terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Cavaleiro da Esperança: matéria de capa da Revista Aventuras na História

A transformação de Luiz Carlos Prestes: de capitão do Exército e pequeno burguês ao mais relevante comunista brasileiro


Revista Aventuras na História - Edição 152 - Março 2016

Texto de Leonardo Mourão
(baseado na obra "Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro", da historiadora Anita Leocadia Prestes, publicada pela Boitempo Editorial, no ano de 2015)

Já nas banças









A seguir, duas páginas da reportagem, apenas, para divulgação.



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O legado de Malcom X


Por Ahmed Shawki

(Tradução de Alvaro Bianchi)




A segregação racial não era a lei no Norte dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, mas era a realidade. Os negros do Norte encontravam o racismo e a segregação em praticamente todos os aspectos da vida. Os negros que deixaram o Sul viam-se forçados a viver em grandes guetos urbanos e educar seus filhos em escolas inferiores. Empregos qualificados ou profissões liberais eram reservados aos brancos. Os negros eram constantemente sujeitos à autoridade do branco, especialmente a perseguição policial.


Quase um quarto dos negros se diziam maltratados pela polícia e 40% que presenciavam outros serem vítimas de abuso. Todas as ilusões alimentadas pelos negros do Sul sobre o Norte liberal eram desautorizadas por aqueles que lá viviam. E enquanto os negros do Norte foram inspirados pelas lutas no Sul, sua condição específica os tornou receptivos a um movimento independente – e bem diferente – daquele liderado pelo Conselho de Liderança Cristã do Sul, de Martin Luther King Jr.


Nos primeiros anos da luta pelos direitos civis, a expressão organizacional mais significativa desse novo movimento era a Nação do Islã. No final da década de 1950, os membros do grupo alcançavam um numero estimado de cem mil, com Malcolm X como seu membro mais proeminente.


Formalmente, as ideias da Nação do Islã eram profundamente conservadoras. A organização combinava elementos do Islã ortodoxo com ideias de fabricação própria, pregando uma doutrina de trabalho duro, parcimônia, obediência e humildade. Atenta à independência econômica da sociedade branca como aspecto fundamental, a organização também encorajavam seus membros a “comprar de negros”. A Nação do Islã fundou dezenas de empresas, e era proprietária de terras e mesquitas construídas na maioria das grandes cidades do Norte. A organização não condenava o capitalismo, apenas os brancos. Na verdade, muitos negros muçulmanos procuravam emular o sucesso de capitalistas brancos.


O líder da Nação do Islã, Elijah Muhammad, defendia o estabelecimento de um Estado negro independente, nos Estados Unidos ou em outro lugar. Mas, apesar de pressionar por demandas ou defender seus interesses, a organização era hostil à participação política. Que uma seita religiosa, tão voltada para si, fosse capaz de um crescimento substancial é um testemunho do descontentamento generalizado de um grande número de negros nas cidades. Para centenas de jovens recrutas, a Nação do Islã representava autoestima, autoconfiança e orgulho.


O forte e articulado Malcolm X rapidamente se tornou uma atração para mais militantes se juntarem à Nação do Islã, com apelos concebidos para realçar a hipocrisia das elites brancas. Em resposta à acusação de que a Nação era racista, Malcolm disse, assumidamente: “Se nós reagimos ao racismo branco com uma reação violenta, para mim isso não é racismo negro. Se você vir a colocar uma corda em volta do meu pescoço e eu te enforcar por isso, para mim isso não é racismo. Sua atitude é racista, mas minha reação não tem nada a ver com racismo”.


Malcolm X rejeitou a ideia de que a integração na sociedade americana era possível ou desejável e via o governo federal e o Partido Democrata não como aliados, mas como parte do problema. E criticava fortemente os liberais que falavam sobre o racismo no Sul mas não tinham nada a dizer sobre as condições do Norte, dizendo: “Eu vou arrancar a auréola de liberais que eles tanto se esforçam para cultivar!”


Malcolm X também era crítico corrisivo dos líderes do movimento dos direitos civis. Para ele, em vez de promover a luta, eles eram obstáculos a ela. Ele passou, então, a atacar toda a premissa da não-violência subjacente ao movimento antissegregacionista do Sul, argumentando em favor da autodefesa negra: “Seja calmo, cortês, obedeça à lei, respeite a todos; mas se alguém colocar a mão em você, mande-o para o cemitério. Essa é uma boa religião. Na verdade, essa é a religião dos velhos tempos. (…) Preservar a sua vida, é a melhor coisa que você tem. E se você tem que desistir, que seja um empate”.


Tecnicamente, Malcolm X foi apenas ampliando os ensinamentos de Elijah Muhammad e, na verdade, sempre prefaciava qualquer um dos seus discursos com a frase “Elijah Muhammad ensina (…)”. Apesar disso, Malcolm X transformara essas ideias em uma acusação ao sistema, rompendo cada vez mais a camisa de força da Nação do Islã.


Enquanto Muhammad evitava a política, Malcolm estava se tornando mais político. Um muçulmano reclamou: “Foi Malcolm que injetou o conceito político de ‘nacionalismo negro’ no movimento negro muçulmano, o qual era essencialmente de natureza religiosa.”


Consciente de que a crescente politização do movimento tinha efeitos sobre a Nação do Islã, incluindo em seu líder e porta-voz líder, Elijah Muhammad tomou medidas para reafirmar seu controle.


