sábado, 16 de setembro de 2017

Filha conta como Olga Benario Prestes não se dobrou ao nazismo

“Acima de tudo ela foi uma comunista convicta e abnegada, disposta a dar a própria vida pela causa da revolução, que abraçara desde muito jovem”

ENTREVISTA | ANITA LEOCADIA PRESTES
Filha conta como Olga não se dobrou ao nazismo
por Gilson Camargo

Os Trophäen-dokumente, ou documentos-troféus, que registram em 28 mil dossiês as atividades da polícia secreta de Adolf Hitler, apreendidos por soldados soviéticos após a derrota da Alemanha nazista em 1945 e mantidos em sigilo até abril de 2015, reservam a Olga Benario Prestes a mais abrangente documentação sobre uma única vítima do fascismo. “A documentação revela que Olga se recusou peremptoriamente a fornecer qualquer informação sobre o movimento comunista à Gestapo”, afirma a professora e historiadora Anita Leocadia Prestes, filha de Olga, autora do recém-lançado Olga Benário Prestes – Uma comunista nos arquivos da Gestapo (Ed. Boitempo). “Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei”, sentencia Olga em uma carta escrita na prisão e que nunca foi entregue ao marido. Até agora, havia muitas lacunas na história da jovem militante alemã de origem judaica, mulher do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes, que foi entregue ao Terceiro Reich pelo governo de Getúlio Vargas, em 23 de setembro de 1936, grávida, e executada em uma câmara de gás em 1942. A obra revela detalhes da perseguição do regime nazista à mãe da autora, uma “comunista inteligente e perigosa”. O livro “é revelador da inaudita violência praticada pelas autoridades do III Reich contra milhões de homens, mulheres e crianças, a grande maioria sem nenhuma culpa formada”, resume a autora nesta entrevista ao Extra Classe.

Extra Classe – No livro Olga Benário Prestes – Uma comunista nos arquivos da Gestapo, a senhora reconstitui a trajetória política e a vida da revolucionária comunista alemã desde a juventude em Munique, a vida e a militância no Brasil, até sua execução no campo de concentração de Ravensbrück. Qual a importância dos arquivos secretos da Gestapo (os “documentos-troféus” liberados para consulta pública em 2015) na construção dessa narrativa?
Anita Leocadia Prestes – O livro se baseia nos documentos disponibilizados recentemente do arquivo da Gestapo, os quais fornecem muitas informações até agora desconhecidas do público e da minha família. Trata-se da documentação da polícia secreta do III Reich (a Gestapo), que foi apreendida pelo Exército Soviético por ocasião da tomada de Berlim, em maio de 1945, e levada para a União Soviética. Em abril de 2015, essa documentação foi disponibilizada na internet – um acervo precioso para a pesquisa histórica e, em particular, para o melhor conhecimento das entranhas do regime nazista.

EC – Dos 2,5 milhões de folhas que integram os 28 mil dossiês, há 2 mil páginas sobre Olga. Quando começou esse monitoramento e por que era tão grande o interesse da Gestapo pelas atividades dela?
Anita – Os documentos do arquivo da Gestapo referentes a Olga abrangem o período 1936 a 1942: da sua extradição do Brasil para a Alemanha até seu assassinato numa câmara de gás. Nesses documentos afirma-se que Olga era uma “comunista perigosa”, cuja atuação no Partido Comunista Alemão e na Internacional Comunista (Comintern) deveria ser por ela relatada à Gestapo, além de ser mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes. A documentação revela que Olga se recusou peremptoriamente a fornecer qualquer informação sobre o movimento comunista à Gestapo.

EC – A publicação dos “documentos-troféus” permitiram a atualização do livro-reportagem Olga (1994), de Fernando Moraes?
Anita – Fernando Moraes fez uma pesquisa abrangente da vida de Olga e escreveu uma obra séria e comprometida com a evidência dos fatos, o que era reconhecido por Prestes, meu pai. Mas, no início dos anos 1980, quando ele escreveu o livro Olga, a documentação do arquivo da Gestapo não estava disponível, o que me permitiu agora complementar sua obra.

EC – Por que Getúlio Vargas optou por deportá-la se já havia capturado Prestes?
Anita – Meu pai dizia que a extradição da minha mãe foi a forma que Vargas encontrou de torturá-lo, pois a tortura física de Luiz Carlos Prestes, à qual foram submetidos outros prisioneiros da época, teria uma repercussão muito negativa para o governo brasileiro. Prestes gozava de prestígio mundial como o “Cavaleiro da Esperança”.

EC – A deportação foi um ato desumano e uma ilegalidade, não?
Anita – Olga foi extraditada no sétimo mês de gravidez de um filho brasileiro, o que lhe dava direito a permanecer no Brasil pela legislação então vigente no país.

EC – Ao reconstruir a trajetória de Olga, a senhora fala de sua própria história. Que sentimentos o livro evoca? Para a senhora, quem é Olga Benário?
Anita – Minha mãe foi sempre a grande inspiração da minha vida. Acima de tudo ela foi uma comunista convicta e abnegada, disposta a dar a própria vida pela causa da revolução, que abraçara desde muito jovem. Embora eu não tenha nenhuma lembrança dela, pois fomos separadas quando eu estava com 14 meses de idade, fui educada pela minha avó paterna Leocadia Prestes e minha tia Lygia, conhecendo e admirando a vida da minha mãe. Da mesma forma, meu pai sempre me orientou no sentido de conhecer e seguir seu exemplo.

EC – O que a correspondência entre seus pais revela?
Anita – São cartas inéditas, que a censura da Gestapo não permitiu que fossem entregues aos seus destinatários. A correspondência entre meus pais é reveladora do grande amor que os unia e da coragem com que enfrentavam a terrível situação a que estavam submetidos: Olga na prisão e nos campos de concentração nazistas e Prestes preso e incomunicável no Brasil durante nove anos.

EC – A senhora afirmou que se considera “filha da solidariedade internacional”. Por quê?
Anita – Minha libertação pela Gestapo e entrega à minha avó paterna Leocadia só foi possível graças à campanha internacional por ela encabeçada e que comoveu profundamente a opinião pública mundial da época. A documentação da Gestapo é reveladora da pressão exercida sobre as autoridades do III Reich pela solidariedade internacional levada adiante por essa campanha.

EC – Qual a importância do filme Olga, de Jayme Monjardim (2004), que opta pela narrativa de novela, para a popularização da história de Olga e Prestes?
Anita – Conforme foi dito à época pelo próprio diretor do filme, seu objetivo foi narrar a história de amor entre os dois personagens principais. Embora este possa ser considerado um ponto débil da obra, o filme emocionou e continua emocionando um público numeroso e contribuiu para divulgar a história dos meus pais e denunciar o crime cometido por Getúlio Vargas com a extradição ilegal da minha mãe para morrer numa câmara de gás da Alemanha nazista.

EC – Em que medida seu livro desconstrói uma eventual narrativa heroica ou mitológica sobre Olga?
Anita – Meu livro, baseado em rica documentação, produzida pela própria Gestapo, é revelador da evidência dos fatos acontecidos com Olga. É revelador da inaudita violência praticada pelas autoridades do III Reich contra milhões de homens, mulheres e crianças, a grande maioria sem nenhuma culpa formada.

EC – No livro Luiz Carlos Prestes – Um Comunista Brasileiro (Boitempo, 2015), a senhora aborda as preocupações intelectuais de seu pai. Quem foi e qual a importância de Prestes no contexto histórico do país?
Anita – Luiz Carlos Prestes foi um revolucionário que dedicou a vida à luta por justiça social e liberdade para o povo brasileiro, um comunista convicto de o socialismo ser o único caminho para a humanidade sair da pré-história, conforme postulou Karl Marx, e chegar ao comunismo – um regime efetivamente igualitário em que cada um irá contribuir de acordo com sua capacidade, recebendo segundo suas necessidades. O compromisso de Prestes foi sempre com o socialismo revolucionário. Sua vida política ficou marcada pelo repúdio constante às tendências reformistas, ou seja, à possibilidade, que considerava ilusória, de se alcançar o socialismo apenas por meio de reformas, sem a tomada do poder. Considerado pelos liberais um político inflexível e inábil, provocou o ódio das classes dominantes e dos intelectuais a seu serviço, uma vez que jamais abdicou dos ideais aos quais dedicou sua vida. Sua ruptura em 1930 com os donos do poder foi um gesto inaceitável para as classes dominantes no Brasil, que nunca perdoariam sua opção pelos trabalhadores e, de maneira geral, pelo explorados. Eis a razão por que recorreram sempre ora às calúnias contra o líder comunista, ora ao silêncio ou à falsificação de sua trajetória como forma de apagar o legado do Cavaleiro da Esperança da memória das novas gerações de brasileiros.

