sábado, 9 de agosto de 2014

Bomba ideológica: criminalização das lutas, dos movimentos sociais e dos ativistas

Até a Folha de S. Paulo -- porta-voz da plutocracia tucana -- é obrigada a reconhecer que há uma enorme farsa no processo contra os ativistas que continuam presos em São Paulo.´


Editorial: Bomba ideológica


É constrangedor para a polícia paulista o resultado do laudo técnico sobre os objetos apreendidos com dois manifestantes presos durante protesto contra a Copa do Mundo, no dia 23 de junho.

Seriam, segundo as forças de segurança, artefatos incendiários, talvez usados para confecção de bombas caseiras. Foram listados, assim, como evidência contra os acusados no processo judicial. Sua posse ilegal configura crime punível com até seis anos de prisão.

Ocorre que os itens não eram sequer inflamáveis, muito menos explosivos, conforme atestaram as perícias do Instituto de Criminalística e do Gate (esquadrão antibombas da polícia militar).

Se, antes disso, ativistas já viam abuso no encarceramento dos dois manifestantes, agora terão mais razão para protestar. Seguem detidos, de todo modo, o estudante e funcionário da USP Fábio Hideki Harano, 27, e o professor de inglês Rafael Lusvarghi, 26.

Contra eles pesam outras acusações, como incitação ao crime, formação de associação criminosa, resistência e desobediência. Ao lado dos supostos explosivos, que representavam a principal prova material do caso, há o depoimento de agentes de segurança.

Parece pouco para atestar a necessidade da prisão, e cabe ao Judiciário determinar a responsabilidade dos réus pelos delitos, respeitando-se os princípios de ampla defesa e do devido processo legal.

A lembrança, desnecessária em condições normais, vem a propósito não só da famigerada truculência policial mas também da manifestação do juiz Marcelo Matias Pereira. Ao negar pedido de liberdade dos manifestantes na última sexta-feira, o magistrado considerou apropriado criticar o que chamou de "esquerda caviar".

É difícil entender o raciocínio jurídico; ainda pior, é perturbador imaginar que reflexões com essa carga ideológica estejam sendo levadas em conta nas sentenças que mandam cidadãos para trás das grades, ou lá os mantêm.

Atos de vandalismo são condutas ilícitas que nada têm a ver com o espírito das manifestações democráticas, e a sociedade já deixou claro que não compactua com a violência nos protestos.

Isso significa que a polícia e a Justiça precisam fazer direito o seu trabalho, e não que devam dar uma resposta qualquer à opinião pública –muito menos que devam criminalizar os protestos políticos.


Delitos, não há dúvidas, devem ser coibidos, para o que é fundamental haver a correta identificação e a consequente punição. Manifestações pacíficas, por sua vez, são legítimas formas de expressão da população. Passou da hora de essa divisão estar clara para as autoridades responsáveis pela manutenção da lei e da ordem. 




FONTE: Folha de São Paulo, 6 de agosto de 2014.

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