sábado, 15 de abril de 2017

O CANTO DOS ESCRAVOS - Clementina de Jesus, Doca, Geraldo Filme

Em disco, Tia Doca da Portela, Geraldo Filme e Clementina de Jesus, três das majestades negras da música popular brasileira, registram 12 cantos de trabalho (ou vissungos) recolhidos nos anos 1930.

Em 1982, a gravadora Eldorado reunia em seus estúdios três das majestades negras da música popular brasileira: Tia Doca da Portela (pastora da Velha Guarda), Geraldo Filme (o primeiro-nome do samba paulista), e a Rainha Quelé, Clementina de Jesus. O projeto de Aluízio Falcão com direção musical de Marcus Vinícius e percussão de Papete viria a se tornar um dos mais antológicos álbuns da música popular: O canto dos escravos. Tratava-se da primeira gravação de 12 cantos de trabalho (ou vissungos) recolhidos na década de 1930 pelo folclorista mineiro Aires da Mata Machado Filho na região de Diamantina, no Norte de Minas Gerais. 


O CANTO DOS ESCRAVOS - Clementina de Jesus, Doca, Geraldo Filme

O sambista Geraldo Filme, clicado por Marcos Penteado, e Clementina de Jesus, a Rainha Quelé, por Julio C. Soares. (CEDOC FPA)
Tia Doca da Portela


Em 1928, indo em gozo de férias a S.João da Chapada, município de Diamantina, chamaram-me a atenção umas cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração. Fui ter com um dos conhecedores, o meu bom amigo João Tameirão, que, com solicitude, satisfez à minha curiosidade de aprender as cantigas.

Tomei notas apressadas, que vim depois a rejeitar. E, nas curtas estadas naquele aprazível e tranquilo arraial, nunca deixei de observar alguma coisa sobre os tais cantos de trabalho, cuja importância foi crescendo em meu conceito, à medida que fui adquirindo conhecimentos novos.

Entendi, posteriormente, de realizar, de vez, o velho plano de recolher os "vissungos", como lhes chamam, reunindo ainda o vocabulário e a gramática da "língua de banguela", certamente transformada em nosso meio.

Quase nada consegui na primeira investida. Lá ficava, porém, o meu colaborador, Araújo Sobrinho, com instruções minhas.

Voltando, mais tarde, encontrei novidades: um vocabulário de duzentas palavras, colhidas na boca de "seu" Tameirão, algumas cantigas e a notícia do falecimento do nosso prestimoso amigo.

Fiquei pelos cabelos, imaginando que tudo estava perdido. Mas não tardaram em aparecer outros conhecedores. E, depois de peripécias que não vêm ao caso, conseguimos, com um outro cantador, letra, música e tradução, ou antes "fundamento", como eles dizem.

Não sei se seremos felizes com as notas e reflexões. O certo, porém, é que só o material, que tivemos a sorte de desencavar em nossa mineração, bastaria para justificar o aparecimento de um livro.

À colheita do material seguiu-se o exame da bibliografia sobre o assunto. Compulsando livros de linguistas e etnógrafos, tivemos ensejo de estabelecer confrontos e reforçar hipóteses. Muitas vezes, vimos a autenticidade dos modestos achados e a plausibilidade das reflexões confirmadas pelas contribuições dos eminentes estudiosos que antes de nós lavraram o terreno. Com isso pudemos evitar, quanto possível, generalizações apressadas, cotejos fantasiosos e afirmações apriorísticas. Se o não conseguimos, não foi por falta de necessária diligência.

AIRES DA MATA MACHADO FILHO

O texto acima foi publicado como introdução do livro "O Negro e o garimpo em Minas Gerais (Editora José Olímpio), de Aires da Mata Machado Filho, sendo aqui reproduzido com a permissão do autor, que igualmente autorizou o Estúdio Eldorado a realizar a gravação de quatorze das sessenta e cinco partituras registradas naquela obra.

LADO A

1 — CANTO I — com Clementina de Jesus, Geraldo Filme e Doca
2 — CANTO II — com Clementina de Jesus
3 — CANTO III — com Geraldo Filme
4 — CANTO IV — com Doca
5 — CANTO V — com Clementina de Jesus
6 — CANTO VI — com Geraldo Filme
7 — CANTO VII — com Doca

LADO B

1 — CANTO VIII — com Clementina de Jesus
2 — CANTO IX — com Geraldo Filme
3 — CANTO X — com Doca
4 — CANTO XI — com Geraldo Filme
5 — CANTO XII — com Clementina de Jesus
6 — CANTO XIII — com Doca
7 — CANTO XIV — com Geraldo Filme

PERCUSSIONISTAS:

Djalma Correia: tronco, atabaques, xequerê, enxada e cabaça
Papete: atabaques, xequerê, agogô e ganzá
Don Bira: atabaques, caxixi, xequerê e afoxê
Projeto e Coordenação Artística: Aluízio Falcão
Direção Musical, Produção e Direção de Estúdio: Marcus Vinícius
Técnico de Gravação e Mixagem: Flávio Barreira
Direção de Arte e Capa: Ariel Severino

Clementina de Jesus, cedida gentilmente pela gravadora Emi Odeon.

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