EC – Sua convivência com ele foi interrompida diversas vezes por conta das perseguições e exílios de ambos. Como foram essas separações?
Anita – O maior período de afastamento do meu pai – após tê-lo conhecido aos 9 anos de idade, quando ele saiu da prisão em 1945 – deu-se durante minha adolescência, de 1948 a 1957, quando ele teve que viver na clandestinidade devido à perseguição policial então desencadeada contra os dirigentes comunistas. A partir de 1958 até seu falecimento em 1990, sempre mantivemos contato seja na legalidade, na clandestinidade ou no exílio. Tornei-me sua colaboradora na atividade política que desenvolvia à frente do Partido Comunista Brasileiro e, após termos rompido com a direção desse partido, continuei a assessorá-lo até seu falecimento. Como muitos outros brasileiros, sempre fomos perseguidos pelas forças de direita, reacionárias e anticomunistas em nosso país, principalmente nos períodos ditatoriais, o que nos obrigou a passar anos na clandestinidade ou no exílio.

EC – Como vê o contexto do Brasil pós-golpe de 2016?
Anita – Vivemos um momento extremamente penoso para nosso povo, resultado, em grande medida, do golpe parlamentar jurídico perpetrado há um ano, quando assumiu a presidência do Brasil Michel Temer, um usurpador, que não foi eleito pelos brasileiros. O objetivo do golpe está cada vez mais evidente: liquidar as conquistas dos trabalhadores alcançadas através de muita luta durante décadas, entregar a Petrobras ao grande capital internacionalizado, privatizar os setores da economia nacional que ainda não o foram.

EC – A senhora está escrevendo um livro sobre suas próprias memórias. Pode falar sobre esse projeto?
Anita – Dada a insistência de muitos companheiros e amigos, estou tentando produzir um livro com as minhas memórias, o que, em certa medida, se justifica pelo fato de durante a minha já longa trajetória de vida ter enfrentado as vicissitudes das perseguições movidas contra meu pai e nossa família, assim como ter eu mesma participado ativamente da vida de Prestes e do movimento comunista. Atravessei momentos históricos conturbados no Brasil e fui forçada a passar longos períodos no exílio. Fui processada e condenada pelos tribunais militares da ditadura brasileira instalada em 1964, tive os direitos políticos cassados, fui anistiada e acompanhei meu pai nos embates internos do PCB, partido do qual cheguei a ser dirigente e do qual me afastei junto com Prestes. Minha memória guarda o registro de múltiplos acontecimentos inéditos e fatos pouco conhecidos ou falsificados pelos meios de comunicação a serviço dos interesses dos donos do poder. Imagino que a escrita de minhas memórias poderá constituir um complemento válido à biografia política de Luiz Carlos Prestes, que publiquei sob o título Luiz Carlos Prestes – um comunista brasileiro. Por enquanto, não sei quanto tempo vai levar a elaboração desse trabalho.

A AUTORA

Anita Leocadia Prestes nasceu em 27 de novembro de 1936 na prisão de mulheres de Barnimstrasse, em Berlim, na Alemanha nazista. Filha dos revolucionários comunistas Luiz Carlos Prestes, brasileiro, e Olga Benario Prestes, alemã, foi afastada da mãe aos 14 meses de idade. Antes de vir para o Brasil, em outubro de 1945, viveu exilada na França e no México, com a avó paterna, Leocadia Prestes, e a tia, Lygia. Em 1964, graduou-se em Química Industrial pela Escola Nacional de Química da antiga Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1966, obteve o título de mestre em Química Orgânica. Devido à atuação clandestina nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi perseguida pelo regime militar instalado no país a partir de 1964, sendo obrigada a exilar-se, no início de 1973, na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Julgada à revelia em julho de 1973, foi condenada à pena de quatro anos e seis meses pelo Conselho Permanente de Justiça para o Exército brasileiro. Em dezembro de 1975, Anita Prestes recebeu o título de doutora em Economia e Filosofia pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou. Em setembro de 1979, com base na primeira Lei de Anistia no Brasil, a Justiça brasileira extinguiu a sentença que a condenou à prisão. Em seguida, Anita voltou ao Brasil. Desde 1958, até o falecimento de Prestes, em 1990, atuou politicamente ao lado do pai tornando-se sua assessora. Autora de vasta obra sobre a atuação política de Prestes e a história do comunismo no Brasil, é doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense, professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.

FONTEJornal ExtraClasse

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Anita Prestes em Florianópolis (SC), no próximo dia 19 de setembro

Lançamento do livro Olga Benario Prestes:uma comunista nos arquivos da Gestapo (Boitempo, 2017)

com a presença da autora, Anita Leocadia Prestes
19 de setembro | 19h
Auditório EFI 1 | UFSC
Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n - Trindade, Florianópolis | SC, 88040-900





segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Para download: Las Izquierdas Latinoamericanas: Multiplicidad y Experiencias durante el Siglo XX

Las Izquierdas Latinoamericanas: Multiplicidad y Experiencias durante el Siglo XX
Caridad Massón Sena (Edit.)
Facultad de Humanidades, Universidad de Santiago de Chile
Instituto Cubano de Investigación Cultural Juan Marinello
Desarrollo editorial: Ariadna Ediciones
Agosto, 2017

Link para download:




domingo, 10 de setembro de 2017

Visão de um cubano sobre o furacão Irma


Irma

Por Sergio Serrano / Cubanamera
Para ler a versão original, em espanhol, clique AQUI.



Impresionantes olas en el malecón habanero provocadas por el huracán Irma. Foto: Ismael Francisco/ Cubadebate.

Irma, mulher furiosa, que, com seu andar destruidor, nos dá uma lição de política prática.

Anuncia que vai para Cuba e que daí viajará, como qualquer balseiro, rumo à Flórida para buscar o sonho americano.

Oh, surpresa! O sonho americano consiste num grito que diz “lá vem o Irma, salve-se quem puder”. As pessoas correm ao supermercado para acumular comida até desabastecê-lo totalmente. As pessoas, em seus carros, procedem à evacuação gerando o bloqueio das vias. As pessoas pensam se está em dia o pagamento do seguro.

A população da Flórida foge do Irma. Em sua fuga, a gasolina se esgota e as vias se engarrafam com a quantidade de carros. Em seu fuga, movida por combustível fóssil, garantem que virão mais furacões ainda maiores.
Darwinismo social, sobrevive quem tem.

Estudiantes de artes escénicas del Complejo Educacional Carlos Marx alegran el día de los evacuados en esa institución. Foto: Tv Yumuri


Em Cuba, pequena ilha bloqueada e solidária, de imediato formam-se as brigadas de trabalho, que são a forma organizada de defender o outro, o vizinho, o irmão, o desconhecido. Uns põem a comida e os medicamentos de todos a salvo; outros se ocupam de lhe fazer manutenção do saneamento básico para mitigar as inundações; podam-se as árvores para que os ramos não sejam projéteis assassinos; ocupam-se de levar as pessoas a refúgios e instalações militares seguras. Ante o perigo coletivo, o plural é a resposta. A ira do Irma encontra um povo, por amor e por dever reunido.

Antes de morrer, Irma saberá que sua ira é inútil quando há um muro de corações que se juntam.

FONTE: A Verdade

Labores de rescate en la zona del Vedado en La Habana.

“A carta enviada a Pável V. Annenkov” (em Paris), de Karl Marx

O texto clássico “A carta enviada a Pável V. Annenkov” (em Paris), de Karl Marx, antecipa alguns elementos da crítica que ele realizaria posteriormente, em “anti-Proudhon”: a Miséria da Filosofia, obra na qual Marx apresenta as primeiras análises de conjunto da gênese, desenvolvimento e contradições do modo de produção capitalista.

CLIQUE NO LINK ABAIXO PARA ACESSAR A CARTA NA ÍNTEGRA:


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Se cumple el 90 aniversario de la ejecución de los dos inmigrantes anarquistas en Estados Unidos

Sacco y Vanzetti, dos revolucionarios ante la silla eléctrica

Por Enric Llopis

En el verano de 1919 explotó una bomba frente a la casa de A. Mitchell Palmer, ministro de Justicia de los Estados Unidos. Sólo seis meses después Palmer comenzó su embestida contra los inmigrantes que residían en este país. Para ello, recuerda el historiador y activista libertario Howard Zinn en “La Otra historia de los Estados Unidos” (Las Otras Voces, 1997), se apoyó en la legislación aprobada por el Congreso al final de la Primera Guerra Mundial. En diciembre de 1919, fueron deportados a su país de origen –la Rusia soviética- 249 inmigrantes. Muchos otros corrieron la misma suerte. Un año después 4.000 personas fueron detenidas y expulsadas tras pasar por juicios secretos. En Boston, el Ministerio de Justicia y la Policía Local practicaron 600 detenciones, después de redadas en hogares particulares y centros de reunión. Otro ejemplo citado por Zinn es el de Andrea Salsedo, impresor anarquista arrestado en 1920 por el FBI en el edificio Park Row de Nueva York; su cadáver apareció destrozado en la acera. Según la versión oficial, se trataba de un suicidio: Salsedo se habría supuestamente arrojado por la ventana del piso decimocuarto.

