sábado, 27 de abril de 2013

Sociólogos avaliam papel das ciências humanas no currículo escolar



Por RICARDO ANTUNES DE ABREU e MARIO MIRANDA ANTONIO JUNIOR (*)



Em resposta ao editorial "Lição errada", que diz repeito ao aumento da carga horária de filosofia, sociologia e artes no currículo do ensino médio no Estado de São Paulo, a Federação Nacional dos Sociólogos (FNS) tem esclarecimentos a fazer.

O editorial ataca, de forma gratuita e preconceituosa, a sociologia e outras ciências humanas. Do ponto de vista objetivo, baseado em que pressupostos o texto afirma que incluir (conforme determinado por lei) ou aumentar as cargas horárias de sociologia, filosofia ou artes sejam "experimentalismos duvidosos", e "matemática e português" sejam disciplinas "estruturantes"?

Para efeitos de uma formação que privilegie a construção da cidadania e a despeito da atual formação instrumental, utilitarista e individualista que visa apenas o mercado e o sucesso individual, acreditamos que sociologia, filosofia ou artes devem ter primazia ou importância equivalente.

Historicamente, a educação nunca foi prioridade no Brasil. De um modo geral, o modelo educacional brasileiro que conhecemos hoje é remanescente do imposto nos anos 1960 pela ditadura militar, em que as ciências humanas gradativamente foram perdendo espaço na grade curricular do sistema educacional em nível de educação básica e média, tanto no ensino público quanto no privado.

Mais recentemente --década de 1990--, as ciências humanas passaram por outras medidas de caráter restritivo, impostas pelo modelo americano. Influenciados pelas ideais de uma educação meramente utilitária e tecnicista, os currículos foram adaptados para assegurar uma formação que privilegiasse as disciplinas instrumentais, em detrimento de conteúdos voltados para uma formação cidadã e humanista, incompatíveis, antes, com o regime autoritário e, agora, com o neoliberal.

No campo da educação, prevalece o discurso que privilegia o ensino e a pesquisa inter ou transdisciplinar. Do ponto de vista epistemológico, o sujeito pós-moderno opõe-se aos grandes modelos teóricos.

A atuação política pós-moderna desqualifica e dissimula a ação política tradicional (Estado, partidos políticos, sindicatos, movimentos populares etc.), preferindo atuar por meio de ações voluntárias de ONGs, bem como, nos atos mais ou menos espontâneos de grupos e/ou de sujeitos políticos protagonistas ou representantes de demandas sociais específicas ou de grupos excluídos.

Caracteriza-se por uma tendência aberta ao individualismo e ao utilitarismo escamoteados por uma espécie de hedonismo socializado pela mídia. Esvazia os conteúdos ideológicos intrínsecos ao campo político e reduz o papel do Estado a mero financiador ou prestador de serviços públicos. Nesse contexto é que se inserem as interpretações sobre os fatos históricos e os acontecimentos políticos ou sociais na atualidade.

A criminalização de setores do movimento social, de um lado, e as recentes --e, por que não dizer, históricas-- respostas violentas às reivindicações sociais e populares mostram que as alternativas autoritárias ainda resistem e seduzem setores insatisfeitos com as respostas oferecidas pela política tradicional e os relativismos estabelecidos pela pós-modernidade.

Não é sem motivo que nos lugares tradicionais de conflito e competição --trabalho, política, moral, sexualidade, cultura--, em que inexistem limites definidos ou claros, é que encontramos a crise instalada nessas sociedades.

As diversas crises --econômica, étnica, político-ideológica, entre outras-- que encerraram o século 20 e inauguram o 21 demonstram de modo incontestável o esgotamento dos modelos liberais ocidentais, a despeito dos sofismas neoliberais reacionários.

É nesse contexto que o aumento da carga horária de filosofia, sociologia e artes no Estado de São Paulo se insere e reflete a urgência de se pensar uma sociedade mais humana e cidadã onde os jovens, integrantes do ensino médio, serão os protagonistas desse novo modelo.

(*) Ricardo Antunes de Abreu é presidente da Federação Nacional dos Sociólogos (FNS) e Mario Miranda Antonio Junior é sociólogo e consultor da FNS

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Aloizio Mercadante bajula Folha e esbofeteia vítimas da ditadura




