sexta-feira, 26 de abril de 2013

"A relação casa-grande e senzala ainda permanece", diz representante das domésticas


Marcelle Souza
Do UOL, em São Paulo

Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos


Há exatamente um mês, a baiana Creuza Maria Oliveira, 56, comemorava com um largo sorriso uma conquista histórica para a sua categoria: a aprovação da emenda que amplia os direitos dos domésticos. As novas regras tentam mudar a rotina de 7,2 milhões de trabalhadores em todo o país. Neste sábado (27), é celebrado o Dia da Empregada Doméstica.

Com mais de 30 anos no movimento sindical e mais de 46 anos de trabalho doméstico, Creuza é presidente da Fenatrad (federação nacional da categoria) e diz que, apesar das comemorações, o principal obstáculo ainda é superar a nossa herança escravagista.

“O que tem incomodado os patrões e as patroas é a possibilidade de ter que pagar adicional noturno para a empregada que mora no local de trabalho. Aquela relação casa-grande e senzala, em que empregado está disponível e sempre próximo da casa-grande, ainda permanece”, diz. "Não existe nenhuma categoria que more no local de trabalho, só o doméstico, e esse trabalhador precisa ter a sua cidadania: estudar, ter família, cumprir horário", acrescenta.

História


A representante nacional das domésticas começou a trabalhar com menos de dez anos de idade. Cuidava dos filhos dos patrões, lavava e passava, entre outras atribuições. “Como toda criança que precisa trabalhar, comecei por causa da pobreza da minha família”, conta. Apanhava toda vez que quebrava os pratos e não recebia nenhum centavo pelo serviço realizado. “Não tinha salário, só recebia roupa usada e comida”.

Conseguiu ir para escola, enfim, aos 16 anos, quando cursou o ensino fundamental por meio da educação de jovens e adultos. Seguiu nos estudos, mas não concluiu o ensino médio.

A história é contada com uma voz tranquila, mas firme. Sem lamentações, nem tristeza. Creuza olha é para o futuro e para as novas conquistas que os domésticos ainda têm pela frente. “No processo histórico, houve muitas mudanças. Antigamente existiam as mucamas, escravas que faziam o trabalho doméstico, hoje a gente vive lutando para ser reconhecida enquanto categoria”, afirma.

Sua principal referência na luta por direitos é Laudelina Campos de Lima, fundadora da primeira associação de domésticos do Brasil, em 1936. Ambas começaram a trabalhar em casas de família muito cedo e viram no movimento sindical uma forma de buscar  mais visibilidade para a profissão. “O grande desafio é fazer com que os patrões compreendam que o trabalho doméstico é tão importante como em qualquer outro”, diz Creuza.

Segundo o IBGE, dos 7,2 milhões de domésticos no Brasil, apenas 26% têm carteira assinada. Outro dado, dessa vez da Secretaria de Políticas para as Mulheres, mostra que 92% desses trabalhadores são mulheres e, destas, 60% são negras. Para ela, a invisibilidade e desvalorização são responsáveis pelo alto índice de informalidade da categoria. “A doméstica não tem consciência da importância do seu trabalho.”



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