El presente año se cumple el 90 aniversario de la ejecución de Nicola Sacco y Bartolomeo Vanzetti, extranjeros en Estados Unidos y militantes anarquistas. Fueron amigos de Andrea Salsedo. Tras el juicio, la condena y pasar siete años en prisión acusados de atraco a mano armada y asesinato, Sacco y Vanzetti fueron ajusticiados por electrocución el 23 de agosto de 1927, en Massachusetts. El caso trascendió a otros países, pero los jueces, la fiscalía y el jurado no atendieron a las protestas en Estados Unidos (Boston, Chicago, Nueva York o San Francisco) ni en otros países (París, Londres, Argentina, Suecia o Sudáfrica); tampoco a huelgas y disturbios; ni a los recursos y apelaciones ante la Corte Suprema de Massachusetts y la Corte Suprema de los Estados Unidos. “Tanto las anotaciones del juicio como las circunstancias que lo envolvieron indican que Sacco y Vanzetti fueron condenados a muerte por ser anarquistas y extranjeros”, explica Zinn. El juez Thayer estuvo a cargo del proceso que, en 1921, sin las debidas garantías les sentenció. Sobre sus afinidades, Howard Zinn revela unas palabras con las que se refirió a Saco y Vanzetti en una conversación privada: “Esos anarquistas mal nacidos”.

La Primera Guerra Mundial había terminado sólo dos años antes. “Ellos habían protestado contra la guerra, se habían negado al reclutamiento y vieron cómo crecía la histeria contra los radicales”, añade Zinn en el libro “A Power Governments Cannot Suppress” y reproducido por el periódico La Jornada. La noche de la ejecución se manifestaron miles de personas en Charlestown; un enorme contingente policial los mantuvo alejados de la prisión, recuerda el historiador fallecido en 2010. “Fueron arrestados muchos manifestantes; las ametralladoras estaban emplazadas en las azoteas y los reflectores barrían el escenario”.

Pero hubo una historia previa. Cuando Bartolomeo Vanzetti abandonó Italia rumbo a Estados Unidos, estaba pensando en arribar a la tierra de promisión. Llegó, al igual que Sacco, en 1908, y en este país los dos abrazaron La Idea. La emigración tenía en el caso de Vanzetti un componente de fuga y liberación personal. En el libro “Sacco & Vanzetti. El enemigo extranjero” (Txalaparta, 1999), el periodista y escritor alemán Helmut Ortner explica que Vanzetti huía de “una fétida panadería y de la autoridad omnipotente de su padre”. Recorrió durante dos días Francia en ferrocarril y decidió embarcarse en el Puerto de Le Havre (Normandía), añade el periodista, a partir de los escritos del militante anarquista. El viaje por mar rumbo a Estados Unidos duró una semana, “en unas condiciones a bordo catastróficas; la carencia de instalaciones higiénicas y un estado de ánimo tenso desembocaban –no raramente- en agresiones”. Vanzetti viajaba hacinado con otros refugiados en la sección de entrecubiertas. Todos con el deseo de llegar a la patria de la libertad.

El libro de Ortner atiende a los pormenores de la estancia de Bartolomeo Vanzetti en Nueva York; pronto halló un trabajo como pastelero en un restaurante de Broadway, en el que sólo permaneció ocho meses. El siguiente empleo fue en la cocina de un hotel en la Séptima Avenida, del que le despidieron a los cinco meses. El inmigrante anarquista conoció las Empresas de Trabajo Temporal (ETT) de la época. Estas agencias actuaban de acuerdo con los jefes de cocina (compartían comisiones), de manera que a estos les interesaba no interrumpir el flujo de despidos y nuevas contrataciones.

Vanzetti se marchó de Nueva York, donde había conocido la realidad de la supuesta tierra prometida: los pobres dormían en los portales, y por la mañana revolvían los cajones de basura (“buscaban una hoja de repollo o alguna patata podrida”). Pasó cinco meses sin poder trabajar, hasta que encontró empleo en la construcción de una línea de ferrocarril, en Springfield (Massachussets); allí laboraba entre 10 y 12 horas al día. También trababajó en el sector de la construcción, en varias fábricas, en el carbón, vendiendo pescado o como cortador de hielo.

En el caso de Nicola Sacco, ya en Estados Unidos quiso aprender un oficio cualificado: sus conocimientos de mecánica –adquiridos en Italia- servían de muy poco. Se apuntó, por 50 dólares, a un curso de acabador de calzados que durante tres meses impartía la Milford Shoe Company. Fue un trimestre en el que no percibía un salario. Terminada la etapa formativa, la empresa le contrató, de modo que empezó a cobrar entre 60 y 70 dólares semanales. Participaba además en un curso de inglés, al que estaban obligados todos los trabajadores extranjeros de la compañía, en la que permaneció siete años. “Sus lecturas se limitaban a los periódicos y a los obligatorios panfletos anarquistas; era más un hombre de acción; participaba en discusiones políticas en círculos anarquistas, y tomaba parte en fiestas y actos de la colonia italiana”, recuerda el libro “Sacco & Vanzetti. El enemigo extranjero”.

El centro anarquista del que formaba parte en 1913 llevaba, por razones de seguridad, la denominación de “círculo social”. Allí Nicola Sacco contribuía a la organización de asambleas, repartía panfletos y recababa dinero entre los inmigrantes italianos. En 1916 resultó detenido en una asamblea y, junto a otros militantes, multado, con la coartada institucional de que no pidieron un permiso previo. Según Helmut Ortner, “estos permisos oficiales eran subterfugios para controlar ‘desagradables’ actividades políticas”. El escritor y periodista entrecomilla, en el libro de Txalaparta, algunas expresiones con las que la Administración y la ciudadanía norteamericana calificaban a los anarquistas: “agitadores maldecidos por Dios” o bien “hombres sin Dios ni ley”.

Poco antes que la ejecución en la silla eléctrica, a los 36 años, Sacco le escribió a su hijo Dante: “Ayuda al perseguido y a la víctima pues son tus mejores amigos…En esta lucha de la vida, encontrarás más. Ama y serás amado”. A pesar de estas palabras, concluye el escritor germano, desde hacía medio siglo “el anarquismo era el espectro terrorífico de todos los estadounidenses ‘íntegros y amantes de la libertad’”. Defendían consignas revolucionarias, apelaban a la huelga y el conflicto con el patrón; “todo aquel que guardaba simpatía por estas ideas era rápidamente registrado, detenido, perseguido o deportado a su país de origen”, explica Ortner. Lo corrobora Bartolomeo Vanzetti en sus escritos, cuando se refiere al “linchamiento periodístico” que siguió a su detención y la de Sacco, la noche del cinco de mayo de 1920. Los periódicos de Boston y Cap Code amanecieron con primeras planas espectaculares: “Se arrestó anoche a los bandidos de Braintree”.

Diferentes editoriales han publicado la vida, alegatos y cartas de Sacco y Vanzetti, por ejemplo la argentina Anarres o Ediciones Antorcha. Incluyen un texto de Aldino Felicani (“Cómo se urdió la trama”), amigo de Vanzetti y también proletario e inmigrante italiano en Estados Unidos; Felicani no sólo compartía militancia anarquista con los ejecutados, sino que participó de modo muy activo en el Comité de Defensa de Sacco y Vanzetti. Calificó el proceso contra los dos anarquistas como “un acto de intimidación” hacia las fuerzas progresistas. El texto no sólo analiza el modo en que se realizaron las identificaciones (“sin precedentes en los anales judiciales”), el proceso a Vanzetti ante el tribunal de Plymouth (el rol del fiscal de distrito, y la cuestión de los cartuchos); el proceso contra Sacco en el tribunal de East Norfolk y el que se desarrolló ante el Tribunal Superior de Dedham, que les declaró culpables el 14 de julio de 1921. El obrero inmigrante recuerda algunas de las preguntas que las autoridades judiciales y policiales plantearon a Sacco y Vanzetti: “¿Son ustedes socialistas? ¿Son comunistas? ¿Son anarquistas?”

Tipógrafo conocido como “Il Murator”, Aldino Felicani conoció a Vanzetti en Boston, y juntos proyectaron el lanzamiento de un periódico con el título de Cara Compagna. En “Cómo se urdió la trama” resalta la importancia que tuvo en los hechos A. Mitchell Palmer, ministro de Wilson, cuyo departamento pagaba a los periódicos para que insertaran determinados artículos. El fin era soliviantar a los ciudadanos contra “extranjeros” e “izquierdistas”. Menciona asimismo un escrito de la época (“El delirio de la deportación en 1920”) sobre el “reinado del terror” en Estados Unidos, que siguió a la Primera Guerra Mundial. “Millares de inocentes fueron sometidos a todo tipo de persecuciones y malos tratos; los derechos constitucionales fueron pisoteados”, afirma. En el 90 aniversario, aún resuenan las palabras de Sacco ante la audiencia de Dedham, iniciada en mayo de 1921: “Llega un día en que se necesita un poco más de pan y cuando (la madre) logra que el hijo lo traiga como producto del trabajo del muchacho, vienen los Rockefeller, los Morgan o alguna gente de esta laya, de las clases dirigentes, y los envían a la guerra”.

FUENTE: Rebelión

"Uma das questões fundamentais da revolução", por Por Vladimir Ilyich Lênin



O Blog da Boitempo recupera aqui o artigo, rigorosamente contemporâneo de O Estado e a revolução,”Uma das questões fundamentais da revolução”, que veio a publico no dia 27 (14) de setembro de 1917 no periódico Rabótchi Put, n.° 10, assinado “N. Lênin”. A tradução é de Daniela Jinkings.