Um ataque da polícia em Los Angeles, em 1962, trouxe à tona a falência política da Nação do Islã. Em abril de 1962, um muçulmano Negro tinha sido morto e vários foram feridos pelo departamento de polícia de Los Angeles. Malcolm X imediatamente voou para Los Angeles para apresentar a resposta da organização. A Nação do Islã pregava autodefesa e o assassinato da polícia claramente exigia uma retaliação. Mas Elijah Muhammad impediu que seus seguidores organizassem uma campanha de autodefesa sustentada.


O radicalismo verbal, muitas vezes extremado na sua denúncia dos brancos, era aceitável em um período anterior, quando os membros da Nação do Islã estavam estabelecendo sua reputação como opositores do sistema. Mas a explosão de raiva entre os negros exigiu mais do que palavras; exigiu ação, e isso era uma coisa Elijah Muhammad não iria tolerar.


Fora da Nação do Islã


Em dezembro de 1963, s ruptura de Malcolm X com a Nação do Islã finalmente ocorreu. Em resposta a uma pergunta do público em uma reunião em Nova York, Malcolm atribuiu o assassinato de John F. Kennedy ao ódio e à violência produzida por uma sociedade que os brancos haviam criado .


Embora a declaração fosse consistente com a hostilidade que os ministros muçulmanos negros tinham manifestado perante o governo dos Estados Unidos no passado, Elijah Muhammad informou Malcolm que ele seria suspenso por noventa dias para que “os muçulmanos em todos os lugares possam ser dissociados do erro”. Tornou-se logo claro que a suspensão era de fato uma expulsão.


Em 8 de Março de 1964, Malcolm X anunciou formalmente sua ruptura com a Nação do Islã. O movimento negro muçulmano, disse ele, “tinha alcançado seu limite, porque era muito sectário e tímido”. Ele defendeu um maior engajamento nas lutas dos negros que explodiam em todo o país, alertando que os muçulmanos negros poderiam encontrar-se, “um dia, repentinamente afastados da linha de frente da luta dos negros”.


A fim de se envolver no movimento dos direitos civis, Malcolm X chegou à conclusão de que precisava separar política e religião, dizendo: “nós não misturamos nossa religião com nossa política, nossa economia e as nossas atividades sociais e civis, não fazemos mais isso (…) Nós nos envolvemos com qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer maneira que for necessária para eliminar os males, os males políticos, econômicos e sociais que afligem as pessoas em nossa comunidade”. No mesmo discurso, ele se descreveu como um adepto do nacionalismo negro.


Um nascente anti-imperialismo


Logo depois, Malcolm X fez a primeira de suas duas viagens à África. Estas viagens tiveram um impacto importante sobre as suas ideias. Ele se reuniu com vários chefes africanos importantes do estado – incluindo Kwame Nkrumah, de Gana, e Gamal Abdul Nasser, do Egito – e foi influenciado pelas ideias do “terceiro-mundismo”. De uma forma geral, este via o mundo dominado por duas superpotências – os Estados Unidos e a União Soviética – e considerava que os países em desenvolvimento representavam uma alternativa independente.


Quando Malcolm X voltou a Nova York, anunciou a formação da Organização de Unidade Afro-Americana (OAAU), inspirada pela Organização de Unidade Africana (OUA), que reunia os diferentes chefes-de-Estado africanos. A OAAU era uma organização nacionalista negra que procurava construir organizações comunitárias, escolas, empresas negras, e campanhas de registro de eleitores para garantir o controle da comunidade sobre os políticos negros.


Depois de sua visita à África, Malcolm X começou a argumentar que a luta negra nos Estados Unidos era parte de uma luta internacional, que ele ligava à luta contra o capitalismo e o imperialismo.


Ele também começou a argumentar em favor do socialismo. Referindo-se aos estados africanos, ressaltou: “Todos os países que estão a surgir a partir de hoje livrando-se das amarras do colonialismo estão se voltando para o socialismo”.


Malcolm X não definiu mais a luta pela libertação dos negros como um conflito racial: “Estamos vivendo em uma época de revolução, e a revolta do negro americano é parte da rebelião contra a opressão e do colonialismo que tem caracterizado esta época”, disse ele. “É incorreto classificar a revolta do negro como simplesmente um conflito racial do negro contra o branco, ou como puramente um problema americano. Em vez disso, estamos hoje vendo uma rebelião mundial do oprimido contra o opressor, os explorados contra os exploradores”.


Ele agora já não acreditava que todos os brancos eram inimigos, mas ele manteve a necessidade de uma organização somente de negros: “os brancos podem nos ajudar, mas eles não podem se juntar a nós. Não pode haver unidade negro-branco até que haja primeiro uma unidade negra. Não pode haver solidariedade entre trabalhadores até que haja primeiro uma certa solidariedade racial. Não podemos pensar em união com os outros, até que nos unamos nós mesmos em primeiro lugar”.


A nova concepção da luta de Malcolm X também o levou a questionar o seu entendimento anterior do nacionalismo negro. Em janeiro de 1965, admitiu que este entendimento anterior de nacionalismo negro “foi alienando as pessoas que eram verdadeiramente revolucionárias, dedicadas a derrubar o sistema de exploração que existe nesta terra por qualquer meio necessário.”


Promessa perdida


Durante este período, as ideias políticas de Malcolm X estavam evoluindo rapidamente, um desenvolvimento interrompido por sua morte. Naquela época, ele já havia se tornado uma das figuras negras radicais mais importantes nos Estados Unidos, e sua influência crescia especialmente entre os jovens ativistas.


