terça-feira, 6 de novembro de 2018

Pinochet criou exemplo a não ser seguido no Brasil, diz historiadora

Modelo econômico aplicado durante a ditadura chilena acabou com os direitos sociais da população mais pobre

Leonardo Fernandes
Brasil de Fato 

"Aposentados chilenos protestam contra os baixos valores das pensões. Foto: Organização NO+AFP"


O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), anunciou que sua primeira viagem internacional será ao Chile. Lá, ele se encontrará com o presidente Sebastián Piñera, irmão de José Piñera, um dos responsáveis pela aplicação das reformas estruturais realizadas no governo do ditador Augusto Pinochet (1973-1991), inaugurando o período que ficou conhecido pelo “Estado subsidiário” chileno. José é um conhecido colega do superministro da Economia do próximo governo, Paulo Guedes.

“O Estado subsidiário chileno significou, a partir, principalmente, de 1980, a privatização de todos os aspectos da vida social. Isso significa, por exemplo, a reforma da previdência e a reforma trabalhista, que foram aprovadas em 1980 e 1981 por um ministro que tinha estudado também na Universidade de Chicago, na mesma época que Paulo Guedes estudou lá, que é o José Piñera, irmão do atual presidente Sebastián Piñera; essas reformas retiraram direitos trabalhistas, inclusive o direito de greve, que até hoje é fortemente limitado no Chile, assim como o direito de associação, além de terem realizado a privatização completa da previdência”, explica a historiadora especialista em América Latina Joana Salém. 

Salém destaca quatro diferenças fundamentais entre o modelo de Previdência chileno, baseado na capitalização de recursos unicamente aportados pelos assalariados, e o modelo solidário de Previdência vigente no Brasil. Segundo ela, o primeiro aspecto é o oligopólio dos Fundos de Pensão, administradores dos recursos previdenciários. Atualmente, seis mega empresas controlam a totalidade das contribuições previdenciárias no Chile. Um segundo aspecto é que a contribuição é exclusiva dos assalariados, diferente do Brasil, onde os empregadores também contribuem para o INSS. 

Um terceiro aspecto é o sistema individualizado da Previdência chilena. Lá, cada pensão é determinada exclusivamente pelo valor individual que foi aportado no sistema, ao contrário do Brasil, em que existe uma lógica solidária, ou seja, os atuais contribuintes remuneram as pensões e aposentadorias.

“O sistema individualista é brutalmente cruel porque, por exemplo, se você está desempregado, você automaticamente reduz a sua aposentadoria final, entre outros problemas”, explica Salém. 

A quarta e última diferença da previdência chilena, segundo Salém, é que os cálculos do sistema de pensão que determinam os valores das pensões são baseados em modelos matemáticos controlados pelas empresas privadas, sem qualquer controle público. Dessa forma, não existe um valor mínimo de aposentadoria. 

A lógica do sistema previdenciário chileno tem provocado resultados avassaladores, como o aumento de suicídios entre pessoas maiores de 70 anos. De acordo com o Estudo Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas (INE), entre 2010 e 2015, 936 pessoas maiores de 70 anos cometeram suicídio. Segundo o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento, os índices têm crescido ano a ano e já representam a “mais alta taxa de suicídios da América Latina”. 

Educação gratuita não existe no plano neoliberal

“As universidades públicas do Chile também não são gratuitas, elas também têm mensalidades”, comenta Salém, ao lembrar que uma das propostas do futuro ministro é uma espécie de plágio do sistema educacional chileno. 

“As propostas do Paulo Guedes para a educação, e das pessoas que estão trabalhando para o Jair Bolsonaro, combinam dois aspectos: primeiro uma mercantilização radical do sistema público de educação. Isso significa cobrança de mensalidades em universidades, por exemplo. Por outro lado, existe a proposta dos vouchers, que é bem exatamente como o modelo chileno, ou seja, os alunos teriam a ‘opção’ de estudar em uma escola pública ou particular. E para isso, o Estado brasileiro emitiria um voucher para que esses alunos possam ingressar nas universidades particulares. Só que esses vouchers são, na realidade, uma transferência de dinheiro do Estado para instituições particulares”, explica a historiadora. 

As formas de financiamento estudantil praticadas no Chile durante as últimas três décadas fizeram explodir o nível de endividamento dos estudantes, e esse tem sido o motivo de grandes protestos ano após ano naquele país. É o caso de Constanza Calhueque, que teve que trancar a matrícula por não conseguir pagar a dívida, que hoje, virou uma verdadeira bola de neve:

“Ou eu terminava meu curso triplamente endividada, ou assumia de uma vez por todas que o melhor era trancar a matrícula e resolver a dívida de alguma forma para poder voltar a estudar. Hoje, eu trabalho como assistente em um lugar onde o salário é mínimo e todo o meu salário vai para pagar a dívida. Não consigo pagar o transporte, o aluguel, porque meu salário não dá. E não dá porque eu não pude estudar, já que tinha uma dívida enorme”. 

Paulo Guedes advoga em causa própria

Segundo Salém, basta olhar para a carteira de investimentos pessoal do futuro ministro para saber exatamente os beneficiários do projeto econômico do próximo governo: “O BTG Pactual, que é o banco fundado por Paulo Guedes, possui 800 milhões de dólares dos fundos de pensão chilenos, que são investidos para a administração e decisões de investimento pelo BTG Pactual. Então, é claro que existe um investidor, uma pessoa que veio diretamente do mercado financeiro, conhece muito bem os fundos de pensão chilenos, porque tem uma passagem por lá, como o Paulo Guedes, e vai defender um sistema que o beneficie aqui também", analisa.

"O Paulo Guedes é uma pessoa que consolidou sua vida financeira no mercado. Agora ele entra no Estado, e vai tentar favorecer os seus colegas do mercado financeiro, a partir de políticas de privatização muito mais radicais do que as que foram feitas no governo de Fernando Henrique [Cardoso]. E por isso eles vão ter que destruir o pacto democrático da nossa Constituição de 1988”, completa a historiadora.

Edição: Diego Sartorato

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