* * *

Uma das questões fundamentais da revolução

Por Vladimir Ilyich Lênin

A questão mais importante de qualquer revolução é sem dúvida a questão do poder do Estado. Nas mãos de que classe está o poder, isto é que decide tudo. E se o jornal do principal partido governamental na Rússia, o Delo Naroda, se queixava há pouco (n.° 147) de que devido às discussões acerca do poder se esquece tanto a questão da Assembleia Constituinte como a questão do pão, deveria ter-se respondido aos socialistas-revolucionários: queixai-vos de vós próprios. Porque são precisamente as vacilações, a indecisão do vosso partido, que mais se devem culpar tanto pelo prolongamento do “jogo do eixo ministerial” como pelo adiamento infindável da Assembleia Constituinte e pelo fato de os capitalistas minarem as medidas adotadas e planejadas para o monopólio dos cereais e o abastecimento de cereais ao país.

Não é possível eludir nem afastar a questão do poder, pois esta é precisamente a questão fundamental que determina tudo no desenvolvimento da revolução, na sua política interna e externa. Que a nossa revolução tenha “perdido em vão” meio ano em vacilações em relação à organização do poder, isto é um fato indiscutível, é um fato determinado pela política vacilante dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques. E a política destes partidos foi determinada, em última instância, pela posição de classe da pequena burguesia, pela sua instabilidade econômica na luta entre o capital e o trabalho.

Toda questão está agora em saber se a democracia pequeno-burguesa aprendeu ou não alguma coisa neste grande meio ano, excepcionalmente rico de conteúdo. Se não, então a revolução está perdida e só uma insurreição vitoriosa do proletariado poderá salvá-la. Se sim, então é necessário começar a criar imediatamente um poder estável, não vacilante. Durante uma revolução popular, que desperta as massas, a maioria dos operários e camponeses, para a vida, só pode ser estável um poder que se apoie de modo evidente e incondicional na maioria da população. Até este momento, o poder de Estado na Rússia permanece de fato nas mãos da burguesia, que só é obrigada a fazer concessões parciais (para começar a retirá-las no dia seguinte), a distribuir promessas (para não as cumprir), a procurar todas as maneiras de encobrir o seu domínio (para enganar o povo com a aparência de uma “coligação honesta”), etc., etc. No discurso, um governo revolucionário, democrático, popular, de fato, burguês, contra revolucionário, antidemocrático e antipopular, tal é a contradição que existiu até agora e foi a fonte da completa instabilidade e das vacilações do poder, de todo esse “jogo do eixo ministerial” em que os senhores socialistas-revolucionários e mencheviques se ocuparam de zelo tão lamentável (para o povo).

Ou a dispersão dos Sovietes e a sua morte inglória, ou todo poder aos sovietes – isto disse-o eu perante o Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia em princípios de Junho de 1917, e a história de Julho e de Agosto confirmou a justeza destas palavras de modo completamente convincente. O poder dos sovietes é o único que pode ser estável e apoiar-se abertamente na maioria do povo, por mais que mintam os lacaios da burguesia Potréssov, Plekhánov e outros que chamam “alargamento de base” do poder à sua passagem de fato para uma minoria insignificante do povo, para a burguesia, para os exploradores.

Só o poder soviético poderia ser estável, só ele poderia não ser derrubado mesmo nos momentos mais tempestuosos da revolução mais tempestuosa, só tal poder poderia assegurar um desenvolvimento contínuo e amplo da revolução, uma luta pacífica dos partidos dentro dos Sovietes. Enquanto este poder não tiver sido criado, são inevitáveis a indecisão, a instabilidade, as vacilações, as intermináveis “crises de poder”, a comédia sem saída do jogo do eixo ministerial, as explosões tanto à direita como à esquerda.

Mas a palavra de ordem “o poder aos sovietes” é muito frequentemente, se não na maior parte dos casos, entendida de uma maneira completamente errada, no sentido de “um ministério dos partidos da maioria nos sovietes”, e é sobre esta opinião profundamente errada que quereríamos deter-nos com mais pormenor.

“Um ministério dos partidos da maioria nos sovietes” significa uma mudança de pessoas na composição do ministério, mantendo inviolável todo o velho aparelho do poder governamental, aparelho burocrático até à medula, não democrático até à medula, incapaz de levar a cabo reformas sérias, mesmo aquelas que figuram nos programas dos socialistas- revolucionários e dos mencheviques.

“O poder aos sovietes” significa uma transformação radical de todo o velho aparelho de Estado, deste aparelho burocrático que entrava tudo quanto é democrático, a eliminação deste aparelho e a sua substituição pelo aparelho novo, popular, isto é, verdadeiramente democrático, dos sovietes, isto é, da maioria organizada e armada do povo, dos operários, dos soldados, dos camponeses, a concessão da iniciativa e da autonomia à maioria do povo não só na eleição dos deputados mas também na administração do Estado, na realização de reformas e transformações.

Para tornar mais clara e patente esta diferença recordemos uma valiosa confissão que foi feita há algum tempo por um jornal de um partido governamental, do partido dos socialistas revolucionários, o Delo Naroda. Mesmo aqueles ministérios, escrevi este jornal, que foram entregues a ministros socialistas (isto era escrito durante a famigerada coligação com os democratas-constitucionalistas, quando os mencheviques e os socialistas-revolucionários eram ministros), mesmo nestes ministérios todo aparelho administrativo continuou a ser o velho, e ele entrava todo o trabalho.

Isso é compreensível. Toda a história dos países parlamentares burgueses e, em considerável medida, a dos países burgueses constitucionais, mostra que uma mudança de ministros significa muito pouco, pois todo o trabalho administrativo real está nas mãos de um exército gigantesco de funcionários. E este exército está impregnado até à medula de um espírito antidemocrático, está ligado por milhares e milhões de fios aos latifundiários e à burguesia, dependendo deles de todas as formas. Este exército está rodeado por uma atmosfera de relações burguesas, respira apenas nela, está congelado, petrificado, anquilosado, não tem forças para se libertar dessa atmosfera, não pode pensar, sentir, agir de outro modo que não seja à maneira antiga. Este exército está ligado por relações de respeito aos superiores, por determinados privilégios do serviço “do Estado”, e as categorias superiores deste exército estão completamente submetidas, por meio das ações dos bancos, ao capital financeiro, do qual são em certa medida agentes, veículos dos seus interesses e influência.

Tentar levar a cabo por meio deste aparelho de Estado, transformações tais como a abolição da propriedade latifundiária da terra sem indenização ou o monopólio dos cereais, etc., é a maioria das ilusões, o maior engano de si próprio e o engano do povo. Esse aparelho pode servir à burguesia republicana, criando uma república na forma de “uma monarquia sem monarca”, como a III República em França, mas tal aparelho de Estado é absolutamente incapaz de levar a cabo reformas, não que destruam, mas mesmo que cerceiem ou limitem seriamente os direitos do capital, os direitos da “sagrada propriedade privada”. Daí resulta sempre que em todos os ministérios de “coligação” possíveis em que participam “socialistas”, estes socialistas, mesmo que certas personalidades dentre eles sejam de uma absoluta propriedade, se revelam de fato um ornamento inútil ou um biombo do governo burguês, um para-raios da indignação popular provocada por este governo, um instrumento do engano das massas por este governo. Assim foi com Louis Blanc em 1848, assim foi desde então dezenas de vezes na Inglaterra e na França com a participação dos socialistas no ministério, assim foi com os Tchernov e os Tseretéli em 1917, assim foi e assim será enquanto durar a ordem burguesa e subsistir intacto o velho aparelho de Estado burguês, burocrático.

Os sovietes de deputados operários, soldados e camponeses são particularmente valiosos porque representam um tipo de aparelho de Estado novo, infinitamente mais elevado, incomparavelmente mais democrático. Os socialistas-revolucionários e os mencheviques, e todo o impossível para transformar os Sovietes (especialmente o de Petrogrado e o de toda a Rússia, isto é, o CEC) em puros centros de conversa, que se ocupassem, a pretexto de “controlo”, em adotar resoluções e votos impotentes que o governo, com o mais cortês e amável dos sorrisos, metia na gaveta. Mas bastou a “brisa fresca” da kornilovada*, que prometia uma bela tempestade, para que tudo o que era bolorento no soviete se afastasse temporariamente e para que a iniciativa das massas revolucionárias começasse a manifestar-se como qualquer coisa de grandioso, de poderoso, de invencível.

Que aprendam com este exemplo histórico todos os incrédulos. Que se envergonhem aqueles que dizem: “não temos um aparelho para substituir o velho aparelho, que tende inevitavelmente para a defesa da burguesia”. Pois este aparelho existe. São os sovietes. Não receeis a iniciativa e a autonomia das massas, confiai nas organizações revolucionárias das massas e vereis em todos os domínios da vida estatal a mesma força, grandiosidade e invencibilidade que os operários e camponeses revelaram na sua unificação e no seu ímpeto contra a kornilovada.

Falta de confiança nas massas, medo da sua iniciativa, medo da sua autonomia, terror perante a sua energia revolucionária, em vez de um apoio total e sem reservas a ela, eis aquilo em que erraram em primeiro lugar os chefes socialistas-revolucionários e mencheviques. Eis onde está uma das raízes mais profundas da sua indecisão, das suas vacilações infinitas e infinitamente estéreis de deitar vinho novo nos velhos odres do aparelho de Estado burocrático.