Malcolm X foi morto a tiros quando estava começando a “pensar por conta própria”, como dizia, e expressar um programa radical de libertação negra. Sua morte prematura e a subsequente supressão e declínio do movimento negro tornaram mais fácil para os reformistas de segunda categoria que pretendiam reivindica-lo como um deles. Mas quem ouve seus discursos ou lê algum de seus escritos não pode ter qualquer dúvida quanto à sua trajetória, que se resume bem em seu famoso discurso “o voto ou a bala”, de 3 de abril de 1964, em Cleveland:


“Não, eu não sou um americano. Eu sou um dos vinte e dois milhões de pessoas negras que são vítimas do americanismo. Um dos vinte e dois milhões de pessoas negras que são vítimas da democracia, nada mais que a hipocrisia disfarçada. Então, eu não estou aqui falando com você como um americano ou um patriota, ou alguém que saúda a bandeira ou a carrega. Não, eu não sou isso. Eu estou falando como uma vítima deste sistema americano. E eu vejo a América através dos olhos da vítima. Não vejo nenhum sonho americano; vejo um pesadelo americano”.


É impossível prever como a política de Malcolm X teria se desenvolvido se tivesse vivido. Ele tinha abraçado ideias que o colocaram diretamente à esquerda do movimento nacionalista negro. Sua hostilidade ao sistema e aos dois partidos capitalistas, o seu compromisso com a eliminação do racismo e sua identificação com o anti-imperialismo, representaram um enorme contributo para a política radical.


(Publicado orignalmente no blog da revista Jacobin)


FONTE: Blog Junho


domingo, 21 de fevereiro de 2016

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Para download: "Professora sim, tia não; cartas a quem ousa ensinar", de Paulo Freire

"Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão."


Link para download:

Trechos do livro: 
A professora pode ter sobrinhos e por isso é tia da mesma forma que qualquer tia pode ensinar, pode ser professora, por isso, trabalhar com alunos. Isto não significa, porém, que a tarefa de ensinar transforme a professora em tia de seus alunos da mesma forma como uma tia qualquer não se converte em professora de seus sobrinhos só por ser tia deles. Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos mas não se pode ser autenticamente professora, mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos alunos.
[...]
A recusa, a meu ver, se deve sobretudo a duas razões principais. De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa profissional da professora, de outro, desocultar a sombra ideológica repousando manhosamente na intimidade da falsa identificação. Identificar professora com tia, o que foi e vem sendo ainda enfatizado, sobretudo na rede privada em todo o país, quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não devem fazer greve. Quem já viu dez mil “tias” fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado? E essa ideologia que toma o protesto necessário da professora como manifestação de seu desamor aos alunos, de sua irresponsabilidade de tias, se constitui como ponto central em que se apóia grande parte das famílias com filhos em escolas privadas. Mas também ocorre com famílias de crianças de escolas públicas.
[...]
O ideal será quando, não importa qual seja a política da administração, progressista ou reacionária, as professoras se definam sempre como professoras. O lamentável é que oscilem entre ser bem comportadamente tias em administrações autoritárias e rebeldemente professoras em administrações democráticas. Minha esperança é que, experimentando-se livremente em administrações abertas terminem por guardar o gosto da liberdade, do risco de criar e se vão preparando para assumir--se plenamente como professoras, como profissionais entre cujos deveres se acha o de testemunhar a seus alunos e às famílias de seus alunos, o de recusar sem arrogância,mas com dignidade e energia, o arbítrio e o todo-poderosismo de certos administradores chamados modernos. Mas o dever de recusar esse todo-poderosismo e esse autoritarismo, qualquer que seja a forma que eles tornem, não isoladamente, na qualidade de Maria, de Ana, de Rosália, de Antônio ou de José.
Esta posição de luta democrática em que as, professoras testemunham a seus alunos os valores da democracia lhes coloca três exigências basilares:
1) jamais transformarem ou entenderem esta como uma 1uta singular, individual, por mais que possa haver, em muitos casos, perseguições mesquinhas contra esta ou aquela professora por motivos pessoais.
2) por isso mesmo, estar sempre ao lado de suas companheiras desafiando também os órgãos de sua categoria para que dêem o bom combate.
3) tão importante quanto as outras e que já encerra em si o exercício de um direito, exigirem, brigando por sua efetivação, sua formação permanente autêntica – a que se funda na experiência de viver a tensão dialética entre teoria e prática. Pensar a prática enquanto a melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através de que se vai reconhecendo a teoria nela embutida. A avaliação da prática como caminho de formação teórica e não como instrumento de mera recriminação da professora.  




sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Politica e ideologicamente distante das posições revolucionárias de Luiz Carlos Prestes

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro


Em meio a muita polêmica, foi lançado, em dezembro de 2015, o livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos de Sambódromo”. Segundo o autor, Luiz Carlos Prestes Filho [Luiz Carlos Ribeiro Prestes], trata-se de um registro sobre a importância dos quatro presidentes de escolas de samba (Anísio Abraão, Capitão Guimarães, Luizinho Drummond e Carlinhos Maracanã) que lutaram pela construção da Passarela do Samba e criaram a Liesa, Liga Independente das Escolas de Samba.


A razão da controvérsia está no fato de que o lançamento do livro de Luiz Carlos Ribeiro Prestes aconteceu duas semanas depois da chegada às livrarias de “Os porões da contravenção”, de Chico Otavio e Aloy Jupiara, livro publicado pela editora Record, que tem por tema a ligação dos bicheiros com a ditadura militar e ações criminosas - isto é, a história da aliança que profissionalizou o crime organizado (leia aqui um trecho do livro). Mas Luiz Carlos parece ser da mesma opinião que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, autor do prefácio do livro, que disse em entrevista ao Globo: “Não conheço e nem me interesso pelo outro lado dos protagonistas” (citação em "O tão falado livro do Prestes Filho sobre o carnaval carioca", por Lu Lacerda, no IG).

