quinta-feira, 5 de julho de 2018

AS IDEIAS DE MARX VIVAS NOS FILMES

MARXISMO NO CINEMA

Filmagens de “O jovem Karl Marx”, de Raoul Peck | Foto (detalhe): © picture alliance / Jens Trenkler / dpa


Nas telas do cinema, elas passam por revivals constantes: ao longo dos últimos 120 anos, as ideias marxistas vêm sendo tratadas regularmente em novos filmes.

De Lucas Barwenczik*

Desde o início da produção de filmes, diretores e cineastas utilizam a mídia para disseminar as teorias e convicções de Marx. Isso se aplica especialmente – o que não é surpresa nenhuma – aos filmes soviéticos dos anos 1920 que tratam dos eventos da Revolução de Outubro e da Guerra Civil Russa. Esses filmes deveriam convencer os espectadores a respeito dos objetivos da revolução e da filosofia fundamentada no marxismo adotada pelo ainda jovem governo soviético. Mesmo quem não pudesse ler o Manifesto do Partido Comunista deveria estar em condições de entender a revolução exibida nas telas.

Mas a influência das ideias marxistas no cinema estende-se até hoje. Não apenas há toda uma série de filmes sobre Karl Marx na qualidade de pessoa histórica, como, por exemplo, o recente O jovem Karl Marx, de Raoul Peck, mas o portfólio cinematográfico está repleto de histórias sobre lutas de classe e de libertação, anticolonialismo, alienação, guerras e revoluções. Ou seja, filmes que nem sempre remetem diretamente a Marx como pessoa, mas que retomam suas ideias e as aplicam à respectiva época. A seguir, 12 filmes extraídos de 120 anos de cinema que seriam impensáveis sem Marx e suas ideias.



“Intolerância”, de David Wark Griffith (1916)
O diretor norte-americano David Wark Griffith discorre a respeito da natureza intolerante e violenta do ser humano ao longo de quatro épocas: a queda de Babilônia, a disputa de Jesus com os fariseus, a Noite de São Bartolomeu e, por fim, um episódio contemporâneo. Ele alterna constantemente as narrativas a fim de compará-las entre si. O cineasta traça a imagem de uma luta (de classes) eterna, como a de trabalhadores de um moinho em greve contra o poder público. 




“O encouraçado Potemkin”, de Serguei Eisenstein (1925)
Algumas das primeiras obras-primas da história do cinema foram produzidas com o objetivo de fazer propaganda do Estado comunista. Diretores como os russos Dziga Vertov e Serguei Eisenstein estavam empolgados com a força singular da nova mídia filme e viam o cinema como uma ferramenta da revolução. O filme mudo O encouraçado Potemkin trata dos acontecimentos do ano revolucionário de 1905 por meio de um motim. A tripulação de um navio de guerra se levanta contra os oficiais fiéis ao czar; a partir desse núcleo, o conflito se propaga pelo país. A história é parcialmente baseada em acontecimentos reais a bordo do navio da marinha Potemkin, em junho de 1905, quando os amotinados contudo tiveram de desistir quando suas reservas de carvão acabaram.




“O homem com uma câmera”, de Dziga Vertov (1929)
A arte dos países comunistas é frequentemente associada à doutrina do Realismo Socialista que, por motivos ideológicos, proíbe toda abstração e estetização. O documentário poético e veloz O homem com uma câmera funde sequências cotidianas de trabalho e lazer numa sinfonia poética. Numa fluência de imagens arrebatadora, Dziga Vertov exibe uma mistura de realidade e retrato ideal da sociedade socialista. A velocidade do filme espelha as mudanças e transformações igualmente velozes que ocorreram a partir da Revolução de Outubro de 1917, que virou o cotidiano pelo avesso, com a desapropriação de propriedades, a estatização da indústria e a introdução do marxismo como filosofia estatal. 