Tomai a história da democratização do exército na Revolução Russa de 1917, a história do ministério de Tchernov, a história do “reinado” de Paltchínski, a história da demissão de Pechekhónov – e vereis a cada passo a confirmação mais patente do que foi dito atrás. A falta de uma total confiança na organizações eleitas pelos soldados, absoluta falta de aplicação do princípio de elegibilidade dos superiores pelos soldados, fez com que os Kornílov, os Kalédine e os oficiais contra-revolucionários se encontrassem à frente do exército. Isto é um fato. E quem não quiser fechar os olhos não pode deixar de ver que, depois da kornilovada, o governo de Kérenski deixa tudo como dantes, que ele restaura de fato a kornilovada. A nomeação de Alexéev, a “paz” com os Klembóvski, Gagárine, Bagration, e outros kornilovistas, a brandura do tratamento dos próprios Kornílov e Kalédine tudo isto mostra com a maior clareza que Kérenski restaura de fato a kornilovada.

Não há meio-termo. A experiência mostrou que não há meio-termo. Ou todo poder aos sovietes e a completa democratização do exército, ou a kornilovada.

E a história do ministério de Tchernov? Acaso não demostrou ela que qualquer passo minimamente sério para satisfazer verdadeiramente as necessidades dos camponeses, que qualquer passo que testemunhe a confiança neles, nas suas organizações de massas próprias e na sua atividade, despertou o maior entusiasmo em todo o campesinato? E Tchernov viu-se obrigado durante quase quatro meses a “regatear” e a “regatear” com os democratas-constitucionacistas e os funcionários, que, com intermináveis adiamentos e intrigas, o obrigaram no fim de contas a demitir-se sem Ter feito nada. Durante esses quatro meses e por esses quatro meses, os latifundiários e capitalistas “ganharam o jogo”, salvaguardaram a propriedade latifundiária da terra, adiaram a Assembleia Constituinte e começaram mesmo uma série de ações repressivas contra os comitês agrários.

Não há meio-termo. A experiência mostrou que não há meio-termo. Ou todo poder aos sovietes, tanto no centro como localmente, toda terra aos camponeses imediatamente, antes da decisão da Assembleia Constituinte, ou os latifundiários e capitalistas entravarão tudo, restabelecerão o poder dos latifundiários, levarão os camponeses até à exasperação e levarão as coisas até uma insurreição camponesa extraordinariamente violenta.

É exatamente a mesma história com a sabotagem pelos capitalistas (com ajuda de Paltchínski) de um controle minimamente sério sobre a produção, com a sabotagem pelos comerciantes do monopólio dos cereais e do começo da distribuição democrática regulada do pão e dos víveres por Pechekhónov.

Agora, na Rússia não se trata de modo algum de inventar “novas reformas”, de traçar “planos” de transformações “universais”. Nada de semelhante. Assim apresentam as coisas, apresentam as coisas mentindo notoriamente, os capitalistas, os Potréssov, os Plekhánov, que gritam contra a “introdução do socialismo”, contra a “ditadura do proletariado”. Na realidade, a situação na Rússia é tal que o peso e os sofrimentos nunca vistos da guerra, o perigo inaudito e ameaçador da ruína e da fome sugeriram por si mesmos a saída, indicaram por si mesmos, e não só indicaram como apresentaram já como absolutamente inadiáveis, reformas e transformações como o monopólio dos cereais, o controle sobre a produção e distribuição, a limitação da emissão de papel-moeda, a troca justa de cereais por mercadorias, etc.

Medidas deste gênero, dirigidas precisamente neste sentido, foram reconhecidas por todos como inevitáveis, começaram a ser adotadas em muitos lugares e dos mais diversos lados. Começaram já, mas são e têm sido entravadas em toda a parte pela resistência dos latifundiários e dos capitalistas, resistência que exerce tanto através do governo de Kérenski (de fato um governo completamente burguês e bonapartista) como através do aparelho burocrático do velho Estado e através da pressão direta e indireta do capital financeiro russo e “aliado”.

Não há muito, I. Prilejáev escrevia no Delo Naroda (n.° 147), lamentando a demissão de Pechekhónov e a falência dos preços fixos, a falência do monopólio dos cereais:

“Coragem e decisão- eis o que faltou aos nossos governos de todas as composicções… A democracia revolucionária não deve esperar, deve ela própria revelar iniciativa e intervir planificadamente no caos econômico… Se há lugar onde são necessários um rumo firme e um poder decidido, é precisamente aqui.”

O que é verdade, é verdade. Palavras de ouro. Só que o autor esquece que a questão de um rumo firme, da coragem e da decisão não é uma questão pessoal, mas uma questão de qual a classe que é capaz de revelar coragem e decisão. A única classe assim é o proletariado. A coragem e a decisão do poder, o seu rumo firme- não é outra coisa senão a ditadura do proletariado e dos camponeses pobres. I. Prilejaév, sem ter ele próprio consciência disso, suspira por esta ditadura.

Pois que significaria de fato tal ditadura? Nada senão que a resistência dos kornilovistas seria esmagada e que a total democratização do exército seria restaurada e completada. Noventa e nove por cento do exército seriam partidários entusiastas de tal ditadura dois dias depois de ter sido estabelecida. Esta ditadura daria a terra aos camponeses e todo o poder aos comitês locais de camponeses; como pode alguém em seu perfeito juízo pôr em dúvida que os camponeses apoiariam esta ditadura? Aquilo que Pechekhionóv apenas prometeu (“a resistência dos capitalistas foi esmagada” – palavras textuais de Pechekhionóv no seu célebre discurso no congresso dos sovietes), esta ditadura aplicá-lo-ia na prática, transformá-lo-ia em realidade, sem eliminar as organizações democráticas de abastecimento de controle, etc., que já começaram a formar-se, mas, pelo contrário, apoiando-as, desenvolvendo-as, eliminando todos os obstáculos ao seu trabalho.

Só a ditadura dos proletários e dos camponeses pobres é capaz de esmagar a resistência dos capitalistas, de revelar uma coragem e uma decisão verdadeiramente grandiosas do poder, de assegurar para si um apoio entusiasta, sem reservas, verdadeiramente heroico das massas tento no exército como no campesinato.

O poder aos sovietes é a única coisa que poderia tornar o desenvolvimento futuro gradual, pacífico e tranquilo, avançando completamente ao nível da consciência e da decisão da maioria das massas populares, ao nível da sua própria experiência. O poder aos sovietes significa a entrega total da administração do país e do controle da sua economia aos operários e aos camponeses, aos quais ninguém se atreveria a resistir e que rapidamente aprenderiam com a experiência, aprenderiam com a sua própria prática a distribuir corretamente a terra, os víveres e os cereais.

* * *

* Revolta contrarrevolucionária da burguesia e dos latifundiários em agosto de 1917, liderada pelo comandante do Exército, o general tsarista Kornilov. Os conspiradores planejaram tomar Petrogrado, destruir o Partido Bolchevique, dispersar os sovietes e iniciar uma ditadura militar com o objetivo de restaurar a monarquia. Kerenski, o líder do governo provisório, participou do complô, mas, quando a revolta foi controlada e ele percebeu que seria descartado com Kornilov, lavou as mãos para todo o incidente: que fique declarado que a revolta era contra o governo provisório. Ela teve início em 25 de agosto (7 de setembro), com Kornilov enviando o Batalhão da Terceira Cavalaria contra Petrogrado, onde organizações contrarrevolucionárias estavam prontas para entrar em ação.

A enorme luta contra Kornilov foi liderada pelo Partido Bolchevique, que continuou, conforme exigido por Lenin, a denunciar o governo provisório e seus cúmplices socialistas revolucionários e mencheviques. O Comitê Central do Partido Bolchevique reuniu os operários de Petrogrado, e os soldados revolucionários e marinheiros para lutar contra os revoltosos. Os operários de Petrogrado rapidamente organizaram unidades da Guarda Vermelha, e comitês revolucionários foram montados em diferentes locais. O avanço das tropas de Kornilov foi interrompido e seu moral arrasado pelos agitadores bolcheviques.

A kornilovada foi liquidada pelos operários e camponeses liderados pelo Partido Bolchevique. Sob a pressão das massas, o governo provisório foi forçado a ordenar a prisão e o julgamento de Kornilov e seus cúmplices responsáveis pela organização da revolta.

