terça-feira, 23 de julho de 2013

Globo tem bens bloqueados

Viomundo antecipa, com exclusividade, coluna que será publicada nas próximas horas pelo jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte:

Amaury Ribeiro JR e Rodrigo Lopes

A Globopar, empresa ligada à TV Globo, está com parte de suas contas bancárias e bens bloqueados, devido a um dívida ativa de R$ 178 milhões com o Tesouro Nacional. De acordo com documentos conseguidos pelo Hoje em Dia na Justiça Federal do Rio de Janeiro, a dívida inscrita no cadastro de inadimplentes federais foi originada por várias sonegações de impostos federais.

Por solicitação da Procuradoria da Fazenda Nacional do Rio de Janeiro, as contas bancárias da Infoglobo e a da empresa Globo LTDA também chegaram a ser bloqueadas. Mas os irmãos Marinho – Roberto Irineu, José Roberto e João Roberto – conseguiram autorização da Justiça para liberar o bens dessas duas últimas empresas no mês passado, na 26ª Vara da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Inadimplente

A dívida da Globopar, no entanto, já está inscrita no cadastro de inadimplentes do Tesouro Nacional, em fase de execução. Na semana passada, a Globo conseguiu adiar a entrega de seu patrimônio ao tesouro até que o processo transite em julgado.

Hoje em Dia também teve acesso ao processo que apurou o sumiço do inquérito de sonegação da Organizações Globo na compra dos direitos da transmissão da Copa de 2002.

Receita Federal

Um documento enviado pela Receita à Justiça em 2010 comprova, ao contrário do que a emissora divulgou, que a dívida de R$ 600 milhões nunca foi paga. A papelada comprova ainda que o Ministério Público Federal ao ser avisado sobre operações de lavagem de dinheiro entre a Globo e a Fifa nas Ilhas Virgens Britânicas prevaricou muito.

Omissão
Ao invés de solicitar investigação à Polícia Federal, preferiu emitir um parecer que atesta não ter ocorrido nenhum ato ilícito nas transações nas Ilhas Virgens. Um inquérito criminal contra os irmãos Marinho chegou a ser instaurado, mas também sumiu das dependências da Receita Federal.

Não bastasse toda essa confusão, a Globopar continua sonegando. E como nunca. Nos últimos dois anos, a empresa foi notificada 776 vezes pela Receita Federal por sonegação fiscal.

Equipamentos

A maior parte dessas autuações envolve a apreensão de equipamentos, sem o recolhimento de impostos, no aeroporto do Galeão, no Rio De Janeiro. Para um bom entendedor a Globopar é uma empresa contumaz na prática do descaminho.

Verba publicitária

O ministério da Comunicação do governo Dilma Rousseff e os demais governantes desatentos liberaram verba para empresa inadimplente com a União, o que constitui-se ato de improbidade administrativa. A liberação pode ser comprovada no site do Ministério da Fazenda.

FONTE: Viomundo

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Ao Sonho de Olga Benario Prestes



Uma homenagem a Olga Benario Prestes, escrita por Byafra, Cassio Tucunduva e Arthur Poerner, no início dos anos 1990.

Ouça a música clicando no link abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=TqBAt9gKf5U

"Olga"

Não há nada mais triste no mar
Que um navio em despedida
(Olga)

E levando pra bem longe sepultar
As esperanças de uma vida
(Olga)

A prisioneira vai, trancada num navio
Deixando pra trás o amor e o desafio
Sem ter a quem desabafar seu coração
Sozinha acuada, jogada num porão

Não há nada mais doce no mar
Que o sol no fim do dia
(Olga)

Mergulhando pra ver Olga relaxar
Da tensão que se anuvia
(Olga)

A guerrilheira cai,  a vida por um fio
Mas resiste à rendição, aceso o pavio
Sem ter do que se arrepender na luta, não
Sabendo que o futuro vai dar razão

Não há nada mais triste no mar
Que um navio em despedida

(Olga)...



25 verdades de Raúl Castro sobre Cuba

Presidente cubano faz críticas à evolução política, econômica e social de seu país

Por Salim Lamrani


Como de costume, o presidente cubano, Raúl Castro, se mostrou muito crítico durante sua intervenção, no dia 7 de julho de 2013, diante do Parlamento local. Firma-se, uma vez mais, em seu papel de primeiro dissidente do país.

