. No total, 4,5 milhões de abortos foram realizados por ano no continente. Desses, 3,6 milhões foram considerados como inseguros. Na Europa, o número foi de apenas 480 mil.

Mesmo o número geral de abortos é hoje menor na Europa que na América do Sul, somando todas as práticas, legais e ilegais.

Na Europa, por exemplo, foram 4,2 milhões de abortos realizados por ano, entre uma população total de 700 milhões. Nos dez países da América do Sul onde as leis em grande parte restringem os abortos, foram 4,5 milhões de casos, numa população menor que a da Europa, de 450 milhões.

De acordo com a OMS, é cada vez mais comum mulheres sul-americanas obter e usar remédios como misoprostol, fora do sistema formal de saúde. A entidade admite que tal uso reduziu o número de mortes entre as mulheres. "Entretanto, esse tipo de uso informal e secreto de remédios não atende aos padrões da OMS do que se considera como abortos seguros", alertou.

Na avaliação da entidade, para evitar gravidezes indesejadas e abortos inseguros, países precisam apoiar políticas e dar apoio financeiro para fortalecer uma melhor educação sexual, dar acesso a métodos de contracepção, aconselhamento sobre planejamento familiar e acesso a aborto legal e seguro.


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