“Tempos modernos”, de Charlie Chaplin (1936)
A infância de Charlie Chaplin foi marcada por uma pobreza profunda. Em sua comédias em estilo pastelão, o diretor e ator norte-americano sempre se colocou ao lado dos pobres e desfavorecidos. Ele apontava constantemente as injustiças sociais causadas pela lógica da produção capitalista. Tempos modernos, de 1936, mostra a vida difícil de seu famoso personagem, o vagabundo, nos anos posteriores à Grande Depressão de 1929, marcada por altas taxas de desemprego e pelo capitalismo fordista. Raramente o conceito de “trabalho alienado” de Marx foi representado de maneira tão lúdica e divertida como na famosa sequência em que o vagabundo é transportado por uma esteira rolante para dentro de uma grande máquina. 





“Ladrões de bicicleta”, de Vittorio de Sica (1948)
Em meados dos anos 1940, em reação à ditadura fascista de Benito Mussolini, iniciou-se na Itália a época do Neorrealismo italiano. Inspirados pelo realismo poético e o marxismo, escritores e diretores aspiravam a uma representação autêntica da realidade da vida numa Europa destroçada pela guerra. Ladrões de bicicleta, de Vittorio de Sica, é um exemplo clássico desse movimento: um pai trabalha como diarista para alimentar a si e a sua família. Quando finalmente encontra um emprego como pregador de cartazes, sua bicicleta é roubada. Então ele próprio se transforma em ladrão – o que traz sérias consequências. De Sica questiona uma impiedosa sociedade capitalista de classes, que joga os pobres uns contra os outros, e faz um apelo à solidariedade entre as pessoas. 




“O sal da terra”, de Herbert Biberman (1954)
Durante o McCartismo, caracterizado por um rígido anticomunismo, toda declaração que criticasse os Estados Unidos provocava desconfiança no país. O roteirista e diretor norte-americano Herbert Biberman pertencia aos “dez de Hollywood” – o grupo de pessoas que se negavam a depor perante o Comitê de Atividades Antiamericanas, sendo por isso punidas. O sal da terra transforma em ficção os eventos que aconteceram durante uma greve real dos funcionários da firma Empire Zinc no Novo México em 1951. Estilisticamente inspirado no neorrealismo italiano, o filme critica não apenas as condições de vida dos trabalhadores, em grande parte provenientes do México, mas também a moral dupla de seu movimento: Ramon, o personagem principal, se empenha pela igualdade entre as pessoas, mas trata sua esposa Esperanza como cidadã de segunda classe. Biberman destaca o que Marx já havia afirmado no Manifesto Comunista: que a revolução também está nas mãos das mulheres. 




“A batalha de Argel”, de Gillo Pontecorvo (1966)
A crítica norte-americana Pauline Kael chamou o diretor italiano Gillo Pontecorvo de “poeta marxista”. Em A batalha de Argel, ele trata da Guerra de Independência Argelina contra o poder colonial francês, que ocorreu entre 1954 e 1962. Pontecorvo narra a luta da marxista Frente de Libertação Nacional contra o Exército francês de maneira muito precisa e toma o cuidado de iluminar a violência cometida por ambos os lados. Esse esforço para fazer uma descrição objetiva dos acontecimentos foi inspirado pelo neorrealismo italiano. 




“Pocilga”, de Pier Paolo Pasolini (1969)
O diretor italiano Pier Paolo Pasolini era um paradoxo ambulante: um marxista católico e homossexual. Em seus textos e filmes provocativos, ele atacava a Igreja, o capitalismo e a moral contemporânea – e fazia isso com tal veemência, que até seus aliados muitas vezes se voltavam contra ele. Em Pocilga, o diretor alterna duas histórias. Uma se passa num deserto que lembra uma paisagem bíblica, onde um jovem funda um grupo revolucionário de canibais. Paralelamente, o filme trata dos crimes do nazismo e seus efeitos na Alemanha dos anos 1960. De maneira radical, Pasolini alinha todas as forças disponíveis contra a sociedade burguesa, só para depois fazer com que elas fracassem. O que vale é: na tela, a revolução fracassa para que o próprio espectador venha a impulsioná-la. 