Em reportagem na revista Isto é, intitulada "Veto e mal estar", Luiz Carlos Ribeiro Prestes disse: “Não há mais condenação contra eles [integrantes da cúpula do Jogo do Bicho no Rio, condenada pela Justiça nos anos 1990], e independentemente de qualquer coisa, não dá para negar a importância deles para o Carnaval Carioca. José Dirceu está preso e escrevem livros sobre ele. Posso escrever sobre quem eu quiser. Estamos numa democracia.”

"Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor." (Desmond Tutu)

Nesta segunda-feira, 15/02/2016, o blog do jornalista Ancelmo Góis, colunista do jornal O Globo, publicou a seguinte nota:


Polêmica na Sapucaí

Luiz Carlos Prestes Filho, Maria Prestes e Capitão Guimarães 

Esta foto mostra Maria Prestes, acompanhada do filho Luiz Carlos Prestes Filho, ao lado do Capitão Guimarães, sábado, no camarote da Liga das Escolas, na Sapucaí. A viúva do principal líder comunista brasileiro cumprimentou o bicheiro “pelo belo desfile da Vila Isabel, que homenageou o grande Miguel Arraes”. O encontro, segundo o filho, “foi formal, elegante e democrático.”

O Capitão Guimarães, como se sabe, serviu no Doi-Codi durante a ditadura. Ele também é citado como torturador no relatório da Comissão da Verdade.

Aliás...Este encontro, improvável há algumas décadas, é um desdobramento do livro lançado por Luiz Carlos, em dezembro: “O maior espetáculo da Terra — 30 anos de carnaval carioca”. Estudioso da economia da cultura popular, o autor exalta no livro o papel dos bicheiros no carnaval. Diz que “sem eles, o desfile não teria a magnitude de hoje”.

Só que este livro coincidiu com o lançamento de “Os porões da contravenção”, de autoria dos repórteres Aloy Jupiara e Chico Otávio. A dupla mostra as ligações de bicheiros com a ditadura e o crime organizado.


Diante do exposto, parece que uma parte da família de Luiz Carlos Prestes, exercendo, claro, o seu direito de liberdade de escolha e de associação, a muito tempo renunciou ao legado político de Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Se é que alguma vez, de fato e efetivamente, estes familiares estiveram politica e ideologicamente ao lado dele. 

E por falar do legado de Luiz Carlos Prestes, cabe aqui reproduzir o texto de Florestan Fernandes, intitulado "O herói sem mito", escrito em homenagem ao Cavaleiro da Esperança, por ocasião de seu falecimento em 7 de março de 1990.

 O herói sem mito

Escrito por Florestan Fernandes

  (Texto publicado no encarte da revista Trilha Socialista - 1990)

Faleceu o único herói brasileiro que não forjou o pedestal de sua gloria. Homem simples e franco no trato cotidiano, era um líder político (e militar) nato. Depois da célebre marcha, na qual sobrepujou em argúcia e espirito inventivo as Forças Armadas oficiais, poderia ter se tomado um dos "grandes da República", Getúlio Vargas tentou seduzi-lo, mas encontrou o repúdio a qualquer composição política pessoal. O rebelde não se despia de suas convicções antioligárquicas e democráticas, buscando servir a nação - e a sua independência — e submeter-se a uma vida de sacrifícios exemplares que o enobrecem como figura humana e como agente histórico.


Nem sempre estive ao seu lado e demorei para entender os desafios que ele enfrentava com desprendimento e grandeza. Foi a década de 1970 e principalmente a luta contra a ditadura militar que escancararam para todos os olhos o significado político de sua dedicação ao movimento operário e sindical. O prestismo deixara, então, de ser o dínamo de seu partido e uma realidade histórica. Privado de tudo, de sua condição de dirigente e confrontado por antagonismos antes imprevisíveis, ele apareceu na cena política na plenitude do seu ser real. Ao contrario de outros "comunistas" que renegaram e traíram seus compromissos e valores, ele procurou atualizar sua compreensão objetiva do Brasil, seu conhecimento do marxismo e sua atuação independente dentro do movimento operário e sindical. Algo surpreendente para uma pessoa de sua idade, além do mais tida como "dogmática" e "autoritária".


Nesse momento, enquanto a esquerda se fragmentava e se delinearam novas opções partidárias socialistas, Luiz Carlos Prestes cresceu como homem e como personalidade política. Velhos militantes fieis somavam-se a jovens ardentes, que ouviam sua pregação moral. É neste terreno que trava a batalha final, até a morte. Ética e política não se dissociam. Uma constitui o avesso da outra. A luta de classes é uma realidade política. Contudo não seria nada se não fosse, acima de tudo, uma exigência moral. Nesse nível — do qual parte, aliás, o "jovem Marx" — Prestes empenha-se em sua "última etapa", impulsionado pelo dever incoercível de chegar a explicações e ações fundadas nas raízes dos processos sociais, econômicos e políticos. Corria o Brasil de um lado a outro, levando a toda parte o ardor de suas convicções.


O rebelde do começo não ressurge no radical da etapa derradeira. Surge um Prestes arquétipo, que infunde vitalidade à esperança dos trabalhadores livres e semilivres ou dos jovens e estudantes, todos desesperados e desorientados, que não viam esperança individual ou coletiva para si e para o Brasil. A revolução socialista formulada como a "única via" da liberdade, de igualdade e da democracia da maioria é posta no eixo da auto-emancipação das classes trabalhadoras e das massas populares excluídas. Esse discurso ultrarradical encontrou ressonância mesmo entre seus detratores e inimigos. E originou uma solida confiança nos de baixo em sua capacidade de ação — de criar uma sociedade nova, digna de inspirar os brasileiros a tomar em suas mãos a democratização do país e do Estado. Essa esperança transcendeu o seu percurso solitário, foi além das fronteiras dos militantes e simpatizantes de seu ideário político e representa a principal herança por ele deixada ao movimento operário, sindical e partidário de orientação firmemente socialista.FONTEILCP.


