quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

E a Líbia virou uma democracia?



Por Mouzar Benedito



Não se fala mais da Líbia. Kadhafi está morto, pronto, assunto resolvido. Virou mesmo uma democracia, como queriam os interventores e supostamente queriam também os que derrubaram o governo? Estou curioso.



Independente do bem e do mal que se falava do governo Kadhafi, achei desde o começo muito estranho o apoio da OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte – aos rebeldes. Apoio que incluiu muitos bombardeios, inclusive o que resultou na morte de Khadaffi.



Ex-aliados incondicionais, como Berlusconi, que segundo ele mesmo dizia participou de orgias com Kadhafi, viraram inimigos totais. Europeus que mamaram nos petrodólares líbios, de repente se tornaram moralistas que excomungam o governo que lhes abasteceu os cofres.



E me incomodava mais ainda ver ex-ministros do governo Kadhafi, virando repentinamente defensores da democracia – e líderes da revolta – quando o regime começou a balançar. Lembrei-me de José Sarney aqui, ex-presidente da Arena, partido da ditadura, virar vice-presidente (e assumir como presidente por causa da morte de Tancredo) do governo que selava o fim dessa mesma ditadura. E com ele, continuaram como expoentes na política brasileira seus companheiros arenistas ACM, Bornhausen, Marco Maciel, Paulo Maluf e outros “democratas”.



Esse preâmbulo é para falar de um livro escrito pelo repórter dos velhos tempos Mário Augusto Jakobskind.



Soube que ele ia ver o que estava acontecendo na Líbia pela Folha de S. Paulo, quando a coisa começava a engrossar por lá. Ele fazia parte de uma delegação brasileira convidada, segundo a Folha, pelo governo Kadhafi (que virou Ghadaffi ou algo assim, conforme cada jornal), para mostrar a realidade segundo o governo líbio.



Entre os membros da delegação, seguiam o deputado Protógenes Queiroz, do PC do B, e o “jornalista esquerdista” Mário Augusto Jakobskind.



A delegação não conseguiu entrar no país, foi barrada na fronteira com a Tunísia, porque a guerra já estava instalada, os bombardeios eram frequentes. E o repórter inquieto ficou no entorno, estudando a questão Líbia e o comportamento não só da OTAN e aliados, mas principalmente o tratamento que a mídia dava ao assunto.



Escreveu então o livro Líbia – barrados na fronteira (o que não saiu na mídia sobre a invasão da Líbia) , em que começa relatando a viagem e garantindo que o convite para ir lá e escrever um relatório que seria entregue à ONU foi de uma ONG, e não de Kadhafi, e ninguém da comitiva recebeu dinheiro nenhum, cada um custeou sua viagem.



O livro de Mário Augusto aborda, além do comportamento da mídia, a história do país, o interesse pelo petróleo líbio e a composição do Conselho Nacional de Transição (CNT). Sobre o comportamento de países europeus, que mudaram de posição radicalmente em relação ao regime, a questão – segundo ele – não era o petróleo, que já estava sob controle desses países, por uma concessão de Kadhafi para ficar bem com eles.



O principal motivo, segundo um economista egípcio entrevistado por Jakobskind, é que os Estados Unidos mantêm um comando militar voltado para a África, chamado Africom, mas sua sede é na Alemanha. Khadafi estaria acertando a transferência da sede do Africom para seu país, tirando a Europa da jogada, Criaria uma ponte direta EUA-África.



Enfim, o livro merece ser lido para se entender um pouco mais o que acontece por lá – concorde-se ou não com ele.



Mário Augusto, que foi meu colega no Versus e no Pasquim, repórter da sucursal da Folha no Rio e depois editor de política internacional na Tribuna da Imprensa, de Hélio Fernandes. Mas por suas posições não tem mais espaço na grande mídia, é um jornalista que nada contra a corrente. Tem vários livros escritos, entre eles Cuba: apesar do bloqueio, relatando sua experiência na Ilha, publicado em 1985 e reeditado com atualizações agora, em 2010. É outro livro importante. Ambos – o da Líbia e o de Cuba – publicados pela Book Link, trazem informações e análises que obviamente não estão nos nossos jornais diários, nas revistas semanais nem nos telejornais.

***

Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo, Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia).


 
 

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