Na semana que finda, o ex-delegado da Polícia Civil Cláudio Guerra delatou o comparsa de atrocidades durante a ditadura militar, o fundador do jornal Folha de São Paulo, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007). Revelou que ele visitava “frequentemente” o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), que, como se sabe, era um centro de torturas.
A denúncia foi feita ao vereador Gilberto Natalini, presidente da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo. Além dessa denúncia, também revelou que a Folha emprestou carros e ajudou a financiar os órgãos da repressão na época – denúncia que não é nova e que figura no livro Cães de Guarda, da doutora em História Social Beatriz Kushnir.
Palavras do denunciante: “O Frias visitava o Dops constantemente. Isso está registrado.”
Sim, está registrado. Recentemente, a Comissão da Verdade de São Paulo recebeu o livro de visitas do DOPS, onde empresários como Frias parece que davam expediente, sendo “inexplicável” a razão para comparecerem a um centro de torturas e morte seguidas vezes.
Segundo a própria Folha de São Paulo, em matéria publicada na quinta-feira, “Guerra disse também que o publisher da Folha era ‘amigo pessoal’ do delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais ativos agentes da repressão”.
O depoimento do congênere de Frias durante a ditadura foi apresentado em vídeo na terça-feira em audiência da Comissão da Verdade na Câmara Municipal de São Paulo.
Verdade seja dita, a Folha publicou as denúncias contra si em sua edição de quinta-feira. A coragem do jornal, porém, contrasta com a covardia do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, que enviou carta ao Painel do Leitor da publicação a fim de bajulá-la. Fazendo isso, Mercadante envergonhou o PT e esbofeteou as vítimas da ditadura.
Leia, abaixo, o texto patético de alguém que é fundador do PT e ministro da educação do governo Dilma e que foi publicado na edição da Folha desta sexta-feira.
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A Folha publicou notícia de que o empresário Octavio Frias de Oliveira visitou frequentemente o Dops e era amigo pessoal do delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais ativos agentes da repressão.
A denúncia partiu do ex-agente da repressão, Cláudio Guerra. Recebi a informação perplexo e incrédulo. Especialmente porque militei contra a ditadura militar na dura década de 70 e tive a oportunidade de testemunhar o papel desempenhado pelo jornal, sob o comando de “seu Frias”, na luta pelas liberdades democráticas.
A coluna de Perseu Abramo sempre foi referência da luta estudantil nos dias difíceis de repressão. A página de “Opinião” abriu espaço para o debate democrático e pluralista. A Folha contribuiu decisivamente para a campanha das Diretas Já.
Ao longo desses 40 anos de militância política, mesmo com opiniões muitas vezes opostas às da Folha, testemunho que o jornal sempre garantiu o debate e a pluralidade de ideias, que ajudaram a construir o Brasil democrático de hoje.
E “seu Frias” merece, por isso, meu reconhecimento. Acredito que falo por muitos da minha geração.
Aloizio Mercadante, ministro de Estado da Educação (Brasília, DF)
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Quem escreveu esse texto vergonhoso não foi um general de pijama nem um dos barões da mídia, foi um dos fundadores do PT em 1980, vice-presidente do partido entre 1991 e 1999, senador pelo estado de São Paulo entre 2003 e 2010, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil de 2011 a 2012 e que se tornou ministro da Educação no ano passado.
Apesar de Mercadante ser filho de general do Exército, não parece que seja essa a sua motivação para se fazer de desinformado e, assim, dar à Folha o que ela precisava, um depoimento em defesa de Frias pai por parte de alguém que, por ser petista, seria insuspeito de estar mentindo a favor dele – a Folha parece reconhecer que está publicando o depoimento de um adversário político.
Mercadante apenas bajula a Folha como tantos outros petistas que acham que podem ser menos pisoteados pelo jornal se rastejarem diante dele e se ajoelharem em seu altar de mentiras. Mas caso o ministro da educação seja apenas um idiota que chegou aonde chegou sem conhecer a história de seu país, aí vão alguns esclarecimentos a ele.
O homem fardado e a declaração na foto que encima este texto correspondem a Otávio Frias de Oliveira, o falecido fundador do jornal Folha de São Paulo. Imagem e palavras pertencem a momentos distintos de sua vida. Todavia, unidas, explicam quem foi ele.
Frias de Oliveira lutou na Revolução Constitucionalista de 1932, que tentou dar um golpe de Estado contra Getúlio Vargas. Coerente com seu apreço pelo militarismo e pela derrubada de governos dos quais não gostava, apoiou o golpe militar de 1964.
Nesse período, a Folha de São Paulo serviu de voz e pernas para os ditadores que se sucederiam no poder ao exaltá-los e ao transportar para eles seus presos políticos até os centros de tortura do regime.
No dia 21 de setembro de 1971, a Ação Libertadora Nacional (ALN) incendiou camionetes da Folha que eram utilizadas para entregar jornais. Os responsáveis acusavam o dono do jornal de emprestar os veículos para transporte de presos políticos. Frias de Oliveira respondeu ao atentado publicando um editorial na primeira página no dia seguinte, sob o título “Banditismo”.
Eis um trecho do texto:
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Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social-realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. [...] Um país, enfim, de onde a subversão -que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear.”
(Editorial: Banditismo – publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).
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O presidente da República de então era Emílio Garrastazu Médici. Nomeado presidente pelos militares, comandou o período mais duro da ditadura militar. Foi a época do auge das prisões, torturas e assassinatos de militantes políticos de esquerda pelo regime.
Apesar dos elogios de Frias de Oliveira à ditadura, segundo a Fundação Getúlio Vargas foi no governo Médici que a miséria e a concentração de renda ganharam impulso. O Brasil teve o 9º Produto Nacional Bruto do mundo no período, mas em desnutrição perdia apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas.
O que Aloizio Mercadante fez, não tem nome. Nem covardia e oportunismo definem seu ato. O petista, porém, engana-se sobre a Folha. Se for candidato a governador, ano que vem, terá oposição feroz do jornal. Sua bajulação foi inútil.
Concluo este texto, portanto, com uma promessa: enquanto eu viver, esse político nunca mais receberá um voto meu. Além disso, exorto quem me lê e concorda com o que aqui foi dito a fazer o mesmo, pois quem age como o ministro Aloizio Mercandante agiu não só não merece confiança, mas merece muita desconfiança.