1. Com a legalização do dólar em 1993, depois da grave crise econômica que atingiu Cuba após o desmoronamento do bloco soviético, estabeleceu-se um sistema de dualidade monetária no país. Em 2002, além do peso cubano e do dólar, introduziu-se o peso conversível (CUC) na ilha. De 2002 a 2004, circularam três moedas em Cuba até o desaparecimento do dólar, em 2004. Agora, o peso cubano convive com o peso conversível, com uma diferença de valor de 1 a 24. Essa dupla moeda é fonte de desigualdade na nação, na medida em que a maioria dos cubanos recebe seu salário em pesos cubanos, e não em CUC, reservados ao setor turístico. Raúl Castro está consciente dessa realidade. Segundo ele, “o fenômeno da dualidade monetária se constitui como um dos obstáculos mais importantes para o progresso da nação”.



2. O presidente cubano é um ferrenho detrator da indolência e incompetência que, às vezes, caracterizam os cubanos, e enfatiza “a necessidade de uma luta enérgica e sem trégua contra os maus hábitos e os erros que, nas mais diversas esferas, acometem diariamente muitos cidadãos, inclusive militantes”.

3. A crise econômica que engendrou o Período Especial, iniciado em 1991, teve um impacto sumariamente negativo nos valores da sociedade cubana, que agora é menos solidária e mais egoísta. “Percebemos, com pesar, […] o crescente deterioramento dos valores morais e cívicos, como a honestidade, a decência, a vergonha, o decoro, a honradez e a sensibilidade ante os problemas dos demais”.

4. Raúl Castro fustiga os recorrentes roubos cometidos contra o Estado, que se tornaram normais: “Uma parte da sociedade passou a ver como normal o roubo contra o Estado”.

5. O presidente denuncia as “construções ilegais, além de serem em lugares indevidos”, assim como a “ocupação não autorizada de casas”.

6. O reino da “impunidade” favorece “a comercialização ilícita de bens e serviços em Cuba e afeta amplamente a economia nacional e os recursos do Estado”.

7. Um importante número de funcionários cubanos não cumpre os horários nos centros de trabalho, pelos quais recebem um salário, o que impacta negativamente a produtividade do país e afeta o bom funcionamento dos serviços públicos.

8. “O furto e o abate ilegal de gado” são um fenômeno em plena expansão, assim como “a captura de espécies marinhas em perigo de extinção”, “a destruição de recursos florestais, incluindo o magnífico Jardim Botânico de Havana”.

9. “O estoque de produtos deficitários e sua revenda a preços superiores” se tornou uma atividade lucrativa em Cuba, onde pessoas sem escrúpulos se aproveitam das dificuldades e vicissitudes cotidianas da população para se dedicarem à especulação.

10. O desenvolvimento de jogos ilegais está em pleno auge na ilha e implica somas consequentes.

11. A corrupção é uma realidade endêmica em Cuba e inúmeros funcionários aceitam “subornos e prebendas”.

12. Certa categoria da população se dedica ao “assédio ao turismo”, o que pode representar um grave perigo para a economia do país, dependente desse setor, que representa a terceira fonte de renda da nação.

13. Raúl Castro lamenta as violações do “dever cidadão” e os atentados contra a vida em comunidade. Fustiga o vandalismo diurno e noturno, o fato de pichar paredes ou colocar dejetos nas vias públicas, o consumo de álcool em lugares públicos, dirigir veículos em estado de embriaguez, assim como a destruição de bens públicos, fatos cada vez mais recorrentes na sociedade.



14. As violações das regras elementares de higiene, como a criação de porcos em plena cidade, colocam em risco a saúde da população.

15. A fraude no pagamento da passagem de transporte público também é um fenômeno preocupante, acompanhado do roubo dos bilhetes da venda de passagens pelos próprios “trabalhadores do setor”.

16. Apesar de meio século de Revolução e da elaboração de um sistema social baseado na solidariedade e na ajuda aos mais vulneráveis, o presidente cubano constata que “são ignoradas as mais elementares normas de cavalheirismo e respeito aos idosos, mulheres gestantes, mais com filhos pequenos e deficientes físicos”.

17. O mais grave, segundo ele, é que “tudo isso acontece sob nossos narizes, sem incitar a repulsa e o enfrentamento por parte dos cidadãos”.

18. A educação é uma das grandes conquistas do processo revolucionário cubano e um dos pilares da coesão social. No entanto, esse setor não está isento de críticas. Raúl Castro denuncia a implicação de alguns professores e familiares em casos de fraude acadêmica, com consequências nefastas para a sociedade. “Sabe-se que a casa e a escola constituem o sagrado binômio da formação do indivíduo em função da sociedade e esses atos já representam não apenas um dano social, mas graves rachaduras de caráter familiar e escolar […] A família e a escola devem ensinar às crianças o respeito às regras da sociedade”.