* * *

Vladímir Ilitch Uliánov Lênin (1870-1924) foi o mais importante líder bolchevique e chefe de Estado soviético, mentor e executor de um evento que inaugurou uma nova etapa da história universal, a Revolução Russa de 1917. Intelectual e estrategista com rara apreensão do momento histórico em que viveu, escreveu artigos e livros que inspiraram a articulação do internacionalismo socialista e aprofundaram a compreensão do capitalismo, dos efeitos do desenvolvimento desigual, do imperialismo e do Estado. Durante sua existência, praticou o que escreveu e escreveu sobre o que praticou, num notável exemplo de coerência. Quase toda a sua obra – teórica e prática – foi produzida nas duas décadas que inauguraram o século XX, período em que sua influência foi decisiva.


quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Para download: CARDOSO, Ciro Flamarion. "Antiguidade Oriental, politica e religião"

Título: ANTIGUIDADE ORIENTAL -  POLITICA E RELIGIÃO
Autor: Ciro Flamarion Cardoso
Editora: Contexto
Coleção: REPENSANDO A HISTORIA
Ano: 1990

Link para download:


"Em memória da Comuna", por Vladimir Ilyich Lênin

"A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da completa emancipação política e econômica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E, nesse sentido, é imortal." (Lênin)


O Blog da Boitempo recupera aqui o clássico “Em memória da Comuna” escrito por Lênin em comemoração aos quarenta anos da revolta. A apresentação e revisão da tradução são de Alexandre Linares, feitas especialmente para a Margem Esquerda #16, volume publicado no aniversário de 140 anos do levante proletário parisiense de 1871. Nesse texto, o líder soviético analisa a origem e a organização da luta dos communards, que, abandonados por seus aliados, enfrentaram até a morte os exércitos da burguesia francesa.

* * *

Apresentação

Por Alexandre Linares

Foi Lênin quem mais profundamente tirou as lições da experiência revolucionária do proletariado parisiense na Comuna de Paris. Seu trabalho buscou generalizar essa experiência para os trabalhadores russos e para o proletariado mundial. Em sua obra O Estado e a revolução, escrita no calor da revolução de 1917, ele recupera os ensinamentos do proletariado parisiense para alimentar o processo que desembocou na tomada do poder pelos Sovietes.

O artigo “Em memória da Comuna” redigido por Lênin para a Rabochaya Gazeta (Gazeta dos Trabalhadores), em 15 de abril de 1911, é um testemunho dessa busca por preservar e generalizar a experiência dos trabalhadores de Paris em 1871. Escrito para comemorar o aniversário de quarenta anos dessa gloriosa experiência histórica, Lênin explica que “não morreu a causa da Comuna, que segue vivendo dentro de cada um de nós. A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da completa emancipação política e econômica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E, neste sentido, é imortal.”

Hoje, ao comemorarmos os 140 anos da Comuna de Paris, precisamos lembrar que ela segue viva, inspirando e ensinando que o combate pela independência política dos trabalhadores se mantém atual e cada vez mais necessário.

* * *

Em memória da Comuna

[Publicado originalmente em Rabochaya Gazeta, n. 4-5, 15 de abril de 1911). Tradução de Pedro Castro, para o Marxist Internet Archive, com revisão de Alexandre Linares.]

Por Vladimir Ilyich Lênin

Já se passaram quarenta anos desde a proclamação da Comuna de Paris. Seguindo a tradição, o proletariado francês honrou a data com comícios e manifestações em memória dos homens da revolução de 18 de março de 1871. No final de maio voltará a levar coroas de flores às tumbas dos communards fuzilados durante a terrível “semana de maio” e a jurar, diante delas, que lutará sem descanso até o triunfo completo de suas ideias, até dar por cumprida a obra por eles legada.

Por que o proletariado – não apenas o francês como o de todo o mundo – honra os combatentes da Comuna e seus precursores? Qual é a herança da Comuna?

A Comuna surgiu espontaneamente; ninguém a preparou de modo consciente ou sistemático. A desgraçada guerra contra a Alemanha, os sofrimentos das privações impostas pelo cerco militar, o desemprego operário e a ruína da pequena burguesia; a indignação das massas contra as classes superiores e contra as autoridades, que haviam demonstrado uma incapacidade absoluta; a surda efervescência no seio da classe operária, descontente de sua situação e ansiosa por um novo regime social; a composição reacionária da Assembleia Nacional, que fazia temer os destinos da República, foram as causas que concorreram com outras muitas para impulsionar a população parisiense para a revolução do 18 de março, que colocou de improviso o poder nas mãos da Guarda Nacional, em mãos da classe operária e da pequena burguesia, que havia se unido a ela.

Foi um acontecimento histórico sem precedentes. Até então, o poder estivera, em geral, nas mãos dos latifundiários e dos capitalistas, quer dizer, de seus mandatários, que constituíam o chamado governo. Depois da revolução de 18 de março, quando o governo do senhor Thiers fugiu de Paris com suas tropas, sua polícia e seus funcionários, o povo ficou dono da situação, e o poder passou para as mãos do proletariado. Porém, na sociedade moderna, o proletariado, avassalado no econômico pelo Capital, não pode dominar na política se não rompe as cadeias que o amarram ao Capital. Daí que o movimento da Comuna deveria adquirir inevitavelmente um matiz socialista, isto é, deveria tender ao aniquilamento do domínio da burguesia, da dominação do capital e à destruição das próprias bases do regime social contemporâneo.

A princípio, tratou-se de um movimento heterogêneo e confuso. A ele somaram-se também os patriotas, na esperança de que a Comuna reiniciaria a guerra contra os alemães e levasse a um desenlace venturoso. Apoiaram-no também os pequenos lojistas, em perigo de arruinamento se não se adiasse o pagamento das letras vencidas e dos aluguéis – adiamento este que lhes era negado pelo governo, mas que a Comuna lhes concedeu. Por último, no começo também simpatizaram em certo grau com o movimento os republicanos burgueses, temerosos de que a reacionária Assembleia Nacional (os ruralistas, os violentos latifundiários) restabelecesse a monarquia. Porém, o papel fundamental nesse movimento foi desempenhado, naturalmente, pelos operários (sobretudo os artesãos parisienses), entre os quais se havia espalhado, nos últimos anos do Segundo Império da França, uma intensa propaganda socialista –muitos deles, inclusive, eram filiados à Internacional.

Somente os operários revelara-se fiéis à Comuna até o fim. Os republicanos burgueses e a pequena burguesia não tardaram em apartar-se dela: uns assustaram-se com o caráter revolucionário socialista do movimento, com seu caráter proletário; outros se afastaram quando viram que a Comuna estava inevitavelmente condenada à derrota. Apenas os proletários franceses apoiaram seu governo sem temor nem vacilo; só eles lutaram e morreram por ele, quer dizer, pela emancipação da classe operária, por um futuro melhor para os trabalhadores.

Abandonada por seus aliados de outrora e sem poder contar com nenhum apoio, a Comuna havia de ser derrotada. Toda a burguesia francesa, todos os latifundiários, especuladores da bolsa e fabricantes, todos os grandes e pequenos ladrões, todos os exploradores uniram-se contra ela. Com a ajuda de Bismarck (que pôs em liberdade 100 mil soldados franceses, prisioneiros dos alemães, para esmagar a Paris revolucionária), essa coalizão burguesa logrou confrontar com o proletariado parisiense os camponeses atrasados e a pequena burguesia de províncias e cercar meia Paris com um anel de ferro – a outra metade havia sido cercada pelo exército alemão. Em algumas cidades importantes da França (Marselha, Lyon, Saint-Etienne, Dijon e outras), os operários também tentaram tomar o poder, proclamar a Comuna e acudir a Paris. Tais intentos, porém, logo fracassaram, e Paris, que havia sido o primeiro local a desfraldar a bandeira da insurreição proletária, ficou abandonada a sua própria força, condenada a uma morte certa.

Para que uma revolução social triunfe, são necessárias pelo menos duas condições: um alto desenvolvimento das forças produtivas e um proletariado preparado para tal. Contudo, em 1871, nenhuma dessas condições estava dada. O capitalismo francês encontrava-se ainda pouco desenvolvido; a França era, então, fundamentalmente um país de pequena burguesia (artesãos, camponeses, lojistas etc.). Da mesma forma, não existia um partido operário; a classe operária não tinha preparação nem havia passado por um grande treinamento e, em sua massa, sequer tinha uma noção totalmente clara de quais eram seus objetivos nem como se poderia alcançá-los. Não havia uma organização política séria do proletariado nem sindicatos e cooperativas fortes…

Mas o que faltou à Comuna foi, principalmente, tempo, isto é, possibilidade para perceber a situação das coisas e empreender a realização de seu programa. Não teve tempo para iniciar essa tarefa quando o governo, entrincheirado em Versalhes e apoiado por toda a burguesia, iniciou as operações militares contra Paris. A Comuna teve de pensar, antes de tudo, em sua própria defesa. E até seu fim, que ocorreu na semana de 21 a 28 de maio, não houve tempo para pensar com seriedade em outra coisa.

Por certo, em que pese a essas condições tão desfavoráveis e à brevidade de sua existência, a Comuna teve tempo de aplicar algumas medidas que caracterizam bastante seus verdadeiros sentido e objetivo. Substituiu o exército permanente, instrumento cego em mãos das classes dominantes, pelo armamento de todo o povo; proclamou a separação da Igreja do Estado; suprimiu a subvenção ao culto (o soldo que o Estado pagava aos padres) e deu um caráter estritamente laico à instrução pública, com o que assestou um rude golpe aos soldados de batina. Pouco foi o que se pôde fazer no terreno puramente social. Esse pouco, porém, mostra com suficiente clareza seu caráter de governo popular, de governo operário: foi suprimido o trabalho noturno nas padarias, foi abolido o sistema das multas – essa exploração consagrada pela lei, com que se vitimavam os operários – e, finalmente, foi promulgado o famoso decreto de entrega de todas as fábricas e oficinas abandonadas ou paralisadas por seus donos às cooperativas operárias, com o fim de retomar a produção. E, para sublinhar, seu caráter de governo autenticamente democrático, proletário, a Comuna dispôs que a remuneração de todos os funcionários administrativos e do governo não fosse superior ao salário normal de um operário, nem passasse em nenhum caso dos 6 mil francos anuais (menos de 200 rublos ao mês).