Frias, ditadura: o ministro que mercadeja


por Rodrigo Vianna

Quando os blogueiros foram processados, pela Globo e pela Folha, Aloisio Mercadante não apareceu para prestar solidariedade. Nem em público, nem em privado.  Requião (PMDB-PR) foi à tribuna. Paulo Pimenta (PT-RS) também foi. Outros tiveram a atitude (discreta, mas compreensível pelo cargo que ocupam) de mandar mensagens por telefone ou internet, manifestando solidariedade.

Mercadante não. Mercadeja. Fraqueja. Quando o governo Lula passou pela pior crise de sua história, durante a CPI do Mensalão, lá estava ele – o corajoso senador petista, histérico, tentando salvar a pele (e a imagem) junto aos eleitores de classe média em São Paulo. Quase chorou na tribuna. Não defendeu Lula. E tampouco saiu do PT (como fizeram aqueles que consideraram o “Mensalão” inaceitável). Mercadante ficou no meio do caminho, oportunisticamente.

Agora, Mercadante aparece para se dizer “perplexo” com as afirmações de que o dono da “Folha” era um colaborador estreito da ditadura. Mercadante. Penso nesse nome. Mercadante, mercador, comerciante. Aquele que mercadeja, troca…
Em busca de que está Mercadante? Ninguém escreve uma carta patética como essa à toa.  É um recado do governo Dilma (afinal, ele assina como “ministro da Educação”) para a velha mídia? Algo assim: “Fiquem tranquilos, Dilma e a Comissão da Verdade não irão atrás dos pecados que Frias, Marinhos e outros cometeram, em sua associação com a ditadura” – é isso? Há gente que não aceitaria mandar um recado desses…

Ou seria um recado pessoal: “turma da Folha, eu sou confiável, estou com vocês, lembrem-se disso quando eu for candidato a governador (ou a presidente, pois este é o novo delírio a embalar as pretensões do ministro, pelo que dizem em Brasília).

Seja como for, Mercadante ficou pequeno. Minúsculo.

Muitos na direção do PT vão-se afastando de sua história.  O partido cedeu muito para governar. Compreensível, trata-se de governo de coalizão. Foi-se entregando a práticas comuns na política brasileira. Era a busca pela tal “governabilidade”. Quem acompanha (e eu o faço) as entranhas de uma investigação como a “Operação Fratelli” (realizada pela PF e o MPF em São Paulo) encontra  deputados petistas confortavelmente próximos de lobistas e empreiteiras. Tucanos e petistas, juntos.  

É o percurso da social-democracia no mundo inteiro. Ceder para governar? Ou manter-se fiel aos princípios, mas sem intervir na gestão do aparato de Estado? PSOE na Espanha, PS francês, Labour Party inglês e outros preferiram a primeira hipótese. Avalio que o PT até cedeu menos do que os congêneres europeus. Não se entregou totalmente ao programa liberal. Fortaleceu o Estado, distribuiu renda, favoreceu a unidade latino-americana. E tem uma base (operária, sindical, nos movimentos sociais) que empurra o partido um pouco pra esquerda – apesar de tudo. 

Mas na direção, os sinais são de que  os mercadores avançam. Há muitas exceções, há muita gente boa entre parlamentares e lideranças petistas. Tenho certeza que a maioria absoluta, inclusive, não aprova a carta patética de Mercadante. Mas essa carta é mais um sintoma evidente da doença que vai minando o PT: a doença dos que mercadejam tudo para ficar de bem com os velhos donos do poder.  

Uma coisa, diga-se, é fazer acordos para governar. Outra é se lambuzar nas maõs de empreiteiras e lobistas. E outra, ainda pior, é mercadejar a História, aceitando reescrever a História para ficar de bem com dono de jornal. Patético.

Por último, uma observação. Mercadante cometeu, parece-me, um ato falho na carta à “Folha”. Ele diz, ao mecadejar solidariedade ao jornal, que a coluna de “Perseu Abramo” era uma referência  dos que lutavam contra a ditadura. Perseu, de fato, era uma referência. Jornalista, combativo, crítico dos meios de comunicação em que havia trabalhado: ele tem uma obra clássica sobre a manipulação midiática (os petistas costumavam lê-la, nos velhos tempos).  A Fundação partidária mantida pelo PT foi batizada com o nome de Perseu.

Mas a coluna na “Folha” que era “referência” (e de fato era) no período de transição democrática no Brasil (anos 70 e 80) trazia a assinatura de outro Abramo: Cláudio. Depois de afastá-lo da direção do jornal (para satisfazer a sanha da linha-dura do regime, que não aceitava um “esquerdista”), Frias entregou a Claudio Abramo a coluna na página 2. Prêmio de consolação? Se foi, Cláudio honrou o prêmio com textos inteligentes e combativos. Mercadante lembra-se disso? Eu lembro.