“Tudo vai bem”, de Jean-Luc Godard (1972)
Em 1968, o ano dos movimentos estudantis e em prol dos direitos civis, o diretor suíço-francês Jean-Luc Godard e o ativista político Pierre Gorin fundaram o coletivo de artistas Grupo Dziga Vertov. O objetivo era colocar seu próprio trabalho cinematográfico totalmente a serviço da luta de classes. Nove filmes foram produzidos assim, entre 1968 e 1972. Anteriormente Godard já havia retratado a vida da jovem geração 1968 em filmes como Masculino, feminino. Em Tudo vai bem, uma repórter norte-americana e seu marido francês testemunham uma greve numa fábrica de salsichas, com a qual os trabalhadores reagem às péssimas condições de trabalho. Eles vivenciam a maneira pela qual o capitalismo destrói a convivência social. A abordagem experimental do filme, inspirada em Bertolt Brecht, visa a impedir que os espectadores simplesmente mergulhem na história, transmitindo uma mensagem clara: a única saída é uma revolução. 




“Os anos de chumbo”, de Margarethe von Trotta (1981)
Com seu filme sobre as irmãs Christiane e Gudrun Ensslin, a diretora alemã Margarethe von Trotta foi a primeira mulher a ganhar o Leão de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Veneza. Ambas as irmãs Ensslin eram ativas no movimento estudantil e se empenhavam por mudanças, mas acabaram tomando caminhos diferentes. O filme trata de maneira exemplar dos limites e das possibilidades do movimento de 1968. Pergunta sobre o motivo de uma irmã ter tomado o caminho radical, tornando-se terrorista da Fracção do Exército Vermelho, e a outra ter continuado a fazer uso de outros meios democráticos, empenhando-se politicamente através do jornalismo. 





“Che”, de Steven Soderbergh (2008)
Um filme com duas partes e duas revoluções: dois formatos de filme, dois esquemas de cor, duas formas e velocidades narrativas. O diretor norte-americano Steven Soderbergh narra sobre a pessoa e o símbolo Che Guevara, o líder sul-americano da guerrilha e marxista convicto. Soderbergh eleva a dialética de Marx a princípio formal supremo. Em sequências tranquilas, ele exibe encontros conspirativos, a ascensão de Guevara a Comandante e, por fim, a tomada do poder em Cuba. Com suas duas metades – a primeira parte mostra a revolução em Cuba, a segunda, a luta de Che na Bolívia –, a epopeia de imagens arrebatadoras chega a quase quatro horas de duração. 





“O jovem Karl Marx”, de Raoul Peck (2017)
Karl Marx também aparece regularmente em filmes como personagem. Exemplos são o filme biográfico soviético Year as Life (Ano como vida), a série televisiva em 11 capítulos produzida na Alemanha Oriental Marx und Engels – Stationen ihres Lebens (Marx e Engels – Estações de suas vidas) e o filme Fim de semana, de Jean-Luc Godard. Por último ele foi representado por August Diehl como um revolucionário jovem e sedento de vida em O jovem Karl Marx. O drama encenado pelo diretor haitiano Raoul Peck trata da fase marcante da vida de Marx, entre 1843 e 1848. Mesmo que o filme seja menos revolucionário que as ações de seu protagonista, é interessante ver como Marx e suas ideias continuam vitais no cinema, mesmo 130 anos após sua morte. 


*Lucas Barwenczik é um crítico independente. Ele escreve para o "Filmdienst", "Kino-Zeit" e "Culturmag" sobre cinema e cultura cinematográfica.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva
Copyright: Text: Goethe-Institut, Lucas Barwenczik. Dieser Text ist lizenziert unter einer Creative Commons Namensnennung – Weitergabe unter gleichen Bedingungen 3.0 Deutschland Lizenz.

Março de 2018


Nenhum comentário:

Postar um comentário