19. Raúl Castro admite que, ainda que a prevenção e o trabalho político tenham sido privilegiados para resolver os problemas em detrimento da força coercitiva da lei, convém “reconhecer que, nem sempre, o resultado foi eficiente”.

20. O presidente cubano reconhece que a praga da “corrupção administrativa” chega a todos os quadros, inclusive a alguns altos dirigentes.

21. “Retrocedemos em cultura e civismo cidadãos”, enfatiza Raúl Castro.

22. “Tenho a amarga sensação de que somos uma sociedade cada vez mais instruída, mas não necessariamente mais culta.”

23. O presidente cubano fustiga “a falta de exigência, de ordem e disciplina”, “a ausência de sistematização no trabalho em diferentes níveis de direção e falta de respeito, em primeiro lugar, por parte das entidades estatais da institucionalidade vigente”.

24. “Como é possível exigir, então, que a população respeite as regras vigentes, se o próprio Estado não respeita a lei?”, pergunta Raúl Castro.

25. Como de costume, Raúl Castro se mostrou direto, incisivo e implacável com os membros de seu próprio governo. “Ao mesmo tempo, os dirigentes, desde a instâncias nacionais, até a base, devem abandonar a passividade e a inércia em sua conduta; devem deixar de olhar para o outro lado, quando o problema está aqui, para não vê-lo.”


FONTE: Opera Mundi

sábado, 20 de julho de 2013

Aulas sobre “O Capital” de Karl Marx, por David Harvey, com legendas em português


Primeiras cinco aulas sobre “O Capital” de Karl Marx, por David Harvey, com legendas em português (de Portugal). Clicar na barra horizontal inferior em CC e escolher o idioma desejado para a legenda



Primeira Aula – Vol. I Introdução
Class 01 Reading Marx’s Capital Vol I with David Harvey


Segunda Aula – Capítulos 1 e 2
Class 02 Reading Marx’s Capital Vol I with David Harvey

Terceira aula – Capítulo 3
Class 03 Reading Marx’s Capital Vol I with David Harvey

Quarta aula – Capítulos 4 a 6
Class 04 Reading Marx’s Capital Vol I with David Harvey

Quinta aula – Capítulos 7-9
Class 05 Reading Marx’s Capital Vol I with David Harvey


quinta-feira, 18 de julho de 2013

95º aniversário de Nelson Mandela

Nesta quinta-feira, 18 de julho, Nelson Mandela, liderança histórica da África Negra e da luta contra a segregação racial, completa 95 anos de idade.

"Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, da sua origem ou de sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar" (Nelson Mandela)








quarta-feira, 17 de julho de 2013

Desculpe, presidente Evo

O meu pedido de desculpas não tem qualquer valor diplomático mas tem um valor talvez ainda superior, na medida em que, longe de ser um ato individual, é a expressão de um sentimento coletivo

Por Boaventura de Sousa Santos

Esperei uma semana que o Governo do meu país lhe pedisse formalmente desculpas pelo ato de pirataria aérea e de terrorismo de Estado que cometeu, juntamente com a Espanha, a França e a Itália, ao não autorizar a escala técnica do seu avião no regresso à Bolívia depois de uma reunião em Moscou, ofendendo a dignidade e a soberania do seu país e pondo em risco a sua própria vida. Não esperava que o fizesse, pois conheço e sofro o colapso diário da legalidade nacional e internacional em curso no meu país e nos países vizinhos, a mediocridade moral e política das elites que nos governam, e o refúgio precário da dignidade e da esperança nas consciências, nas ruas e nas praças, depois de há muito terem sido expulsas das instituições. Não pediu desculpa. Peço eu, cidadão comum, envergonhado por pertencer a um país e a um continente que são capazes de cometer esta afronta e de o fazer de modo impune, já que nenhuma instância internacional se atreve a enfrentar os autores e os mandantes deste crime internacional.
O meu pedido de desculpas não tem qualquer valor diplomático mas tem um valor talvez ainda superior, na medida em que, longe de ser um ato individual, é a expressão de um sentimento coletivo, muito mais vasto do que pode imaginar, por parte de cidadãos indignados que todos os dias juntam mais razões para não se sentirem representados pelos seus representantes. O crime cometido contra ti foi mais uma dessas razões. Alegramo-nos com seu regresso em segurança a casa e vibramos com a calorosa acolhida que lhe deu o seu povo ao aterrar em El Alto. Creia, senhor Presidente, que, a muitos quilômetros de distância, muitos de nós estávamos lá, embebidos no ar mágico dos Andes.
O senhor Presidente sabe melhor do que qualquer de nós que se tratou de mais um ato de arrogância colonial no seguimento de uma longa e dolorosa história de opressão, violência e supremacia racial. Para a Europa, um Presidente índio é sempre mais índio do que Presidente e, por isso, é de esperar que transporte droga ou terroristas no seu avião presidencial. Uma suspeita de um branco contra um índio é mil vezes mais credível que a suspeita de um índio contra um branco. Lembra-se bem que os europeus, na pessoa do Papa Paulo III, só reconheceram que a gente do seu povo tinha alma humana em 1537 (bula Sublimis Deus), e conseguiram ser tão ignominiosos nos termos em que recusaram esse reconhecimento durante décadas como nos termos em que finalmente o aceitaram. Foram precisos 469 anos para que, na sua pessoa, fosse eleito presidente um indígena num país de maioria indígena.
Mas sei que também está atento às diferenças nas continuidades. A humilhação de que foi vítima foi um ato de arrogância colonial ou de subserviência colonial? Lembremos um outro “incidente” recente entre governantes europeus e latino-americanos. Em 10 de novembro de 2007, durante a XVII Cúpula Iberoamericana, realizada no Chile, o Rei de Espanha, desagradado pelo que ouvia do saudoso Presidente Hugo Chávez, dirigiu-lhe intempestivamente e mandou-o calar. A frase “Por qué no te callas” ficará na história das relações internacionais como um símbolo cruelmente revelador das contas por saldar entre as potências ex-colonizadoras e as suas ex-colônias. De facto, não se imagina um chefe de Estado europeu a dirigir-se nesses termos publicamente a um seu congênere europeu, quaisquer que fossem as razões.
O senhor Presidente foi vítima de uma agressão ainda mais humilhante, mas não lhe escapará o facto de que, no seu caso, a Europa não agiu espontaneamente. Fê-lo a mando dos EUA e, ao fazê-lo, submeteu-se à ilegalidade internacional imposta pelo imperialismo norte-americano, tal como, anos antes, o fizera ao autorizar o sobrevoo do seu espaço aéreo para voos clandestinos da CIA, transportando suspeitos a caminho de Guantánamo, em clara violação do direito internacional. Sinais dos tempos, senhor Presidente: a arrogância colonial europeia já não pode ser exercida sem subserviência colonial. Este continente está a ficar demasiado pequeno para poder ser grande sem ser aos ombros de outrem. Nada disto absolve as elites europeias. Apenas aprofunda a distância entre elas e tantos europeus, como eu, que veem na Bolívia um país amigo e respeitam a dignidade do seu povo e a legitimidade das suas autoridades democráticas.

Boaventura de Sousa Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25 de Abril, e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - todos da Universidade de Coimbra.

A indecisão brasileira

Por Atilio A. Boron*


Coexistem em Brasília duas tendências: uma moderadamente latino-americanista e que prosperou sob o governo de Lula; e outra que acha que o futuro do Brasil passa por uma íntima associação com os EUA. Esta corrente ainda não chega a ser hegemônica no Palácio do Planalto, mas sem dúvida hoje encontra ouvidos muito mais receptivos que antes.




Henry Kissinger, cuja condição de criminoso de guerra se une a de ser um fino analista da cena internacional, disse no fim dos anos sessenta que “para onde se incline o Brasil se inclinará a América latina”. Isso não é bem assim hoje porque a maré bolivariana mudou para bem o mapa sociopolítico regional; mas ainda assim a gravitação do Brasil no plano hemisférico continua sendo muito importante. Se seu governo impulsionasse com força o Mercosul e a Unasul ou a Celac, outra teria sido a história dessas iniciativas. Mas Washington vem trabalhando há tempo para desestimular esse protagonismo. Aproveitou-se da ingênua credulidade ou o afinado colonialismo mental do Itamaraty prometendo-lhe demagogicamente que garantiria para o Brasil uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, enquanto a Índia e o Paquistão (duas potências atômicas) ou a Indonésia (a maior nação muçulmana do mundo) e o Egito, a Nigéria, o Japão e a Alemanha, entre outros, ficariam fora.


Mas não se trata só de ingenuidade, pois a opção de associar-se intimamente a Washington seduz muitos em Brasília. Poucos dias depois de assumir seu cargo como chanceler, Antonio Patriota concedeu uma extensa entrevista à revista Veja. A primeira pregunta foi esta: “Em todos seus anos como diplomata profissional, que imagem formou dos Estados Unidos?”. A resposta foi assustadora: “É difícil falar de maneira objetiva porque tenho um envolvimento emocional (sic!) com Estados Unidos através da minha família, de minha mulher e de sua família. Existem aspectos da sociedade americana que admiro muito”.[1]


O razoável teria sido que lhe pedissem a imediata renúncia por “incompatibilidade emocional” com a defesa do interesse nacional brasileiro, coisa que não aconteceu. Por quê? Porque é óbvio que coexistem em Brasília duas tendências: uma moderadamente latino-americanista e que prosperou sob o governo de Lula; e outra que acha que o esplendor futuro do Brasil passa por uma íntima associação com os Estados Unidos, esquecendo-se de seus revoltosos vizinhos. Essa corrente ainda não chega a ser hegemônica no interior do Palácio do Planalto, mas sem dúvida que hoje em dia encontra ouvidos muito mais receptivos que antes. E essa mudança na relação de forças de ambas tendências saiu à luz com a muito demorada reação da presidenta Dilma Rousseff diante do sequestro do qual Evo Morales foi vítima: se os presidentes de Cuba, Equador, Venezuela e Argentina (além do secretário geral da Unasul Alí Rodríguez) demoraram apenas uns poucos minutos depois de conhecida a notícia para expressar seu repúdio ao ocorrido e sua solidariedade com o presidente boliviano, a brasileira necessitou de quase quinze horas para fazê-lo. Depois, inclusive, das duras declarações do próprio secretário geral da OEA, cuja reprovação foi conhecida quase em coincidência com a dos primeiros. Conflitos e disputas no interior do governo que fizeram que Dilma Rousseff não participasse do encontro que teve lugar em Cochabamba, localizada a escassas duas horas e meia de voo de Brasília, debilitando o impacto global desta reunião presidencial.


Para uma América latina emancipada das algemas neocoloniais é decisivo contar com o Brasil. Mas isso não será possível, apenas a conta-gotas, enquanto não se resolva a favor da América latina a pugna entre aqueles dois projetos. Isso não só converte o Brasil em um ator vacilante em iniciativas como o Mercosul ou a Unasul, mas o conduz a uma perigosa paralisia em estratégicas questões de ordem doméstica.


Por exemplo, ao não poder resolver desde 2009 onde adquirir os 36 aviões caça que necessita para controlar seu imenso território e muito especialmente a grande bacia amazônica e sub-amazônica. Uma parte do alto comando se inclina por um reequipamento com aviões estadunidenses, enquanto outra propõe adquiri-los na Suécia, França ou Rússia. Nem sequer Lula pode resolver a discussão. Essa absurda paralisia se destravaria facilmente se a elite política se fizesse uma simples pergunta: quantas bases militares têm na região cada um dos países que nos oferecem seus aviões? Se o fizessem, a resposta seria a seguinte: a Rússia e a Suécia não têm nenhuma; a França tem uma base aeroespacial na Guiana francesa com presença de pessoal militar estadunidense; e os Estados Unidos têm, por sua vez, 76 bases militares na região, um punhado delas alugadas a – ou coadministradas com – terceiros países como o Reino Unido, a França e a Holanda.


Algum burocrata do Itamaraty ou algum militar treinado em West Point poderia aduzir que estão ali para vigiar a Venezuela. Mas a dura realidade é que enquanto a Venezuela é ameaçada por 13 bases militares norte-americanas instaladas em seus países limítrofes, o Brasil se encontra literalmente cercado por 23, que se convertem em 25 ao somar as duas bases britânicas de ultramar com que contam os Estados Unidos no Atlântico equatorial e meridional, nas ilhas Ascensión e Malvinas respectivamente. De pura casualidade, as grandes reservas submarinas de petróleo do Brasil se encontram aproximadamente na metade de caminho entre ambas instalações militares.[2]


Frente essa grosseira evidência, como é possível que ainda se esteja em dúvida de quem não comprar os aviões que o Brasil necessita? A única hipótese realista de conflito do Brasil é com os Estados Unidos. Na Argentina há alguns que prognosticam que o enfrentamento será com a China. Claro que há diferenças: enquanto esse país invade a região com uma infinidade de supermercados, Washington o faz com toda a força de seu músculo militar, rodeando principalmente o Brasil. E, se fizer falta, reativa também a Quarta Frota (em outras dessas grandes “casualidades” da história!) justamente poucas semanas depois de que o presidente Lula anunciasse o descobrimento da grande reservatório de petróleo no litoral paulista. Ou é que os funcionários a cargo desses temas no Brasil podem não saber que nem bem o presidente Hugo Chávez começou a ter as primeiras controvérsias com Washington, este lhe pôs um cadeado ao envio de peças de reposição e renovados sistemas de aeronavegação e combate para a frota dos F-16 que a Venezuela tinha, que ficou inutilizada? Não faz falta demasiada inteligência para imaginar o que poderia acontecer em caso de que surgisse um sério conflito entre o Brasil e os Estados Unidos pela disputa do acesso a, por exemplo, alguns minerais estratégicos que se encontram na Amazônia; ou ao petróleo do “pré-sal”; ou o cenário do “caso pior”, se Brasília não acompanhasse Washington em uma aventura militar encaminhada a derrubar algum presidente incômodo da região replicando o modelo utilizado na Líbia. Nesse caso, a represália diante do aliado que deserta seria a mesma que se aplicou a Chávez. Tomara que essas duras realidades se discutam publicamente no Brasil e que se ponha fim a suas crônicas vacilações. A reunião do Mercosul em Montevideo poderia ser um bom começo.

Notas


[2] Sobre este tema ver o imprescindível estudo de Telma Luzzani, Territorios Vigilados. Como opera la red de bases militares norteamericanas en Sudamérica (Buenos Aires: Debate, 2012). O tema também é examinado em América Latina en la Geopolítica del Imperialismo (Buenos Aires: Ediciones Luxemburg, 2012).

* Diretor do PLED, Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini.



Tradução: Liborio Júnior

FONTE: Carta Maior



A importância da questão agrária nas manifestações urbanas

Manifestações urbanas e questão agrária
Por Guilherme Delgado


As massas urbanas que acorreram às manifestações do mês de junho, sacudindo as estruturas da República, têm clara percepção das mazelas da vida urbana das grandes e médias cidades do Brasil, urbes que lhes acomodam com tanta precariedade. Incorporados ao mercado de trabalho formal, a maior parte nos últimos treze anos, os atuais 65 milhões de trabalhadores inscritos no INSS percebem remunerações entre um (1) e 3,5 salários mínimos para cerca de 2/3 dos empregados (conforme Anuário Estatístico da Previdência Social - 2011), remuneração que é ainda mais baixa para os “contribuintes autônomos”. Mas a própria Previdência Social revela também uma forte rotatividade dos trabalhadores inscritos, sob a forma de perda de contribuições mensais – entre l/3 e metade dos seus segurados urbanos, praticamente todos os anos.


Diante dessa estrutura de baixos salários, que não é independente da estrutura agrária, os elevados custos sociais da vida urbana, alguns deles monetarizados – transporte, alimentação e habitação –, são diretamente visíveis e impactantes imediatos à insatisfação manifesta nas ruas. Outros fatores ficam invisíveis, mas não menos incidentes na piora das condições de vida das cidades, especialmente dos “habitats” submetidos aos riscos crescentes dos congestionamentos urbanos e das condições climáticas, sob condições de forte desigualdade.


Vou fazer breves considerações de fatores que são externos ao espaço físico das cidades, mas que lhes são fortes condicionadores das condições de vida: a estrutura da propriedade e do uso da terra rural atualmente em vigor. Esta coloca alguns dilemas a mais para a crise urbana, evidenciando uma questão agrária que transcende os espaços geográficos convencionais.


Os alimentos da cesta básica – o arroz com feijão e a diversidade de produtos hortifrutigranjeiros, que não entram na lista exígua das "commodities" – vão cada vez mais se distanciando dos centros urbanos, pressionando por essa via uma inflação de alimentos, que não é conjuntural e que não precisaríamos mantê-la, erodindo esses já baixos salários.


Por outro lado, os sistemas hídricos que abastecem as cidades e a própria regularidade das estações climáticas de um país continente como é o Brasil, no qual 99,7% do território são definidos como espaço rural pelo IBGE (Censo Agropecuário de 2006), dependem de como se utiliza e maneja esse espaço (rural). Desequilíbrios ecológicos fortes provocados por exploração predatória de florestas nativa, contaminação de mananciais hídricos, destruição da biodiversidade e super-emissão de dióxido de carbono na atmosfera são os componente perversos de uma estrutura agrária eficiente do ponto de vista da lucratividade privada, mas extremamente negativa à vida em sociedade, especialmente à vida urbana.


Colocar limites aos direitos absolutos da propriedade fundiária na zona rural, ora vigentes, é a característica essencial de uma política agrária que seja condição de possibilidade à própria reforma agrária, por suposto, mas também a uma vida urbana mais saudável e menos desequilibrada. Nosso ordenamento constitucional assim o estabelece (Art. 186 – CF) – princípios da função social, ambiental e trabalhista, que legitimam o direito de propriedade; mas estes princípios são mantidos “letra-morta” há vários governos pela ação obstrutiva do Parlamento e Executivo aliado, com devido silêncio obsequioso do Judiciário.


Na verdade este é o cerne da reforma agrária, que equivocadamente a maior parte das pessoas confunde com um programa de assentamentos agrários (redistribuição de terras). Se faltam as normas e meios de controle da propriedade fundiária, no sentido de adequá-la à sua função social, os programas de assentamento são submetidos à vassalagem do capital agrário (autodenominado agronegócio) ou virtualmente extintos, como sucede no presente.


Finalmente, é importante destacar, ao ingressar no espaço urbano com as bandeiras da reforma agrária, que os movimentos sociais empunharam a partir de 11 de julho, aparecem as conexões urbanas inevitáveis da questão agrária e do que é essencial e preliminar realizar na reforma agrária. Isto porque, sem as pressões urbanas substanciais, à semelhança das manifestações do mês de junho, não se "convence" os poderes da República a mudar de rumo no pacto de poder agrário que os alia, ainda que à revelia da sociedade. Mas as ruas sozinhas não promovem mudanças, quando não se lhes oferecem rumos explícitos a caminhar!


Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

O Facebook não respeita as leis de privacidade europeias


ENTREVISTA MAX SCHREMS

Fundador do grupo "Europa contra o Facebook" diz que a única alternativa ao usuário é cobrar leis mais fortes

BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRES
Em 2011, um austríaco com então 23 anos resolveu desafiar o Facebook. Max Schrems, estudante de direito em Viena, evocou as leis europeias de proteção da privacidade para pedir cópia de todas as informações que a rede social guardava sobre ele.

A resposta veio num dossiê de 1.222 páginas. Além do que o próprio Schrems compartilhava com os amigos, o site armazenava uma pilha de dados à sua revelia, como uma lista dos locais de onde ele acessou o site e os comentários que havia apagado.

A experiência levou Schrems a fundar o grupo Europa Contra o Facebook (Europe vs Facebook, em inglês), que cobra respeito às regras de privacidade dos usuários.

A entidade já teve algumas vitórias, como obrigar o Facebook a desativar uma ferramenta que identificava automaticamente o rosto das pessoas em fotos de terceiros.

Os alertas de Schrems ganharam importância depois que o jornal britânico "Guardian" acusou a rede social de repassar dados para o sistema de espionagem americano Prism, o que a empresa nega. Leia os principais trechos de entrevista concedida à Folha no sábado.

Folha -Por que você decidiu declarar guerra ao Facebook?
Max Schrems - Apresentei a primeira queixa depois de descobrir que o Facebook guardava dados que eu já havia apagado da minha conta. Eles desrespeitam de várias maneiras as leis da União Europeia sobre privacidade. Para fugir dos impostos, o Facebook mantém a sua sede comercial na Irlanda. Isso faz com que, fora da América do Norte, o site tenha que se enquadrar às leis europeias.

Sua organização indicou vários pontos em que a rede social descumpre essas leis. O que precisa mudar?
Já apresentamos 22 queixas sobre temas diferentes. Cada uma delas requer mudanças específicas. Nós não fizemos isso só por reclamar, mas também para mostrar que é possível manter uma rede social que respeite a privacidade das pessoas.

Você pediu cópia de suas informações armazenadas pelo Facebook e recebeu um dossiê de mais de 1.000 páginas. Que tipo de dados eles guardam?
Descobri que eles também armazenavam informações que já haviam sido deletadas ou que foram produzidas e arquivadas sem o meu conhecimento.
Esta é a questão mais controversa. O Facebook espiona usuários e não usuários da rede e tem mais informações do que as pessoas publicam em seus perfis.
Eles também recolhem dados sobre você a partir dos seus amigos e conseguem descobrir coisas através de sistemas estatísticos, que são usados em larga escala.

É possível saber o que o Facebook está fazendo com os dados pessoais de seus usuários?
Não. A maior ameaça à privacidade é que nós não temos nenhum controle sobre o que eles fazem com esses dados em seus servidores dos Estados Unidos.
As empresas têm criado suas próprias políticas de privacidade na internet, mas normalmente elas são tão vagas que permitem que se faça qualquer coisa com as suas informações pessoais.

É sabido que o Facebook mantém um histórico das atividades e dos gostos de cada usuário e processa esses dados para escolher os anúncios que aparecem em sua tela. O que mais eles conseguem fazer?
Isso também não está claro. Um exemplo: eles usam informações do nosso histórico para só nos mostrar o que gostamos de ver. Isso significa que opiniões diferentes das nossas são filtradas para que a gente não se irrite com o conteúdo que aparece quando abrimos o Facebook.
É uma espécie de "censura de bem-estar" na rede. O Facebook coopera quando recebe pedidos ligados a investigações policiais em diversos países, o que é legítimo. Mas agora sabemos que todos os dados estão sendo usados por órgãos de espionagem do governo americano.

Mark Zuckerberg disse ter ficado indignado com as notícias ligando a rede social ao sistema Prism. Você acredita que a inteligência do governo americano tenha acesso direto aos servidores do site?
Eu apostaria meu dinheiro nisso, e acho que seria uma aposta segura. Os EUA já admitiram a existência do Prism. A única alegação deles é que os alvos não são cidadãos americanos. Para mim, que não sou americano, não é uma resposta satisfatória.
Até aqui, não surgiram indícios fortes para desmentir a informação de que o Facebook participa desse esquema de vigilância maciça.
Além disso, sob as leis americanas, você é obrigado a mentir sobre a sua colaboração com esse tipo de esquema. Não vejo motivos para acreditar que a versão deles seja verdadeira.

Que recomendações daria aos usuários brasileiros do Facebook preocupados com sua privacidade?
Acho que agora todos já sabem que é bom pensar duas vezes antes de publicar algo na internet. Individualmente, não há muito o que fazer. Temos que cobrar a criação e o fortalecimento de leis que protejam a privacidade para que essas novas tecnologias voltem a merecer confiança.

Uma ministra na Venezuela sugeriu que a população abandone o Facebook para não trabalhar de graça para a CIA. O que acha desse tipo de recomendação?
O problema prático é que não há alternativas reais. Se você sair individualmente do Facebook, possivelmente vai tentar levar seus amigos para outra rede social.
A única solução real seriam redes sociais abertas, em que você pudesse interagir com pessoas que estão em outras redes. Da mesma maneira que pode mandar um email de um provedor para outro ou ligar para um telefone de outra operadora.

Você ainda usa o Facebook?
Sim. Acho que deixar os serviços que nos espionam não é a solução. Na verdade, você mal consegue usar a internet sem fornecer dados ao Google, à Apple, à Microsoft, à Amazon ou ao Facebook. Temos que fazer com que as empresas respeitem a nossa privacidade, e não passar a nos autocensurar.

Está satisfeito com os resultados da sua campanha? Qual é seu objetivo final?
Já conseguimos que o Facebook desativasse o sistema de reconhecimento facial fora da América do Norte. Eles também tiveram que deletar dados antigos, formular uma nova política de privacidade e montar uma equipe de 15 pessoas só para lidar com as nossas queixas.

OUTRO LADO
Rede social diz não colaborar com espionagem
Por meio de nota, o Facebook se pronunciou sobre alguns dos pontos levantados pelo ativista Max Schrems.

A respeito de ter uma sede fiscal na Irlanda para fugir do pagamento de impostos, a empresa diz que tem um escritório em Dublin que emprega 400 pessoas.

Segundo a rede social, a cidade é a melhor localidade para contratar funcionários que falam várias línguas e com capacidade para gerir uma operação de alta tecnologia que atenda a Europa.

"O Facebook contribuiu com 400 milhões de euros para a economia de Dublin, gerando 4.500 empregos diretos e indiretos", informou.

A nota diz ainda que o Facebook "está de acordo com todas as regulações corporativas relevantes, incluindo as relativas à tributação e ao envio de informação fiscal".

A rede social manteve sua posição sobre o caso de espionagem das agências americanas, alegando não disponibilizar a qualquer organização governamental o acesso a seus servidores.

"Quando são solicitados dados ou informações sobre indivíduos específicos, examinamos cuidadosamente qualquer pedido e fornecemos informações apenas na medida exigida pela lei."

FONTE: Folha de São Paulo, 15/07/2013.