Mercadante talvez tenha preferido esquecer que era petista - no momento de escrever a carta. Mas na forma de um  ato falho clássico, a condição de petista brotou. Ele quis falar de Claúdio, mas o nome de Perseu é que veio à tona. Mercadante mercadejou quase tudo. Mas o inconsciente pregou-lhe uma peça.

O preço do tomate: alta de alimentos está ligada ao agronegócio, dizem especialistas



José Coutinho Júnior




“Olha o meu cordão! Tomates! Estou usando ouro”, disse a apresentadora Ana Maria Braga, do programa Mais Você, da Rede Globo, no dia 10 de abril. Ela proferiu essa frase e fez o programa inteiro usando um colar feito de tomates, em “protesto” ao aumento do preço. 



Diversas piadas em relação ao preço alto do tomate se espalharam pela internet nas últimas semanas. Muito se discutiu na imprensa sobre a alta do preço, alardeando o crescimento da inflação provocado pela alta dos alimentos e que o aumento na taxa de juros seria a medida principal no controle da inflação.



Para o economista Guilherme Delgado, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o aumento dos juros para controlar a inflação tem custos econômicos e sociais.

“A elevação da taxa de juros Selic pelo governo (de 7,25% a 7,5%) não tem nenhum efeito do ponto de vista da contenção inflacionária, mas atende a apetites midiáticos e simbólicos. A linha de contenção da demanda via elevação de juros e redução do gasto social aparece como uma forma de conter a inflação, mas tem custo de muitos empregos e desaceleração econômica. Não me parece que seja essa a via que o governo está seguindo”, acredita.O uso político da alta do tomate para forçar o aumento de juros se torna mais evidente ao analisar a queda brusca do preço do fruto. A inflação do tomate em março foi de 122,13%, sendo que no meio de abril o preço já havia caído mais de 75%.
Além disso, a farinha de trigo teve um aumento de preço maior que o tomate (151,39%) por conta da seca no nordeste, e não recebeu tanta atenção dos analistas e da mídia quanto o tomate. 
“O tomate é um produto de cultivo cíclico de 90 dias. Se está faltando no mercado é porque os agricultores estão plantando. O preço que estava muito alto começa a diminuir quando o plantio novo chega. A produção do tomate não é relevante para explicar a pressão inflacionária, porque senão temos um discurso puramente sazonal. Todas as economias do mundo, em todas as épocas, tem problemas sazonais. E isso não é causa de inflação”, afirma Delgado.
Gerson Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), concorda. “Existe sim um problema de pressão dos preços dos alimentos, mas o tomate foi usado como um vilão para pressionar o governo a aumentar a Selic. O impacto do preço do tomate na taxa de inflação é mínimo, em torno de 0.2%”.

Política Agrária
Os especialistas avaliam que a alta inflacionária dos alimentos se deve, em grande parte, à política agrícola adotada pelo governo brasileiro, que prioriza as exportações do agronegócio em vez do abastecimento interno.
Dados da Abra apontam que, de 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as de produtos do agronegócio exportador, como cana e soja, aumentaram 122% e 107%.
“Precisamos pensar melhor em como atender a demanda interna e externa para resguardar a estabilidade de preços nos produtos alimentares. Hoje, pensamos em resolver o equilíbrio externo, exportar a qualquer custo para obter superávit na balança comercial e o menor déficit possível na balança corrente. E o resíduo das exportações fica com o mercado interno para resolver as questões de estabilidade. Essa equação está equivocada e precisa ser reformulada”, afirma Delgado.
Esse cenário faz com que o Brasil dependa de importações de alimentos básicos para suprir seu mercado interno. No ano passado, o país importou US$ 334 milhões em arroz, equivalente a 50% do valor aplicado no custeio da lavoura em nível nacional. No caso do trigo, o valor das importações foi de US$ 1,7 bi, duas vezes superior ao destinado para o custeio da lavoura, e a produção de mandioca atualmente é a mesma de 1990.
Para controlar os preços e garantir o abastecimento interno, o governo começa a adotar a criação de estoques reguladores por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Essas reservas permitem ao governo intervir caso o preço dos alimentos esteja fora do padrão determinado, e comprar ou vender esses alimentos, com ênfase especial nos que compõem a cesta básica para equilibrar os valores.
Segundo Gerson Teixeira, os estoques são estratégicos. “Deixamos de estocar na década de 90, pois prevalece até hoje a tese neoliberal da autorregulação do mercado. Qual o resultado? Não temos estoques de alimentos capazes de impedir a alta dos preços".
"A política de estoques regulares e estratégicos é fundamental. A presidenta Dilma assinou uma medida importante em fevereiro, criando um conselho interministerial para formar estoques públicos de alimentos. É uma medida extremamente necessária nesses tempos de volatilidade do mercado agrícola”, defende.