Todas essas medidas mostravam eloquentemente que a Comuna constituía uma ameaça de morte ao Velho Mundo, baseado no avassalamento e na exploração. Essa era a causa de a sociedade burguesa não poder dormir tranquila, enquanto o ajuntamento de Paris ostentasse a bandeira vermelha do proletariado. E, quando a força organizada do governo pôde, afinal, dominar a força mal organizada da revolução, os generais bonapartistas, esses generais batidos pelos alemães mas garbosos frente a seus compatriotas vencidos, esses Rennenkampf e Méller-Zakomelski franceses fizeram uma matança como jamais se havia visto em Paris. Cerca de 30 mil parisienses foram mortos pela soldadesca enfurecida; uns 45 mil foram detidos, executados logo muitos e desterrados ou enviados a trabalhos forçados milhares deles. No total, Paris perdeu 100 mil filhos, entre os quais se encontravam os melhores operários de todos os ofícios.

A burguesia estava satisfeita. “Agora, acabou-se com o socialismo, por um longo tempo!”, dizia seu sanguinário chefe, o diminuto Thiers, quando ele e seus generais afogaram em sangue a sublevação do proletariado de Paris. Mas de nada serviram os grunhidos desses corvos burgueses. Não passariam ainda seis anos da derrocada da Comuna, enquanto se achavam muitos de seus lutadores em presídio ou no exílio, quando na França iniciou-se um novo movimento operário. A nova geração socialista, enriquecida com a experiência de seus predecessores e em absoluto desencorajada pela derrota que sofreram, recolheu a bandeira caída das mãos dos combatentes da Comuna e levou-a adiante com firmeza e valentia aos gritos de “Viva a revolução social! Viva a Comuna!”. E três ou quatro anos mais tarde um novo partido operário e a agitação que levantara no país obrigaram as classes dominantes a pôr em liberdade os communards que o governo ainda mantinha presos.

Honram a memória dos combatentes da Comuna não só os operários franceses, senão também o proletariado de todo o mundo, pois ela não lutou apenas por um objetivo local ou nacional estreito, mas pela emancipação de toda a humanidade trabalhadora, de todos os humilhados e ofendidos. Como combatente de vanguarda da revolução social, a Comuna ganhou a empatia onde quer que sofra e lute o proletariado. A epopeia de sua vida e de sua morte, o exemplo de um governo operário que conquistou e reteve em suas mãos durante mais de dois meses a capital do mundo e o espetáculo da heroica luta do proletariado e seus padecimentos depois da derrota têm levantado até hoje a moral de milhões de operários, têm alentado suas esperanças e têm conquistado sua simpatia para o socialismo. O troar dos canhões de Paris despertou de seu sono profundo às camadas mais atrasadas do proletariado e deu um impulso à propaganda socialista revolucionária em todas as partes. Por isso não morreu a causa da Comuna, por isso segue vivendo até hoje em cada um de nós.

A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da completa emancipação política e econômica dos trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E, nesse sentido, é imortal.

***

Vladímir Ilitch Uliánov Lênin (1870-1924) foi o mais importante líder bolchevique e chefe de Estado soviético, mentor e executor de um evento que inaugurou uma nova etapa da história universal, a Revolução Russa de 1917. Intelectual e estrategista com rara apreensão do momento histórico em que viveu, escreveu artigos e livros que inspiraram a articulação do internacionalismo socialista e aprofundaram a compreensão do capitalismo, dos efeitos do desenvolvimento desigual, do imperialismo e do Estado. Durante sua existência, praticou o que escreveu e escreveu sobre o que praticou, num notável exemplo de coerência. 


terça-feira, 5 de setembro de 2017

Mulheres Revolucionárias - Olga Benario Prestes

Palestra da historiadora Anita Leocadia Prestes
Lançamento do livro "Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo" (Boitempo Editorial, 2017)

Dia: 12 de setembro
Horário: 18h30min
Local: Associação Cultural José Martí-RJ (ACJM-RJ)



Assista à reportagem do Programa Canal Aquaviário - 604, exibido em 12 de agosto de 2017, sobre o lançamento do livro "Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestado", realizado na Associação Cultural José Martí, na cidade de Santos (SP).


Para download: Coleção História do Marxismo - coordenada por Eric Hobsbawm - 12 volumes em português



Historia do marxismo Volume 1
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 2
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 3
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Falta o volume 4

Historia do marxismo Volume 5
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 6
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 7
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 8
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 9
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 10
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 11
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia

Historia do marxismo Volume 12
Eric Hobsbawm (org)
Category: Historia


O link da pesquisa foi este: 

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Lima Barreto: As mulheres da Revolução // Especial Revolução Russa

O Blog da Boitempo recupera, no contexto do dossiê especial sobre o centenário da Revolução Russa, uma série de artigos de Lima Barreto – todos escritos no calor da hora em 1918. A enérgica e afiada defesa pública da Revolução Russa que emerge nesses textos se mostra tanto mais audaciosa por parte de Lima Barreto se considerarmos que a tônica geral das referências da elite intelectual da época aos acontecimentos de Outubro e ao recém estabelecido governo soviético era bastante depreciativa, para dizer o mínimo.

Neste segundo artigo de Lima Barreto sobre a Revolução Russa que o Blog da Boitempo resgata, o escritor insiste na grandeza de mulheres como Vera Zasulitch, Alexandra Kollontai, e dispara: "Não posso negar a grande simpatia que me merece a Revolução Russa; não posso esconder o desejo que tenho de ver um movimento semelhante aqui, de modo a acabar com essa chusma de tiranos burgueses, acocorados covardemente por detrás da Lei, para nos matarem de fome".

Confira o primeiro artigo da série, o chamado “manifesto maximalista”, clicando aqui.

* * *

Vera Zasulitch

Por Lima Barreto.
14.07.1918, Brás Cubas

Afirmou Dostoiévski, não me lembro onde, que a realidade é mais fantástica do que tudo o que a nossa inteligência pode fantasiar. Passamse, na verdade, diante dos nossos olhos coisas que a mais poderosa imaginação criadora seria incapaz de combinar os seus dados para criálas.

Esse caso de Vera Zasulitch, cujo retumbante processo fez estremecer a Europa, em 1878, é um deles. Tudo nele é estranho e convém ser ele lembrado agora, quando a Revolução Russa abala, não unicamente os tronos, mas os fundamentos da nossa vilã e ávida sociedade burguesa.

Não posso negar a grande simpatia que me merece um tal movimento; não posso esconder o desejo que tenho de ver um semelhante aqui, de modo a acabar com essa chusma de tiranos burgueses, acocorados covardemente por detrás da Lei, para nos matarem de fome, elevando artificialmente o preço dos gêneros e artigos de primeira necessidade, como: o açúcar, a carne, o feijão, o arroz, o café, o sal, o pano, à custa de estancos, de trusts, de corners, de “alívios”, tráficos de homens e outras inacreditáveis espécies de assaltos à economia de toda uma população miserável, que já não tem por si nem os ministros do Evangelho, pois os padres, freiras e irmãs de caridade, todo o clero enfim, está amarrado à causa de semelhantes opressores e os apoia de todas as formas.

Disse Macaulay, num dos magníficos seus ensaios, que os filósofos franceses do século XVIII, quando combatiam a Igreja, estavam com os Evangelhos, pois a vetusta instituição religiosa de Roma cada vez mais se afastava deles; e os filósofos cada vez mais se impregnavam do espírito de Jesus. Hoje, parece que está acontecendo o mesmo com os revolucionários…

Nós, porém, – continuando – tal e qual a Rússia de 1878, dormimos. Como se lê no artigo de Victor Cherbuliez (G. Valbert), na Revue des Deux Mondes, de 10 de maio desse ano, os russos daqueles tempos, assim falavam do seu torpor:

“Tudo dorme; por toda a parte, na aldeia, na cidade, na téléga, no trenó, de dia, de noite, assentado, de pé, o negociante, o tchinoonik dorme; na sua ronda, dorme o vigilante, sob o frio da neve, sob o ardor do sol. E o réu dorme e o juiz dorme, os camponeses dormem com um sono de morte; se eles ceifam, lavram – dormem; se eles “surram” o trigo, dormem ainda. Aquele que fere e aquele que é ferido dormem igualmente. Só o botequim está acordado, com os olhos sempre abertos. E, agarrando com seus cinco dedos um garrafão de aguardente, a fronte para o Polo Norte e os pés no Cáucaso, dorme um sono eterno a nossa pátria, a nossa Santa Rússia.”

E nós poderíamos dizer do nosso resignado Brasil que ele, grande, imenso, rico e generoso, tendo os pés no Prata e a cabeça nas Guianas, com a gravata luxuosíssima do Amazonas ao pescoço, dorme completamente encachaçado, deixando que toda uma quadrilha, com lábias de patoás vários, o saqueie e o ponha a nu, como os judeus fizeram a Nosso Senhor Jesus Cristo.

É assim o Brasil. Todos dormem e só se lembram, quando interrompem um pouco o sono, de apelar para o Estado, pedindo tais ou quais providências: e ninguém vê que o Estado atual é o “dinheiro” e o “dinheiro” é a burguesia que açambarca, que fomenta guerras, que eleva vencimentos, para aumentar os impostos e empréstimos, de modo a drenar para as suas caixas-fortes todo o suor e todo o sangue do país, em forma de taxa alta de preços e juros de apólices.

Precisamos deixar de panaceias; a época é de medidas radicais.

Não há quem, tendo meditado sobre esse estupendo movimento bolcheviquista, não lobrigue nele uma profunda e original feição social e um alcance de universal interesse humano e de incalculável amplitude sociológica.

Pondo de parte os parnugianos e aqueles de mentalidade fóssil a serviço dos magnatas da Bolsa, da Indústria e do Comércio, todos os homens de inteligência e de coração, independentes, tanto aqui quanto acolá, ficaram pensativos diante de uma revolução que tão fundamente atingiu os alicerces, não só os de um grande e poderoso império, como também os de todas as concepções matrizes das atuais aglomerações humanas, chamadas civilizadas.

Não se podia compreender com a nossa mentalidade jurídicoburguesa, feita de detritos de tantas ideias coletivas diferentes e, por vezes, antagônicas, que meia dúzia de doidos vagabundos e ideólogos licenciassem, do pé para a mão, um exército de milhões de homens e pusessem um imperador, a sua mulher e seus filhos, na Sibéria.

Não foram os doidos, como Lênin e outros são chamados pelos burgueses; não foram eles. Foram os oficiais e os soldados que se desarmaram a eles mesmos. É que a reforma de ideias e sentimentos já estava feita no íntimo deles todos; e, como observou Oliveira Lima, não lhes satisfaziam muito aos ideais patrióticos e políticos; o essencial eram as medidas sociais. Puseram fora as carabinas…

De resto, tomo a liberdade de repetir aqui o que disse em A Lanterna, de 21 de janeiro último, com o pseudônimo de doutor Bogóloff, tratando do terremoto maximalista:

“Loucas ou não, é preciso contar com as suas utopias, pois se assim nos parecem hoje, talvez amanhã sejam disposições da legislação comum. A História nos ensina esse poder de que o nosso glorioso e ajuizado Afrânio Peixoto, desdenhosamente, com toda a superioridade de sua integridade mental, dá o nome de loucura ou outros mais rebarbativos. É uma força que não leva a Petrópolis; mas faz descer em um instante os que lá estão em namoro.”

É de toda utilidade notar que eu tinha antes citado o doutor Gustavo Le Bon, que é anarquista em física e ultramontano em sociologia, mas que não trepida em afirmar, no seu livro Civilisation des Arabes, que

“a ação da loucura há sido imensa. Os loucos fundam religiões, destroem impérios e levantam as massas. Sua mão poderosa tem conduzido a humanidade até aqui e a história seria toda outra, se a razão, e não a loucura, houvesse reinado sobre o mundo.”

São de meditar tais palavras quando vemos o baixo interesse ou a nossa proverbial preguiça mental tentar amesquinhar os revolucionários russos com o epíteto: loucos. Entre eles, há mulheres. Há até uma Mme. Kollontai, que é ou foi Ministro do Bem Público; não é de hoje, porém, que as mulheres russas, moças, em geral, se envolvem nesses movimentos, altruisticamente subversivos, do império dos Romanoffs. Esta Vera Zasulitch, que teve uma celebridade universal, é como o símbolo delas todas.

Acoimada de loucura, foi verificado que nada tinha disso.

De resto, essa história de loucura, como muitas outras, é simplesmente questão de sentido da contagem; para a esquerda do zero, é negativo; para a direita, é positivo. Mais nada.

No dizer de Cherbuliez, a deplorável vida que lhe haviam feito padecer os homens teria perturbado uma razão menos sólida que a sua. Com dezessete anos, apenas acaba de terminar a sua educação em um pensionato de Moscou, encontra-se com o revolucionário Netchaieff, e, por ter se encontrado com Netchaieff, passa dois anos nas casamatas de uma fortaleza, sem que pudesse saber do que era acusada.

Não via pessoa alguma; não recebia visitas dos pais ou parentes; os únicos rostos humanos que viu, durante esse largo prazo de tempo, mais largo ainda por não lhe darem tarefa alguma, foram o do guarda encarregado de lhe dar comida e o de sentinela que lhe perguntava, todo o dia, através das grades: Como vai a senhora?

Os seus vinte anos, ela os viu passar assim sepultados na escuridão de uma masmorra, quando eles lhe pediam sol, luz, alegria, brinquedos, namoros, Amor!

Solta, foi só em aparência, pois por toda a parte a perseguia a polícia, a terrível polícia russa. Sois livre, diziam, mas todos os sábados tendes de ir à presença do comissário.

Foi assim a sua mocidade; não enlouqueceu; mas a sua alma, como quer Cherbuliez, foi invadida por essa tristeza russa que tem a imensidade e o silêncio das estepes; e, de todas as tristezas humanas, é a mais triste.

Um certo dia, o general Trepoff, ministro ou prefeito ou chefe de polícia de São Petersburgo, vai visitar na prisão os presos políticos.

Entre estes, havia um certo Bogoluboff que se anima a falar ao inquisidor do Estado de gorro de prisioneiro à cabeça.

Por causa disto, Trepoff manda dar-lhe uma surra de varas e o detento é vergastado sem piedade.

Vera, uma espécie de Mariana das Terres Vierges, de Turgueneff, revolta-se ao ter notícia do fato.

Ela, no parecer do autor do artigo que estou resumindo; ela não era desgraçada por sua própria desgraça. Sofria por todos os oprimidos, por todos os deserdados; ou, antes, ela não sofria, ela se indignava, se revoltava. Vera ficava irritada ao mesmo tempo contra a sua impotência e contra a felicidade dessa gente por aí, calma, gorda e saciada, apesar de saber que milhões de pessoas gemiam e eram perseguidas de todos os modos.

Movida por esses sentimentos, ela, que nunca vira Bogoluboff, tão ferozmente injuriado e rebaixado de sua condição de Homem, jura vingar a ofensa e o suplício que lhe infligiram. Arma-se, procura Trepoff e mata-o, descarregando sobre ele todo o revólver que levava.

Foi a júri, confessou que obrara com todo o discernimento, com premeditação, de emboscada etc., etc.; e é absolvida.

O resto não nos interessa; o que nos interessa, é o caráter dessa mulher, é a sua abnegação, é o seu sacrifício em prol do sofrimento de outrem que ela absolutamente não conhecia.

Não trepidou ela em cobrir-se com o opróbrio de um assassinato, de arriscar-se ao cárcere de cujas dores tinha experiência pessoal, de jogar até a cabeça, para mostrar que era “solidária” com a desgraça, com a angústia, com a dor de um semelhante…

Há um epitáfio de um navegante grego, antigo, encomendado por ele mesmo, caso morresse de naufrágio, que assim diz: “O marinheiro que aqui jaz, diz-te: faze-te de vela! O golpe de vento que aqui nos perdeu fazia vogar ao largo toda uma flotilha de barcos alegres.”.

Vera não naufragou de todo; mas, se a Rússia morrer nesse transe, ela verá que o golpe de vento que a matou fará singrar ao largo toda uma flotilha de povos felizes.



Para download: Colección completa de DIALÉCTICA. Revista mensual dirigida por Aníbal Ponce. (1936)

América Lee, el portal de publicaciones periódicas del Cedinci/UNSAM ha puesto a disposición la colección completa de Dialéctica, la revista del intelectual marxista argentino Aníbal Ponce. 

TÍTULO: DIALÉCTICA. Revista mensual dirigida por Aníbal Ponce.
FECHAS LÍMITE: nº 1 (marzo 1936) – nº 7 (septiembre 1936).
LUGAR DE EDICIÓN: Buenos Aires.
EDITORIAL: Dialéctica.
DIRECTOR: Aníbal Ponce.
COLABORADORES: Emilio Molina Montes, Jorge Korsunsky, Vera Smercrov, Rafael Río, R. Goñi, V. Pozner, M. P. Alberti, Alicia Ortiz, Ada Vaisman, Teodora Efrón, Cora Ratto, Luisa Reiserson, Raúl González Tuñón, Luis Muriel, María Blanco, Elena Soria, Ernesto Quijano, Matilde Cárdenas, Lila Guerrero, Enriqueta Alberú.
TEMAS: Asociación de Intelectuales, Artistas, Periodistas y Escritores (AIAPE), Marxismo Ruso Soviético, Marxismo argentino, Materialismo histórico, Educación, Literatura, Guerra Civil Española (1936-1939).
NOTAS: Se publican textos de Karl Marx, Georgui Plejanov, Anatoli V. Lunatcharsky, Georg Lukács, Vladimir I. Lenin, Rodolfo Mondolfo, Maurice Dommanget, Friedrich Engels, Efim Zozulia, Vladimir Gruzdev, Paul Lafargue, Al Abramof, Ferdinand Lassalle, George Friedmann, Maxim Gorki, Friedrich Schiller, John Desmond Bernal.