segunda-feira, 17 de agosto de 2015

"Tecnologia não adianta sem boas forças sociais", afirma Kentaro Toyama

O cientista criou o conceito de Lei da Amplificação no qual a tecnologia apenas expande as mudanças sociais em curso

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Toyama conversa com crianças de uma escola da aldeia Kotra, no Rajastão, na Índia - Arquivo Pessoal


RIO — O japonês Kentaro Toyama usa há dez anos o mesmo celular, que apenas liga e manda mensagens de texto. Formado por Harvard, com PhD em Yale e ex-funcionário da Microsoft, ele se intitula um “geek herético”, por ir na contramão da opinião geral sobre novas tecnologias: “é preciso usá-las de forma sábia, e isso, às vezes, significa simplesmente não usá-las”, prega ele.

Atualmente professor da Universidade de Michigan e membro do Centro Dalai Lama de Ética e Valores Transformadores do MIT, Toyama fundou, em 2005, o Centro de Pesquisas da Microsoft na Índia. Por nove anos, ele desenvolveu em terras indianas projetos para aumentar o desenvolvimento social do país a partir de tecnologia. De forma prática, descobriu, no entanto, que isso não funciona. Pelo menos, não quando se aposta todas as fichas na tecnologia.

Seu livro é taxativo ao dizer que não há solução tecnológica para a pobreza. Por que afirma isso?

Em todo o mundo, vemos um incrível progresso tecnológico. Em algum momento deste ano, é provável que o número de contas de celular vá superar o número de pessoas. Esse tipo de mudança é rápido, mas não traz uma mudança social igualmente rápida. Esta só acontece quando as pessoas se tornam melhores versões de si mesmas. E a tecnologia pode mediar ou ampliar isso, mas não é a causadora da mudança. Em um mundo em que já existe tanta tecnologia, não precisamos de mais gadgets. O que nós precisamos é de pessoas e de sociedades mais maduras.


Que experiências lhe mostraram que a tecnologia é superestimada?

Na Índia, eu supervisionei mais de cinquenta projetos em que o objetivo era usar alguma forma de tecnologia eletrônica para diminuir a pobreza. Fizemos projetos nas áreas de agricultura, saúde, microfinanças, governança e educação. Dentro desta última, criamos o MultiPoint, que permitiu que muitos estudantes interagissem com um único computador usando vários dispositivos de mouse. Mas, quando levamos essa tecnologia para outras escolas, imediatamente tivemos problemas. Os professores tinham medo de usá-la, porque não tinham treinamento, nem tempo para planejar as aulas incorporando os computadores. E nenhuma das escolas tinha pessoal técnico para dar suporte, então os próprios professores tinham que configurar os aparelhos. Lembro-me de alguns casos em que eles levavam 20 minutos para configurar o computador, o que significa a perda de quase a metade do tempo de aula. Mesmo uma boa tecnologia não funciona a menos que as forças sociais sejam igualmente bem-intencionadas e capazes. Isso segue o que eu chamo a Lei da Amplificação: a tecnologia amplifica as forças humanas subjacentes. Se essas forças são boas, a tecnologia pode tornar as coisas melhores. Se essas forças são ruins, a tecnologia não ajuda. Em alguns casos, ela pode até piorar as coisas.

Como a tecnologia chega a piorar algumas situações?

Há um consenso entre pediatras americanos de que a tecnologia digital inibe o desenvolvimento cognitivo, especialmente em crianças pequenas. Introduzir crianças a softwares — sejam jogos de lazer ou aplicativos educativos — é como dar “doces cognitivos”. Eles dão um prazer barato e rápido que elas logo aprendem a desejar. Isso as faz perder o apetite para atividades mais nutritivas.

Você também ressalta que o aumento dos investimentos em tecnologia nos últimos anos não significou um progresso humano real.

Exato. Ao longo das últimas quatro décadas, os Estados Unidos têm vivido uma idade de ouro da inovação digital. Mesmo as pessoas muito pobres têm smartphones e contas no Facebook. No entanto, durante esse mesmo período, a taxa de pobreza no país aumentou, a mobilidade social estagnou e a desigualdade cresceu. Assim, qualquer ideia de que a tecnologia por si só resolve esses problemas é obviamente um equívoco. Os Estados Unidos não estão focados em acabar com a pobreza. Por isso, a tecnologia não ajuda.

À medida que você vem pesquisando o assunto, tem se interessado menos pelas tecnologias em si?

Sim. Acho importante usá-las sabiamente — o que muitas vezes significa simplesmente não usá-las. Meu celular é muito simples porque acho que me faz bem não estar disponível o tempo todo para as outras pessoas e para o trabalho.

Como podemos “amplificar” o poder de as pessoas fazerem mudanças sociais?

Um caminho é trabalhar com as forças humanas que já estão fazendo coisas positivas, e usar a tecnologia para amplificar seu impacto. Outra frente é se concentrar em “nutrir” as pessoas, enquanto indivíduos e enquanto sociedades. Como a tecnologia amplifica as forças humanas, é preciso se certificar de que elas estão apontadas na direção certa.

Você apoia as escolas que resolvem banir computadores?

Eu não acho que devamos ser ideológicos sobre esse assunto. Por exemplo, é obviamente necessário ter computadores em sala para ensinar programação de computador, aprendizado cada vez mais interessante e útil de se ter. Mas isso não significa que precisamos de computadores em todas as salas de aula.


FONTE: O Globo, 17/8/2015.

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