domingo, 3 de julho de 2011

A verdade e o erro

Por MARCELO GLEISER


No domingo passado, o jornalista Carl Zimmer publicou um artigo no "New York Times", no qual argumentou que, na prática, a ciência é bem menos eficiente em corrigir seus erros do que se acredita. Ele cita uma série de exemplos da literatura científica recente, quando um resultado publicado gera uma série de críticas de membros da comunidade, mas raramente uma tentativa de duplicação no laboratório. Essa questão, de fato, toca a essência do método científico.


A refutação de um resultado experimental ocorre apenas após outros grupos falharem na tentativa de replicá-lo. Por outro lado, a repetição de um experimento requer imenso cuidado. As condições experimentais devem ser replicadas exatamente, incluindo os vários compostos químicos usados.


Está claro que a reprodução de um resultado experimental é problemática. Ademais, o ganho em fazê-lo não é dos maiores. Afinal, cientistas querem ser os primeiros a descobrir algo de novo, e não a provar que a descoberta de um colega é incorreta. Porém, mesmo sem ter o mesmo glamour, a refutação experimental é extremamente importante. Sem ela a ciência simplesmente não funcionaria.


Na prática, nenhum experimento pode ser exatamente duplicado. Temos que nos contentar com o melhor possível. Um cínico (ou um pós-modernista) poderia argumentar que esse é o calcanhar-de-aquiles da ciência: se não é possível duplicar exatamente um experimento, como podemos nos certificar de que seu resultado está certo? Como descobertas científicas podem ser consideradas como a "verdade"?


Isso me lembra o ditado atribuído ao filósofo grego Heráclito: não podemos entrar no mesmo rio duas vezes. Felizmente, em ciência ao menos, isso não é necessário. (Aliás, quando é? Tudo na Natureza está em fluxo constante, que é o que Heráclito quis dizer com sua filosofia.)


Todo resultado científico inclui margens de erro que representam a precisão do procedimento. Nenhuma medida é exata. Por exemplo, quando você mede seu peso numa balança com uma escala graduada em meio quilo, a precisão da medida será no máximo de um quarto de quilo, 250 gramas; ou seja, metade da menor graduação. (Portanto, o pessimista fazendo dieta pode dizer que ganhou 250 gramas, enquanto que o otimista diria que perdeu.)


Medidas experimentais sempre incluem margens de erro. Se o resultado estiver correto, outros grupos poderão reproduzi-lo dentro do intervalo de erro aceito. Para diminuir erros experimentais (existe um outro tipo de erro, o erro sistemático, que é mais complicado), é necessário aumentar a precisão das medidas, usando equipamento melhor ou um número maior de medidas. Mesmo assim, não existe um valor final, "verdadeiro": apenas o mais preciso dentro do que é possível com a tecnologia existente.


Talvez não sejamos a medida de todas as coisas, conforme sugeriu Protágoras em torno de 450 a.C. Mas somos as coisas que podem medir. Mesmo que nossas medidas não sejam exatas, o fato de que temos um procedimento universal para distinguir o certo do errado é notável. A ciência pode não ser perfeita; mas a alternativa, o subjetivismo descontrolado, é muito pior.

 
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
 
 
FONTE: Folha de São Paulo, 03 de julho de 2011.

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