sábado, 21 de maio de 2016

"Esquerda jamais esteve no governo e Direita nunca deixou o poder"

Religioso e escritor, Frei Betto nunca pertenceu oficialmente ao PT, mas foi um dos principais interlocutores de Lula junto a movimentos sociais nas primeiras décadas do partido. Em 2003, participou do governo federal e esteve envolvido na estruturação do programa "Fome Zero", um antecessor do Bolsa Família, do qual sempre foi crítico. Em 2004 o religioso se afastou do governo. Escreveu dois livros sobre sua passagem no Executivo, "A mosca azul" e "Calendário do poder".

Nesta entrevista ao jornal Valor Econômico, feita na semana em que a presidente Dilma Rousseff foi afastada do poder pelo Senado, Frei Betto diz que o ciclo do PT no poder não está necessariamente encerrado. Será decisiva a avaliação popular do governo de Michel Temer em seus primeiros meses.

 Frei Betto acredita que Lula poderá recobrar forças para disputar a sucessão presidencial em 2018, caso o presidente interino execute uma agenda contrária às expectativas populares que se manifestaram nas eleições de 2014.

"Esquerda jamais esteve no governo e Direita nunca deixou o poder"

Cristiane Agostine

Brasília

No Brasil, a esquerda jamais esteve no governo e a direita nunca deixou o poder. Essa é a análise do escritor e religioso  Carlos Alberto Libânio Christo,  o Frei Betto, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente afastada Dilma Rousseff, interlocutor dos movimentos sociais e ex-integrante da gestão petista no primeiro mandato do ex-presidente.

Frei Betto nunca pertenceu oficialmente ao PT, mas em 2003 participou do governo federal e esteve  envolvido na estruturação do programa “Fome Zero”, um antecessor do Bolsa Família, do qual sempre foi crítico. Em 2004 o religioso se afastou do governo. Escreveu dois livros sobre sua passagem no Executivo, “A mosca azul” e “Calendário do poder”.

Para o religioso, o presidente interino Michel Temer  poderá ser o principal cabo eleitoral de Lula em 2018.


A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor por e-mail.


Valor: O ciclo do PT no governo pode ter acabado com o afastamento de Dilma. Que análise o senhor faz dessa conjuntura?

Frei Betto: Considero que a presidente Dilma não cometeu crime, estamos diante de um golpe parlamentar, e que a oposição ressentida abre um precedente na institucionalidade política brasileira ao insistir em fazer coincidir oposição e deposição. O precedente está aberto. E toda essa turbulência demonstra que o Brasil precisa urgente de reforma política. Sim, se Dilma sofrer impeachment o ciclo do PT no governo federal, iniciado em 2003, se encerra agora. Mas nada indica que o ciclo do PT como partido está findo. E não está escrito nas estrelas que, em 2018, o candidato do PT estará fora da possibilidade de ser eleito presidente da República.

Valor: Lula e o governo têm dito que o PT saiu da Presidência por ter escolhido os mais pobres. O senhor concorda?  Em que medida a tensão entre classes  influenciou?

Frei Betto: Sim, os governos do PT foram os melhores de nossa história republicana. Tiraram 45 milhões de pessoas da miséria, criaram uma vasta rede de proteção social aos mais pobres, deselitizaram a universidade, a cada ano deram aumento do salário mínimo acima da inflação, etc. A classe média se sentiu ameaçada com a ascensão dos pobres. Conheço uma madame que ficou indignada ao encontrar, no voo para Orlando, o porteiro de seu condomínio com a família... Porém, o governo se equivocou ao pretender ser o pai dos pobres e a mãe dos ricos... Em 13 anos de presidência, o PT não promoveu nenhum reforma estrutural! Investiu-se mais em facilitar à população acesso aos bens pessoais (celular, computador, carro, linha branca), quando se deveria priorizar o acesso aos bens sociais (educação, saúde, moradia, segurança, saneamento etc).

Valor: Dilma diz que uma de suas principais marcas foi o combate à corrupção e que isso ajudou no impeachment. O senhor concorda?

Frei Betto: É óbvio que nunca se apurou tanto a corrupção no Brasil quanto nos governos do PT. Pena que alguns dirigentes do partido tenham cedido à corrupção e, assim, maculado profundamente a imagem de uma agremiação que, na sua origem, prometia se primar pela ética. O capital simbólico do PT se esvaiu com o tempo.

Valor: Os governos Dilma e Lula já passaram por outras crises. O que explica chegar ao  afastamento?

Frei Betto: O ressentimento da oposição, que não se conformou ter perdido a eleição em 2014, e a ação nefasta de Eduardo Cunha, que soube se aproveitar do modo como Dilma sempre tratou o Temer, com descaso.

