Segundo
a tradição, Jesus, Buda, Mitra e Krishna nasceram de mães virgens. E esse não é
o único ponto em comum entre os personagens centrais de quatro religiões:
cristianismo, budismo, paganismo e hinduísmo
Por Claude Pasteur
Quatro futuras mães, todas virgens,
pariram, segundo a lenda, crianças predestinadas. No ano 556 a.C. (ou,
dependendo da fonte, 566, 563, 480 ou 448 a.C.), perto da cidade de
Kapilavastu, hoje no Nepal, a virgem Mâyâ Devî trouxe ao mundo um menino,
Sidarta Gautama, o futuro Buda. Por sua vez, Anâhita, a Imaculada, pariu, em 25
de dezembro, o menino Mitra (mencionado pela primeira vez em um tratado de paz
de cerca de 135º a.C.), a quem pastores e magos vieram prestar homenagem. Outra
virgem, Devakî, deu à luz – enquanto era mantida prisioneira por seu primo, o
rei Kamsa – um menino chamado Krishna, há 5 mil anos. Outras fontes dizem que
viveu no século IX a.C. Já em Belém, Maria, informada pelo anjo Gabriel de que
seu filho seria “o Salvador”, trouxe ao mundo em uma gruta o Menino Jesus, no
dia 25 de dezembro do ano 6 ou 4 a.C., data que correspondia ao solstício de
inverno.
Assim como a semelhança dos destinos de
suas mães, as quatro crianças seguiram caminhos estranhamente paralelos. Buda
um dia se retirou para o deserto, onde o demônio veio tentá-lo, oferecendo
fazer dele o rei dos reis. Depois de se purificar em um rio, Buda dedicou-se à
pregação e ensinou o amor ao próximo, seguido por 12 discípulos dos quais um,
Devadatta, seria chamado a traí-lo. O Revelado andou sobre as águas, acalmou a
tempestade. Seu dogma, o carma, designa o conjunto de méritos e faltas
acumulados pelo homem e que o arrasta num círculo indefinido de vidas
sucessivas. Quando morreu, aos 80 anos, a terra tremeu.
Como os outros iniciados, Mitra exerceu
o papel de intercessor entre Ahura Mazda, divindade suprema da antiga Pérsia, e
os homens, aos quais prometeu a imortalidade da alma. Da mesma maneira, também
pregou o ascetismo, curou os doentes, ressuscitou os mortos. Em sua homenagem,
diversos soberanos passaram a se chamar Mitrídates. A festa de Mitra era
celebrada em uma gruta onde se praticavam o batismo e a comunhão. Seus fiéis
acreditavam no Juízo Final e na ressurreição. Antes de morrer, Mitra ofereceu
uma última ceia a seus discípulos durante a qual consagrou o pão e a água.
Colocado no túmulo, ressuscitou.
Para seus fiéis, Krishna é a
reencarnação do deus supremo e benfeitor Vishnu, revelador de todas as
verdades. Cresceu em meio aos pastores do monte Meru, que o chamavam de
Radiante, devido a sua beleza. Guardava os rebanhos tocando flauta, o que
atraía as pastoras. Krishna, apesar de casado, tornou-se amante de muitas
mulheres; o amor carnal representa para seus adeptos certa forma de devoção, o
desejo de união com o Criador para receber dele o dom da vida. Suas proezas
amorosas são contadas no Bhagavata purana,
obra de misticismo erótico.
Krishna pregava a bondade, a caridade e
o respeito aos outros. Sua popularidade acabaria por despertar o ciúme do rei
Kamsa, que enviou espiões. Krishna, depois de sete dias de abluções e preces,
deixou-se capturar para que o martírio coroasse sua missão. Morreu sob as
flechas dos arqueiros. Quando entregou o espírito, o céu escureceu. Segundo a
tradição indiana, sua morte, ocorrida na noite de 17 para 18 de fevereiro de
3102 a.C., marca o início da presente era cósmica, a kali yuga, que deve durar
432 mil anos.
A juventude de Jesus transcorreu na
oficina de carpintaria de José, seu pai protetor. Foi batizado pelo primo João
Batista nas águas do Jordão – a imersão, símbolo da purificação, era praticada
em quase todas as religiões antigas. Jesus retirou-se durante 30 dias no
deserto, onde o demônio o tentou. Aos 30 anos, começou a pregar, seguido por 12
discípulos. Curou doentes, andou sobre as águas, multiplicou os pães, aceitou
que a pecadora Maria Madalena derramasse perfume sobre seus pés. Em Jerusalém,
expulsou os mercadores do Templo e atraiu a hostilidade dos fariseus. Na
véspera de sua prisão, ofereceu uma última refeição a seus discípulos e instituiu
a Eucaristia, benzendo o pão e o vinho. Traído por Judas, foi levado perante o
governador romano da Judeia, Pôncio Pilatos. Condenado à morte, foi crucificado
sobre o Gólgota. Quando entregou a alma, o Sol se escondeu.
Sepultado, e depois ressuscitado, Jesus
conheceu a transfiguração e, 40 dias depois, subiu ao céu. Seus discípulos
percorreram então o mundo para pregar seus ensinamentos. Entraram em conflito
com os fiéis de Mitra, cuja religião se difundia pelo Ocidente. No século II,
Roma e Óstia tinham templos subterrâneos dedicados a Mitra, o que originou
violentas querelas com os chamados Pais da Igreja. Estes ficaram indignados com
a ideia de que pagãos tivessem se apropriado da gruta de Belém e dos
sacramentos cristãos. O historiador latino Justino e o primeiro grande teólogo
cristão, Tertuliano, fustigaram Satã, “que imita os sacramentos de Deus nos
mistérios dos ídolos”. Já os sacerdotes de Mitra censuraram os cristãos por ter
“tomado de empréstimo” deles a ideia da redenção. No século IV, o imperador
Teodósio I resolveu o problema privilegiando o cristianismo.
Dessas quatro religiões, três chegaram
até nós: budismo, hinduísmo e cristianismo, depois de Buda, Krishna e Jesus
terem aparentemente trilhado caminhos comuns ou paralelos.
CLAUDE PASTEUR é historiador e
escritor.
FONTE: História Viva,
edição no 103, maio 2012.
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