sábado, 17 de fevereiro de 2018

Sabotagem à democracia na Venezuela

Por Atilio Boron  

Depois de longos meses de diálogo e negociação em Santo Domingo, o governo e a oposição venezuelana tinham chegado a um acordo. Apenas faltava a cerimónia da assinatura. Mas as ordens de Washington fizeram tudo voltar atrás. Para os EUA a única solução aceitável é a do caos, da violência e da intervenção militar. Sejam quais forem os custos e a dimensão da tragédia.

Foi nos diálogos de Santo Domingo. A carta que em 7 de Fevereiro o ex. presidente do governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero tornou pública revela a sua surpresa - e, de modo mais subtil, a sua indignação - ante a “inesperada” renúncia por parte dos representantes de la oposição a subscrever o acordo quando estava todo pronto para a cerimonia protocolar na qual se anunciaria publicamente a boa nova. Como RZ revela na dita carta, depois de dois anos de diálogos e discussões tinha-se chegado a um acordo para por em marcha “um processo eleitoral com garantias e consenso quanto à data das eleições, a posição sobre as sanções contra a Venezuela, as condições da Comissão da Verdade, a cooperação ante os desafios sociais e económicos, o compromisso por uma normalização institucional e as garantias para o cumprimento do acordo, e o compromisso para um funcionamento e desenvolvimento plenamente normalizado da política democrática.” (https://www.aporrea.org/oposicion/n320777.html)

Este acordo, a ter sido assinado pela oposição, punha fim à crise política que, com as suas repercussões económicas e sociais, tinha desencadeado uma das mais graves crises da Venezuela em toda a sua história. Era também um passo gigantesco no sentido da normalização de uma situação regional cada vez mais crispada pelas ressonâncias do conflito venezuelano. O pretexto surpreendentemente utilizado pela envergonhada oposição foi a renovada exigência de que as eleições presidenciais fossem monitorizadas pelo Grupo de Lima, uma colecção de países (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lucía) cujos governos competem para ver quem faz gala do maior servilismo na hora de obedecer às ordens emitidas pela Casa Branca para atacar a Venezuela. O Grupo de Lima não é uma instituição como a UNASUR, a OEA ou outras do mesmo estilo.

O documento elaborado na República Dominicana colocava nas mãos da Secretaria-Geral da ONU o organizar da fiscalização da eleição presidencial, uma instituição infinitamente mais seria e prestigiada que o Grupo limenho onde abundam os narcopresidentes, os golpistas benzidos pelos EEUU como os mandatários de Brasil e Honduras, governos como o de México que fizeram da fraude eleitoral uma arte de incomparável eficácia, ou o de Chile, cujo maior êxito democrático é ter decepcionado tanto o seu povo que menos da metade do eleitorado acorreu a votar nas últimas eleições presidenciais. Apesar disso, a exigência de que este inapresentável grupo de governos fosse o encarregado de garantir a “transparência e honestidade” das eleições presidenciais na Venezuela foi o pretexto utilizado para boicotar um acordo que tanto trabalho tinha custado a elaborar.

¿Como explicar esta súbita e inesperada mudança na opinião da oposição venezuelana?

Para responder a esta interrogação há que viajar até Washington. Tal como era previsível, para a Casa Branca a única solução aceitável passa pela destituição de Nicolás Maduro e uma “mudança de regime”, mesmo que esta opção traga consigo o perigo de uma guerra civil e de ingentes custos humanos e económicos. Por outras palavras, o modelo é Líbia, o Iraque, e de nenhuma maneira una transição pactuada entre o governo e a oposição, ou ainda menos, aceitar a sobrevivência do governo bolivariano em troca de alguns gestos de moderação por parte de Caracas. Segundo a perspectiva geopolítica que informa todas as acções da Casa Branca nenhum escrúpulo moral pode interferir no projecto de submeter a Venezuela ao jugo estado-unidense, essa doentia obsessão do império para converter num protectorado norte-americano um país que conta com as maiores reservas petroleiras do planeta e um território dotado de imensos recursos naturais.

Para os falcões de Washington qualquer opção diferente dessa é puro sentimentalismo, e se os políticos da oposição venezolana acreditaram que estas negociações seriam se não avalisadas pelo menos toleradas pela Casa Branca caíram numa infantil ilusão: crer que os EUA se importam com a democracia, ou com o que eles chamam “crise humanitária”, ou com a vigência do Estado de Direito na Venezuela. Para o império estas questões são completamente irrelevantes quando se fala da imensa maioria dos “países de merda” que constituem a periferia do sistema capitalista mundial. Por isso não foi casual que a ordem de se abster de assinar os acordos coincidisse com a visita de Rex Tillerson a Colômbia, e que fosse o presidente Juan M. Santos quem tivesse assumido a desonrosa tarefa de transmitir o úkase imperial aos representantes da oposição reunidos em Santo Domingo.

¿Como continuará esta história?

Washington está a esticar a corda para tornar inevitável uma “solução militar” na Venezuela. Foi por isso que Tillerson visitou 5 países latino-americanos e caribenhos, num esforço para coordenar a nível continental as acções do que bem poderia ser o começo de um assalto final contra a pátria de Bolívar e Chávez. O Comando Sul está a alistar pessoal da Força Aérea dos EUA no Panamá sem outro verosímil propósito que o de atacar a Venezuela. Entretanto, a ofensiva diplomática e mediática estende-se por todo o mundo. O Parlamento Europeu deu novas provas do seu processo de putrefacção e redobra as sanções contra a Venezuela, ao mesmo tempo que os serventuários latino-americanos caribenhos de Washington se atrelam vergonhosamente à agressão. Neste 8 de Fevereiro o governo de Chile anunciou a suspensão indefinida da sua participação no diálogo venezuelano porque, segundo La Moneda, “não foram acordadas condições mínimas para uma eleição presidencial democrática e uma normalização institucional.”

Parece que, como uma vez disse José Martí, na Venezuela está a chegar “a hora dos fornos e não se há-de ver mais que a luz.”


FONTE: ODiario.info

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