Valor: O PT falhou ao reconstruir seu projeto de poder depois do fim do governo Lula? De que forma poderia ter feito diferente?

Frei Betto: Poderia ter feito diferente desde o início do governo Lula, como valorizar os movimentos sociais e suas lideranças, de modo a cacifá-los politicamente e, assim, renovar o Congresso, como fez Evo Morales na Bolívia. Foi um erro priorizar a governabilidade no arco de alianças com partidos e políticos viciados em fisiologismo e corrupção. Agora o feitiço se volta contra o feiticeiro...

Valor: O senhor tem dito que o erro do PT foi abandonar o projeto de Brasil para se dedicar a um projeto de poder. Quando isso ficou mais marcado?

Frei Betto:  Desde o momento em que o governo jogou na lata de lixo o único programa que mobilizou toda a nação, acima de preferências partidárias e ideologias: o Fome Zero. Tratava-se de um projeto emancipatório, trocado pelo Bolsa Família, compensatório. Ao ceder à pressão dos prefeitos e erradicar os Comitês Gestores do Fome Zero, ali acendeu o sinal de que o projeto de poder interessava mais do que o projeto de Brasil.

Valor: Com esse sistema político, o que poderia ter sido diferente?

Frei Betto: Além de priorizar o acesso aos bens sociais, e não aos pessoais, havia sim condições políticas, no primeiro mandato de Lula, para se promover uma reforma política e uma certa democratização da mídia, já que o sistema radiotelevisivo do Brasil pertence à União.

Valor: Que motivação o senhor vê para o militante e/ou eleitor petista continuar apoiando o partido?

Frei Betto: Se o PT não se refundar, como propõem Olívio Dutra e Tarso Genro, será difícil encontrar motivações. Como nunca fui militante de nenhum partido, mais não posso opinar.

Valor: E que futuro o senhor analisa para o PT? E para Lula?

Frei Betto: O futuro do PT dependerá, a meu ver, de sua autocrítica e refundação. Quanto a Lula, as pesquisas já indicam: disputa com Marina Silva a preferência eleitoral para se eleger presidente em 2018.

Valor: Lula foi denunciado pela PGR ao Supremo. O PT sobrevive sem o ex-presidente?

Frei Betto: A denúncia não neutraliza o potencial político de Lula. Nem mesmo se o pior lhe acontecer: a prisão. Vide Nelson Mandela. E, historicamente, as instituições costumam sobreviver a seus fundadores.

Valor: O governo Temer tem forte viés conservador e vai rever políticas sociais. Qual sua análise sobre essa gestão?

Frei Betto: Temer será o principal cabo eleitoral de Lula em 2018, ainda que não queira. A julgar pelo ministério que compõe e pelo ontofisiologismo do PMDB, será um mandato-tampão de turbulências e impasses. Temo que este governo provisório e golpista anule as conquistas efetivas pelos programas sociais dos governos Lula e Dilma.

Valor: Lula ainda poderá voltar à Presidência? Qual a viabilidade eleitoral do PT para 2018?

Frei Betto: Estou seguro que Lula será candidato, a menos que impedido por uma força maior, como a cassação de seus direitos políticos ou o falecimento. Se a eleição fosse hoje, teria chances de se eleger, segundo as pesquisas. Quanto ao futuro, só o tempo dirá. A viabilidade eleitoral vai depender do perfil do período Temer.

Valor: O PT e movimentos sociais prometem resistir nas ruas. Até que ponto as manifestações conseguirão impedir decisões do Temer?

Frei Betto: Essa crise tirou parcela significativa da nação da imobilidade, da letargia. Contribui para mobilizar e politizar setores sociais. Se eles resistirão por mais tempo vai depender da capacidade de um trabalho político de base, abandonado nos últimos anos.

Valor: Terão fôlego para manter as ruas mobilizadas?

Frei Betto: Eles tendem a crescer, e ao menos três já demonstraram ter fôlego: os estudantes secundaristas, o MST e o MTST.

Valor: PSOL e Rede, criados com os descontentes do PT, não foram capazes de aglutinar a esquerda. Como ficará a esquerda no país?

Frei Betto: Que esquerda? Quem hoje tem um projeto de Brasil pós-capitalista? Qual o perfil do "outro mundo possível"? O PT, na sua origem, tinha respostas para essas questões.

Valor: Como a esquerda poderá voltar ao governo?

Frei Betto:  No Brasil a esquerda jamais esteve no governo. E a direita nunca abandonou o poder.


2 comentários:

  1. Eu queria que explicasse pq o Frei Beto faz tanta questão que um ex-presidente "de direita" volte ao poder.

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