sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Marx voltou e ameaça ficar

O projeto MEGA é um dos maiores empreendimentos editoriais da atualidade e, possivelmente, um dos mais destacados de todos os tempos: a nova edição crítica das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe). Segundo Michael Krätke, o projeto começou a ser desenhado em 1960 e reúne hoje o trabalho de 80 colaboradores de 8 países e 3 continentes. O plano original prevê a publicação de aproximadamente 164 volumes. Os princípios que orientam a edição são o respeito e a fidelidade com o texto original, além da certificação de sua autenticidade e sua preparação para serem editados de forma completa e integral. O artigo é de Carlos Abel Suárez.

Carlos Abel Suárez

Por ocasião dos primeiros sinais da atual crise econômica mundial, antes ainda do estouro da bolha das hipotecas norteamericanas, iniciou um movimento que muitos denominaram o “retorno” de Marx. Revistas de atualidade e de ampla circulação internacional publicaram sua inconfundível imagem em suas edições. O destaque de capa era Marx.

Em algumas pesquisas relevantes, Marx foi eleito como um dos pensadores mais destacados de todos os tempos. Quando das operações de resgate financeiro, nos principais jornais norteamericanos se alternavam como insulto ou como elogio a retomada das idéias daquele personagem tão querido quanto odiado, nascido em Tréveris, em 1818. Não faz muitos anos, sua memória estava sepultada e sua obra engavetada e degradada por pseudoexegetas, interpretadores falsários e filisteus de toda pelagem, processo vitaminado pela direitização da social-democracia e pela implosão da União Soviética.

Mas o Marx original, sua obra – despojada das versões de tantos “marxistas” que tanto ele como Engels desprezavam já em vida – apenas começa a se projetar nos círculos acadêmicos, nas tertúlias da esquerda e nos debates políticos coerentes. No entanto, segundo o atual retrato do mundo, na economia, na política e na cultura, parece que as idéias de Marx e Engels poderão seguir ilustrando grande parte do século XXI.

Muito se perguntarão: o que é o projeto MEGA? Não se trata de um dispositivo eletrônico para espionar comunicações ou do desenho de uma nova represa gigantesca? Trata-se, na verdade, de um dos maiores empreendimentos editoriais da atualidade e, possivelmente, um dos mais destacados de todos os tempos: a nova edição crítica das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels (Marx-Engels Gesamtausgabe). O professor Michael Krätke, coeditor da nova MEGA, explicou durante quase duas horas as características desta espetacular iniciativa, em uma conferência realizada na Universidade de Barcelona, às vésperas do encontro internacional de Sin Permiso, realizado em Madri, em dezembro último.

O auditório da conferência – majoritariamente formado por acadêmicos e estudantes conhecedores da obra de Marx – foi surpreendido por alguns trechos da minuciosa e apaixonada exposição de Krätke, tanto por sua qualidade acadêmica, rigor conceitual, contextualização histórica e domínio dos temas sobre os quais trabalharam Marx e Engels, como pelas descobertas que virão a público com a nova MEGA.

É conhecido que os textos de Marx e de Engels sofreram múltiplas manipulações. Krätke assegurou que não há um só dos livros publicados que tenha respeitado a versão original, seja por questões políticas ou pela caprichosa tesoura dos editores. Krätke lembrou que a primeira iniciativa de reunir e publicar toda a obra de Marx e Engels iniciou em 1911, dirigida pela socialdemocracia alemã, com a participação de Karl Kautsky, Augusto Bebel e Eduardo Bernstein. Em seguida, o projeto passou para as mãos da União Soviética, em 1922, sob a direção de David Riazanov, até este ser destituído por Stálin, em 1931, e fuzilado anos mais tarde, em 1938, juntamente com seus companheiros da velha guarda bolchevique.

Na MEGA contemporânea, que começou a ser desenhada em 1960 e, estima-se, deve estar concluída em 25 ou 30 anos, trabalham 80 colaboradores de 8 países e 3 continentes. O plano original, explicou Krätke, contempla a publicação de aproximadamente 164 volumes, compreendendo os textos original, mais todos os anexos.

Os princípios acordados para o imenso reordenamento e revisão de manuscritos, vários deles inéditos, livros e artigos publicados, mais toda a correspondência Marx-Engels – e a destes como amigos, colaboradores e editores – são o respeito e a fidelidade com o original, além da certificação de sua autenticidade e sua preparação para serem editados de forma completa e integral. A equipe multidisciplinar que trabalha no MEGA realiza um acompanhamento da evolução dos textos, discute exaustivamente os mesmos, evitando ao mesmo tempo os comentários políticos.

Com a perícia de um arqueólogo que vai limpando com cuidado as peças de um achado para não danificá-lo, Krätke expôs as vicissitudes pelas quais passaram os trabalhos de Marx mais difundidos. Todos têm sua história, suas polêmicas, as marcas da manipulação, do silenciamento. Há “montanhas” de papéis: fichas, apontamentos, cartas, cadernos com cálculos matemáticos, que os entusiastas da MEGA ordenam e classificam.

No plano da nova MEGA, O Capital e todos os textos preparatórios e manuscritos, somam 15 volumes, a maior parte deles já publicados em alemão. A correspondência completa entre Marx e Engels e a destes com terceiros, compreende 35 volumes. A coleção de extratos, fichas bibliográficas e anotações marginais dos amigos inseparáveis, tomará outros 32, segundo o programa editorial.

É notável que, a 127 anos da morte de Marx, ainda existam trabalhos inéditos do autor, observou Krätke. Um deles sobre a crise financeira de 1857-1858 será publicado em breve. Segundo o pesquisador alemão, que possui uma contundente trajetória como economista e historiador, à qual se agrega seus conhecimentos da obra de Marx, o trabalho sobre a crise de 1857 lança luz para entender melhor a crise financeira e econômica atual. Aquela, como a atual, começou nos Estados Unidos (1).

Krätke se encarregou de refutar, à luz das investigações até agora realizadas, as especulações sobre as diferenças entre Marx e Engels e as diligências deste em procurar ordenar a publicar a obra inconclusa de seu amigo. Pode ter cometido alguns erros, mãos o trabalho de Engels foi cuidadoso e respeitoso, assegurou.

A Espanha na obra de Marx

Mas se algo ilustra a erudição e, cabe dizer também, a coragem de Krätke, é falar da história da Espanha, em Barcelona, e diante de acadêmicos bem conhecedores dessa história. Um só dado mostra bem a importância dos trabalhos de Marx e Engels sobre a Espanha: do total da nova MEGA, uns 12 volumes contém seus ensaios, artigos e estudos vinculados ao tema. Marx nunca visitou a Espanha, mas começou a estudar espanhol em 1850 e, desde então, encontram-se em seus escritos citações de clássicos como Cervantes e Lope de Vega.

Várias vezes em sua trajetória intelectual, Marx realizou estudos sistemáticos sobre a história da Espanha. Particularmente entre os anos 1847 e 1848, e depois durante os anos 1850 e 1851, 1854 e 1855 e, por último, entre 1878 e 1882m quase ao final de sua vida. Em uma oportunidade, no período que vai de 1854 a 1855, Marx se pôs a escrever uma história crítica das mudanças revolucionárias na Espanha, precisou Krätke.

Por algum tempo, a partir de 1854, Marx escreveu sobre a situação política espanhola para o New York Daily Tribune. Vários desses artigos tiveram a participação de Engels – e fazem parte da seção da MEGA denominada “Espanha Revolucionária” (2). Sobre os motivos que levaram Marx a estudar a história e a política espanhola, Krätke assinalou que encontrou aí algumas chaves importantes do que seria sua teoria política, ou, dito de outro modo, a acumulação de conhecimentos e papéis para elaborar uma teoria política.

“Marx não começa com as “leis” da história”, afirmou, “ele constata e discute os fenômenos e as aparências, regularidades e irregularidades, e busca então as explicações históricas. Marx estudou em profundidade, no caso espanhol, a relação entre a formação das classes, a sociedade burguesa e o Estado Moderno. Segundo Krätke, o modelo de um primeiro Império colonial global, a forma curiosa que assumiu o absolutismo, o conceito de um liberalismo avançado e o desenvolvimento revolucionário tão particular é o que fazia da Espanha um campo de análise muito valioso para Marx. Entre outras coisas, para entender a transição do feudalismo para o capitalismo. Transição para a formação do Estado moderno, que, lembrou Krätke seguindo Marx, assumiu formas muito diversas.

Um capítulo relevante na seção da nova MEGA dedicada a Espanha trará os trabalhos de Marx sobre a Constituição de Cádiz de 1812. Frequentemente se esquece a sólida e inicial formação de Marx como jurista. A propósito da Espanha, volta a esses temas de seu interesse com a crítica às interpretações contemporâneas da Constituição de 1812, a qual valorizava por sua originalidade e pela situação política que dá origem a ela. Trabalho, por sua vez, que desperta a preocupação de Marx para uma releitura da Constituição francesa de 1791 e para a análise da Constituição espanhola de 1820. Nestes ensaios, observa Krätke, Marx reflete sobre a natureza das constituições revolucionárias, sempre “impraticáveis” e “impossíveis”.

Ao retornar a suas investigações espanholas, 20 anos depois, Marx revisa outra vez os vínculos entre Espanha e a história política mundial, a formação do Estado moderno na Europa, depois do ano 1000, a Conquista e a Reconquista e o papel da Espanha como poder militar e imperialista, observou ainda o coordenador da nova MEGA.

Uma vez terminado este grande empenho da nova MEGA, seguramente as idéias de Marx e de Engels poderão seguir ecoando na segunda metade do século XXI. Esta injeção de otimismo nos animou após escutar as palavras de Krätke. Uma maior dose de otimismo exigiria pensar que, na metade deste século, se terá liberado o mundo e o marxismo da “leitura dogmática e clerical” de Marx e Engels, como desejava Manuel Sacristán, ou da “clerigalla marxista”, como reclamava Franz Mehring em 1918.

NOTAS
(1) Ver Michael R. Krätke, Marx, periodista económico, en Sin Permiso Nº 6, Barcelona, 2010.

[2] Com tradução e prefácio de Manuel Sacristán, en 1960, a editorial Ariel de Barcelona publicou con o título de “Revolução na Espanha” os artigos jornalísticos de Marx e Engels sobre a Espanha que se conheciam então.

(*) Carlos Abel Suárez é integrante do Comitê de Redação de SINPERMISO. Publicado em "Bitácora" do Uruguay.

Tradução: Katarina Peixoto
Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16874

"Reforma Agrária Popular depende de novo modelo de desenvolvimento"

Por Nilton Viana
Do Brasil de Fato

A candidatura de José Serra (PSDB) representa o núcleo central dos interesses da burguesia e a volta do neoliberalismo. Esta é a avaliação João Pedro Stedile. Em sua primeira entrevista ao Brasil de Fato, o dirigente nacional do MST e da Via Campesina constata que, no atual cenário eleitoral, as candidaturas não estão debatendo programas, projetos para a sociedade.

Mas, segundo ele, elas representam claramente interesses diversos de forças sociais organizadas. Nesse sentido, Stedile afirma que Serra representa os interesses da burguesia internacional, da burguesia financeira, dos industriais de São Paulo, do latifúndio atrasado, com Katia Abreu de coordenadora de finanças e setores do agronegócio do etanol. E, frente a esse cenário, defende que, “como militantes sociais, e como movimentos sociais, temos a obrigação política de derrotar a candidatura Serra”.

Com a implementação do modelo neoliberal, os bancos e o capital financeiro aumentaram seus lucros e passaram a dirigir a economia do Brasil, que se sustenta na política de juros altos, meta de inflação, arrocho fiscal e política de exportações. Quais as consequências desse modelo?

Estamos vivendo a etapa do capitalismo que se internacionalizou, dominou toda a economia mundial sob a hegemonia do capital financeiro e das grandes corporações que atuam em nível internacional. O mundo é dominado por 500 grandes empresas internacionalizadas, que controlam 52% do PIB mundial e dão emprego para apenas 8% da classe trabalhadora. As consequências em nível mundial são um desastre, pois toda população e os governos nacionais precisam estar subordinados a esses interesses. E eles não respeitam mais nada, para poder aumentar e manter suas taxas de lucro. Seus métodos vão desde a apropriação das riquezas naturais, deflagração de conflitos bélicos para manter as fontes de energias e controle do Estado, para se apropriarem da mais-valia social ou poupança coletiva através dos juros que os estados pagam aos bancos. No Brasil, a lógica é a mesma. Com um agravante, sendo uma economia muito grande e dependente do capital estrangeiro, aqui o processo de concentração de capital e de riqueza é ainda maior. Esta é a razão estrutural do porquê – apesar de sermos a oitava economia mundial em volume de riquezas – estamos em 72º lugar nas condições médias de vida da população e somos a quarta pior sociedade do mundo em desigualdade social. Portanto, essa fase do capitalismo, em vez de desempenhar um papel progressista no desenvolvimento das forças produtivas e sociais, como foi a etapa do capitalismo industrial; agora, os níveis de concentração e desigualdade só agravam os problemas sociais.

Mesmo com a eleição de governos mais progressistas, o Estado brasileiro mantém seu caráter antipopular, sem a realização de mudanças mais profundas que resolvam os problemas estruturais do país. Como você avalia a democracia e o Estado no Brasil?

Primeiro, há uma lógica natural do funcionamento da acumulação e da exploração do capital que sobrepõe os governos e as leis. Segundo, no período neoliberal, o que o capital fez foi justamente isso, privatizar o Estado. Ou seja, a burguesia transformou o Estado em seu refém, para que ele funcione apenas em função dos interesses econômicos. E sucateou o Estado nas áreas de políticas públicas de serviços que servem a toda população, como educação, saúde, transporte público, moradia etc. Por exemplo, temos 16 milhões de analfabetos. Para alfabetizá-los, custaria, no máximo, uns R$ 10 bilhões. Parece muito – o Estado, com todo seu aparato jurídico impede de aplicar esse dinheiro –, mas isso representa duas semanas do pagamento de juros que o Estado faz aos bancos. Construímos viadutos e estradas em semanas, mas para resolver o deficit de moradias populares é impossível? Temos ainda 10 milhões de moradias faltando para o povo.

Por último, a sociedade brasileira não é democrática. Nós nos iludimos com as liberdades democráticas de manifestação, que conquistamos contra a ditadura, que foram importantes. Mas a verdadeira democracia é garantir a cada e a todos cidadãos direitos e oportunidades iguais, de trabalho, renda, terra, educação, moradia e cultura. Por isso, mesmo quando elegemos governos com propostas progressistas, eles não têm força sufi ciente para alterar as leis do mercado e a natureza do Estado burguês.

Na política internacional, o governo Lula investiu na relação com países do hemisfério Sul, com o fortalecimento do Mercosul e da Unasul, por exemplo. Qual a sua avaliação dessa política e quais os seus limites?

O governo Lula fez uma política externa progressista no âmbito das relações políticas de Estado. E uma política dos interesses das empresas brasileiras, nos seus aspectos econômicos. Comparado às políticas neoliberais de FHC, que eram totalmente subservientes aos interesses do imperialismo, isso é um avanço enorme, pois tivemos uma política soberana, decidida por nós.

Na política, se fortaleceram os laços com governos latinos e daí nasceu a Unasul para a América do Sul, e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) para todo o continente, excluindo-se os Estados Unidos e o Canadá. Esses dois organismo representam o fim da OEA. Aliás, já tarde. Na economia se fortaleceram laços econômicos com países do Sul. Mas ainda precisamos avançar mais na construção de uma integração continental que seja de interesse dos povos, e não apenas das empresas brasileiras, ou mexicanas e argentinas.

Uma integração popular latino-americana no âmbito da economia será o fortalecimento do Banco do Sul, para substituir o FMI. O banco da Alba, para substituir o Banco Mundial. E a construção de uma moeda única latino-americana, como é proposto pela Alba, através do sucre, para sair da dependência do dólar. Se queremos independência e soberania econômica nas relações internacionais e latino-americanas, é fundamental colocarmos energias para derrotar o dólar.

O dólar foi fruto da vitória estadunidense na segunda guerra mundial e tem sido, nessas décadas todas, o principal mecanismo de espoliação de todos os povos do mundo. Num aspecto mais amplo, o presidente Lula tem razão: as Nações Unidas não representam os interesses dos povos, e por isso é besteira o Brasil sonhar em ter a presidência. Precisamos é construir novos e mais representativos organismos internacionais. Mas isso não depende de propostas ou vontade política. Depende de uma nova correlação de forças mundial, em que governos progressistas sejam maioria. E hoje não são.

O sistema de televisão e rádio é extremamente concentrado no Brasil, em comparação até com os outros países da América Latina. Quais as consequências disso para a luta política?

Durante o século 20, hegemonizado pela democracia republicana e pelo capitalismo industrial que produziu uma sociedade de classes bem definida, a reprodução ideológica da burguesia se dava pelos partidos políticos, pelas igrejas e pelos sindicatos e associações de classe. Agora, na fase do capitalismo internacionalizado e financeiro, a reprodução da ideologia dominante se dá pelos meios de comunicação, em especial redes de televisão e as agências internacionais de noticias.

A burguesia descartou os outros instrumentos e prioriza estes, os quais tem controle total. Por isso, no Brasil, na América Latina e em todo o mundo, os meios de comunicação estão sob controle absoluto das burguesias. E eles usam como reprodução ideológica, como fonte de ganhar dinheiro e como manipulação política. E como seus patrões estão internacionalizados, suas pautas e agendas estão também centralizadas.

Por isso, a construção de um regime político mais democrático, mesmo nos marcos do capitalismo, depende fundamentalmente da democratização dos meios de comunicação. Isso é fundamental para garantir o direito ao acesso à informação honesta e impedir a manipulação das massas. E os governos deveriam começar eliminando a publicidade estatal, em qualquer nível, em qualquer meio de comunicação. É uma vergonha o que se gasta em publicidade oficial. No Paraná, para se ter uma ideia, em oito anos de governo Lerner [1995-2002], o Estado pagou mais de R$ 1 bilhão em publicidade para dois ou três grupos de comunicação.

As grandes cidades brasileiras enfrentam problemas como falta de habitação, saneamento básico, escolas, hospitais, além de trânsito e violência. Como você analisa a questão urbana?

A maior parte da população se concentra nas grandes cidades, e aí estão concentrados também os pobres e os maiores problemas resultantes desse modelo capitalista, e de um Estado que atua somente em favor dos ricos. Os pobres das grandes cidades se amontoam nas periferias, não têm direito a moradia, escola, transporte público decente, trabalho, renda. Nem a lazer. Sobram os programas de baixaria da televisão como lazer. Nesse contexto é evidente que o sistema gera um ambiente propício para o narcotráfico, para a violência social.

E o Estado, o que tem feito através dos mais diferentes governos?

A única resposta tem sido a repressão. Mais polícia, mais violência oficial, mas cadeia. As cadeias estão cheias de pobres, jovens, mulatos ou negros. Há uma situação insustentável de tragédia social. Todos os dias assistimos os absurdos da desigualdade social, do descaso do Estado e da truculência do capital.

As estatísticas são aterrorizantes: 40 mil assassinatos por ano nas grandes cidades, a maioria pela polícia. Por isso os movimentos sociais apoiaram a campanha pelo desarmamento. Mas a força das empresas bélicas financiou deputados, campanhas etc., e o povo caiu na ilusão de que o problema da violência urbana se resolveria tendo o direito de ter arma.

Acredito que a pobreza e a desigualdade nas grandes cidades brasileiras é o problema social mais grave que temos. Infelizmente nenhum candidato está debatendo o tema, nem quando o debate é para prometer segurança! Segurança para quem? As famílias precisam de segurança de trabalho, renda, escola para os filhos.

Nas eleições presidenciais, o quadro apresenta duas candidaturas que polarizam a disputa, enquanto as outras não demonstram força para mudar essa situação. Nessa conjuntura, quem abre melhores perspetivas para a classe trabalhadora e para a reforma agrária?

As candidaturas não estão debatendo programas, projetos para a sociedade. Mas as candidaturas representam claramente interesses diversos de forças sociais organizadas. Serra representa os interesses da burguesia internacional, da burguesia financeira, dos industriais de São Paulo, do latifúndio atrasado, com sua Katia Abreu de coordenadora de finanças, e setores do agronegócio do etanol.

Dilma representa setores da burguesia brasileira que resolveram se aliar com Lula, setores mais arejados do agronegócio, a classe média mais consciente, e praticamente todas as forças da classe trabalhadora organizada. Vejam, apesar de toda popularidade do Lula, nessa campanha, a Dilma reuniu mais forças da classe trabalhadora do que na eleição de 2006.

A candidatura da Marina representa apenas setores ambientalistas e da classe média dos grandes centros, e por isso seu potencial eleitoral não decola. E temos três candidaturas de partidos de esquerda, com companheiros de biografia respeitada de compromisso com o povo, mas que não conseguiram aglutinar forças sociais ao seu redor, e por isso, o peso eleitoral será pequeno.

Nesse cenário, nós achamos que a vitória da Dilma permitirá um cenário e correlação de forças mais favoráveis a avançarmos em conquistas sociais, inclusive em mudanças na política agrícola e agrária. E evidentemente que nesse cenário incluímos a possibilidade de um ambiente propício para maior mobilização social da classe trabalhadora como um todo, para a obtenção de conquistas. Como militantes sociais, e como movimentos sociais, temos a obrigação política de derrotar a candidatura Serra, que representa o núcleo central dos interesses da burguesia e a volta do neoliberalismo.

O MST apresentou uma avaliação de que a luta eleitoral não é sufi ciente para a realização das mudanças sociais. Por outro lado, analisa que é um momento importante no debate político. Como o MST vai se envolver nessas eleições?

A esquerda brasileira, os movimentos sociais e políticos ainda estão aturdidos com a derrota político-ideológica-eleitoral que sofremos em 1989. Isso levou a muitas confusões, e também a alguns desvios de setores da classe. Vivemos um período da história da luta de classes de nosso país – e poderíamos dizer em nível internacional, na maioria dos países – em que a estratégia para conseguir acumular forças para mudanças sociais é a combinação da luta institucional com a luta social.

Na luta institucional, compreendemos a visão gramsciana na qual os interesses da classe trabalhadora precisam disputar e ter hegemonia na disputa de governos nos três níveis: municipal, estadual e federal. Nos espaços do conhecimento, universidade, meios de comunicação. Nos sindicatos, igrejas e outras instituições da sociedade de classes. E a luta social são todas as formas de mobilização de massa, que possibilitam o desenvolvimento da consciência de classe e a conquista de melhores condições de vida – sabendo que elas dependem de derrotar os interesses do capital.

Pois bem, o que aconteceu no último período? Parte da esquerda e da classe trabalhadora priorizou a luta institucional da disputa apenas de governos e menosprezou, desdenhou a luta social. E parte dos movimentos sociais, desencantado com a crise ideológica, desdenhou a luta institucional, como se a luta direta, de massas, fosse sufi ciente. Luta social apenas, sem disputar projeto político na sociedade e sem disputar os rumos institucionais do Estado, não consegue acumular para a classe. Podem até eventualmente resolver problemas pontuais da classe, mas não mudam a natureza estrutural da sociedade.

O MST compreende que devemos aglutinar, combinar, estimular as duas formas de luta, de forma permanente. Para que com isso possamos acumular forças, organizadas, de massa, de forma orgânica, que construa um projeto político da classe e ao mesmo tempo crie condições para o reascenso do movimento de massas, pois este é o período histórico em que a classe tem condições de ir para a ofensiva, de tomar inciativa política, de pautar seus temas para todo o povo. Por isso, claro que todo militante do MST, como cidadão consciente, deve arregaçar as mangas e ajudar a eleger os candidatos mais progressistas em todos os níveis. Isso é uma obrigação de nosso compromisso com a classe.

Desde os tempos do governo FHC, José Serra fez declarações contra a reforma agrária e o MST. No entanto, nas últimas semanas, vem intensificando os ataques. Na sua visão, por que ele vem agindo dessa forma?

Por dois motivos. Primeiro, porque as forças sociais que ele representa agora, como porta-voz maior, são as forças da classe dominante do campo e da cidade, que são contra os interesses dos camponeses, da classe trabalhadora em geral e do povo brasileiro. Portanto, ele é contra a reforma agrária não porque não goste do MST, mas por uma questão de interesse de classe. Segundo, na minha avaliação, é que a coordenação tucana acha que a única chance do Serra crescer eleitoralmente é adotar um discurso de direita, para polarizar e, então, se mostrar mais de confiança do que a Dilma.

Por isso adotou todos os ícones da esquerda para bater. Bate em nós, em Fidel, em Cuba, Chávez, Evo Morales, até no bispo Lugo ele bateu. Achou uma conexão das Farc com o PT absurda. Ele sabe que o partido está mais próximo da social-democracia. Não é por ignorância, é por tática eleitoral. Acho que ele errou também na tática. E vai ficar refém de seu discurso de direita sem ampliar os votos. Eu acho ótimo que ele se revele como direitista mesmo. Ajuda a clarear os interesses de classe das candidaturas. E por isso mesmo vai perder de maior diferença do que o Alckmin perdeu do Lula em 2006.

Atualmente, o movimento sindical vem fazendo a luta pela redução da jornada, mas está fragmentado em uma série de centrais sindicais. Quais os problemas e desafios da luta sindical atualmente?

Não tenho a pretensão de dar lições a ninguém. Há valorosos companheiros que atuam na luta sindical que têm muitos elementos para analisar a situação da organização de classe. Os problemas e desafios da organização sindical são evidentes. Mas não estão no número de sindicatos ou de centrais. Isto, ao contrário, até poderia ser visto como vitalidade, já que as correntes sindicais sempre existiram, são importantes e aglutinam por vertentes ideológicas.

Os desafios da unidade da classe nos sindicatos passam pela necessidade de recuperarmos o trabalho de base, a organização, de toda a classe, lá no local de trabalho e no de moradia. Ninguém mais quer fazer reunião na porta de fábrica, na fábrica (mesmo que de forma clandestina, como era nos tempos do Lula). Precisamos recuperar o sentido da luta de massas como a única expressão da força da classe. Precisamos recuperar o debate de temas políticos, relacionados com um programa para a sociedade que extrapole as demandas salariais e corporativas.

Precisamos recuperar a importância de o movimento sindical ter seus próprios meios de comunicação de massa. Saúdo a chegada da televisão dos trabalhadores no ABC. Mas precisaríamos ter antes, e em todas regiões metropolitanas. Precisamos recuperar a formação de militantes da classe trabalhadora, em todos os níveis. Sem conhecimento, sem teoria, não haverá mudanças. E, com essas iniciativas, certamente poderemos construir um processo de maior unidade, já que os interesses da classe como um todo serão o denominador comum, e de construção do reascenso do movimento de massas.

Um grupo de dirigentes e estudiosos avalia que a sociedade brasileira passou por uma transformação, e sindicatos e partidos políticos não são suficientes para organizar o povo brasileiro, especialmente com o aumento da informalidade. Com isso, seria necessário construir novos instrumentos para a luta política. Como você avalia os desafios organizativos da classe trabalhadora?

As formas de organização da classe em partidos, sindicatos e associações de bairro foram desenvolvidas pela classe, como respostas ao desenvolvimento da exploração pelo capitalismo industrial, desde os tempos de Marx até os dias atuais. Acho que o problema não é ficar analisando se serve ou não, jogar tudo fora e pensar novos instrumentos. Cada tempo histórico tem suas formas de organização, suas formas de luta de massa e produz suas próprias lideranças.

Estamos vivendo um período de derrota político-ideológica que gerou crise ideológica e organizativa na classe. Um período de refluxo do movimento de massas. Mas isso faz parte de um período, de uma onda. Logo ingressaremos em novos períodos.

Acho que o principal não é discutir a forma, mas tratar de organizar de todas as maneiras possíveis todos os setores da classe trabalhadora. E evidentemente que a forma sindical ou partidária não está conseguindo chegar na juventude pobre, da classe trabalhadora das periferias. E precisamos descobrir novos métodos e novas formas.

As formas podem ter outros rótulos, outros apelidos, mas o principal é que a classe precisa se organizar do ponto de vista econômico, corporativo, para resolver suas necessidades e problemas imediatos; e precisa ter organização política, para disputar projetos para a sociedade. E só vamos resolver os problemas de organização organizando. A prática é a melhor conselheira, do que grandes teses, nesse caso.

Dentro de um modelo que tem hegemonia de bancos e do capital financeiro, com o enfraquecimento da indústria, baseado no consumo de massa, quais as perspectivas de futuro para a juventude?

A juventude pobre, da classe trabalhadora urbana, não tem espaço nesse modelo de dominação do capital financeiro e internacionalizado. Nem nos países chamados ricos, como na Europa, onde o desemprego atinge até 40% da juventude. O futuro da juventude está justamente em desenvolver uma consciência como classe trabalhadora. Se apenas ficar se olhando como jovem e sem oportunidades, não vai encontrar as respostas, vai ficar velho sem as respostas.

Precisamos desenvolver consciência de classe, e motivá-los para que se mobilizem, lutem. E como estão fora das fábricas, da escola, temos que desenvolver novas formas de trabalho político com a juventude, que a ajude a debater, a se aglutinar, para que descubra que o futuro é agora. Tenho esperanças, há uma massa enorme da juventude trabalhadora urbana que está em silêncio. Ou ainda alienada, iludida. Alguns tentando entrar no mercado consumidor, como se fosse a felicidade geral. Logo perceberão que precisam ter uma atitude, uma participação ativa na sociedade.

O MST vem fazendo a avaliação de que a reforma agrária não avançou durante o governo Lula. Por quê?

É preciso ter claro os conceitos e o significado da reforma agrária. Reforma agrária é uma política pública, desenvolvida pelo Estado, para democratizar a propriedade da terra e garantir o acesso a todos os camponeses que queiram trabalhar na terra.

Do ponto de vista histórico, ela surgiu numa aliança da burguesia industrial no poder com os camponeses que precisavam terra, para sair da exploração dos latifundiários. E, assim, a maioria das sociedades modernas fez reforma agrária a partir do século 19 e ao longo do século 20. Depois tivemos as reformas agrárias populares e socialistas, que foram feitas por governos populares ou revolucionários, no bojo de outras mudanças sociais.

Aqui no Brasil nunca tivemos reforma agrária. A burguesia brasileira nunca quis democratizar a propriedade da terra. Ela preferiu manter aliança com os latifundiários para que continuassem exportando matérias-primas (e aí ela usaria os dólares da exportação para bancar a importação de máquinas) e sobretudo preferiu expulsar os camponeses para a cidade, para criar um amplo exército industrial de reserva, que manteve ao longo do século 20 os salários industriais mais baixos de todas as economias industriais do mundo. E os camponeses brasileiros nunca tiveram forças, sozinhos nem em aliança com os trabalhadores da cidade, para impor uma reforma agrária aos latifundiários.

Chegamos mais perto disso em 1964. E tivemos um baita programa de reforma agrária, em aliança com o governo Goulart. A resposta da burguesia foi se aliar com Império e impor a ditadura militar de classe. As políticas dos governos no Brasil e do governo Lula são de assentamentos rurais. Ou seja, aqui e acolá, pela força da pressão camponesa, desapropria algumas fazendas para aliviar os problemas sociais. Mas isso não é reforma agrária.

Tanto que o censo do IBGE de 2006 revelou que agora a concentração da propriedade da terra é maior do que no censo de 1920, quando recém saímos da escravidão. E no governo Lula não tivemos espaço para debater um processo de reforma agrária verdadeiro, e nem tivemos força de massas para pressionar o governo e a sociedade. Por isso, a atual política de assentamentos é insuficiente por um lado, mas reflete a correlação de forças políticas que há na sociedade. Lamentamos apenas que algumas forças dentro do governo se iludam a si mesmas, fazendo propaganda ou achando que essa política de assentamentos – insuficiente – fosse reforma agrária.

Alguns estudiosos e setores sociais, até mesmo na esquerda, avaliam que passou o tempo da reforma agrária no Brasil. Qual o papel da reforma agrária dentro do atual estágio de desenvolvimento?

É verdade, nós também dizemos isso. Não há mais espaço para uma reforma agrária clássica, que visava apenas distribuir terra aos camponeses e eles produziriam com suas próprias forças e família para o mercado interno. Esse modelo era viável no auge e para o desenvolvimento nacional e do capitalismo industrial. Mas ele é inviável não porque o MST desdenha, e sim porque as forças políticas e sociais que poderiam ter interesse não têm mais.

Se houvesse uma reviravolta nas classes que dominam o Brasil, e um novo projeto de desenvolvimento nacional e industrial entrasse na pauta política, aí a reforma agrária clássica teria lugar. Mas não é isso que se desenha. Então, qual a alternativa agora? É lutar por um novo tipo de reforma agrária. Uma reforma agrária que nós chamamos de popular. Que o movimento de pequenos agricultores chama de Plano Camponês, que a própria Contag e Fetraf chamam de agricultura familiar. São rótulos diferentes para um conteúdo semelhante.

Ou seja, nós precisamos reorganizar o modelo de produção agrícola do país. Nós queremos usar nossa natureza para uma agricultura diversificada, fixando as pessoas no meio rural com melhoria das condições de vida, eliminando o latifúndio (não precisa ser muitos, apenas os acima de 1.500 hectares), adotando técnicas de produção de agroecologia, respeitosas ao meio ambiente e, sobretudo, produzindo alimentos sadios para o mercado interno. Nossa proposta de reforma agrária popular, no entanto, depende de um novo modelo de desenvolvimento, que tenha distribuição de renda, soberania nacional, rompimento com o domínio do capital estrangeiro sobre a agricultura e a natureza.

Como a reforma agrária pode beneficiar o conjunto da sociedade, especialmente a população das cidades?

A reforma agrária e a fixação do homem no campo são fundamentais para reduzir o desemprego na cidade e elevar os patamares do salário mínimo e a média salarial. A burguesia só paga baixos salários e aumenta o número de empregados domésticos porque todos os dias chegam milhares de novos trabalhadores se oferecendo para serem explorados. A reforma agrária é a única que pode produzir sem venenos.

A grande propriedade do agronegócio só consegue produzir com veneno, porque não quer mão de obra, e esse veneno vai para o estômago de todos nós. Na última safra foram um bilhão de litros de venenos, 6 litros por pessoa, 150 litros por hectares. Uma vergonha. Um atentado. A reforma agrária ajuda a resolver o problema de moradia e do inchaço das cidades. Também vai reequilibrar o meio ambiente e com isso teremos menos mudanças climáticas que estão afetando agora, com mais força, as cidades. Vejam o que aconteceu no Nordeste.

Num dia, 13 cidades foram varridas do mapa pelas chuvas torrenciais. Não foi a chuva a culpada, e sim o monocultivo da cana que alterou o equilíbrio e empurrou o povo para a beira do rio. Mas isso só o general Nelson Jobim viu e teve coragem de dizer. A Globo ficou quietinha procurando acobertar. Nenhuma área de reforma agrária de Pernambuco e Alagoas foi atingida, por que será? E nossos assentamentos foram os primeiros, antes do governo, a dar guarida aos desabrigados.

Por que a Via Campesina e o MST vêm realizando protestos contra as grandes empresas do agronegócio? As ocupações de terras não são sufi cientes ou não servem mais para a luta pela reforma agrária?

Agora a disputa não é mais apenas entre os pobres sem-terra e os latifundiários. Agora é uma disputa de modelo para produção e uso dos bens da natureza. De um lado temos o agronegócio, que é a aliança entre os grandes proprietários, o capital financeiro, que os financia – veja que, de uma produção de R$ 112 bilhões, os bancos adiantam R$ 100 bi para eles poderem produzir –, as empresas transnacionais que controlam a produção de insumos, sementes, o mercado nacional e internacional e as empresas de mídia. E, de outro lado, os sem-terra, os camponeses com pouca terra e a agricultura familiar em geral. E nesse marco de disputa, nosso inimigo principal são os bancos e as empresas transnacionais.

Então, fazemos a luta de classes contra nossos inimigos principais e ao mesmo tempo devemos seguir lutando para melhorar as condições de vida, com novos assentamentos, moradia rural, luz para todos, programa de compra de alimentos pela Conab, um novo crédito rural etc. Essas medidas, embora setoriais, também ajudam a acumular força como classe.

Nos próximos dias, o MST vai realizar atividades pela reforma agrária. Como serão essas mobilizações e quais seus objetivos? Elas têm alguma relação com o período eleitoral?

A coordenação nacional do MST escolheu há tempos essa semana de meados de agosto para realizar uma campanha nacional de debates em torno da reforma agrária. É uma forma concentrada de esforços para desenvolver diferentes maneiras de agitação e propaganda; para levar nossas ideias à classe trabalhadora urbana; para denunciar os problemas e malefícios que o agronegócio, com seus venenos e sua sanha concentradora, causa para toda a sociedade; e, ao mesmo tempo, mostrar justamente os benefícios de uma reforma agrária popular. Esperamos que nossa militância se engaje em todo país, para essa jornada de conscientização de massas.

MST completa 15 anos de lutas no Mato Grosso

Por Keka Werneck
Da Página do MST


A filha de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes, Anita Prestes, confirmou presença na celebração dos 15 anos de luta por Reforma Agrária do MST no Mato Grosso.

A primeira ocupação do Movimento no Estado foi realizada em 14 de agosto de 1995, na improdutiva fazenda Aliança, em Pedra Preta, região Sul.

A atividade será realizada no Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário, uma das conquistas do MST nesses 15 anos, entre 12 e 14 de agosto. O centro fica nos limites de Várzea Grande, na saída para Jangada (BR 364), após o Trevo do Lagarto.

Está prevista a participação de 600 pessoas de acampamentos e assentamentos do Mato Grosso, Rondônia, Goiás e outros estados, além de amigos do MST.

A escola leva o nome da mãe de Anita. O MST homenageia lutadores do povo dando seus nomes aos seus espaços conquistados. Daí os assentamentos Antônio Conselheiro, Chico Mendes e os demais.

Anita é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e leciona, como apoiadora do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP). Ela também representa o Instituto Luiz Carlos Prestes.

A palestra dela está marcada para o dia 14, pela manhã.

Já está confirmada também a presença do violeiro, cantor e compositor Zé Geraldo, que ficou conhecido na Música Popular Brasileira (MPB) com canções expressivas, como “Milho aos Pombos”.

Zé Geraldo, que também é apoiador do MST, fortalece a programação cultural do encontro, que termina com o Grande Baile da Reforma Agrária, dia 14, às 21h, com a participação de artistas locais.

O ato político será dia 13, às 9h.

A gestação

A memória de Vanderly Scarabeli, um dos coordenadores do MST no Mato Grosso, não falha. Numa salinha da secretaria estadual do Movimento, no bairro Alvorada, periferia de Cuiabá, ele assenta em uma cadeira, bem na direção de uma fresta de luz que ocupa o espaço entrando pela janela, e começa a contar como esta organização de luta por Reforma Agrária chegou ao estado.

Segundo ele, só 10 anos após a primeira ocupação de terra feita pelo MST no Brasil - em 1985 no Rio Grande do Sul -, o Movimento começou a se articular em Mato Grosso.

Em 1995, no 7º Encontro Nacional do MST, a plenária aprovou como encaminhamento organizar os camponeses sem-terra em MT.

Um grupo de militantes do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e de Rondônia ficou com a tarefa de “aportar” na terra do agronegócio, da monocultura da soja e do algodão, do latifúndio e de práticas ainda muito violentas no campo e na cidade.

No dia 21 de janeiro de 1995, com uma mochila nas costas, Vanderly desembarcou à noite na rodoviária de Cuiabá para ajudar a organizar os camponeses.

“Começamos a fazer trabalho de base”, lembra ele. A equipe viajava para Jaciara, Juscimeira, São Pedro da Cipa, Rondonópolis, Pedra Preta. “A gente ia rodando a região, fazendo reuniões. Nessas nossas andanças, chegamos a passar fome, mas valeu”.

A sisma era grande. A paranóia era motivada pela pistolagem, prática muito comum em Mato Grosso e que, para matar, não precisava de muito motivo.

Primeira ocupação

Reuniões, andanças e articulações duraram sete meses. Tinha chegado a hora de ocupar a primeira área.

A ocupação foi marcada para o dia 14 de agosto de 1995. Cinco dias antes, dia 9 de agosto de 1995, aconteceu o Massacre de Corumbiara, em Rondônia, no qual morreram 12 pessoas, entre elas uma criança de nove anos e um policial.

O medo tomou conta das famílias, acostumadas com a vida na periferia das cidades ou com o silêncio rural. “Senti medo de dar errado, mas resolvemos seguir adiante”, conta Vanderly.

A mobilização era grande. Mais de 1.100 famílias iam participar da ocupação.

As famílias ficaram de 15 a 20 dias na fazenda.

Um ano depois, em agosto de 1996, foi registrado o primeiro assentamento do MST no estado.

Em 15 anos, 4 mil famílias do MST foram assentadas no estado. E cerca de mil ainda continuam acampadas.

O MST avalia que 100 mil famílias têm interesse em entrar em projetos de Reforma Agrária nos limites da terra da soja.

Desafios

Apesar dos pontos positivos conquistados em 15 anos de luta pelo MST, o latifúndio ainda reina em Mato Grosso. Em vez de expandir para o Sul, o agronegócio subiu o estado, ocupando o Norte.

A questão ambiental é também uma preocupação. Por isso, as ações do MST trazem esse tema para reflexão, uma vez que os assentados também fazem parte desse ambiente e precisam de orientação técnica, para que plantem e respeitem a natureza.

Outro desafio é fortalecer as alianças entre movimentos camponeses e urbanos. Assim ambos se protegem e resistem juntos nas pautas em comum.

O MST trabalha também para acabar com o analfabetismo no campo. Nossos lemas são: “Todo e toda Sem Terra na Escola” e “Educação do Campo: Um direito nosso e dever do Estado”. E além de alfabetizar, o campo precisa de profissionais capacitados para o campo. Por isso, os Sem Terra continuam exigindo do Estado cursos técnicos e superiores.

Por que valeu a pena:

Os 15 anos de luta do MST em MT valeram a pena por que:

1) Desconcentramos mais de 200 mil hectares de terra.

2) De 18 mil a 20 mil pessoas vivem hoje assentadas em Mato Grosso em áreas onde antes não viviam mais do que 200 pessoas.

3) De todas as escolas que existem em assentamentos do MST, 10% estão em Mato Grosso, o que denota que os assentamentos estão avançados no ponto de vista da educação. Isso é bom não só para os camponeses, mas para o país, que enfrenta altos índices de analfabetismo e ignorância no campo e na cidade.

4) Formação universitária para camponeses, historicamente ignorados por políticas de Educação Superior. A primeira turma de pedagogia se formou no MT em 1998. No dia 2 de julho deste ano, ocorreu a primeira formatura de uma turma de agronomia no estado, com ênfase em agroecologia. Os dois cursos foram uma parceria com a Unemat (Universidade do Estado do Mato Grosso) de Cáceres. Há 3 médicos filhos de assentados formados em Cuba, especialistas em educação do campo, em agroecologia e educação de Jovens e Adultos. Além disso, trabalhadores Sem Terra se formando em Direito, Técnico em Administração de Cooperativa, História e Pedagogia.

5) O que mais vale a pena é saber que o MST contribui com a sociedade brasileira, resgatando a auto-estima dos camponeses pobres, tirando muitos e muitas da marginalidade e possibilitando por meio de lutas e formação política, a dignidade que o ser humano deve ter, mostrando que é possível construir um outro mundo, uma outra sociedade, onde o centro deve ser a vida e não o lucro.

Sempre Fidel!!!


Salve o dia 13 de agosto!!! 84 anos de Fidel Castro, líder da Revolução Cubana de 1959

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cineclube ABI-CAL - A Batalha do Chile II: O Golpe de Estado

O Cine ABI, em parceria com o Cineclube da Casa da América Latina,

Apresentam:

A Batalha do Chile II: O Golpe de Estado

Direção de Patricio Guzmán
1977
Documentário 90 min.
Legendas em português

12 de agosto
quinta-feira
a partir das 18h30

na ABI
(Associação Brasileira de Imprensa)
Rua Araújo Porto Alegre, 71 - 7° andar
Centro (próx. ao metrô Cinelândia)




Sinopse: Considerado um dos melhores e mais completos documentários latino-americanos, A Batalha do Chile é o resultado de seis anos de trabalho. Dividido em três partes (“A Insurreição da Burguesia”, “O Golpe de Estado” e “O Poder Popular”), o filme cobre um dos períodos mais turbulentos da história do Chile, a partir dos esforços do presidente Salvador Allende em implantar um regime socialista (valendo-se da estrutura democrática) até as brutais consequências do Golpe de Estado que, em 1973, instaurou a ditadura do general Augusto Pinochet.

Entre março e setembro de 1973, esquerda e direita se enfrentam nas ruas, nas fábricas, nos tribunais e no parlamento. Allende tenta chegar a um acordo com as forças políticas de centro – a Democracia Cristã - sem sucesso. Os militares começam a planejar o golpe de estado em Valparaíso. Um amplo setor da classe média apóia o boicote econômico e político, criando um clima de guerra civil. Uma semana antes do golpe de estado, um milhão de simpatizantes se despede de Allende.

Após a exibição do filme, haverá debate.
Serão concedidos certificados aos participantes.

Os 25 primeiros que chegarem terão direito a pipoca e guaraná grátis!

cortesia: Sindipetro-RJ

apoio: ABI Associação Brasileira de Imprensa

realização: Casa da América Latina

terça-feira, 10 de agosto de 2010

15 anos sem o mestre Florestan Fernandes

O sociólogo Florestan Fernandes, um dos maiores pensadores da realidade brasileira, morreu em São Paulo há 15 anos, em 10 de agosto de 1995. Durante o velório, seu caixão foi coberto pela bandeira do MST.

O pensador e ativista político está vinculado à pesquisa sociológica brasileira. Sociólogo e professor universitário com mais de 50 livros publicados, transformou as ciências sociais no país e estabeleceu um novo estilo de pensamento.

“Um grande intelectual revolucionário, como foi Florestan Fernandes, deve ser pensado em conexão com os grandes movimentos radicais, como é o MST. A conjunção de ambos neste evento é natural e anima a nossa esperança”, afirma Antônio Candido, crítico literário e professor emérito da USP.

Nascido na capital paulista em 22 de julho de 1920, Florestan começou a lutar já na infância para conquistar o próprio nome. A patroa de sua mãe o chamava de Vicente, por considerar que seu nome não era nome de pobre. Aos seis anos começou a trabalhar e, por isso, não conseguiu completar o curso primário. Terminou o ensino fundamental por meio do curso de madureza, conhecido hoje por supletivo.

Na adolescência, foi vendedor de produtos farmacêuticos. Aos 18 anos, começou a estudar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1947. Formou-se em ciências sociais e fez doutorado em 1951. Trabalhou como assistente catedrático, livre docente e professor titular na cadeira de sociologia. Em 1964 se efetivou na cátedra. Foi mestre de sociólogos renomados.

Defensor da educação pública, gratuita e de qualidade, nos anos 60 participou de uma campanha pelo país a favor da escola pública, expondo uma das falhas mais dramáticas da sociedade brasileira, que é o descaso pela democratização e generalização do ensino.

Cassado com base no AI-5, em 1969, deixou o país e deu aulas nas universidades de Columbia (EUA), Toronto (Canadá) e Yale (EUA). Voltou ao Brasil em 1972 e passou a lecionar na PUC-SP. Não procurou reintegra-se à USP, da qual recebeu o título de professor emérito em dezembro de 1985.

Florestan esteve ligado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde sua fundação. Em 1986 filiou-se ao partido e exerceu dois mandatos de deputado federal. Foi um admirador e apoiador da luta dos trabalhadores Sem Terra.

"O subdesenvolvimento, em suma, tem alimentado o desenvolvimento. Esse paradoxo só desaparecerá quando os de baixo lutarem organizadamente contra a espoliação, exigindo transformações profundas na política econômica, nas funções do Estado e na estrutura da sociedade de classes", escreveu Florestan, que não via o destino da ex-URSS como o fim do socialismo e do marxismo, nem a globalização como a esperança dos excluídos.


Fonte:
http://www.mst.org.br/15-anos-sem-Florestan-Fernandes

Confissões sob tortura

GUANTÁNAMO

Confissões serão admitidas em julgamento de canadense em base

DE WASHINGTON - Confissões supostamente obtidas sob tortura contra Omar Khadr, 23, detido na prisão americana de Guantánamo (Cuba) desde os 15 anos, serão admitidas em seu julgamento por terrorismo por uma comissão militar, determinou ontem o juiz do caso. O julgamento começa hoje.
O uso do material suspeito seria controverso em qualquer situação, mas se torna mais polêmico em se tratando de Khadr, cidadão canadense capturado em 2002 no Afeganistão que será o primeiro a ser julgado em um tribunal de guerra ocidental por atos cometidos durante a infância e a adolescência.
É também um retrocesso para o governo do presidente Barack Obama, que baniu a tortura e agora permite que prováveis frutos da prática constituam provas em um processo. (ANDREA MURTA)

Fonte: Folha de São Paulo, 10 de agosto de 2010

domingo, 8 de agosto de 2010

Campanha Nacional Pelo Limite da Propriedade da Terra

Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho?

Sociedade brasileira terá a chance de acabar com o latifúndio no Brasil durante o Plebiscito Popular pelo Limite da Terra, que ocorrerá entre os dias 01 e 07 de setembro.

Pelo direito à terra e à soberania alimentar: Vamos às urnas mostrar nosso poder popular!

Vamos à luta

A realização e o sucesso do plebiscito dependem única e exclusivamente da participação e do empenho de cada um, de cada entidade, organização e pastoral, uma vez que não existe nenhum apoio público e da mídia. Representa a força e a determinação de quem acredita em que algo pode ser feito para corrigir esta absurda concentração de terras que acaba por excluir milhões de famílias de terem seus direitos protegidos. Portanto,

•Fale, comente e divulgue, também pela internet e redes sociais (orkut, twitter), o plebiscito para seus amigos, sua família e colegas de trabalho.
•Integre-se aos comitês locais ou estaduais que vão organizar o Plebiscito.

Na Semana da Pátria, junto com o Grito dos Excluídos:

•Intensifique a divulgação;
•Ajude a organizar os locais de votação;
•Participe de alguma mesa de votação;
•VOTE;
•Assine o abaixo-assinado que será levado ao Congresso Nacional para que seja votada uma emenda constitucional que determine um limite ao tamanho das propriedades.

Conheça as perguntas que estarão na cédula de votação durante o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra

1 - Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho?

2 - Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?

De 01 a 07 de setembro
Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra

Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?
Sim, eu concordo.
Não, eu não concordo.
Não sei.

Diga sim! Coloque limites em quem não tem!
http://www.limitedaterra.org.br/index.php

sábado, 7 de agosto de 2010

A tragicomédia de Apipucos

Ecos do lusotropicalismo, do Texas a Portugal e Angola

O ensaísta americano Benjamin Moser aponta que a necessidade emocional de justificar a singularidade do autoritarismo racista no Brasil e em Portugal está na origem da obra de Gilberto Freyre, que deu a seu "lusotropicalismo" feições de uma tragicomédia marcada por suas experiências no Texas e no Portugal de Salazar.

BENJAMIN MOSER
tradução BERNARDO CARVALHO

"CASA-GRANDE & SENZALA", de Gilberto Freyre [1900-87], descreve o Brasil colonial.
A desnutrição era a norma numa "terra de alimentação incerta e vida difícil". A miséria era absoluta: "Palanquins forrados de seda, mas telha-vã nas casas-grandes e bichos caindo na cama dos moradores". A indolência era a única arte dos proprietários de terras -"Alguns senhores se acompanhavam de um [escravo] para levar-lhes o chapéu, outro o capote, um terceiro a escova para limpar o fato, um quarto o pente para pentear o cabelo"- e algumas mulheres estavam tão acostumadas a ser carregadas que mal podiam andar.
A crueldade dos homens com as mulheres era tal que o estupro ganhou um valor positivo ("É da essência mesmo do regime"). Mulheres torturavam outras mulheres: "Sinhá-moças que mandavam arrancar os olhos de mucamas bonitas e trazê-los à presença do marido, à hora da sobremesa, dentro da compoteira de doce e boiando em sangue ainda fresco".
Era uma terra de crianças cruéis -"Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta!"-e cruel com as crianças: "Houve verdadeira volúpia em humilhar a criança; em dar bolo em menino". Os meninos logo desenvolviam uma sexualidade perversa: esperavam "sifilizarem-se o mais cedo possível, adquirindo as cicatrizes gloriosas dos combates com Vênus que Spix e Martius viram com espanto ostentadas pelos brasileiros".
A tortura de animais era incentivada e mesmo os membros mais progressistas da sociedade estimulavam o suplício dos nativos. "Espada e vara de ferro, que é a melhor pregação", escreveu o jesuíta José de Anchieta, reconhecido por sua humanidade e sofisticação. A liberdade intelectual e religiosa inexistia: "Dizia-se outrora em Portugal, como advertência aos indiscretos no falar e no escrever, que detrás de cada tinteiro estava um frade". O analfabetismo era geral: "Nas senzalas da Bahia de 1835 havia talvez maior número de gente sabendo ler e escrever do que no alto das casas-grandes".
Muitos brasileiros consideraram o livro ufanista. Muitos ainda o consideram.

INTOXICAÇÃO SEXUAL Em 1980, Gilberto Freyre confiou à "Playboy" que perdera a virgindade com uma bananeira. A conclusão de que esse era um homem que se deleitava em escandalizar uma sociedade católica e puritana está correta. "O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação sexual", declarou ele no seu principal livro, explicando a gênese do Brasil literalmente por meio da sexualidade: a falta de mulheres brancas e a queda do homem português por suas escravas nativas e africanas resultaram, quase que imediatamente, numa sociedade miscigenada.
O caráter miscigenado da população preocupava os brasileiros, que muitas vezes viram nele um grave defeito a ser corrigido pela importação de imigrantes europeus, que esmagariam o supostamente inferior "sangue negro" com uma saraivada de DNAs eugenicamente vigorosos.
Em 1933, ano de publicação de "Casa-Grande & Senzala" [51ª edição, Global, 2006, 728 págs., R$ 98], essa teoria gozava de respeitabilidade professoral. A Abolição fornecera um poderoso estímulo à imigração: países escravocratas tinham dificuldade para atrair imigrantes, e, em pouco tempo, o sul do Brasil "embranqueceu" significativamente. Se pudesse manter-se nesse rumo, fantasiavam os especialistas, logo o país estaria livre da marca de Caim.
A fantasia, porém, não estava ao alcance dos habitantes do Nordeste, em cuja tradicional capital, Recife, nasceu Freyre apenas pouco mais de uma década depois da Abolição. A economia estava baseada nas famílias "patriarcais" das quais Freyre descendia, mas a ordem rural decaíra sem a contrapartida da emergência da indústria urbana. Os antigos escravos estavam à deriva; os imigrantes se dirigiam para outras partes.
Se, como tantos especialistas insistiam, o arianismo da população era o principal critério para determinar o seu desenvolvimento, o Nordeste estava condenado. Embora apenas adeptos menos respeitáveis -como os que tomaram o partido da Alemanha no ano em que "Casa-Grande & Senzala" foi publicado- costumem ser lembrados, muita gente de respeito, e até cientistas proeminentes, endossaram a supremacia branca.
"De todos os problemas que o Brasil enfrenta, nenhum me inquietou mais do que o da miscigenação", Gilberto Freyre lembraria mais tarde. Talvez tenha sido essa inquietação que o levou ainda jovem a escrever: "Era como se tudo dependesse de mim e dos da minha geração".

RAÇA As visões predominantes, tal como Freyre as descreve, mantinham que "é da raça a inércia ou a indolência. Ou então é do clima, que só serve para o negro. E sentencia-se de morte o brasileiro porque é mestiço e o Brasil porque está em grande parte em zona de clima quente".
Com "Casa-Grande & Senzala", Freyre suspendeu essa pena de morte. Entendeu que de nada adiantava negar que o Brasil era, e sempre seria, um país miscigenado. E logrou descobrir algo positivo na maioria não-branca da população -a mesma que, por gerações, ouvira seus governantes alardear a esperança de que, para o bem da nação, ela logo estaria extinta.
Afirmando que hereditariedade e circunstâncias sociais -raça e cultura- eram duas coisas diferentes, popularizou a ideia de que descendentes de africanos tinham dado uma contribuição positiva à formação nacional. Essa ideia, assim como a maneira explícita de o livro abordar o sexo, provocou um terremoto. "O jovem leitor de hoje", lembrou Antonio Candido décadas depois, "não poderá talvez compreender, sobretudo em face dos rumos tomados posteriormente pelo seu autor, a força revolucionária, o impacto libertador que teve este grande livro".
Seu retrato da escravidão brasileira é soturno a ponto de remeter ao sensacionalismo gótico. A profusão tropical de olhos arrancados, servidos no prato do patrão, sugere que o autor pouco se interessava por meios-tons; mas sua biógrafa, Maria Lúcia Pallares-Burke, salientou que, com esses mesmos horrores, Freyre lançava as bases de uma "tragicomédia".
Isso significava que certos desastres podiam concorrer para algum bem histórico. O estupro de escravas, por exemplo, foi uma decorrência natural da escravidão, mas a própria depravação, Freyre argumentava, podia ser o que vinha a redimir o Brasil do que parecia, em 1933, o maior mal moderno: a questão aparentemente insolúvel da raça.

TEXAS Depois de se formar em uma escola batista americana do Recife, Freyre recebeu uma bolsa para estudar na universidade batista de Baylor, localizada em Waco, Texas, onde "o problema do século 20", a raça, era mais absoluto do que em Pernambuco. As guerras raciais estavam no auge.
Apenas dois anos antes de Freyre chegar, um menino negro chamado Jesse Washington foi condenado por estupro em um julgamento que durou quatro minutos. Num ambiente festivo, na presença do prefeito e de milhares de outros cidadãos, o menino foi torturado por horas, antes de ser queimado vivo em praça pública. Cartões-postais do cadáver calcinado esgotaram-se rapidamente.
Freyre recebeu uma baforada da ordem social sulista ao passar por Waxahachie, perto de Dallas, sentir "um cheiro intenso de carne queimada e ser informado com relativa simplicidade: 'É um negro que os boys acabam de queimar!'. Seria exato? Seria mesmo odor de negro queimado?".
O Brasil tinha seus problemas. Mas disso, pelo menos, fora poupado. Como afirma Pallares-Burke, porém, Freyre levou anos até abrir mão da ideologia racista. Numa das frases mais citadas e mais radicais de "Casa-Grande & Senzala", ele escreveria que "todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo [...] a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro".
A tragédia -a relação espoliadora entre o senhor português e a escrava africana- resultou em comédia ao produzir a descendência mulata: ainda que acidentalmente e a um custo assombroso, o Brasil se furtou às cenas de linchamento características da "galhardia sulista" americana. E solucionou o mais espinhoso dos problemas modernos: "Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constituiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça".
Enquanto racistas fanáticos se preparavam para destruir a Europa, aí estava algo de que os brasileiros podiam se orgulhar. A ideia tornou-se uma espécie de ideologia oficial da nação. Na sua bem-sucedida argumentação para sediar a Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro, o presidente Lula evocou o Brasil em termos freyrianos.
"Olhando para os cinco aros do símbolo olímpico, vejo neles meu país. Um Brasil de homens e mulheres de todos os continentes: americanos, europeus, africanos, asiáticos, todos orgulhosos de suas origens e mais orgulhosos de se sentirem brasileiros. Não só somos um povo misturado, mas um povo que gosta muito de ser misturado. É o que faz a nossa identidade." Essa identidade é o legado de Gilberto Freyre. Mas não o único.
COMICHÃO Raramente um escritor tornou mais fácil ao crítico desfavorável rejeitá-lo sob luz adversa. Algumas de suas frases são tão racistas que chegam a dar comichão. Os judeus são comparados à "presença irritante de uma poderosa máquina de sucção". As mulheres indígenas eram "um pouco besta de carga" que, por "qualquer bugiganga ou caco de espelho, estavam se entregando, de pernas abertas", aos portugueses; e os afro-brasileiros cumpriam, "com uma passividade animal", a função de carregar na cabeça enormes baldes de merda, que frequentemente rebentavam, cobrindo os carregadores de excremento. "Mas", Freyre insiste apenas algumas páginas mais adiante, "não foi toda de alegria a vida dos negros".
A maior cortesia que se pode dizer sobre isso é que Freyre era um aficionado da metáfora apelativa, e que ele ultrajava todos os grupos, com o mesmo gosto. O problema que sobressai em "Casa-Grande & Senzala" não é o racismo do autor. Seu livro fez mais do que qualquer outro antes dele para chamar a atenção sobre as contribuições de grupos marginalizados. Mas ele aceita a categoria de raça, e sobre ela ergue toda a sua filosofia.
Suas primeiras obras ressoam proclamações que hoje parecem ridículas, mas eram, na época, a base da investigação científica respeitável: "A teoria da superioridade dos dólico-louros tem recebido golpes profundos", ele nos informa, embora, com frequência, desmascare uma falsa teoria apenas para abraçar outra: "Podem-se incluir os Banto [...] entre os mais caracteristicamente negros; pelo que não significamos a cor [...] e sim traços de caracterização étnica mais profunda: o cabelo em primeiro lugar".

PORTUGAL Essa bazófia spengleriana encontra sua expressão mais característica na descrição que Freyre faz dos portugueses. "Os que dividem Portugal em dois, um louro, que seria o aristocrático, outro moreno ou negroide, que seria o plebeu, ignoram o verdadeiro sentido da formação portuguesa." O verdadeiro sentido, ele insistia, é que sua posição entre a Europa e a África, entre o cristianismo, o judaísmo e o islã, deu aos portugueses uma mentalidade flexível e cosmopolita única.
Com seu gosto pela aventura tropical, sua cegueira em relação às raças, sua aptidão para a miscigenação e seu cristianismo fraternal, os portugueses eram assim os colonizadores ideais, suas intervenções em terras tropicais eram marcadas pela tolerância e pela reciprocidade cultural. Freyre desenvolveu essa noção em uma teoria acabada a que chamou lusotropicalismo, que expôs em uma série de livros.
Deixando para trás as ilhas que formam o centro do Recife, chegamos, ali onde a cidade começa a desaparecer, a um bairro que ainda preserva a impressão de uma pequena vila colonial, completada com um nome indígena e a casa-grande do engenho de outros tempos. Hoje, a casa-grande de Apipucos, onde viveu Gilberto Freyre, abriga uma fundação em memória de sua vida e de sua obra.
O terreno está plantado de paus-brasis; há orquídeas nos galhos das árvores e mangas espalhadas pelo gramado. A decoração interior é típica da aristocracia brasileira. Móveis de jacarandá, santos barrocos, artesanato e, na sala de jantar, um magnífico conjunto de azulejos portugueses.
Um dos estagiários da fundação nos diz que os azulejos vieram de uma igreja lisboeta, demolida para expandir o aeroporto da capital portuguesa. Acabaram num antiquário, embora, como patrimônio histórico, não pudessem ser exportados. "Mas quando o governo descobriu que o dr. Gilberto estava tentando comprá-los", diz o guia, um tanto deslumbrado, "fizeram uma exceção."
Não fica bem perguntar quanto o dr. Gilberto pagou pelos azulejos. Os governantes portugueses, em todo caso, estavam em dívida com ele. Suas ideias sobre a maleabilidade única do espírito português receberam muito mais atenção em Portugal do que no Brasil, mas desde pelo menos 1940, Freyre vinha se manifestando a favor de uma cultura ameaçada "por agentes culturais de imperialismos etnocêntricos, interessados em nos desprestigiar como raça -que qualificam de 'mestiça', 'inepta', 'corrupta'".
Sua defesa da miscigenação não teve inicialmente acolhida calorosa em Lisboa, mas o governo português entendeu que corria o risco de perder a opinião pública internacional. Déspota católico e implacável, António de Oliveira Salazar não tinha a menor intenção de arrumar as malas e partir de suas "províncias ultramarinas", mas percebeu que era tempo de fazer concessões cosméticas.
Salazar encontrou a resposta perfeita na velha casa-grande de Apipucos: um cientista social estrangeiro de grande reputação disposto a dar roupagem moderna ao empenho colonial português, e que havia desmerecido ataques a Portugal como investidas contra a democracia social e o multirracialismo. Na cabeça do ditador, só vinha a calhar que esse mesmo cientista social fosse comovedoramente suscetível à adulação.

AS COLÔNIAS Em 1951, portanto, Freyre foi convidado para uma turnê de seis meses por Portugal e suas colônias, onde foi festejado numa sucessão de banquetes e incensado numa espantosa série de perfis obsequiosos, publicados por uma imprensa que, como ele bem devia saber, era tão estritamente controlada quanto o jornal soviético "Pravda". (Freyre contou à "Playboy" que, dada a duração da viagem, sua mulher lhe permitira desfrutar de seu gosto pela carne escura: supomos que seus anfitriões também lhe garantissem essas provisões.) Sem a menor ironia, Freyre republicou todos os artigos untuosos que lhe foram dedicados, páginas e mais páginas de brindes e homenagens.
Angola, a maior dessas colônias, era a negação mais dramática de suas teorias. Para começar, não havia quase nenhum mulato no país: proporcionalmente, a África do Sul tinha dez vezes mais habitantes mestiços. E isso não era por ter faltado tempo aos portugueses adaptáveis e "plásticos": Diogo Cão reinvidicara a área para Portugal quase duas décadas antes de Cabral aportar no Brasil.
Angola fornecera os ancestrais de boa parte da população brasileira, que por séculos foram arrancados de sua terra por um regime colonial particularmente cruel e devastador: desde a chegada dos portugueses, em 1482, Angola conheceu apenas cinco anos de paz. A despeito disso, aí está Gilberto Freyre dizendo ao governador-geral que, "se fosse homem de Estado e não, principalmente, de estudo, o Estado que um dia governasse, procuraria governá-lo como V. Excia. governa Angola".
E escreveu um perfil efusivo do "Professor Salazar", o ditador que o recebera "com uma simplicidade de professor que acolhesse outro". O professor estava "interessado nos meus livros, alguns dos quais vejo a seu lado" -Salazar conhecia o homem- e Freyre conversou por duas horas com o interlocutor "mais ágil de olhar, mais agudamente vigilante, mais didaticamente atento ao que ouve, que tenho conhecido".
Por pelo menos mais uma década, Freyre empilhou elogios sobre o colonialismo português. O lusotropicalismo -tolerância e cosmopolitismo- tornou-se a ideologia oficial de um regime xenofóbico e racista. As contribuições da propaganda de Freyre foram tais que a maioria dos portugueses já chegava em Angola convencida de que não era racista, "como se treinada", escreveu um estudioso, "por uma combinação de Pavlov e Gilberto Freyre".
Os livros de Freyre foram publicados pelo governo português e amplamente distribuídos em escolas e embaixadas. Quando a Índia independente tomou posse de Goa, em 1961, e quando guerras terríveis explodiram primeiro em Angola e depois em Moçambique, ele continuou a defender uma etnicidade não-etnocêntrica por ser ela, segundo a sua própria definição, não etnocêntrica. Era uma espantosa obra de raciocínio circular que ele nunca repudiou.
A conexão entre Brasil e Angola -"Sem Angola não há Pernambuco", disse o padre Antônio Vieira- era fundamentalmente semelhante à de todas as culturas do Novo Mundo, cuja economia estava baseada na escravidão africana. Freyre deixou uma vívida ilustração de como eram parecidas as sociedades resultantes ao comparar o sul dos Estados Unidos com o Brasil: "Quase os mesmos fidalgos rústicos -cavalheiros a seu jeito; orgulhosos do número de escravos e da extensão das terras; multiplicando-se em filhos, crias e moleques; regalando-se com amores de mulatas; jogando cartas, divertindo-se em brigas de galo; casando-se com meninas de 15, 16 anos; empenhando-se em lutas por questões de terra; morrendo em duelos por causa de mulher; embriagando-se com rum em grandes jantares de família -vastos perus com arroz assados por 'old mammies'".

SULISTA AMERICANO O tom afetuoso é, em si mesmo, um alerta de que há algo do sulista americano em Gilberto Freyre: a dona de casa, entrando em êxtase com "...E o Vento Levou", ou o aficionado de história, folheando biografias de generais confederados. Não almejam explodir fortes federais nem restabelecer a escravidão: nutrem, como Freyre, certa nostalgia por um estilo de vida desaparecido e estão dispostas a fazer vista grossa a alguns de seus defeitos.
A julgar pelo testemunho vívido de seus próprios livros, podíamos presumir que Freyre era um opositor convicto da escravidão, mas não é bem assim. "O meio e as circunstâncias exigiriam o escravo", ele escreveu em "Casa-Grande & Senzala". A afirmação começa com a conclusão e nunca o leva a perguntar: para que e para quem a escravidão era necessária? Ou: valeu o preço que o Brasil pagou?
Isso dá o seu retrato dos horrores da sociedade escravocrata, anedotas sem nenhuma conclusão, um aspecto mais pornográfico do que científico, com as descrições pitorescas chamando mais a atenção sobre si mesmas do que sobre o fenômeno que descreviam.
De fato, é espantoso o ímpeto com que ele resistiu chegar às conclusões mais óbvias que se inferem de seus próprios livros. Talvez porque qualquer sociólogo que percebesse que o problema fundamental do Brasil não é a raça, mas a escravidão, veria que o país, no que diz respeito a essa questão essencial, nada tem de único: que a sociedade do Recife não era tão diferente da de Caracas, ou da de Charleston, ou da de Porto Príncipe. Mas isso era algo que Gilberto Freyre jamais poderia admitir.

JUSTIFICATIVA Toda a sua obra reflete uma profunda necessidade emocional de acreditar que o Brasil (e Portugal, por extensão) era especial. Ele nunca perdeu o poderoso desejo de banir o sentimento de inferioridade nacional que o atormentara na juventude. Sua defesa da sociedade miscigenada, sob essa luz, não era uma reivindicação progressista. Não se tratava do que o Brasil devia ou podia ser, mas de uma justificativa do que ele era. Como Salazar percebeu, esse espírito acrítico era ideal para a produção de propaganda. Sua representação da singularidade brasileira -que o Brasil teria apagado num passe de mágica seu passado amargo- tinha a simplicidade descontraída do mito. Apesar da impostura histórica na qual se apoiava, o ideal se tornou o primeiro mito a poder ser adaptado às aspirações progressistas do Brasil moderno: um país orgulhoso do que por muito tempo o envergonhara, sua herança variada.
Os mitos políticos podem ser positivos, mesmo -e especialmente- quando não refletem a realidade. A retórica de Jefferson sobre a liberdade e a igualdade foi uma piada de mau gosto para os negros nos EUA, mas o apelo daquilo em que os americanos queriam acreditar legou uma arma poderosa aos reformistas sociais que, desde então, tentam mover o país na direção de seus supostos ideais.
Suas origens não tornam a teoria da singularidade brasileira nem menos original nem mais inaceitável: um país que acredita ter uma inclinação única para a harmonia social tem mais chances de se empenhar por essa harmonia do que aquele onde não há esse mito. Existem ideais políticos piores. Que um velho reacionário numa casa-grande escravocrata tenha fornecido aos brasileiros uma maneira tão nova e radical de ver o país é, por si só, uma tragicomédia.
Fonte: Folha de São Paulo, 11 de julho de 2010

Wall Street lava o dinheiro do narcotráfico impunemente**

Zach Carter*

António Maria Costa, Director Executivo do Gabinete das Nações Unidas para a Droga e a Criminalidade (UNODC), disse em fins de 2009 à imprensa “que muitos empréstimos entre bancos (empréstimos a curto prazo que os bancos fazem entre si) assentavam em dinheiro da droga”. Porquê, então, admirarmo-nos por se ter descoberto que o Banco Wachovia dos EUA lavou 380 mil milhões de dólares provenientes do narcotráfico, e que a questão ficou resolvida com uma multa que, nem de perto, anulou os lucros das operações ilegais que se vieram descobrir?

***



«Grande demais para cair» é um problema muito maior do que se pensa. Todos lemos artigos de crítica ao governo por salvar os bancos das suas jogadas de alto risco, mas acontece que o problema do privilégio da Wall Street está muito mais profundamente arreigado no sistema legal dos EUA do que os simples resgates mostraram em 2008.
Os maiores bancos dos EUA podem envolver-se em actividades descaradamente criminosas em grande escala e saírem quase totalmente indemnes. O último e repugnante exemplo vem do Banco Wachovia: acusado de lavar 380 mil milhões de dólares de dinheiro dos cartéis da droga mexicanos, espera-se que o gigante financeiro se safe com apenas uns arranhões graças à política oficial do governo, que protege os megabancos contra acusações criminais.
Michael Smith de Bloomberg [1] escreveu uma revelação devastadora que pormenoriza as operações do Wachovia com o dinheiro da droga e a enviezada reacção do governo. O banco fazia transacções com dinheiro que provinha literalmente das toneladas de cocaína de cartéis da droga violentos. Não se trata de um acaso. Denunciantes internos do Wachovia avisaram que o banco estava a lavar dinheiro do narcotráfico, os manda-chuvas do banco ignoraram-nos totalmente para conseguirem maiores benefícios e o governo dos EUA está à beira de consentir que todos os implicados fiquem impunes. O banco não será acusado, visto que é política oficial do governo não processar megabancos.
Do artigo se Michael Smith:
«Nenhum grande banco dos EUA foi alguma vez acusado de violar a Lei do Sigilo Bancário ou qualquer outra lei federal. Em vez disso, o Departamento de Justiça resolve as acusações criminais utilizando acordos de suspensão das actuações judiciais, segundo as quais o banco paga uma multa e promete não voltar a violar a lei. (…) Os grandes bancos estão protegidos de irem a julgamento, graças a uma variante da teoria “demasiado-grande-para-cair”. Acusar um grande banco poderia provocar uma corrida frenética dos investidores para venderem as acções e provocar o pânico nos mercados financeiros».
O Wachovia foi comprado pelo Wells Fargo em fins de 2008. O castigo do banco pela lavagem de mais de 380 mil milhões de dólares de dinheiro da droga consistirá na promessa de não voltar a fazê-lo e numa multa de 160 milhões de dólares. A multa é tão pequena que é quase garantido que o Wachovia obterá lucros do negócio de financiamento da droga depois de feitas as deduções dos custos legais e das multas.
As autoridades internacionais conhecem a ligação entre banqueiros e narcotraficantes muito para além do Wachovia, mas os governos não fazem nada. Um relatório de 2009 do Bureau das Nações Unidas sobre Droga e Crime estabeleceu que as regras para impedir a lavagem de dinheiro da droga através dos bancos são na sua maioria violadas.
Do relatório:
«Em tempo de quebras dos grandes bancos, os bancos parecem pensar que o dinheiro não tem cheiro. Os cidadãos honestos que enfrentam dificuldades em tempos de crise financeira perguntam-se por que razão não são confiscados os lucros do crime, convertidos em ostentosos imóveis, carros, barcos e aviões».
Em fins de 2009, o chefe desse departamento da ONU António Maria Costa disse à imprensa que muitos empréstimos entre bancos (empréstimos a curto prazo que os bancos fazem entre si) assentavam em dinheiro da droga.
Quando os mercados financeiros paralisaram em 2007 e 2008, os bancos voltaram-se para os cartéis da droga para obterem dinheiro. É possível que muitos bancos importantes não tivessem sobrevivido sem esse dinheiro da droga.
Nota do tradutor:
[1] Bloomberg é o principal web-site norte-americano de informação económica e financeira, sediado em Nova Iorque e com delegações em Tóquio e Londres (www.bloomberg.com/).
* Zach Carter é editor de economia de AlterNet e colaborador da revista The Nation.
** Ver “A Banca e a liberdade comercial… da droga”, Jorge Cadima, odiario.info de 31 de Julho (http://www.odiario.info/?p=1688)


Este texto foi publicado em




sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O direito de conhecer a verdade

NAVI PILLAY

A recente sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos exigindo que o Brasil revise sua lei de anistia é um marco crucial na luta contra a impunidade em uma região que ainda precisa entender melhor e confrontar as atrocidades cometidas durante os conflitos internos das últimas décadas.
As leis de anistia que fazem vista grossa para os abusos de direitos humanos não só distorcem os registros históricos que todo país deve ter mas também minimizam o sofrimento das vítimas e prejudicam seu direito a conhecer a verdade e a obter uma reparação.
Os governos costumam justificar as leis de anistia em nome da rápida reconciliação nacional.
A história mostra, porém, que não responsabilizar os autores, além de negar a justiça às vítimas, pode gerar novos conflitos em vez de curar feridas. Quando anistias são concedidas na pressa de virar a página dos conflitos -ou pela sinistra razão de encobrir os abusos- sua revogação deve ser sempre uma opção aberta.
No entanto, na América do Sul e em outros lugares, o esquecimento continua sendo promovido. Isso acontece apesar de que, como a Corte sublinhou, deixar indefesas as vítimas e continuar com a impunidade são ações incompatíveis com o espírito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Um exemplo é o Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal negou a possibilidade de alterar a lei de anistia de 1979, afirmando que os crimes cometidos durante a ditadura foram "atos políticos".
No Chile, a lei da anistia continua vigente, após 32 anos, apesar do repúdio internacional e das tentativas fracassadas de condenar o ex-ditador Augusto Pinochet.
No Uruguai, o governo teve que intervir para impedir a promulgação de uma lei que teria permitido a libertação de autores de violações de direitos humanos devido à sua idade avançada. Nesse contexto, medidas para melhorar a prestação de contas são fundamentais.
Na Argentina, país com o maior número de julgamentos de direitos humanos no mundo, tribunais continuam presidindo casos de crimes contra a humanidade e graves violações de direitos humanos cometidos durante a guerra suja. O ex-ditador Rafael Videla está novamente respondendo por violações de direitos humanos.
A Argentina tem demonstrado que conhecer a verdade é um direito sem limites. E um direito que ninguém pode negar. Todos e cada sociedade têm o direito de saber quem violou seus direitos, por que, quando, onde e como os crimes foram cometidos, e de serem informados sobre o destino das vítimas.
Anistias que sepultam a verdade e isentam os responsáveis são suscetíveis a prejudicar a perspectiva de construção de sociedades justas e seguras no futuro. A impunidade fomenta o ressentimento e a falta de confiança nas instituições. Ela encoraja os autores a cometer novos crimes e pode encorajar outros a se juntarem aos infratores.
A posição da ONU sobre as anistias é claríssima: não são admissíveis se evitam o julgamento de pessoas que podem ser penalmente responsáveis por crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade ou violações graves de direitos humanos. Por outro lado, a anistia não deve pôr em perigo o direito das vítimas a recursos legais, incluindo a reparação, nem pode limitar seu direito e o das sociedades de conhecer a verdade.
O exercício desses direitos é incompatível com a impunidade. Os países do hemisfério Ocidental devem estar atentos à decisão da Corte Interamericana e prover a longa e negada justiça às vítimas de violações dos direitos humanos.
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NAVI PILLAY é comissária das Nações Unidas para os direitos humanos.
Fonte: Folha de São Paulo, 06/08/2010.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Campanheira Lygia Prestes, presente!!!

Homenagem aos 97 anos de seu nascimento

Lygia Prestes (04/08/1913 – 28/09/2007)
Trajetória de luta ao lado do povo brasileiro

Lygia Prestes, valorosa combatente comunista, teve destacado papel junto de sua mãe, Leocadia Felizardo Prestes, nas campanhas internacionais pela libertação de Luiz Carlos Prestes e dos presos políticos da ditadura Vargas no Brasil nas décadas de 1930-1940 e - enfrentando a Gestapo, a polícia política do Estado alemão nazista - pela libertação de Olga Benario e de Anita, filha de Olga e Prestes, nascida em uma das prisões nazistas.

Tanto no Brasil como no exílio, no México e na União Soviética, teve ativa militância, ao lado de seu irmão Luiz Carlos Prestes.
Desde jovem, Lygia Prestes adotou os ideais comunistas e manteve, ao longo de seus 94 anos de vida, o entusiasmo pela história da luta pela liberdade e pelo socialismo, da qual foi histórica artífice, e o interesse pelas questões políticas candentes na luta contra o fascismo e de resistência à barbárie imperialista.

http://cecac.org.br/MATERIAS/Lygia_Prestes_presente.htm

Chomsky: “Os EUA são o maior terrorista do mundo”

Noam Abraham Chomsky, intelectual estadunidense, pai da linguística e polêmico ativista por suas posturas contra o intervencionismo militar dos Estados Unidos, visitou a Colômbia para ser homenageado pelas comunidades indígenas do Departamento de Cauca. Falou com exclusividade para Luis Angel Murcia, do jornal Semana.com, em 21 de Julho de 2010
Luis Angel Murcia
Semana.com
O morro El Bosque, um pedaço de vida natural ameaçado pela riqueza aurífera que se esconde em suas entranhas, desde a semana passada tem uma importância de ordem internacional. Essa reserva, localizada no centro da cidade de Cauca, muito próxima ao Maciço colombiano, é o cordão umbilical que hoje mantêm aos indígenas da região conectados com um dos intelectuais e ativistas da esquerda democrática mais prestigiados do planeta.

Noam Abraham Chomsky. Quem o conhece assegura que é o ser humano vivo cujas obras, livros ou reflexões, são as mais lidas depois da Bíblia. Sem duvida, Chomsky, com 81 anos de idade, é uma autoridade em geopolítica e Direitos Humanos.

Sua condição de cidadão estadunidense lhe dá autoridade moral para ser considerado um dos mais recalcitrantes críticos da política expansionista e militar que os EUA aplica no hemisfério. No seu país e na Europa é ouvido e lido com muito respeito, já ganhou todos os prêmios e reconhecimentos como ativista político e suas obras, tanto em linguística como em análise política, foram premiadas.

Sua passagem discreta pela Colômbia não era para proferir as laureadas palestras, mas para receber uma homenagem especial da comunidade indígena que vive no Departamento de Cauca. O morro El Bosque foi rebatizado como Carolina, que é o mesmo nome de sua esposa, a mulher que durante quase toda sua vida o acompanhou. Ela faleceu em dezembro de 2008.

Em sua agenda, coordenada pela CUT e pela Defensoria do Povo do Vale, o Senhor Chomsky dedicou alguns minutos para responder exclusivamente a Semana.com e conversar sobre tudo.

Quê significado tem para o senhor esta homenagem?
Estou muito emocionado; principalmente por ver que pessoas pobres que não possuem riquezas se prestem a fazer esse tipo de elogios, enquanto que pessoas mais ricas não dão atenção para esse tipo de coisa.

Seus três filhos sabem da homenagem?

Todos sabem disso e de El Bosque. Uma filha que trabalha na Colômbia contra as companhias internacionais de mineração também está sabendo.

Nesta etapa da sua vida o que o apaixona mais: a linguística ou seu ativismo político?
Tenho estado completamente esquizofrênico desde que eu era jovem e continuo assim. É por isso que temos dois hemisférios no cérebro.

Por conta desse ativismo teve problemas com alguns governos, um deles e o mais recente foi com Israel, que o impediu de entrar nas terras da palestina para dar uma palestra.
É verdade, não pude viajar, apesar de ter sido convidado por uma universidade palestina, mas me deparei com um bloqueio em toda a fronteira. Se a palestra fosse para Israel, teriam me deixado passar.

Essa censura tem a ver com um de seus livros intitulado ‘Guerra ou Paz no Oriente Médio?
É por causa dos meus 60 anos de trabalho pela paz entre Israel e a Palestina. Na verdade, eu vivi em Israel.

Como qualifica o que se passa no Oriente Médio?
Desde 1967, o território palestino foi ocupado e isso fez da Faixa de Gaza a maior prisão ao ar livre do mundo, onde a única coisa que resta a fazer é morrer.

Chegou a se iludir com as novas posturas do presidente Barack Obama?

Eu já tinha escrito que é muito semelhante a George Bush. Ele fez mais do que esperávamos em termos de expansionismo militar. A única coisa que mudou com Obama foi a retórica.

Quando Obama foi galardoado com o prêmio Nobel de Paz, o quê o senhor pensou?
Meia hora após a nomeação, a imprensa norueguesa me perguntou o que eu pensava do assunto e respondi: “Levando em conta o seu recorde, este não foi a pior nomeação”. O Nobel da Paz é uma piada.

Os EUA continuam a repetir seus erros de intervencionismo?
Eles tem tido muito êxito. Por exemplo, a Colômbia tem o pior histórico de violação dos Direitos Humanos desde o intervencionismo militar dos EUA.

Qual é a sua opinião sobre o conceito de guerra preventiva que os Estados Unidos apregoam?
Não existe esse conceito, é simplesmente uma forma de agressão. A guerra no Iraque foi tão agressiva e terrível que se assemelha ao que os nazistas fizeram. Se aplicarmos essa mesma regra, Bush, Blair e Aznar teriam de ser enforcados, mas a força é aplicada aos mais fracos.

O que acontecerá com o Irã?

Hoje existe uma grande força naval e aérea ameaçando o Irã e, somente a Europa e os EUA pensam que isso está certo. O resto do mundo acredita que o Irã tem o direito de enriquecer urânio. No Oriente Médio três países (Israel, Paquistão e Índia) desenvolveram armas nucleares com a ajuda dos EUA e não assinaram nenhum tratado.

O senhor acredita na guerra contra o terrorismo?
Os EUA são os maiores terroristas do mundo. Não consigo pensar em qualquer país que tenha feito mais mal do que eles. Para os EUA, terrorismo é o que você faz contra nós e não o que nós fazemos a você.

Há alguma guerra justa dos Estados Unidos?

A participação na Segunda Guerra Mundial foi legítima, entretanto eles entraram na guerra muito tarde.

Essa guerra por recursos naturais no Oriente Médio pode vir a se repetir na América Latina?
É diferente. O que os EUA tem feito na América Latina é, tradicionalmente, impor brutais ditaduras militares que não são contestados pelo poder da propaganda.

A América Latina é realmente importante para os Estados Unidos?
Nixon afirmou: “Se não podemos controlar a América Latina, como poderemos controlar o mundo”.

A Colômbia tem algum papel nessa geopolítica ianque?
Parte da Colômbia foi roubada por Theodore Roosevelt com o Canal do Panamá. A partir de 1990, este país tem sido o principal destinatário da ajuda militar estadunidense e, desde essa mesma data tem os maiores registros de violação dos Direitos Humanos no hemisfério. Antes o recorde pertencia a El Salvador que, curiosamente também recebia ajuda militar.

O senhor sugere que essas violações têm alguma relação com os Estados Unidos?
No mundo acadêmico, concluiu-se que existe uma correlação entre a ajuda militar dada pelos EUA e violência nos países que a recebem.

Qual é sua opinião sobre as bases militares gringas que há na Colômbia?
Não são nenhuma surpresa. Depois de El Salvador, é o único país da região disposto a permitir a sua instalação. Enquanto a Colômbia continuar fazendo o que os EUA pedir que faça, eles nunca vão derrubar o governo.

Está dizendo que os EUA derruba governos na América Latina?
Nesta década, eles apoiaram dois golpes. No fracassado golpe militar da Venezuela em 2002 e, em 2004, seqüestraram o presidente eleito do Haiti e o enviaram para a África. Mas agora é mais difícil fazê-lo porque o mundo mudou. A Colômbia é o único país latinoamericano que apoiou o golpe em Honduras.

Tem algo a dizer sobre as tensões atuais entre Colômbia, Venezuela e Equador?
A Colômbia invadiu o Equador e não conheço nenhum país que tenha apoiado isso, salvo os EUA. E sobre as relações com a Venezuela, são muito complicadas, mas espero que melhorem.

A América Latina continua sendo uma região de caudilhos?
Tem sido uma tradição muito ruim, mas, nesse sentido, a América Latina progrediu e, pela primeira vez, o cone sul do continente está a avançando rumo a uma integração para superar seus paradoxos, como, por exemplo, ser uma região muito rica, mas com uma grande pobreza.

O narcotráfico é um problema exclusivo da Colômbia?
É um problema dos Estados Unidos. Imagine que a Colômbia decida fumigar a Carolina do Norte e o Kentucky, onde se cultiva tabaco, o qual provoca mais mortes do que a cocaína.

Fonte: Agência de Notícias Nova Colômbia. Original em http://www.semana.com/noticias-mundo/parte-colombia-robada-roosevelt/142043.aspx