Fortalecimento da agricultura familiar
A agricultura familiar e os assentamentos da Reforma Agrária, de acordo com dados do Censo Agropecuário de 2006, ocupam 30% das terras agricultáveis do país, mas produzem 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros.
Dessa forma, as políticas para fortalecer a agricultura familiar são uma alternativa para controlar a alta dos preços dos alimentos, garantir o abastecimento interno e diminuir a dependência externa do Brasil em relação aos alimentos básicos.
“Os assentamentos de Reforma Agrária e o campesinato em geral tem uma especialização na produção de alimentos. Esse setor, se for devidamente fomentado, pode produzir em grande quantidade os produtos da cesta básica. É uma via importante e necessária a ser trabalhada. Mas não me parece que o governo esteja muito atento a isso, pois para ele o agronegócio resolve tudo, o que não é verdade”, afirma Guilherme Delgado.
Gerson Teixeira acredita que para alterar este cenário, é preciso incluir os camponeses no meio de produção rural, mas qualificá-los para que sua produção possa se diferençar da do agronegócio, pois os incentivos oferecidos hoje fazem com que muitos produtores deixem de produzir os alimentos da cesta básica para plantar as commodities valorizadas no mercado internacional.
“O que precisa ser feito mesmo é rever a política agrícola e fazer a Reforma Agrária. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) está completamente esgotado. Ele realizou uma política de inclusão social nas políticas agrícolas, que aproximou a agricultura familiar do agronegócio. Precisamos rever essa política e colocar o Pronaf não como uma estratégia de inclusão, mas de diferenciação para habilitar realmente o agricultor a produzir alimentos de qualidade”, propõe Teixeira.
Dados do Pronaf revelam que, ao comparar 2003 com 2012, o número de operações de custeio de arroz com agricultores familiares declinou de 34.405 para 7.790 (-77.4%).
No caso do feijão, o número de contratos de custeio pelo Pronaf reduziu de 57.042 para 10.869 (-81%). Os contratos para o custeio da mandioca caíram de 65.396 para 20.371 (-69%), e para o custeio de milho declinaram de 301.741 para 170.404 (-44%).
Teixeira demonstra preocupação com o futuro da agricultura brasileira, diante do quadro de ameaças de mudanças climáticas, em um cenário de enormes desafios para a alimentação de uma população mundial crescente e de expansão da urbanização:
“No Brasil, assistimos à passividade e um recuo 'inexplicável' na execução da Reforma Agrária, que é crucial para o incremento massivo da produção alimentar. É inacreditável que não vejam que o agronegócio corre sérios riscos de colapso nesse ambiente”, conclui.

Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi é eleita membro da Academia de Letras da Bahia



Mãe Stella de Oxóssi, 87 anos, ialorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro (Salvador/BA), foi eleita na tarde desta quinta-feira, 25, a mais nova imortal da Academia de Letras da Bahia. Vai ocupar a cadeira 33 (Poltrona Castro Alves) que era do professor e historiador Ubiratan Castro, falecido em janeiro de 2013. Segundo o presidente da Academia, Aranis Ribeiro Costa, "é a primeira vez que uma mãe-de-santo entra em uma Academia de Letras", acrescentando que "isso é absolutamente pioneiro", representando "o reconhecimento de uma cultura, de uma raça e da história de um povo".

Assista a reportagem clicando AQUI.



"A relação casa-grande e senzala ainda permanece", diz representante das domésticas


Marcelle Souza
Do UOL, em São Paulo

Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos


Há exatamente um mês, a baiana Creuza Maria Oliveira, 56, comemorava com um largo sorriso uma conquista histórica para a sua categoria: a aprovação da emenda que amplia os direitos dos domésticos. As novas regras tentam mudar a rotina de 7,2 milhões de trabalhadores em todo o país. Neste sábado (27), é celebrado o Dia da Empregada Doméstica.

Com mais de 30 anos no movimento sindical e mais de 46 anos de trabalho doméstico, Creuza é presidente da Fenatrad (federação nacional da categoria) e diz que, apesar das comemorações, o principal obstáculo ainda é superar a nossa herança escravagista.

“O que tem incomodado os patrões e as patroas é a possibilidade de ter que pagar adicional noturno para a empregada que mora no local de trabalho. Aquela relação casa-grande e senzala, em que empregado está disponível e sempre próximo da casa-grande, ainda permanece”, diz. "Não existe nenhuma categoria que more no local de trabalho, só o doméstico, e esse trabalhador precisa ter a sua cidadania: estudar, ter família, cumprir horário", acrescenta.

História


A representante nacional das domésticas começou a trabalhar com menos de dez anos de idade. Cuidava dos filhos dos patrões, lavava e passava, entre outras atribuições. “Como toda criança que precisa trabalhar, comecei por causa da pobreza da minha família”, conta. Apanhava toda vez que quebrava os pratos e não recebia nenhum centavo pelo serviço realizado. “Não tinha salário, só recebia roupa usada e comida”.

Conseguiu ir para escola, enfim, aos 16 anos, quando cursou o ensino fundamental por meio da educação de jovens e adultos. Seguiu nos estudos, mas não concluiu o ensino médio.

