segunda-feira, 7 de junho de 2021

Filha de Prestes emociona-se ao ler a carta de sua mãe Olga Benario

A emoção não foi somente da filha ao ler fragmentos da carta de Olga, sua mãe, como de todos que a assistiam e também compartilhavam da intensidade das palavras escritas pela revolucionária comunista semanas depois que conseguiu entregar sua filha a avó.


PUBLICADO EM JUNHO 7, 2021 | POR ESTADOS GERAIS DA CULTURA



A voz dela tremeu um pouco e embargada pela emoção fez a leitura da carta de Olga Benario Prestes para seu marido Luiz Carlos Prestes: “Que Anita Leocádia seja a representante do nosso amor e da nossa solicitude junto a nossa mãe”.


Com essa frase Olga Benário Prestes encerra a primeira carta dirigida ao líder comunista, Luiz Carlos Prestes, datada de 12 de fevereiro de 1938, escrita logo após a entrega da filha Anita Leocádia para sua avó paterna, uma grande conquista da alemã-judia Olga, que se encontrava numa prisão nazista e precisava proteger seu bebê do encaminhamento a um orfanato na Alemanha, no qual seria criado na época de acordo com os interesses de Hitler.


Anita Leocádia Prestes hoje tem 84 anos. Vive no Brasil, é escritora, professora e historiadora. Sua vida foi marcada pela trajetória revolucionária dos pais e graças ao poder da literatura e da arte, pode contar a história de seus pais, um casal que em nenhum momento desistiu de lutar pela igualdade e liberdade de um povo


A leitura das cartas dos dois revolucionários foi um presente a todos que assistiram o encontro promovido pelos Estados Gerais da Cultura, num fim de tarde dominical, um dos mais emocionantes debates, entre os maravilhosos já realizados, que nos trouxe alguns fragmentos de uma história desumana e injusta sobre equívocos do poder e abusos cometidos pelos homens em nome de causas políticas, inserido no tema Teatro Remoto e Resistência Artística.


Luiz Carlos Prestes foi um militar e político brasileiro, comunista e uma das personalidades políticas das mais influentes no Brasil durante o século XX. Olga Benario, sua companheira, foi militante política alemã-judia da Internacional Comunista, juntos tiveram uma filha Anita Leocádia, cujo parto foi feito numa prisão na Alemanha.


A primeira carta lida por Anita foi a de Luiz Carlos Prestes dirigida à sua mãe Leocádia, que estava no México, em novembro de 1940. Uma preciosidade histórica, na qual Prestes revela de si uma tenacidade fora do comum e um espírito de humildade e esperança. Em nenhum momento percebe-se palavras de desalento e a vontade de desistir. Ele tinha sido condenado já por 16 anos e oito meses de prisão e quando escreve a carta soube de uma nova sentença que lhe condenava a cumprir mais 30 anos, num total 46 anos de prisão.


“Quero que tenha a certeza de que apesar que tudo que há de triste e desagradável na situação em que me encontro não me sinto absolutamente infeliz e não há nada que consiga a levar ao desespero. Cada vez compreendo mais, claro e nitidamente os acontecimentos e isso me dá uma grande força. Além do mais, tudo que me acontece na vida. por mais que negativo que nos pareça, tem sempre seu lado positivo e é sobre ele que devemos refletir quando nada mais podemos fazer. Esta última condenação, pela própria brutalidade de sua grandeza muito me tem feito pensar. Seja ela definitiva ou transitória eu bem sinto que marcou definitivamente a minha vida. Parece que assim como a morte, esta grande niveladora que a todos, pobres e ricos, sábios e ignorantes, a todos nos iguala. Esta sentença livrou-me agora do resto do orgulho e ou de vaidade que certamente ainda possuía e atirou-me definitivamente no mar imenso dos mais humildes e desprotegidos. E isto sinceramente não me desagrada.


A primeira carta de Olga Prestes depois da entrega do bebê, a mãe Leocádia, um mês depois, expõe a mulher forte e determinada que foi essa alemã-judia em sua militância, sobretudo o grande amor que unia o casal. Anita Leocádia saiu da prisão em 21 de janeiro de 1938 e Olga escreveu a carta em 12 de fevereiro do mesmo ano. É uma carta que se lê deixando lágrimas escorrerem livremente pela face, tal é a intensidade de sentimentos misturados com o afeto pelo marido e pela filha, expressa na mensagem. Olga escreve que o período mais negro de sua vida foi de março de 1936 a fevereiro de 1938, período da prisão dos dois. Mal ela sabia, que ainda viveria por mais quatro anos suportando todo o tipo de tortura praticados nos campos de concentração nazistas, na Alemanha, contra os judeus.


“Certamente já sabe há muito tempo, pela nossa querida mãe, que a nossa pequenina não está mais comigo. Posso afirmar, com certeza, que de 5 de março de 1936 a 21 de janeiro de 1938, atravessei o período mais negro de minha vida. Entende certamente, o quanto um homem pode compreender o que se passou em mim e o que se percebe e o que significa ser mãe. Diante de tais acontecimentos tem-se a seguinte alternativa: o bem se é quebrado ou  bem se endurece. Tu sabes que somente a segunda alternativa pode a mim colocar-se. Para isso sou ajudada firmemente pelo fato de que ainda sou capaz de distinguir entre pouco significado do que diz respeito a uma pequena pessoa em particular e os acontecimentos que interessam em geral a todos e ao inverso. Mas já imaginaste alguma vez, como são extraordinários os azares do destino. Nós dois estamos atrás dos muros de uma prisão em dois continentes diferentes. Da nossa vida em comum nasceu um pequeno ser e agora este ser encontra-se seguro nos braços da nossa querida mãe. Que Anita Leocádia seja a representante do nosso amor e da nossa solicitude junto a nossa mãe”.


Como é para você Anita revendo este passado dos seus pais, como é para você que continua na luta que eles tiveram?


Desde muito pequena fui educada pelas minha avó e minha tia. Desde a mais tenra infância, dentro do entendimento de uma criança, eu sabia da história dos meus pais que estavam numa prisão, um no Brasil e outro na Alemanha e tinha uma ideia simplificada do que era o nazismo, o fascismo- no olhar de uma criança. Mas sempre me orgulhei da luta deles empenhados num futuro melhor para todas crianças do mundo.


Eu sempre fui criada numa família comunista, minha avó e minha tia. Eu fui criada neste clima de muita solidariedade. Os exemplos de meus pais sempre orientaram a minha vida. Nunca pretendi ser igual a eles, evidentemente, mas seguir o exemplo. E sempre tive e continuo tendo muita admiração por eles. E hoje em dia que já estou com muita idade, 84 anos, às vezes relembro estas cartas e as coisas que eles escreveram e realmente relendo aqueles textos agora, os entendo de maneira diferente. Compreendo-os com mais profundidade, a grande profundidade dos sentimentos, do sofrimento e mesmo da firmeza destes dois revolucionários. Acima de tudo, o Prestes e a Olga já eram revolucionários. O Prestes antes de ser comunistas já era revolucionário. A Olga desde os 15 anos já tinha saído de casa para participar dos movimentos revolucionários na Alemanha. Eu fui educada neste ambiente e hoje relendo esses documentos, essas cartas, claro que frequentemente me emociona, apesar de já conhecer a história de longa data, me surpreendo com a firmeza deles. Este meu último livro, a comunista Olga nos arquivos da Gestapo, foi para complementar o livro de Fernando Moraes, com essa documentação que estava desconhecida. Uma documentação riquíssima que traz informações sobre Olga que nós não tínhamos. Ela não saiu do campo de concentração como outras colegas conseguiram sair para países que ofereciam asilo político porque ela nunca concordou em delatar os companheiros da Internacional Comunista e os dela .Tem vários depoimentos dela e a Gestapo pressionava neste sentido. “Se outros se tornaram traidores eu jamais serei”. Por isso não saiu da Alemanha, e por isso que foi assassinada em abril de 1942 numa câmara de gás. Então, essa firmeza deve ser um exemplo para novas gerações. Por isso, procuro aproveitar os espaços para que estas informações cheguem as novas gerações. Acho muito importante teatro, cinema, arte, trabalhos culturais, porque é uma forma de levar para as grandes massas, para juventude, o conhecimento. O conhecimento chega de forma muito mais palatável, muito mais compreensível, através da arte, de um bom filme, do teatro, da música, muitas mais do que como nós, historiadores, escrevemos longos tratados. Isso não quer dizer que uma coisa invalida a outra. Mas a forma de chegar ao povo, às grandes massas, que a cultura a arte permitem, é insubstituível. Não é por acaso que um governo que caminha para o fascismo como este do Bolsonaro, atinge, grandemente, em grande parte, prioritariamente, a cultura e a arte. O cerco é de desmantelar. Depoimento de Anita Leocádia.


Confiram mais no vídeo:



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