 Queiram ou não os seus adversários e críticos de plantão, a ausência física de Luiz Carlos Prestes não nos impede de falar de legados políticos, entendidos como um conjunto de valores e princípios de modo a formar uma cultura política. Dos pilares dessa cultura política, o historiador Lincoln de Abreu Penna enumera três, ao participar do Seminário "Prestes - 20 anos sem o Cavaleiro da Esperança", realizado pela UFRJ, em setembro de 2010: o repúdio às injustiças sociais e a luta para superá-las; o primado do altruísmo, da solidariedade, sobre o individualismo; a vontade política voltada às transformações como motivação das ações na vida pública. Sobre eles, Lincoln traça os seguintes comentários:

O primeiro pilar esteve presente no engajamento de Prestes quando ainda jovem oficial do exército. Revoltou-se e liderou ao longo da década de vinte o movimento tenentista;O segundo acompanhou toda a sua trajetória de vida. O altruísmo e a solidariedade aos companheiros e aos segmentos sociais ligados ao mundo do trabalho sempre deixaram em segundo plano eventuais desejos individuais; E no que se refere ao terceiro pilar, a postura revolucionária o levou a trilhar uma das mais destacadas vidas no campo das lutas em defesa do ideário socialista;  É por essa razão que a esperança foi intensamente representada pela figura do seu Cavaleiro, a percorrer o Brasil de Norte a Sul, de Leste à Oeste, levando a bandeira da libertação.

O historiador Lincoln Penna, conclui afirmando que de Prestes devemos guardar alguns princípios e ensinamentos:

O princípio da coerência ideológica; O ensinamento de que o compromisso com a causa da revolução supera os eventuais interesses individuais; O princípio e o ensinamento do dever cívico, que passa pela defesa da soberania nacional e do internacionalismo; A integridade moral diante das adversidades; A capacidade de contrariar maiorias, tendências dominantes, em nome da determinação da luta.

Embora não haja um determinismo de que os filhos devem, obrigatoriamente, seguir os passos dos seus pais e comungar da sua visão de mundo, não deixa de ser chocante e causar repúdio aos comunistas aliados às posições de Luiz Carlos Prestes, que honram a sua luta, a sua figura e a sua memória, e à esquerda revolucionária em geral o uso do seu nome e da sua imagem, ainda que indiretamente - e de forma leviana -, associados à contravenção, ligada à ditadura militar e às ações criminosas. Porque, infelizmente, o autodenominado Luiz Carlos Prestes Filho e sua mãe parecem se aproveitar bastante dos vínculos de parentesco com o Cavaleiro da Esperança para a promoção de seus interesses individuais, algo completamente oposto aos princípios preconizados por aquele que foi a maior liderança comunista na história deste país.

NOTAS:





Para saber sobre as relações dos bicheiros com a ditadura militar, isto é, a história da aliança que profissionalizou o crime organizado, recomendo a leitura do seguinte livro:


Jupiara, Aloy; Chico Otavio. Os porões da contravenção: jogo do bicho e ditadura militar - a história da aliança que profissionalizou o crime organizado. São Paulo: Record, 2015.






Para conhecer o que foi o DOI-Codi, recomendo o seguinte livro: 

GODOY, Marcelo. A Casa da Vovó: uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar: histórias, documentos e depoimentos inéditos dos agentes do regime. São Paulo: Alameda, 2014.







Para conhecer a trajetória política de Luiz Carlos Prestes, recomendo a seguinte obra:


PRESTES, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2015.






domingo, 14 de fevereiro de 2016

Publicações dos sete congressos da Internacional Comunista, realizados entre 1919 e 1935.


1919-1922
Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista, Primera Parte, Buenos Aires: Pasado y Presente, 1973. (Cuadernos de Pasado y Presente, No. 43)
Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista, Segunda Parte, Buenos Aires: Pasado y Presente, 1973. (Cuadernos de Pasado y Presente, No. 47)
V Congreso de la Internacional Comunista [1924]
Cuadernos de Pasado y Presente 55 y 56, Córdoba, 1975
VI Congreso de la Internacional Comunista [1928]
Cuadernos de Pasado y Presente 66 y 67, México, 1977/78
VII Congreso de la Internacional Comunista [1935]
"Fascismo, democracia y frente popular"
Cuaderno de Pasado y Presente 76, Siglo XXI, México, 1984

FONTE: Marxismo21

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Olga Benario Prestes, uma comunista internacionalista. A vida e a luta de uma revolucionária.

108 anos do nascimento de Olga Benario Prestes, nascida em 12 de fevereiro de 1908 e assassinada em abril de 1942 no campo de extermínio de Bernburg.

Figura emblemática cujo heroísmo jamais deixará de suscitar admiração de todos aqueles, homens e mulheres, que sonham hoje com um mundo melhor, em que a exploração do homem pelo homem tenha sido abolida para sempre e, consequentemente, as injustiças sociais, a fome, a miséria, o desemprego e o desamparo de milhões de pessoas tenham desaparecido.

Para saber mais sobre a história de vida e de militância comunista de Olga, consulte a página do Instituto Luiz Carlos Prestes.

1De: Olga Benario, Luiz Carlos Prestes – Die Unbeugsamen, Briefwechsel aus Gefängnis und KZ. Robert Cohen (Hsg.)
2Não olhe nos olhos do inimigo
3CARTA INÉDITA DE OLGA BENARIO PRESTES À ERMELINDA FELIZARDO (AVÓ DE LUIZ CARLOS PRESTES)*
4Una mujer
5Olga Benário Prestes: um exemplo para os jovens de hoje!
6NOVOS RUMOS
7OLGA BENÁRIO PRESTES, por M.V. Campos da Paz.
8Sobre Olga Benário Prestes
9Última Carta de Olga Benário

Link para baixar gratuitamente o e-book do livro Olga, de Fernando Morais:
http://delubio.com.br/biblioteca/wp-content/uploads/2013/11/Fernando-Morais_Olga.pdf








Videoteca Virtual Gregório Bezerra

Organizada pelo MST, tem como foco vídeos sobre a questão agrária no Brasil.

O Catálogo Geral da Videoteca Virtual Gregório Bezerra está organizado em ordem alfabética do título.

Acesse a Videoteca Virtual Gregório Bezerra clicando no link abaixo:





terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Mais de 1.200 filmes nacionais no canal Cinemateca Popular Brasileira


Endereço do canal Cinemateca Popular Brasileira no Youtube:


A Cinemateca Popular Brasileira, organizada pelo Armazém Memória a partir de filmes publicados no Youtube, tem por fonte de pesquisa o Dicionário de Filmes Brasileiros de Antônio Leão da Silva Neto (1908-2002) e os catálogos da ANCINE (2002-2013). Disponibiliza à consulta filmografias de diretores e diretoras, bem como a cronologia dos filmes nacionais por ano de lançamento nos cinemas ou festivais, que podem ser consultados por gênero, direção e ano, além das mostras e coletâneas. A difusão e acesso à produção cultural e cinematográfica brasileira é fundamental para o avanço de nossa sociedade nas áreas de educação e direitos humanos.

Na Cinemateca Popular Brasileira estão reunidos 1.449 filmes nacionais dispersos em centenas de canais de usuários do Youtube, compondo 497 playlists. Uma vez por ano atualizamos o catálogo, mediante manutenção de links quebrados e varredura no Youtube, para inclusão de vídeos ainda não catalogados no Canal. Com a atualização de 2015 superamos 34% do conteúdo produzido em mais de 100 anos de cinema nacional. A última manutenção de playlists e atualização de catálogo foi realizada entre 21/12/2015 e 27/01/2015. No canal estão publicados 18 filmes de 409 que se encontram em domínio público, os demais são agregados aos catálogos de canais de terceiros disponíveis na rede.


Dica de Livro: O Egito Antigo, de Ciro Flamarion Cardoso

Por Robson Bertasso


Grande parte do conhecimento produzido sobre o Egito Antigo no Brasil se deve aos esforços do historiador Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013), que, juntamente com Emanuel Bouzon e Emanuel Araújo, inaugurou os estudos sobre o Antigo Oriente Próximo no país, produzindo e orientando inúmeros trabalhos sobre o assunto.

Embora sua trajetória acadêmica até os anos de 1980 tenha se concentrado nos estudos da América Latina, com ênfase no período colonial, Ciro Flamarion nunca escondeu sua paixão pela civilização egípcia. É no ano de 1982 que o historiador publica seu primeiro livro sobre o Egito Antigo (1), pela editora brasiliense, na clássica coleção Tudo é História. Neste livro, o autor tem como objetivo apresentar um panorama geral dos quase 2.700 anos de história do Egito, abordando aspectos gerais, como por exemplo, a economia, a política e a cultura, sob uma perspectiva marxista.

Logo na introdução da obra, a fim de justificar seu longo recorte temporal, o autor defende que o Egito “constituiu uma mesma entidade política reconhecível” (p.7) durante o período que se inicia em aproximadamente 3.000 a.C, momento da unificação do baixo e do alto império, até 332 a.C, quando Alexandre conquista o Egito.  Isso se deve, conforme Cardoso, por causa da permanência parcial, naquela civilização, de alguns padrões culturais no decorrer destes séculos, como por exemplo, as concepções acerca da realeza, a religião, os estilos artísticos, as estruturações econômico-sociais, e a escrita hieroglífica, aspectos estes que serão trabalhados pelo autor nos capítulos seguintes.

Este livro é um ótimo recurso para quem quer iniciar seus estudos sobre o Egito Antigo, pois, além de apresentar ao leitor algumas informações elementares sobre a cultura, a economia e a política egípcia, ele fornece uma excelente discussão historiográfica, indicando leituras sobre o assunto no final da obra, e discute questões polêmicas, como o “Modo de Produção Asiático” e a “Hipótese Causal Hidráulica”.

Portanto, se você estava à procura de uma obra introdutória sobre o Egito Antigo, vale a pena conferir.

NOTAS

1 CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. O Egito Antigo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982, p. 113.


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sábado, 6 de fevereiro de 2016

Revistas científicas ou túmulos do saber?

Por trás do suposto rigor das publicações “de excelência” pode estar o epistemicídio — a tendência da Academia a sepultar pensamentos dissidentes

por Alex Martins Moraes


O que a entrega do prêmio Nobel de medicina 2013 e a divulgação dos resultados da avaliação trienal do sistema de pós-graduação no Brasil têm em comum? Além de ambos os eventos terem ocorrido na primeira quinzena de dezembro, eles também convergem, por razões distintas, em outro sentido: representam uma boa oportunidade para repensar e criticar as modalidades vigentes de produção do conhecimento em nosso país.

O biólogo molecular estadunidense Randy Wayne Schekman, que recebeu o prêmio Nobel junto com seus pares James Rothman e Thomas Südhof, aproveitou a visibilidade pública proporcionada pela premiação para instaurar uma forte polêmica com algumas das publicações científicas mais importantes no campo das ciências biológicas. Em coluna publicada no The Guardian um dia antes da cerimônia do Nobel (versão em espanhol publicada pelo El País), Randy Schekman acusou as revistas NatureScienceCell de prestarem um verdadeiro desserviço à ciência, difundindo práticas propriamente especulativas para garantirem seus mercados editoriais. Entre estas práticas, Schekman menciona a redução artificial da quantidade de artigos aceitos para publicação, a adoção de critérios sensacionalistas na seleção das colaborações e um total descompromisso com a qualificação do debate científico. Schekman conclui sua intervenção com o seguinte chamado à comunidade científica: “Da mesma forma que Wall Street precisa terminar com o domínio da cultura dos bônus, que fomenta certos riscos que são racionais para os indivíduos, mas prejudiciais para o sistema financeiro, a ciência deve se libertar da tirania das revistas de luxo. A consequência dessa escolha será uma pesquisa que sirva melhor aos interesses da ciência e da sociedade”.
Aparentemente refratária a esse tipo de crítica – que, aliás, vem se tornando cada vez mais comum em todas as áreas do conhecimento–, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) confere um peso decisivo às publicações em revistas de alto impacto no momento de avaliar o desempenho e a qualidade dos cursos de pós-graduação brasileiros. Para a antropologia, área da qual provenho, a avaliação da CAPES atribui um peso de 40% sobre a nota final à produção intelectual dos docentes de cada instituição. Na prática isto significa que, para atingir os conceitos máximos de avaliação (6 e 7), um determinado programa de pós-graduação deve esperar que todos os seus professores de mestrado e doutorado efetuem – para citar diretamente o roteiro de avaliação da CAPES – “a publicação de resultados de pesquisa, sob a forma de artigos em periódicos científicos, livros e capítulos de livros qualificados, com destacada proporção e média por docente nos estratos A1, A2 e B1 do Qualis Periódicos”. Levando em conta a quantidade de artigos publicados pelos docentes permanentes dos programas de pós-graduação em antropologia mais produtivos no triênio 2010-2012, o “ideal” seria, em média, cerca de duas publicações por ano por docente em revistas indexadas – isto sem mencionar as demais publicações, como livros, capítulos de livros, audiovisuais, relatórios técnicos, etc.
A avaliação da CAPES na área antropologia/arqueologia não leva em conta o fator de impacto das publicações, dado que a maioria das revistas de ciências humanas não dispõe dos meios para quantificá-lo. Neste caso, a classificação dos periódicos nos estratos A1 e A2 exige, entre outras coisas, que eles figurem em indexadores internacionais. Já o estrato B1 requer que figurem em pelo menos dois indexadores, sejam eles internacionais ou não. Outras áreas, como a medicina, adotam diretamente uma classificação elaborada com base na mediana do fator de impacto das revistas, obtidos junto ao Journal Citation Reports (JCR) e calculados anualmente pelo ISI Web of Knowledge. Isto implica o condicionamento da avaliação da produção científica às dinâmicas do mercado editorial internacional, com todas as consequências aventadas por Randy Schekman em seu artigo no The Guardian. Pior ainda, ao aplicar classificações desta ordem, a CAPES enfraquece o próprio parque editorial nacional e favorece uma forma questionável de internacionalizar a produção científica, colocando as revistas mantidas por universidades públicas e entidades de classe em detrimento de periódicos estrangeiros, financiados, em sua maioria, pela iniciativa privada e aferrados aos cânones da propriedade intelectual.
No caso das ciências sociais e humanas, o produtivismo amparado pelas avaliações da CAPES se materializa numa miríade de efeitos preocupantes, alguns deles inesperados. Não me refiro apenas à precarização do trabalho de professores e estudantes ou à perda de organicidade da produção intelectual decorrente da ênfase obsessiva na escrita de artigos e de apresentações para congressos. Talvez o aspecto mais assustador e menos criticado de uma avaliação da pós-graduação inspirada pela ideologia produtivista seja que ela ampara o epistemicídio. O epistemicídio – noção desenvolvida, entre outros, por Boaventura de Sousa Santos – consiste na eliminação ou inferiorização ativa de algumas formas de conhecimento em favor de outras, consideradas mais desejáveis no marco de uma dada estratégia de poder. Por exemplo, a anulação de certos saberes locais, sua folclorização ou deslegitimação pública foi e é uma modalidade de epistemicídio aplicada sobre diversas populações ao longo das experiências coloniais na América, Áfria e Ásia. O produtivismo está a serviço do epistemicídio porque bloqueia ou dificulta seriamente e emergência de outras formas de construção e enunciação do conhecimento em um momento de relativa democratização das universidades públicas brasileiras. Em poucas palavras, o produtivismo compromete a diversidade das formas de fazer ciência e a própria criatividade humana no exato momento em que se converte em critério valorativo hegemônico para a distribuição dos recursos necessários à produção de conhecimento. Ao erigir-se como critério chave de avaliação da relevância da produção intelectual, ele impõe sistemas de hierarquização que só fazem reiterar privilégios epistêmicos de longa data e comutá-los, logicamente, em privilégios político-institucionais. Só as modalidades mais conservadoras e pouco imaginativas de fazer ciência se adaptam, sem grandes problemas, aos atuais imperativos de quantificação. Já os estudos guiados pela co-investigação prolongada e participativa, os amplos panoramas exploratórios, as práticas colaborativas e situadas de escrita científica, etc. não conseguem sobreviver a esses imperativos.
As ciências sociais e humanas hegemônicas, legitimadas pelo produtivismo, marginalizam – ou produzem como inexistentes – outras práticas de produção intelectual; elas impõem seu universalismo abstrato ao pluralismo real dos discursos e das práxis intelectuais vigentes na universidade e fora dela. As instituições encarregadas de produzir conhecimento humanístico manejam orçamentos que, sem serem os mais robustos do sistema universitário brasileiro, não podem, ainda assim, considerar-se insignificantes. Trata-se de orçamentos conformados com dinheiro público acumulado através da cobrança de impostos majoritariamente regressivos a populações empobrecidas. Estes recursos têm sido aplicados, frequentemente, no estímulo de uma dinâmica universitária tendente a afastar estudantes e professores da problematização dos dilemas reais suscitados pela vida democrática em nosso país. Na prática, os chamados “problemas de investigação” acabam sendo inventados nos corredores da academia – ou importados dos debates prestigiosos e “de ponta” do norte global – para serem “resolvidos” no “lado de fora empírico”, com as “pessoas comuns” e depois convertidos em digressões que atendem apenas à agenda editorial vigente no mercado das publicações acadêmicas. Como se não bastasse, o dinheiro público destinado à formação de jovens pesquisadores no exterior é por vezes “investido” na perpetuação da subalternidade epistêmica das academias do sul global mediante editais que reiteram regimes de legitimidade científica diretamente coloniais.
Com a hegemonia da quantificação na elaboração dos sistemas de avaliação científica, cada vez menos a universidade poderá ser concebida como espaço de estímulo ao florescimento de “ciências sociais de outra forma”, baseadas no sentido de responsabilidade e colaboração em pesquisa, no cultivo de vínculos duradouros e qualificados com comunidades e sujeitos e na articulação entre problemáticas investigativas e dilemas socialmente compartilhados. Nossos prestigiosos programas de pós-graduação mais se assemelham organismos autistas, imersos em transe profundo, alheios a qualquer preocupação com a importância social do conhecimento científico. O que parece dinamizar a produção de conhecimento é a própria vontade de produzir racionalizada e eficientemente. Grosso modo: produção pela produção. Eis o círculo virtuoso (ou seria círculo vicioso?) do saber.
O que fazer num cenário em que a quase totalidade da produção de conhecimento promovida pelas ciências sociais e humanas encontra-se submetida a um estandarte geral de avaliação caracterizado pela (in)determinação quantitativa de toda a qualidade? Michael Eisen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, que reagiu positivamente às criticas levantadas por Randy Schekman nas vésperas da entrega do Nobel, sugere a criação de sistemas alternativos de legitimação das práticas intelectuais. Para ele, todos os cientistas deveriam “atacar o uso das publicações para avaliar os pesquisadores, fazendo-o sempre que possível quando contratarem cientistas para o seu próprio laboratório ou departamento, quando revisarem as solicitações de financiamento ou julgarem os candidatos para uma vaga” (ver matéria no El País:). Mais próximos de nós, os estudantes de mestrado em Antropologia Social da UFRGS, que paralisaram suas atividades acadêmicas na primavera de 2011 para questionar o produtivismo e as genealogias institucionais estabelecidas também oferecem uma alternativa: “paremos para pensar”. Esta, que foi a consigna da sua greve, nos alenta com a perspectiva de que a desestabilização da engrenagem produtivista é possível através da conformação de uma ética e de uma prática intelectual alternativa. Ao comentar a greve dos estudantes de Porto Alegre, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos concluiu o seguinte: “O vosso movimento (…) é parte dessa sociologia das emergências, porque é gente que está em busca de uma renovação epistemológica, política e o faz entre si, em pequenos grupos. Certamente os meios de comunicação não noticiaram, certamente não foi útil para o currículo deles ou para o programa de estudos deles, mas estão a emergir outras realidades” (entrevista completa na Tinta Crítica).
Talvez estas práticas “dissidentes” sejam um caminho para explorar novas lealdades e alianças políticas que conduzam a vias alternativas de legitimação da produção intelectual. O desafio, portanto, é erigir espaços profissionais dignos e reconhecidos mais além das aparelhagens institucionais produtivistas, de forma a superar as tentativas de epistemicídio e abrir passagem à proliferação de práticas intelectuais indisciplinadas, ecumênicas e participativas. Assumindo tal postura, corremos o risco de perdermos, num primeiro momento, o aval dos números, dos mercados editoriais e da tecnocracia, mas ganhamos um valioso terreno para construir objetividade e provar a validade dos nossos postulados: a práxis humana. Neste terreno pode vicejar uma ciência sucessora, amparada em novas redes de diálogo em política; uma ciência aberta a programas de investigação nos quais a verdade reside, parafraseando novamente a Boaventura de Sousa Santos, naquele conhecimento “que nos guia conscientemente e com êxito na passagem de um estado de realidade para outro estado de realidade”.
A tarefa parece hercúlea e certamente nem todos os pesquisadores estarão interessados em aceitá-la. Uma coisa, no entanto, é certa: ao desenvolver investigações, emitir laudos de demarcação de terras indígenas, frequentar eventos acadêmicos, escrever textos, produzir imagens, enunciar discursos políticos, etc. os cientistas sociais incorporam e colocam em ato suas disciplinas. E é por esta mesma via que também estão em condições de colocá-las em questão, disputando seus efeitos e funções. Nós podemos, portanto, atuar no registro da reprodução, abastecendo o aparelho disciplinar herdado, ou podemos bloquear a atualização de certas dinâmicas produtivas, exercendo uma reflexão crítica e pragmática a respeito das ferramentas político-institucionais disponíveis à ação transformadora.