A história é contada com uma voz tranquila, mas firme. Sem lamentações, nem tristeza. Creuza olha é para o futuro e para as novas conquistas que os domésticos ainda têm pela frente. “No processo histórico, houve muitas mudanças. Antigamente existiam as mucamas, escravas que faziam o trabalho doméstico, hoje a gente vive lutando para ser reconhecida enquanto categoria”, afirma.

Sua principal referência na luta por direitos é Laudelina Campos de Lima, fundadora da primeira associação de domésticos do Brasil, em 1936. Ambas começaram a trabalhar em casas de família muito cedo e viram no movimento sindical uma forma de buscar  mais visibilidade para a profissão. “O grande desafio é fazer com que os patrões compreendam que o trabalho doméstico é tão importante como em qualquer outro”, diz Creuza.

Segundo o IBGE, dos 7,2 milhões de domésticos no Brasil, apenas 26% têm carteira assinada. Outro dado, dessa vez da Secretaria de Políticas para as Mulheres, mostra que 92% desses trabalhadores são mulheres e, destas, 60% são negras. Para ela, a invisibilidade e desvalorização são responsáveis pelo alto índice de informalidade da categoria. “A doméstica não tem consciência da importância do seu trabalho.”



7 Milhões de pessoas alfabetizadas com o método Yo sí puedo!



Mais de sete milhões de pessoas analfabetas de 30 países foram beneficiadas com o método cubano de alfabetização Sim, eu Posso, informou o chefe do Departamento de Educação de Jovens e Adultos e Alfabetização do Instituto Pedagógico Latino-Americano e Caribenho, Ricardo del Real Hernández.

Além do método Sim, eu Posso, o programa inclui dois métodos mais: o primeiro tem como objetivo que os alfabetizados não percam as habilidades adquiridas devido à inatividade intelectual (Já posso ler e escrever) e o segundo, Sim, eu Posso continuar, tem permitido que aproximadamente 900 mil pessoas tenham o nível equivalente à sexta classe.

“Um dos sucessos mais importantes do programa tem sido sua contextualização (mais de 20), pois se tem adaptado às particularidades do lugar de aplicação”, comentou Real Hernández, que acrescentou que estão preparando o método para empregá-lo em idioma francês, pois já existem versões em inglês e português, bem como em algumas línguas originarias, como quéchua e guarani.




Este processo de contextualização também permitira flexibilizar o método segundo as necessidades de cada lugar, pois não só se pretende que as pessoas aprendam a ler e a escrever, o objetivo também é formar cidadãos mais conscientes e instruídos, de maneira geral.

Outro dos sucessos tem sido a formação de agentes educativos que funcionam como facilitadores, já que nas regiões onde se tem trabalhado ficam pessoas instruídas para continuar com este trabalho e preparando o resto dos habitantes, afirmou o especialista.

Del Real Hernández expressou que a aplicação do método também responde a decisões locais, como o caso do estado mexicano de Michoacán.

O programa Sim, eu Posso surgiu em 2003 e tem como antecedente principal a aplicação de experiências de aulas através da rádio, como no Haiti. Este é um sistema de ensino por vídeo-aulas que se apóia em textos, folhetos e facilitadores. Surgiu como alternativa das vias tradicionais de ensino, pois as mesmas não eram viáveis para eliminar de forma rápida o analfabetismo, fenômeno que afeta na atualidade mais de 750 milhões de pessoas no mundo.

FONTE: Granma

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Senso comum e conservadorismo: o PT e a desconstrução da consciência


Por Mauro Iasi.
Um dos mitos da estratégia democrática popular é o acumulo de forças. A ideia geral é que por não haver condição de rupturas revolucionárias, nem correlação de forças por mudanças estruturais no sentido do socialismo, a democratização da sociedade e as reformas graduais iriam criando as bases políticas para o desenvolvimento gradual de uma consciência socialista de massa.
No 5o Encontro Nacional do PT em 1987, o problema é colocado da seguinte maneira: certos companheiros não distinguem entre as ações ligadas ao acumulo de forças daquelas voltadas diretamente à conquista do poder, não entendendo, segundo o juízo dos formuladores, a diferença entre o “momento atual, (…) em que as grandes massas da população ainda não se convenceram de que é preciso acabar com o domínio político da burguesia, e o momento em que a situação se inverte e se torna possível colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder”.
O resultado desta incompreensão seria que os “pretensamente revolucionários” não seriam entendidos pela população e pelos trabalhadores contribuindo, assim, de fato para a “desorganização das lutas” ficando condenados a “pequenos grupos conscientes e vanguardistas”.
Bem, o centro deste argumento que contrapõe os pretensos revolucionários aos verdadeiros seria que estes últimos teriam a capacidade de dialogar com a consciência imediata das massas e dos trabalhadores criando a mediação necessária para elevá-la à compreensão da necessidade da conquista do poder.
Nada como uma década depois da outra para julgarmos as pretensões anunciadas. A prova da validade ou não de tal formulação deve ser buscada na seguinte pergunta: após dez anos de governo petista os trabalhadores estão hoje (considerando como ponto de referencia 1987 e o 5o Encontro do PT) mais organizados e se desenvolveu uma consciência de classe que coloca de forma mais evidente a necessidade de conquista do poder “acabando com o domínio político da burguesia”?
Comecemos pela expressão maior dessa estratégia e seu líder incontentável: Luis Inácio Lula da Silva. Como operário ele expressava no início de sua trajetória política os elementos evidentes do senso comum, nos termos gramscianos, ou de uma consciência reificada nos termos de Lukács. Em seu discurso de posse no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1975, dizia que vivíamos em um momento “negro” para o destino dos indivíduos e da humanidade, porque tínhamos “de um lado” o homem “esmagado pelo Estado, escravizado pela ideologia marxista, tolhido nos seus mais comezinhos ideais de liberdade”, e de outro lado, tínhamos o homem “escravizado pelo poder econômico explorado por outros homens” (Discurso de Lula na posse do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC e Diadema, 1975).
As mudanças na consciência dos trabalhadores não vêm da autodescoberta ou do esclarecimento, são o resultado de sua inserção na luta de classes. As lutas operárias do final dos anos 1970 e início dos anos 1980 colocariam novos elementos à consciência deste operário em construção.
Em seu discurso na 1a Convenção Nacional do PT em 1981, Lula já diria: “O PT não poderá, jamais, representar os interesses do capital”.  Em outra parte do mesmo discurso o líder em formação afirmaria:
“Nós, do PT, sabemos que o mundo caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a iniciativa histórica de propor a criação do PT já sabiam disso muito antes de terem sequer a ideia da necessidade de um partido (…). Os trabalhadores são os maiores explorados da sociedade atual. Por isso sentimos na própria carne e queremos, com todas as forças, uma sociedade (…) sem exploradores. Que sociedade é esta senão uma sociedade socialista”
(Discurso de Lula na 1a Convenção Nacional do PT, 1981).
Os trabalhadores, no momento de fusão que os constituía em classe contra o capital, expressavam a difícil passagem da consciência reificada à consciência em si, apontando já neste momento os germes de uma consciência para si, ou seja, mais que a consciência de uma classe da ordem do capital, mas uma classe portadora da possibilidade de uma nova forma societária para além da sociedade burguesa.
As lutas operárias, assim como o retomar de um conjunto muito amplo de lutas sociais, tornaram possível um salto organizativo que resultou na formação de um partido e, depois, de uma central sindical, da mesma forma que se alastra pela sociedade a retomada de associações, movimentos sociais e lutas das mais diversas.
Façamos um corte e pulemos para uma entrevista em que Lula recebe o repórter do programa norte americano 60 minutes por ocasião do final de seu segundo mandato como presidente.
Nesta entrevista o repórter norte americano pergunta ao ex-presidente:
“Havia empresários, no Brasil e no exterior, muito preocupados com sua posse, que pensavam que era um socialista e que daria uma virada completamente à esquerda. Agora estas pessoas são seus maiores apoiadores. Como isso aconteceu?”
E Lula responde:
Veja, eu de vez em quando brinco que um torneiro mecânico com tendências socialistas se tornou presidente do Brasil para fazer o capitalismo funcionar.  Porque éramos uma sociedade capitalista sem capital. E se você olhar para os balanços dos bancos neste ano (final do segundo mandato de Lula) verá que nunca antes os Bancos ganharam tanto dinheiro no Brasil como eles ganharam no meu governo. E as grandes montadoras nunca venderam tantos carros como no meu governo. Mas os trabalhadores também fizeram dinheiro.
O repórter um tanto surpreso pergunta: “Como você consegui fazer isso?”. E Lula responde: “Eu descobri uma coisa fantástica. O sucesso do político é fazer o que é óbvio. É o que todo mundo sabe que precisa ser feito, mas que alguns insistem em fazer diferente”.
Notem bem, Lula expressava entre 1975 e 1987 o movimento da consciência de classe que passava de uma determinação da alienação à consciência de classe em si. Da mesma forma fica manifesto na consciência de sua liderança mais expressiva o caminho de volta à reificação.
O problema é que a consciência expressa na liderança é representativa do resultado político da estratégia por ele implementada no conjunto da classe e em sua consciência. Como a consciência em seu movimento é síntese de fatores subjetivos e objetivos, a ação política da classe conformada por uma estratégia incide diretamente sobre a classe e sua formação enquanto classe.
Em sua análise sobre a social-democracia, Adan Przeworski (Capitalismo e Social-democracia, São Paulo: Cia das Letras, 1989) afirma que:
“A classe molda o comportamento dos indivíduos tão-somente se os que são operários forem organizados politicamente como tal. Se os partidos políticos não mobilizam as pessoas como operários, e sim como “as massas”, o “povo”, “consumidores”, “contribuintes”, ou simplesmente “cidadãos”, os operários tornam-se menos propensos a identificar-se como membros da classe.” (Przeworski, 1989:42).
O mito do acumulo de forças só se sustenta renovando-se ao infinito, isto é, nunca estamos prontos, nunca há a correlação de forças favorável, nunca o nível de consciência das massas e dos trabalhadores chega à necessidade da conquista do poder. O problema é que agindo desta forma criam-se as condições para que de fato nunca estejam dadas as condições.
No entanto, a questão é ainda mais séria. Os defensores do acumulo de forças acreditam piamente que os patamares de consciência não regridem, isto é, a consciência de classe desenvolvida nos anos oitenta e noventa ficaria ali no ponto onde chegou e iria se tornando massiva em consequência do andamento positivo das ditas reformas. Nesta leitura, se ainda não temos uma consciência revolucionária, que já coloca a necessidade da conquista do poder, teríamos a generalização gradual de uma consciência em si, digamos democrática, disposta a manter o patamar das conquistas e reagir quando estes estão ameaçados.
Não é o que verificamos. A consciência expressa na liderança revela que o conjunto da classe retoma um patamar que Sartre denominava de serialidade e ao qual corresponde a consciência reificada. Esta é a consciência da imediaticidade, da ultrageneralização, do preconceito, da perda do capacidade de vislumbrar, ainda que potencialmente,  a totalidade.
Presos a esta forma de consciência, os trabalhadores não agem como uma classe nos limites da ordem do capital em luta contra suas manifestações mais aparentes e, pior, eles a naturalizam e se comportam como agentes de sua reprodução e perpetuação desta ordem.
O senso comum reflete este movimento e é no cotidiano que ele se manifesta. Se podíamos falar de um senso comum progressista, ou tendencialmente de esquerda, no contexto de intensificação da luta de classes na crise da autocracia burguesa e no processo de democratização, hoje no quadro de uma democracia de cooptação consolidada temos um senso comum que tende a ser conservador e, por vezes, reacionário.
Permitam-se um exemplo caseiro, mas creio que significativo. Lincoln Secco escreveu um texto sobre a situação da Coréia do Norte em nosso blog (Kim Jong-un 17/04/2013). Um comentador simplesmente respondeu com um direto “vai morar lá”, mas deixemos este de lado. Destaco dois comentários mais substanciosos e que revelam uma forma de compreensão do mundo atual e seus dilemas:
“Olha, até pouco tempo tinha raiva dos EUA pela sua indústria cultural, sua arrogância, sua intromissão em assuntos de outras nações, etc. Entretanto, depois de conhecer o país e seu povo, mudei completamente minha concepção. Os caras são os “caras” porque trabalham duro, estudam bastante e são muito educados e politizados. O fazem mundo afora é conhecido na natureza como a lei do mais forte. Queria eu morar num país que dita as regras aos outros e ninguém tira farinha. Além disso, em pleno século XXI, os norte coreanos são tratados como um rebanho e não como cidadãos livres. Abaixo o apoio ao totalitarismo, como ocorre por lá!!!”
Um outro, mais duro, afirma:
“kkkkkkkkkkkkkkkkk . País sitiado? por quem? Paranoicos, malucos mesmo, todos eles, o “estadista mirim”, o “professor” que assina esta bobagem. Veja bem, a lição de história pode até ser boa, talvez o que o trai sejam as convicções políticas… o tempo passou e eles não perceberam… O Presidente dos Estados Unidos, já é Obama, viu pessoal…Ameaça do Ocidente? Para quem? Despertem deste “sono” louco, sejam felizes, ou não, mas, deixem de loucura! Vivemos num mundo diferente do das “cartilhas” que vocês estudam!!!”.
Não vou entrar no mérito, não guardo nenhuma simpatia pela forma política norte coreana, mas em seu núcleo central o texto do companheiro Lincoln, apenas afirma que existe um espaço de soberania dos Estados nacionais e que estes tem direito de se defender, o que o leva a constatação que não são eles que provocam e atacam, mas ao contrário, estão sendo provocados por “exercícios militares” que partem dos EUA. Como explicar tal reação?
Não vai aqui nenhuma consideração aos comentadores, eles tem direito de expressar sua opinião, concordemos ou não. Um blog tem de tudo e tais comentários o deixam ainda mais interessante. O que nos preocupa é que ele revela, e isto é uma virtude, um elemento do senso comum que indica uma preocupante guinada conservadora, mesmo em relação a valores mais elementares, e isso em um leitor de um blog de uma editora com uma linha claramente de esquerda em um pais que está há dez anos “acumulando forças”.
Podemos ver este fenômeno como um resquício ou uma exceção em um senso comum que tende a ser mais progressista. Infelizmente eu acredito que não. A forma do senso comum é resultado de toda a história da formação social, sua resultante cultural, a permanência das relações sociais de produção burguesas, mas também do processo político mais recente que como toda práxis pode superar ou reforçar o existente. No caso reforçou.
Lembrando ainda Przeworski, sabemos que a chamada organização das massas precisa ser compreendida de forma mais profunda. Não há uma relação direta entre organização e ação, é possível organizar para apassivar. Diz o autor:
“Os líderes tornam-se representantes. Massas representadas por lideres – eis o modo de organização da classe trabalhadora no seio das instituições capitalistas. Dessa maneira, a participação desmobiliza as massas” (Przeworski, 1989: 27).
É triste.


Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB.