sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Brasil é o penúltimo país em pesquisa sobre valorização de professor



CONFIRA O RANKING

PosiçãoPaís
1China
2Grécia
3Turquia
4Coreia do Sul
5Nova Zelândia
6Egito
7Cingapura
8Holanda
9Estados Unidos
10Reino Unido
11França
12Espanha
13Finlândia
14Portugal
15Suíça
16Alemanha
17Japão
18Itália
19República Tcheca
20Brasil
21Israel

Uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira (3) mostra que, entre 21 países, o Brasil fica em penúltimo lugar em relação ao respeito e à valorização dos seus professores. Para montar o Índice Global de Status de Professores, da Varkey GEMS, os estudiosos entrevistaram mil pessoas em cada um dos países.
De acordo com o estudo, os professores têm o melhor status na China e o pior, em Israel.
Em cada país, os pesquisadores analisaram se a profissão é muito procurada, qual é o status social dos professores e se os entrevistados acreditam que os alunos respeitam os docentes. Os dados foram reunidos em um índice e, em seguida, classificados.
Os países pesquisados foram: Brasil, China, República Tcheca, Egito, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Israel, Itália, Japão, Países Baixos, Nova Zelândia, Portugal, Turquia, Cingapura, Coreia do Sul, Espanha, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.
Os entrevistados responderam a perguntas sobre como o ensino se compara a outras profissões, se consideravam a remuneração dos professores justa, se encorajariam os seus filhos a se tornarem professores e o quanto achavam que os alunos respeitam os professores.
Eles também foram questionados sobre atitudes em relação a professores de ensino fundamental, professores de ensino médio e diretores de escola, assim como a atitudes em relação ao sistema de ensino.
Os estudiosos também questionaram sobre a remuneração e as condições de trabalho dos professores. Em 95% dos países, os pesquisados apoiam um salário maior para os professores em relação ao que ganham atualmente.

Brasil


Os brasileiros também disseram que apoiam salários mais altos para os professores e 88% acham que eles deveriam ser remunerados de acordo com o desempenho de seus alunos.A pesquisa mostra que, entre os entrevistados, os brasileiros foram os que mais disseram que os professores tiveram influência em suas vidas.
A desvalorização desses profissionais fica clara quando os entrevistados são perguntados se gostariam que seus filhos fossem professores: apenas 20% responderam que sim. Por outro lado, 45% dos pesquisadores disseram que não encorajariam seus filhos a se tornarem docentes.
Na China, que ficou em primeiro lugar no ranking, 50% dos pais encorajariam os seus filhos a serem professores, enquanto apenas 8% fariam o mesmo em Israel, último colocado entre os 21 países. Em geral, os países que mais respeitam os professores são aqueles que mais encorajam os seus filhos a terem essa profissão.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Na análise do golpe do Chile, Folha repete “ditabranda”

Nota sobre a imprensa liberal e golpes contra a democracia

por Caio N. de Toledo*


A relação liberalismo e democracia, relevante e polêmica problemática teórica do pensamento político e social moderno, pode ser bem ilustrada por um episódio editorial recente no Brasil.

Para “não passar em branco” os 40 anos do golpe militar contra o governo democrático-popular de Salvador Allende, a Folha de S. Paulo – com alguns dias de atraso – publicou um artigo sobre este traumático episódio na história política e social da América Latina.

Na mesma direção que os ideólogos civis e militares do golpe de 1964 – que construíram a ficção segundo a qual o “totalitarismo comunista” estaria prestes a irromper no Brasil –, o articulista da FSP imaginou um tenebroso cenário social e político para a sociedade chilena, caso o golpe militar de 1973 não fosse vitorioso; ditadura implacável, fome, campos de concentração, terror etc. estariam reservados aos chilenos na hipótese do “governo comunista de Salvador Allende” estar no poder nestes últimos 40 anos!

Tal como um roteiro de filme trash, a “guerra fria”, pois, ainda não teria terminado! Mas, como observou um colega, o afresco dantesco que o texto engendrou “foi precisamente o que ocorreu no Chile com a ditadura de Pinochet”.

Para o autor do panfleto, os chilenos, hoje na vigência do capitalismo neoliberal, podem dormir sossegados; afinal, a ameaça do “terror vermelho” foi derrotada.

Moral da estória com final feliz: viva o golpe contra o governo democrático-popular de Allende!
Salve a ditadura redentora do General Augusto Pinochet que concretizou no ocidente os ideais da doutrina neoliberal!

Ao publicar o texto, a FSP – que afirma ser um jornal democrático e pluralista – teria rompido ou se afastado de sua linha editorial? Algumas observações preliminares talvez ajudem a responder a questão.

A fim de examinar os 40 anos do golpe de 1973 no Chile, na seção dedicada a temas da conjuntura (econômica, política e cultural), o jornal não promoveu um confronto de ideias e posições divergentes; convidou, sim, um único autor para examinar o controvertido assunto.

Deixando de lado, conhecidos pesquisadores da história da América Latina, foi privilegiado um colaborador sobejamente conhecido por seu reacionarismo político.

Além disso, vale sublinhar que – após ter recebido o artigo encomendado – o jornal o editou não obstante o texto transgredir normas e valores do pensamento democrático.

Ora, todos sabem que publicações que aspirem ter alguma credibilidade no debate das ideias não se obrigam editar toda e qualquer colaboração recebida ou encomendada.

Por sua vez, mesmo conhecendo a indignação que o editorial de 17/2/2009 havia provocado entre seus leitores – quando denominou de “ditabranda” o regime militar brasileiro de 1964 –, a FSP não hesitou publicar, um texto que falsifica a história na medida em que omite o verdadeiro terror instaurado pela ditadura militar de 1973 (nunca pela vitória de Allende!): prisões em massa, execuções, tortura, desaparecimentos, campos de concentração e de extermínio, censura etc.

Tudo indica, pois, que para a intelectualidade que orienta a FSP, o anti-democratismo do texto não deixaria de ser uma “tendência do pensamento contemporâneo” (um dos critérios que a seção Tendências e Debates afirma exigir a fim de justificar sua publicação no jornal).

Mas sem isentar o jornal neste episódio que ofende o pensamento democrático, devemos lembrar que a Folha de S. Paulo é, a rigor, um aparelho ideológico-cultural de orientação liberal. Como estudos críticos sobre o pensamento político moderno têm mostrado – entre eles, os trabalhos dos italianos Norberto Bobbio, Giovanni Sartori e Domenico Losurdo – inexiste um vínculo conceitual entre liberalismo e democracia.

Para estes autores, democracia e liberalismo não são categorias e realidades políticas complementares ou que se implicam mutuamente. Ou seja, autores e entidades liberais, ao longo de sua história, nem sempre defendem posições estritamente democráticas.

Se aceitarmos esta formulação, nada haveria, pois, de surpreendente no recente episódio editorial. Como comprova a história das ideias e das práticas políticas, órgãos da imprensa liberal (no Brasil e no mundo) – dependendo das circunstâncias sociais e da luta ideológica de classes – poderão divulgar textos antidemocráticos como também apoiar golpes contra governos que foram eleitos pelo voto popular.

Como se viu, a editoria da Folha de S. Paulo não hesitou publicar um texto caricatural, desinformativo e ofensivo aos valores e ideais democráticos; porém, mais significativo não foi o apoio ao golpe civil-militar de 1964 bem como o fato da FSP, durante alguns anos de governos discricionários, ter se comportado com um aparelho ideológico-cultural da ditadura militar?

Mas justiça seja feita; como recente editorial de O Globo (31/8/2013) reconhece, nesses episódios a FSP também teve a companhia de outros órgãos liberais da imprensa brasileira – entre eles, O Globo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e o Correio da Manhã.

Decorridos quase 50 anos, o silêncio da Editoria do jornal sobre estes relevantes episódios da história da política no Brasil não deixa, pois, de reforçar a tese segundo a qual as entidades liberais nem sempre atuam no sentido de fortalecer a democracia política.

PS: Após as reações de alguns seus leitores, a FSP poderá publicar um artigo favorável ao governo democrático de Salvador Allende. Ou seja, o pluralismo de jornais liberais comporta matérias de orientação democrática como também textos ofensivos aos valores e ideais democráticos.

*Professor aposentado da Unicamp; do comitê editorial de marxismo21

FONTE: VIOMUNDO

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Campanha Prestes - Pela libertação dos presos políticos no Brasil (1936-1945)

Novo livro de Anita Prestes






Autor:

Anita Leocadia Prestes

Número de páginas:

80

ISBN:

978-85-7743-230-1

Editora:

Expressão Popular

Categoria:


História do Brasil

Este livro proporciona ao leitor tomar conhecimento de uma história pouco conhecida do público brasileiro a respeito da campanha internacional em solidariedade aos presos políticos que participaram do Levante Antifascista de 1935: a conhecida “Campanha Prestes” pela libertação dos presos políticos no Brasil (1936-1945), iniciada e dirigida pelo movimento comunista internacional e encabeçada por Leocadia Prestes, mãe de Luiz Carlos Prestes.
Nestas páginas, a autora rememora, a partir dos arquivos da Internacional Comunista, de depoimentos e de vários registros fotográficos, as diversas manifestações ocorridas em países sobretudo da Europa e da América Latina, resgatando assim os principais momentos deste que foi um valioso exemplo de mobilização mundial em favor da causa da defesa dos direitos humanos e da democracia. 

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Cabral, Paes, a canalhocracia brasileira e a luta dos professores do Rio de Janeiro

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro*




Meu avô materno, Gastão Fernandes de Oliveira (1921-1999), era comunista, lutou na Itália como soldado da FEB na Segunda Guerra Mundial contra o nazifascismo e estudou somente até o ensino primário. Desde os meus 6 anos de idade, ele me contava sobre a sua militância na "Célula 27 de Novembro" do Partido Comunista (PCB), em Brás de Pina, no Rio de Janeiro. Cresci ouvindo-o afirmar que sob o capitalismo não poderia existir uma verdadeira democracia, pois o poder não estava com o povo mas nas mãos dos endinheirados. Repetia sempre: "No capitalismo, quem tem dinheiro é doutor, quem não tem é cocô". E enfatizava sempre que o que os donos do poder chamavam de democracia na realidade era uma CANALHOCRACIA, isto é, o governo dos canalhas.

Assistindo a repressão ao movimento reivindicatório dos professores da rede municipal de educação do Rio de Janeiro, mais uma vez lembrei das palavras do meu avô. 

Sérgio Cabral e Eduardo Paes estão mostrando a face nua e crua da CANALHOCRACIA brasileira.

Meu avô dizia que contra os canalhocratas só restava lutar.

Por isso, onde não há luta são os patrões que decidem a agenda e os termos do debate. Expressões como «exploração», «classe» ou «luta» estão banidas do léxico comum. Palavras como «greve» ou «paralisação» estão indelevelmente associadas ao «mal». Porque na língua universal do capitalismo a semântica é um instrumento de opressão e dominação de classe, onde não há luta chama-se «cidadania» às contradições insanáveis entre exploradores e explorados, e «educação» ao processo de adestramento para o mercado de trabalho, gerador e perpetuador das contradições sociais. Onde não há luta prevalece o medo.

No entanto, onde há luta os trabalhadores são mais fortes e é mais difícil aos patrões queimar as suas energias em idealismos vácuos e radicalismos inconsequentes. Onde há luta, nasce a consciência política e garante que a experiência acumulada fortaleça a certeza da vitória, não obstante as derrotas temporárias, e converge para a construção da unidade da categoria. Onde há luta, os trabalhadores não só marcam o passo da agenda política, como travam os interesses daqueles que visam o sucateamento da educação pública. Se não foram mais longe na destruição da escola pública, é porque sempre se depararam com a resistência daqueles que lutam. Evoco aqui os nomes de alguns educadores importantes nesta luta em defesa da escola pública: Florestan Fernandes, Anísio Teixeira, Paschoal Lemme, Paulo Freire, entre muitos outros.

Onde há luta tudo é conquistável e potencialmente perdível. Mas onde não há luta a derrota é certa.

A LUTA É MAIS DO QUE JUSTA

Conforme salienta o jornalista português e militante comunista Miguel Urbano Rodrigues: 

A história ensina que na vida dos povos vítimas de uma opressão intolerável, as grandes lutas fermentam por tempo variável até que eles se levantam em explosões sociais vitoriosas. Então exercem o direito de resistência e à rebelião - direito que é antiquíssimo e consta do artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada pela Revolução Francesa de 1789. É o direito à resistência contra a opressão econômica e social, direito que, após os horrores da Segunda Guerra Mundial, foi incluído na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 22 a 25).

A luta pela efetiva e verdadeira valorização do magistério também é uma das etapas da luta pela educação pública de qualidade.

Transformar a indignação numa atmosfera de combatividade crescente dos professores será um avanço. Nas palavras do educador marxista Paschoal Lemme, “o ensino e a educação só avançam, só progridem realmente quando as respectivas reformas resultam de transformações reais ocorridas na estrutura da sociedade, quando impulsionadas e realizadas pelas forças progressistas vitoriosas na luta pelo poder político”. Afirma que “uma das ilusões mais ingênuas dos educadores é a crença de que reformas educacionais transformam a sociedade, quando o que se dá é exatamente o contrário”. Por isso, que se afirma que quando o professor está lutando também está ensinando. Porque é na luta que ele desenvolve um processo pedagógico diferenciado na sua relação com o educando. É lutando a melhor maneira de fazer da escola um espaço que venha a contribuir para a apropriação e produção  de um modo de pensar diferente do que predominou historicamente.


* Professor de História da Rede Municipal de Ensino Público de Rio das Ostras. Matrícula: 6273-1. Lotado na Escola Municipal Padre José Dilson Dórea, bairro Âncora, Rio das Ostras.


A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas

Atilio A. Boron, Javier Amadeo e Sabrina González (organizadores)
Textos completos

Este trabalho, de autoria coletiva, visa revitalizar e enriquecer o debate em torno do marxismo como imprescindível aporte teórico ao pensamento crítico de nosso tempo e como não menos indispensável “guia para a ação”: como filosofia prática que permite não só entender o mundo mas também transformá-lo.


Textos de: Elmar Altvater; Javier Amadeo; Perry Anderson; John Bellamy Foster; Daniel Bensaïd; Atilio A. Boron; Alex Callinicos; Marilena Chaui; Terry Eagleton; Francisco Fernández Buey; Sabrina González; Pablo González Casanova; Eduardo Grüner; Frigga Haug; Franz Hinkelammert; François Houtart; Edgardo Lander; Michael Löwy; Ellen Meiksins Wood; María Rosa Palazón Mayoral; Adolfo Sánchez Vázquez




Índice

Atilio A. Boron
Agradecimentos



Javier Amadeo
Mapeando o marxismo

Parte Um
Sobre a teoria e sua relação com a práxis







Parte Dois
Atualidade e renovação dos temas clássicos


Alex Callinicos 
Igualdade e capitalismo


Adolfo Sánchez Vázquez
Ética e marxismo


Parte Três
Novos temas de reflexão no capitalismo contemporâneo




Parte Quatro
Democracia e imperialismo em tempos de globalização

Ellen Meiksins Wood 
Capitalismo e democracia



John Bellamy Foster 
O redescobrimento do imperialismo





Para uma crítica da categoria de totalitarismo

Texto de Domenico Losurdo 
A denúncia do totalitarismo continua a funcionar eminentemente como ideologia da guerra contra os inimigos do Ocidente.E em nome desta ideologia são justificadas as violações da Convenção de Genebra e o tratamento desumano reservado aos detentos na baía de Guantanamo, o embargo e a punição coletiva impostos ao povo iraquiano e a outros povos, bem como o ulterior martírio infligido ao povo palestino. A luta contra o totalitarismo serve para legitimar e transfigurar a guerra total contra os “bárbaros” estrangeiros ao Ocidente.

Para uma crítica da categoria de totalitarismo
Por Domenico Losurdo
Publicado em Crítica Marxista, n. 17, 2003.

CLIQUE NO LINK ABAIXO PARA ACESSAR O ARTIGO:

O artigo de Domenico Losurdo, “Para uma crítica da categoria de totalitarismo”, desmistifica a noção de “totalitarismo”, mostrando, notadamente através do progressivo alinhamento de Hanna Arendt com a ideologia anticomunista da guerra fria, sua função de cavalo de batalha da reação liberal.





Aventuras dialéticas

Por Ruy Braga.


Marshall Berman notabilizou-se internacionalmente por sua obra Tudo que é solido desmancha no ar. Trata-se de uma erudita e instigante análise crítica da história da vida moderna que vai de Goethe a Baudelaire, passando por Marx até alcançar as vanguardas artísticas do século XX. Sob sua pena, a modernidade surgiu como um processo globalizante cujo sentido é a subordinação da vida cotidiana ao impulso homogeneizante do valor de troca. Quase nenhuma esfera da atividade humana é capaz de escapar à mecânica de um impulso irracional que “dissolve” todos os valores culturais nas “águas gélidas do cálculo econômico” (Marx).
No entanto, ao contrário de correntes críticas que viram na modernidade apenas a face deformada do discurso ocidental, racista, patriarcal e colonialista, Berman identificou neste mesmo movimento a promessa da emancipação vindoura. Inspirado pela análise histórica e dialética empreendida por Marx da formação da mercadoria força de trabalho, o veterano professor de filosofia política da Universidade da Cidade de Nova Iorque (CUNY) soube driblar o irracionalismo pós-modernista ao revelar relações culturais e processos mentais que escondem práticas de resistência à dominação do capital.
Conforme Berman, Marx foi o principal crítico “moderno” da modernidade capitalista, capaz de identificar o movimento da história como um fluxo “aberto”, isto é, permeável ao exercício da liberdade criativa da práxis social. Lembro-me de uma história presente em um de seus livros de ensaios, As aventuras do marxismo, onde Berman reproduz a conversa entre duas mulheres negras, avó e neta,  acidentalmente captada em um ônibus na cidade de Nova Iorque. À senhora visivelmente incomodada com os trajes julgados excessivamente curtos da neta, esta retrucou: “Não se preocupe, vovó, pois eu sou moderna”.
Neste caso, “ser” moderna significava ser independente, autônoma, livre: “o indivíduo ousa individualizar-se”, diria. Diferentemente do “estar” moderna, condição da preocupação de sua avó com a honra pessoal derivada da memória de sua condição subalterna. É verdade, não há outra maneira de lidar criticamente com a tendência predominante da modernidade sem partirmos do reconhecimento de que não há capitalismo sem a reprodução do racismo, do sexismo e da colonialidade.
No entanto, Berman entende que as condições para a emancipação estão dialeticamente inscritas nesse mesmo movimento de expansão da modernidade capitalista em escala mundial. Assim, o impulso da modernidade se volta contra seu agente principal, isto é, a própria burguesia:
“A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. (…) Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar sem ilusões a sua posição social e as suas relações com os outros homens.” (Manifesto Comunista, p.43)
Se a ênfase de Berman recaiu sobre a história cultural da modernidade, isto é, sobre a formação de uma determinada mentalidade moderna condensada nas artes plásticas, na literatura e na arquitetura, sobretudo, coube a outro filósofo político marxista, Daniel Bensaïd, a tarefa de reconstituir a dialética da modernidade conforme uma perspectiva marcadamente estratégica. Apoiando-se sobre a nova escrita da história inaugurada em O capital, Bensaïd decidiu revisitar Walter Benjamin e Antonio Gramsci a fim de restituir o sentido propriamente dialético e crítico do projeto revolucionário de Marx. Neste, a potência dialética da modernidade ocupa o centro das lutas de classes.
Esmiuçado em sua trilogia, Walter Benjamin: sentinela messiânicaA discordância dos tempos e Marx, o intempestivo, este projeto de reconstrução dialética do materialismo histórico empreendido por Bensaïd ganhou uma elegante e bem-humorada “apresentação” na forma de Marx, manual de instruções, livro recentemente editado pela editora Boitempo. Resgatando a antiga tradição revolucionária de produzir “manuais” acessíveis aos trabalhadores e atraentes para a juventude, o dirigente político francês não apenas condensou aspectos históricos e biográficos de Marx e de Engels, inserindo-os nas lutas de classes de seu tempo, como também os relacionou às conquistas teóricas que culminaram na publicação, em 1867, do livro I de O capital.
Dentre estas, a mais importante, sem dúvidas, diz respeito a uma interpretação da história do capitalismo condicionada pela causalidade dialética das lutas de classes:
“O capital, cujo conceito Marx cria, é um sistema dinâmico cujas contradições íntimas abrem um leque de possibilidades. A luta de classes decide quais se tornarão efetivas e quais serão abandonadas pelo caminho. Um pensamento capaz de conceber conjuntamente a estrutura e a história, a contingência e a necessidade, o ato e o processo, a reforma e a revolução, o ativo e o passivo, o sujeito e o objeto, é fundamentalmente um pensamento estratégico, uma ‘álgebra da revolução’.” (Marx, manual de instruções, p. 163).
Ao contrário daqueles que reduziram Marx a um reles determinista econômico, Bensaïd soube restabelecer os termos globais de uma leitura crítica e revolucionária, diria estratégica, do pai do socialismo científico. Ao fazê-lo, resgatou do cárcere do esquecimento toda uma tradição de marxistas heréticos: Gramsci, Benjamin, Lukács, Bloch, Sartre, Lefebvre, Mandel… Tradição cujo sentido profundo foi pensar e agir no contra-fluxo, tanto do stalinismo quanto da social-democracia.
Quer destacando a dimensão cultural, quer enfatizando a dimensão estratégica da análise da sociedade moderna empreendida por Marx, Marshall Berman e Daniel Bensaïd, dois dos mais brilhantes representantes de uma geração de socialistas heréticos que amadureceu entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1970, souberam preservar o sentido emancipador do marxismo frente incontáveis tentativas de transformá-lo em uma modorrenta ideologia de Estado. Sem se deixarem seduzir pelo canto da sereia da crítica pós-moderna, os dois filósofos políticos legaram às gerações mais jovens de socialistas chaves teóricas decisivas aptas a iluminar as antinomias da atual sociedade burguesa. Ambos partiram cedo demais e merecem ser lembrados.
***
Ruy Braga, professor do Departamento de Sociologia da USP e ex-diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) da USP, é autor, entre outros livros, de Por uma sociologia pública (São Paulo, Alameda, 2009), em coautoria com Michael Burawoy, e A nostalgia do fordismo: modernização e crise na teoria da sociedade salarial (São Paulo, Xamã, 2003). Na Boitempo, coorganizou as coletâneas de ensaiosInfoproletários – Degradação real do trabalho virtual (com Ricardo Antunes, 2009) e Hegemonia às avessas (com Francisco de Oliveira e Cibele Rizek, 2010), sobre a hegemonia lulista, tema abordado em seu mais novo livro, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista