domingo, 28 de janeiro de 2018

Da inspiração à formulação da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC)

Os três momentos da PHC que toda teoria verdadeiramente crítica deve conter

Entrevista de Dermeval Saviani publicada na revista Interface (Botucatu) vol.21 no.62 Botucatu jul./set. 2017.

Esta entrevista foi uma adaptação da conferência proferida pelo professor Saviani no Seminário “Dermeval Saviani e a educação brasileira”, realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), em outubro de 2016. O próprio Saviani se responsabilizou pela adaptação, sugerindo as questões que poderiam orientar a síntese de sua teoria.



Preliminarmente, pode nos esclarecer como você se inspirou para elaborar uma nova teoria pedagógica?

Saviani: É claro que a inspiração ocorre geralmente em um contexto de rica experiência com vários elementos concorrendo para sua emergência. Assim, enquanto estudante de filosofia nos anos de 1964 a 1966 na PUC de São Paulo, em um contexto de debate sobre a reforma universitária e de resistência à ditadura, vinham à baila as insuficiências educacionais e as limitações políticas, instigando-nos a procurar compreender os problemas enfrentados e a formular alternativas de superação. No entanto, em termos sistemáticos, posso dizer que uma primeira experiência marcante que me inspirou a formular as primeiras teorizações sobre a educação deu-se na disciplina Teoria do Conhecimento que cursei no terceiro ano de filosofia em 1965. A disciplina foi ministrada pelo professor Michel Schooyans, belga, da Universidade de Louvain, que tinha vindo para o Brasil. Ele introduziu os trabalhos com uma análise da estrutura do sujeito cognoscente tomando como referência o curso de Georges Van Riet, Notions d’epistemologie (notes d’étudiants), ministrado na mesma universidade belga.

A referida descrição fenomenológica do sujeito cognoscente procurava responder a perguntas do tipo: como está constituído o sujeito cognoscente? Qual a sua estrutura? Ou seja, de quais características ele é dotado que lhe permitem exercer a atividade de conhecer?

Ora, o sujeito cognoscente é o homem. Portanto, a referida descrição fenomenológica do sujeito cognoscente não é outra coisa senão a descrição fenomenológica do sujeito humano. Essa descrição foi, para mim, um achado. Propus-me, assim, a tomar a análise da estrutura do homem como referência para equacionar o problema da educação. E, tendo sido convidado, no ano seguinte, 1966, quando cursava o quarto ano de filosofia, a trabalhar no segundo semestre na cadeira de Filosofia da Educação no curso de Pedagogia, elaborei o programa da disciplina a partir da referida análise da estrutura do homem. E, dando um passo além, tomei-a como referência para efetuar a análise da estrutura do homem brasileiro tendo em vista a elaboração de uma espécie de teoria da educação brasileira.

Tal descrição fenomenológica impressionou-me por fornecer uma visão de certo modo completa da estrutura do homem, mas apresentava um resultado paradoxal, pois punha em evidência um ser constituído por elementos opostos. Com efeito, pelo aspecto empírico com os seus quatro a priori (físico, biológico, psicológico e cultural), o homem se caracterizava como um ser situado, determinado pelas condições materiais, condicionado pelo meio em que vivia. Já pelo aspecto pessoal, ele se afirmava como um ser livre capaz de opções e de intervir na situação para aceitar, rejeitar ou transformar. Por fim, pelo aspecto intelectual, ele se manifestava como um ser consciente capaz de transcender as opções pessoais e as determinações situacionais para compreender a realidade e se comunicar com os outros seres humanos. O que a análise fenomenológica revelava, portanto, era que o homem se constituía como um ser paradoxal, ou seja, um ser estranho cujos aspectos se negavam entre si.

Diante desse quadro, propus-me a incorporar essa abordagem, mas indo além, superando o paradoxo pela via da dialética. Assim, ao elaborar minha tese de doutorado tratando do problema da existência ou não de sistema educacional no Brasil, lancei mão da referida análise para buscar responder à pergunta: como pode o homem sistematizar? Ao discutir o problema metodológico, passei em revista os vários métodos que poderiam ser adotados, a saber, o método lógico-conceitual, o método empírico, o empírico-logístico, o fenomenológico, o dialético para, finalmente, articulando os dois últimos, adotar o método que chamei de fenomenológico-dialético. Seguira esse caminho por entender que não é possível chegar à compreensão dialética do todo, isto é, como um conjunto dinâmico que se movimenta pela ação e reação de seus múltiplos aspectos sem a mediação da análise que possibilita identificar os vários elementos que formam o todo. Tal formulação obtinha respaldo em Lefebvre, Sartre e Marcuse, sendo que este último chegara a afirmar “Só uma síntese de ambos os métodos – uma fenomenologia dialética – que é um firme método de extrema concreção – permite à historicidade da existência humana tornar-se adequada”[1] (p. 80).

Logo, porém, de modo especial a partir do estudo detido do texto “O método da economia política”, de Marx [2], compreendi que esse movimento que parte da síncrese (a visão caótica do todo) e chega, pela mediação da análise (as abstrações e determinações mais simples), à síntese (uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas) constitui o próprio método dialético. Consequentemente, não havia necessidade, para nomear o método, de anteceder o termo ‘dialético’ pelo prefixo ‘fenomenológico’.

A partir daí fiz um percurso em busca de uma teoria da educação efetivamente dialética, especificamente baseada no materialismo histórico. Nessa caminhada, a primeira constatação a que cheguei foi que nas matrizes do materialismo histórico não encontramos uma teoria sistematizada da educação. Nem Marx e Engels, nem Lênin, Lukács ou Gramsci, assim como os mais recentes como Mészáros, dedicaram-se direta e especificamente à elaboração teórica no campo da educação. O que encontrei foram estudos que buscaram identificar no conjunto da obra as passagens referidas à educação ou extrair das análises marxianas e marxistas sobre a história, economia e sociedade derivações de sentido para a educação.

Busquei, então, nos escritos de autores marxistas sobre educação e nas experiências dos países socialistas, a sistematização teórica ou, pelo menos, elementos que apontassem na direção de uma teoria histórico-dialética da educação. Foi assim que, além de ler os estudos marxistas sobre educação, ministrei disciplinas cuja bibliografia incluía autores como Pistrak, Makarenko, Manacorda, Lucio Lombardo Radice, Dina B. Jovine, G. Betti, F. Lombardi, Snyders, Schmidt-Kowarzik, Suchodolski e textos analisando as experiências pedagógicas na União Soviética, China, Cuba, República Democrática da Alemanha.

Concluí, então, que, para a construção de uma pedagogia inspirada no materialismo histórico, não basta recolher as passagens das obras de Marx e Engels diretamente referidas à educação, como o fizeram Dommanget [3], Dangeville [4] e Manacorda [5], que acrescentam lúcidas e pertinentes reflexões úteis, sem dúvida, à construção de uma pedagogia marxista. Também não é suficiente perscrutar as implicações educacionais do conjunto da obra dos fundadores do materialismo histórico, como o fez Suchodolski [6].

Penso que a tarefa da construção de uma pedagogia inspirada no marxismo implica a apreensão da concepção de fundo (de ordem ontológica, epistemológica e metodológica) que caracteriza o materialismo histórico. Imbuído dessa concepção, trata-se de penetrar no interior dos processos pedagógicos, reconstruindo suas características objetivas.

Em suma, quando tomei conhecimento da afirmação de Vigotski [7], em seu trabalho “O significado histórico da crise da psicologia”, que “A psicologia precisa de seu Capital – seus conceitos de classe, base, valor etc., com os quais possa expressar, descrever e estudar seu objeto” (p. 393), ocorreu-me que o caminho que percorri me colocou nessa mesma situação de considerar que também a pedagogia tinha necessidade do seu ‘Capital’. É verdade que Vigotski conseguiu avançar bem mais na formulação da psicologia dialética do que eu até agora pude fazer na formulação da pedagogia dialética. Mas, assim como ele contou com colaboradores que deram continuidade a sua iniciativa, felizmente também conto com companheiros que vêm se dedicando resolutamente à construção da pedagogia dialética identificada com a pedagogia histórico-crítica.



Então, quais são os três momentos da pedagogia histórico-crítica que, em seu entender, toda teoria verdadeiramente crítica deve conter?

Saviani: Sinteticamente, os três momentos são os seguintes:

a) Aproximação ao objeto em suas características estruturais de modo a apreendê-lo em sua concreticidade.
b) Contextualização e crítica do tratamento dado ao objeto pelas teorias hegemônicas.
c) Elaboração e sistematização da teoria crítica.

No caso que nos ocupa, trata-se de:

a) Apreender a essência da educação identificando suas características estruturais. Importa, pois, compreender e explicitar a natureza e especificidade da educação.
b) Empreender a crítica contextualizada das principais teorias que vêm hegemonizando o campo da educação.
c) Elaborar e sistematizar a teoria crítica da educação representada, no caso, pela pedagogia histórico-crítica.

Importa, de antemão, lembrar que, como momentos, esses três pontos não devem ser considerados formalmente ou cronologicamente em sequência mecânica. Trata-se de momentos que se interpenetram relacionando-se e se condicionando reciprocamente, ainda que, no plano da exposição, nós os abordemos um após o outro.


Gostaríamos de entender melhor a especificidade de cada um desses três momentos. Em que consiste o primeiro momento? O que significa o enunciado “Aproximação ao objeto em suas características estruturais de modo a apreendê-lo em sua concreticidade?

Saviani: De forma geral, o que nos move a investigar determinado objeto é o fato de lidarmos com ele como algo relevante, sendo que, a partir de algum momento, se nos apresenta como problemático. E sua problematicidade pode se revelar em diferentes circunstâncias e de diferentes maneiras. Assim, no campo da educação, o problema pode se revelar em nossa prática cotidiana diante de questões que nos cabe resolver; em nosso contato com as teorias disponíveis que se contrapõem entre si, obrigando-nos a verificar a razão das discordâncias e o grau em que elas dão conta de explicar o objeto ao qual se referem; na insatisfação com as orientações emanadas das políticas e diretrizes oficiais; na exigência de compatibilizar nossa ação educativa com as opções que fazemos nos campos teórico-filosófico, ideológico-político, econômico-profissional, ético-moral, estético-cultural, etc.; e eu poderia prosseguir arrolando outras situações que se nos apresentam como problemáticas.

Diante dessas situações, o enfrentamento dos problemas exige que procuremos compreender a natureza da educação, pois é aí que encontraremos os critérios para equacionar os problemas enfrentados. Assim, por exemplo, se o problema enfrentado foi provocado pela insatisfação com as teorias disponíveis, é possível que se comece pela crítica a essas teorias, mas é certo que não iremos longe nessa crítica se não procurarmos nos aproximar do entendimento da natureza da educação, pois é aí que encontraremos os critérios para efetuar a crítica teórica.

Para esclarecer melhor essa questão, consideremos o procedimento adotado por Marx. Procurando compreender a essência humana, correlato de denominações como natureza humana e realidade humana, Marx [8] faz uma série de considerações que registra nas notas que ficaram conhecidas como “Manuscritos econômico-filosóficos de 1844”. E encontra a resposta na atividade do trabalho. O conteúdo da essência humana reside no trabalho. Portanto, já se encontra aí de forma clara a ideia que será desenvolvida depois de forma sistemática, objetiva e científica: o ser do homem, a sua existência, não é dada pela natureza, mas é produzida pelos próprios homens. Deixado a si mesmo, submetido ao jugo da natureza, o homem perece ou, se por alguma circunstância fortuita e excepcional vier a sobreviver, não assumirá a forma humana. Diferentemente dos outros animais que têm sua existência garantida pela natureza bastando-lhes adaptar-se a ela para sobreviver, o homem necessita fazer o contrário. Precisa agir sobre a natureza transformando-a e ajustando-a às suas necessidades. Em lugar de adaptar-se à natureza, tem de adaptar a natureza a si. E esse ato de agir sobre a natureza, transformando-a, é o que se chama trabalho. Portanto, é pelo trabalho que os homens se produzem a si mesmos. Logo, o que o homem é, o é pelo trabalho. O trabalho é, pois, a essência humana. Mas, diz Sánchez Vázquez [9], “quando Marx vai à realidade histórico-social, só vê essa essência – ao contrário de Hegel – por seu lado negativo. O trabalho que ele encontra na existência real, concreta, do homem é justamente o trabalho alienado” (p. 415-6). Assim, a essência humana só se manifesta como essência alienada, isto é, negada nas relações reais que os homens mantêm com os produtos de sua atividade, com sua própria atividade e com os outros homens.

Portanto, a concepção marxiana da essência humana se distingue da concepção corrente, de caráter especulativo e metafísico que se contrapõe à existência histórica e social dos homens. Marx se empenha em compreender a essência humana no desenvolvimento histórico, no qual ela se manifesta como negação, mas também como realização. Assim entendido, o conceito desenvolvido nos ‘Manuscritos’ não coincide com a “ideia metafísica de uma essência humana abstrata e universal que não dá lugar a sua realização histórica e social” [9] (p. 418). Igualmente essa concepção não se reduz à ideia também abstrata e universal da essência humana “como conjunto de traços característicos de todo indivíduo”, uma vez que, no entender de Marx, “enquanto não se chega historicamente à fusão de essência e existência os indivíduos vivem na negação de sua essência” [9] (p. 418).

Consequentemente, em sua leitura do texto de Marx, Sánchez Vázquez entende haver um problema na concepção de essência humana alienada apresentada nos ‘Manuscritos’: se toda a história, até agora, se apresenta como a negação da verdadeira essência humana, de onde surgiu esse conceito de essência humana? Não poderá ter surgido da própria história, isto é, das relações reais ou do comportamento concreto dos sujeitos humanos. Resulta, pois, que esse conceito foi construído pela negação ideal, no plano do pensamento, da existência efetiva dos homens. Segundo essa leitura, haveria, pois, ainda, um caráter especulativo na concepção de essência humana exposta no texto dos ‘Manuscritos’, o qual consiste no entendimento de que a essência humana não se dá efetivamente na história, pondo-se, antes, como uma possibilidade a ser realizada em uma situação futura.

Ainda que Sánchez Vázquez discorde de Althusser [10], para quem teria havido uma radical ruptura epistemológica na concepção de Marx expressa no texto “A ideologia alemã” [11], redigido entre 1845 e 1846, que separaria o ‘jovem Marx’ do ‘Marx maduro’, a leitura que faz dos ‘Manuscritos’ o aproxima dessa interpretação. É certo que ‘A ideologia alemã’ significou uma alteração de fundo na concepção marxiana, pois, segundo as próprias palavras de Marx, por meio dessa obra, ele e Engels teriam feito um ajuste de contas com a própria consciência filosófica anterior, atingindo o objetivo de ver claro neles mesmos. No entanto, considerando a crítica que já se manifesta explicitamente no terceiro manuscrito, tanto no que se refere à economia política como à filosofia hegeliana, parece mais apropriado considerar que houve, na passagem dos ‘Manuscritos econômico-filosóficos’ para ‘A ideologia alemã’, não uma ruptura, mas um maior aprofundamento na compreensão dos conceitos que agora se enraíza na análise histórica e uma mudança na terminologia que, esta sim, ainda guardava, nos ‘Manuscritos’, alguns resquícios especulativos.

Reconhecendo o trabalho meticuloso e o rigor da análise dos ‘Manuscritos’ efetuada por Sánchez Vázquez [12], permito-me discordar da interpretação segundo a qual o conceito de essência humana foi obtido negando, no pensamento, a realidade humana, o que lhe confere um caráter especulativo que consiste em admitir idealmente uma essência que não se encontra efetivamente na realidade objetiva. O que Marx evidenciou – e, nesse sentido, indo além de Hegel e Feuerbach, – foi que o homem é um produto do trabalho que, assim, define sua essência. Ora, isso é um dado histórico, uma constatação, e não uma especulação. O trabalho alienado é, igualmente, uma constatação histórica que supõe o trabalho como instituidor do homem, portanto, como sua essência. E é isso o que se explicita na ‘Ideologia alemã’. A alienação, em lugar de ser o fundamento explicativo da situação humana, é considerada como um fenômeno social que, por sua vez, é fundamentado e explicado por outro fenômeno histórico, a saber, a divisão do trabalho.

Ora, se é a divisão do trabalho que provoca a alienação, não podemos falar rigorosamente em trabalho alienado no comunismo primitivo. Com efeito, etimologicamente, a palavra ‘alienação’ deriva do adjetivo latino alius, alia, aliud. Alius significa, simplesmente, ‘outro’. Deste adjetivo deriva alienar, alienação, alienado. E são essas expressões que tanto podem significar ‘tornar outro’, ‘tornado outro’, isto é, objetivar, objetivação, objetivado, como ‘passar para outro’, ‘passado para outro’ ou ‘apropriado por outro’. A primeira acepção traduz o significado positivo de alienação que prevalece em Hegel, ao passo que a segunda acepção corresponde ao significado negativo destacado tanto por Feuerbach como por Marx. É desta segunda acepção que vem o sentido mais corrente de alienação e alienado para se referir àqueles que não têm consciência de sua própria situação, que não se sabem como sujeitos da história, aqueles que perderam sua condição de sujeitos de seus próprios atos, de suas próprias obras. Portanto, o conceito de trabalho alienado corresponde ao significado de passado para outro, apropriado por outro. E isso pressupõe a divisão do trabalho e, mais tipicamente, a divisão da sociedade em classes. Logo, não podia se manifestar no comunismo primitivo. É de se notar, ainda, que esse entendimento do trabalho como sendo o elemento determinante da vida humana, o definidor da essência do homem, Marx manteve em toda a sua trajetória, como podemos ver em “O capital” [13]. No capítulo V, após descrever com minúcia as características do processo de trabalho, Marx afirma:

O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos simples e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais. (p. 208)

Repito, frisando: o trabalho “é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais”. É essa constatação que se constitui como critério para identificar e aferir as formas particulares de trabalho como trabalho comunal, trabalho escravo, trabalho servil, trabalho livre, trabalho assalariado e, obviamente, trabalho alienado. Em verdade, o que Marx faz no referido capítulo V de ‘O capital’ é identificar as características estruturais do objeto trabalho, apreendendo-o em sua concreticidade. E é à luz dessa compreensão da essência humana que ele desenvolve a crítica das teorias econômicas e elabora sua própria teoria.

Cumpre, ainda, observar que o constitutivo essencial de determinada atividade independe do grau de consciência dos agentes relativamente aos atos que praticam. Assim, os homens que agiam sobre a natureza para produzir os meios de satisfação de suas necessidades vitais não tinham consciência de estarem trabalhando e que o trabalho era uma necessidade natural eterna da vida humana. Mas, obviamente, não era isso que tornava seu trabalho alienado. Nas condições do comunismo primitivo, dadas as necessidades prementes que precisavam ser atendidas, essa consciência não podia, ainda, aflorar. Mas não se tratava, naquelas condições, de trabalho alienado. O papel da teoria é, exatamente, explicitar o conteúdo objetivo dos fenômenos, o que, aliás, corresponde ao entendimento de Marx sobre o significado do conhecimento: produzir o concreto de pensamento, ou seja, reconstruir, em pensamento, o concreto real. O acesso a esse conhecimento do objeto em suas múltiplas determinações permite afastar as explicações fantasiosas ou unilaterais e fragmentárias, fornecendo à consciência um conteúdo objetivo que, retroagindo sobre a prática, a torna mais consistente, coerente, orgânica e eficaz.

É isso o que cabe à teoria crítica da educação fazer: resgatar, no plano da consciência, as características essenciais da educação, que se fazem presentes em sua prática há séculos e que as teorias correntes, não as alcançando ou delas se afastando, acabam por desvirtuar seu sentido contribuindo para sua alienação. Eis por que afirmei que o primeiro momento do processo de elaboração de uma teoria verdadeiramente crítica é a aproximação das características estruturais do objeto, de modo a apreendê-lo em sua concreticidade.

Em que consiste, então, o segundo momento? Como proceder à contextualização crítica das teorias hegemônicas?

Saviani: Ninguém adentra ‘inocente’, tanquam tabula rasa, em algum campo profissional. De modo especial, no caso da educação, quem assume a condição de agente educativo para exercer determinadas funções já terá passado de algum modo pela escola. Dessa forma, já teve contato, ainda que de maneira espontânea, assistemática, com teorias educacionais. E, quando se é apresentado a uma teoria de maneira mais formal, dominantemente o primeiro movimento tende a ser de adesão pré-crítica. Esse caráter pré-crítico denuncia um fenômeno relativamente comum: as flutuações da consciência pedagógica, que podem ser definidas como “a adesão pré-crítica da consciência pedagógica a estruturas conceptuais limitadas pelos interesses das várias teorizações e práticas humanas centradas em seus objetos específicos” [14] (p. 6). Isso significa que os professores e os pedagogos tendem a passar de uma orientação teórica a outra dentre aquelas que se encontram em circulação, ao sabor das circunstâncias configurando certo modismo pedagógico. E as teorias que se encontram em circulação com algum poder de atração sobre a consciência pedagógica são aquelas que correspondem às ideias dominantes que, como lemos em “A ideologia alemã” [11], são as ideias da classe dominante. Trata-se, pois, das teorias hegemônicas que dão expressão universal aos interesses da classe dominante, apresentando-os como correspondentes aos interesses de toda a sociedade.

O papel da teoria crítica – isto é, aquela teoria que, por colocar-se na perspectiva dos interesses dos dominados, consegue ver os limites, as insuficiências e inconsistências das teorias hegemônicas – é desmontá-las contextualizando-as histórica, social e epistemologicamente. Historicamente, a desmontagem implica mostrar quando, como e em que contexto surgiram e se desenvolveram; socialmente, cabe indicar a que interesses ocultos elas servem e como justificam esses interesses; epistemologicamente a desmontagem evidenciará seus pressupostos, a concepção sobre a qual se apoia, a lógica de sua construção com as incoerências, inconsistências e contradições que a caracterizam. Tudo isso sem deixar de reconhecer seus possíveis acertos e eventuais contribuições, que serão incorporados ao serem superados pela teoria crítica.

Em suma, a desmontagem das teorias hegemônicas se movimenta na luta pela hegemonia, que consiste em um processo de desarticulação-rearticulação: trata-se de desarticular dos interesses dominantes expressos nas teorias hegemônicas aqueles elementos que estão articulados em torno deles, mas não lhes são inerentes, e rearticulá-los em torno dos interesses populares que, expressos na teoria crítica, adquirem a consistência, a coesão e a coerência de uma concepção elaborada.

Mas os trabalhadores não podem aspirar à hegemonia sem passar da condição de classe-em-si para a condição de classe-para-si, o que implica a elevação cultural das massas, que é obra da educação. A elaboração de uma teoria da educação radicalmente crítica se põe, portanto, como um instrumento necessário para orientar a intervenção deliberada e sistemática nos vários níveis e modalidades das redes de ensino, visando assegurar a toda a população uma educação de elevado padrão de qualidade, adequado aos seus interesses e às suas necessidades.



E o terceiro momento? O que você nos diz sobre a elaboração e sistematização de uma teoria da educação efetivamente crítica?

Saviani: Como já adiantei, esses momentos não são estanques. Eles se interpenetram. Isso significa que a elaboração da teoria crítica começa a ocorrer já no primeiro momento, quando da aproximação às características estruturais do objeto cuja compreensão é o alvo e a razão de ser do esforço teórico empreendido.

Mas a formulação e sistematização da teoria ocorre, especificamente, neste terceiro momento. Isso porque, conforme advertiu Marx [13], é preciso distinguir o método de exposição do método de investigação:

A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho, é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real. Se isto se consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada, o que pode dar a impressão de uma construção a priori. (p. 16)

Assim, efetuado o percurso investigativo indicado ao final da resposta à primeira pergunta, cabe expor, de forma sistematizada, o resultado da investigação que penetrou no interior dos processos pedagógicos e reconstruiu suas características objetivas, capacitando-se, portanto, a formular as diretrizes pedagógicas que possibilitarão a reorganização do trabalho educativo sob os aspectos das finalidades e dos objetivos da educação, das instituições formadoras, dos agentes educativos, dos conteúdos curriculares e dos procedimentos pedagógico-didáticos que movimentarão um novo éthos educativo voltado à construção de uma nova sociedade, uma nova cultura, um novo homem.

Eis aí como se dá a construção da ‘pedagogia dialética’ correlata da construção da ‘psicologia dialética’, tal como se propôs Vigotski [7]. Aliás, quando Vigotski afirmou que a psicologia estava precisando de seu Capital, ele estava se referindo à necessidade de uma teoria dialética mediadora, uma psicologia geral, entre a ciência geral da dialética e a ciência psicológica. Daí ter ele observado que, assim como as ciências sociais, especificamente a história, precisam da mediação do materialismo histórico para passar do materialismo dialético à ciência dialética da história, também a psicologia necessita de uma teoria geral mediadora, um materialismo psicológico, para passar do materialismo dialético à ciência dialética da psicologia. E poderíamos acrescentar: assim igualmente a pedagogia precisa de uma teoria geral mediadora, um materialismo pedagógico, para passar do materialismo dialético à dialética da pedagogia entendida como a ciência dialética da educação. E, para deixar ainda mais clara sua argumentação, Vigotski vai além, levantando a seguinte e absurda conjectura: imaginemos que Marx tivesse operado com as categorias e os princípios gerais da dialética como conexão universal, quantidade-qualidade, tríade em lugar das categorias históricas do valor, classe, capital, mercadoria, renda, força produtiva, base, superestrutura! Seria, diz ele, “uma monstruosa estupidez”!

Destaco, por fim, dois aspectos apontados por Vigotski, que também me orientaram na elaboração da pedagogia histórico-crítica, embora, quando assim procedi, eu ainda não havia tido contato com a teoria vigotskiana: o primeiro se refere à sua observação de que, para se produzir as teorias mediadoras, é preciso descobrir a essência do campo fenomênico de que se está tratando; e o segundo aspecto diz respeito à sua assertiva de que o que se pode procurar nos mestres do marxismo não é a solução do problema, mas o método de sua construção.

Enfim, pode nos dizer se e como a pedagogia histórico-crítica cumpriu ou vem cumprindo a exigência expressa nos três momentos que toda teoria verdadeiramente crítica deve conter?

Saviani: De início, devo responder que a pedagogia histórico-crítica vem cumprindo, isto é, vem procurando atender à referida exigência. Não cabe dizer que já cumpriu por duas razões: em primeiro lugar, porque se trata de uma teoria em construção que se desenvolve coletivamente com o concurso de um conjunto cada vez mais amplo de participantes e estudiosos dos diferentes aspectos que caracterizam os processos educativos. Em segundo lugar, porque se trata de uma teoria que procura acompanhar atentamente o movimento da história, respondendo aos desafios educacionais por ele colocados como, aliás, é próprio de toda teoria tributária do materialismo histórico. Dessa forma, ela nunca estará plenamente acabada.

Como assinalei antes, os três momentos não ocorrem em sequência cronológica, mas se imbricam e se condicionam reciprocamente em relação dialética. Por isso vou responder a esta última pergunta em bloco, contemplando, de forma relacionada, os três momentos.

Pela abordagem que fiz dos antecedentes, origem e desenvolvimento da pedagogia histórico-crítica é possível ver como foi acontecendo a aproximação das características estruturais do fenômeno educativo. Respondendo, no final dos anos de 1960 e no decorrer dos anos de 1970, aos desafios postos pelo ensino na educação básica e superior; participando do processo de organização do campo educativo com a criação e atuação de entidades no final dos anos de 1970 foram sendo formulados certos elementos basilares em direção a uma teoria educacional crítica, de base marxista, explicitados em artigos que depois foram sendo reunidos em livros.

Um marco do processo de formulação da pedagogia histórico-crítica foi o lançamento, em 1983, do livro “Escola e democracia”. No prefácio à 35ª edição [14], redigido em agosto de 2002, quando se comemorava o septuagésimo aniversário do lançamento do “Manifesto dos pioneiros da Educação Nova”, afirmei, contra algumas interpretações, que esse livro não podia ser considerado como um “antimanifesto de 1932”, acrescentando:

Se for lido como manifesto tratar-se-á, no caso, do manifesto de lançamento de uma nova teoria pedagógica, uma teoria crítica não-reprodutivista ou, como foi nomeada no ano seguinte após seu lançamento, pedagogia histórico-crítica, proposta em 1984. Sim. Este livro pode ser considerado o manifesto de lançamento da pedagogia histórico-crítica. Lido como manifesto, eis sua estrutura:
O primeiro capítulo apresenta o diagnóstico das principais teorias pedagógicas. Mostra as contribuições e os limites de cada uma delas. E termina com o anúncio da necessidade de uma nova teoria.
O capítulo segundo é o momento da denúncia. Pela via da polêmica se procura desmontar as visões que se acreditavam progressistas de modo a se abrir caminho para a formulação de uma alternativa superadora [...].
O capítulo terceiro apresenta as características básicas e o encaminhamento metodológico da nova teoria que passou a se chamar de pedagogia histórico-crítica, esclarecendo-se, no capítulo quarto, as condições de sua produção e operação em sociedades como a nossa, marcadas pelo primado da política sobre a educação. (p. xxv-viii)

Como se vê, o primeiro e o segundo capítulos do livro ‘Escola e democracia’ já operam, de modo sistemático, a crítica contextualizada das teorias hegemônicas. E o terceiro capítulo dá início à elaboração sistemática da teoria no espírito do terceiro momento.

De fato, no terceiro capítulo, registro o significado da educação como mediação no interior da prática social, razão pela qual o método da pedagogia histórico-crítica tem a prática social como ponto de partida e ponto de chegada da educação. E também se explicita, aí, a fundamentação no texto de Marx “O método da economia política”, que fornece uma orientação segura “tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino)” [14] (p. 59).

E no ano seguinte ao lançamento desse livro é redigido, em 1984, o texto “Sobre a natureza e especificidade da educação”, no qual se compreende o trabalho educativo como pertencendo à produção não material na modalidade em que o produto não se separa do produtor, sendo definido como “o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” [15] (p. 13).

A partir daí, a mobilização em torno da pedagogia histórico-crítica vem se adensando e passou a contar com um número crescente de colaboradores que vêm contribuindo com a explicitação de novos elementos constitutivos da estrutura do fenômeno educativo.

Nesse âmbito, é preciso atentar para uma peculiaridade da educação como objeto de pesquisa científica. Com efeito, a pedagogia tem seu estatuto de cientificidade frequentemente contestado, seja pelo entendimento segundo o qual a educação é uma atividade prática não suscetível de ser teorizada cientificamente, seja porque a educação é tida como um objeto de várias ciências carecendo, portanto, de autonomia e unidade teórico-científica. Ou seja, a educação tem sido dominantemente abordada por disciplinas científicas externas à educação, estruturadas em função de um objeto próprio que, em sua especificidade, não coincide com o fenômeno educativo.

Era necessário, portanto, dar um novo passo que implicava passar de uma abordagem externa para uma abordagem interna à educação, o que se constituía como uma exigência para a formulação de uma teoria propriamente pedagógica. É nesse âmbito que se situa a pedagogia histórico-crítica.

Esclareçamos essa diferença entre a abordagem externa e interna em sua implicação para a pesquisa educacional tal como se manifesta na pós-graduação que, na estrutura universitária, é o espaço privilegiado de formação de pesquisadores e de desenvolvimento da pesquisa.

Se é verdade que a pesquisa é inerente a toda e qualquer forma de pós-graduação, o mesmo não ocorre com a pesquisa educacional. Nem mesmo é verdade que pesquisa educacional seja inerente a toda e qualquer forma de pós-graduação em educação. Aqui se patenteia com nitidez a diferença entre a educação e as áreas científicas cujo campo de conhecimento se encontra bem delimitado. Assim, em se tratando de um curso de pós-graduação em biologia, por exemplo, não faz sentido propor-se uma área de concentração em pesquisa biológica. Com efeito, qualquer que seja a modalidade de estudos pós-graduados em biologia, tratar-se-á sempre, de modo explícito, de pesquisa biológica. O mesmo ocorre com a medicina – para citar um exemplo retirado do domínio das ciências aplicadas (tecnologia). Em educação, porém, a situação é bem outra. Um curso de pós-graduação em psicologia educacional, por exemplo, envolverá certamente pesquisa. Já não é tão certo, porém, que envolverá pesquisa educacional. É bem provável, como ocorre mais frequentemente, que se trate aí de pesquisa psicológica. Esse problema pode ser traduzido com propriedade pela seguinte citação de Orlandi, referente aos estudos de sociologia da educação:

É certo que eles iluminam uma séria e fecunda perspectiva aberta aos especialistas de uma dada disciplina sociológica, a sociologia da educação. Todavia, esses textos são apresentados não raramente como guias e modelos de pesquisa em educação. Não discuto – torno à precaução tomada anteriormente em relação à colaboração dos psicólogos – a validade desses trabalhos e nem relego a segundo plano as elaborações que, filiadas a eles, passaram a equacionar novas pesquisas ligadas à educação. Saliento, isto sim, que a interiorização de certos textos sociológicos – transformados em guias e modelos de pesquisa em educação – denota uma flutuação sociológica da consciência pedagógica, isto é, essa consciência não se dá conta de um circuito muito simples, qual seja: o ponto de partida e o ponto de chegada desses textos são a sociologia da educação e não a educação. O que neles se destaca são os admiráveis cortes que circunscrevem o objeto de pesquisa de uma dada disciplina sociológica. Ora, essa situação não traria maiores problemas se a estrutura desse objeto coincidisse plenamente com a estrutura do objeto de pesquisa educacional. E basta lembrar as possíveis conexões da educação com a conjuntura econômica, por exemplo, para se ter uma ideia da não identidade dessas estruturas. [16] (p. 11-12)

Passando para as áreas técnico-profissionais, nota-se que a pesquisa vai diluindo-se até quase o desaparecimento ou descaracterização. Em se tratando, por exemplo, de ‘administração escolar’, ‘orientação educacional’, ‘meios instrucionais’, etc., que tipo de pesquisa pode ser aí detectado?

Diante desse quadro, é nossa convicção que a pesquisa educacional só poderá ter lugar e se desenvolver operando-se a inversão do circuito ao qual se referiu Orlandi. Quer dizer, transformando-se a educação em ponto de partida e ponto de chegada das nossas investigações.

No circuito original, a educação é ponto de passagem: ela está descentrada. O ponto de partida e o ponto de chegada estão alhures. Isso significa que as pesquisas no âmbito da sociologia da educação (e isso vale também para as demais áreas como psicologia da educação, economia da educação, antropologia educacional, biologia educacional, etc.) circunscrevem a educação como seu objeto, encarando-a como fato sociológico (psicológico, econômico, antropológico, biológico, etc.) que é visto, consequentemente, à luz das teorizações sociológicas (psicológicas, econômicas, etc.) a partir de cuja estrutura conceptual são mobilizadas as hipóteses explicativas do aludido fato. O processo educativo é encarado, pois, como campo de teste das hipóteses que, uma vez verificadas, redundarão no enriquecimento do acervo teórico da disciplina sociológica (psicológica, etc.) referida.

Invertendo-se o circuito a educação, enquanto ponto de partida e ponto de chegada, torna-se o centro das preocupações. Note-se que ocorre agora uma profunda mudança de projeto. Em vez de se considerar a educação a partir de critérios psicológicos, sociológicos, econômicos etc., são as contribuições das diferentes áreas que serão avaliadas a partir da problemática educacional. O processo educativo erige-se, assim, em critério, o que significa dizer que a incorporação desse ou daquele aspecto do acervo teórico que compõe o conhecimento científico em geral dependerá da natureza dos problemas enfrentados pelos educadores. Evidentemente, tal atitude supõe um aguçamento do espírito crítico dos educadores. É por esse caminho que poderemos chegar a uma ciência da educação propriamente dita, isto é, autônoma e unificada que irá adquirir um lugar próprio e específico no sistema das ciências. Mas é óbvio que essa profunda mudança de projeto não se efetivará caso se continue a considerar a pesquisa educacional como algo inerente a toda e qualquer forma de pós-graduação em educação. É preciso perseguir esse objetivo explícita e intencionalmente.

É nessa direção que vem se empenhando a pedagogia histórico-crítica, como está indicado no livro “Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações”, publicado em 1991:

Se a educação, pertencendo ao âmbito do trabalho não material, tem a ver com ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, habilidades, tais elementos, entretanto, não lhe interessam em si mesmos, como algo exterior ao homem. Nessa forma, isto é, considerados em si mesmos, como algo exterior ao homem, esses elementos constituem o objeto de preocupação das chamadas ciências humanas, ou seja, daquilo que Dilthey denominou de “ciências do espírito”, por oposição às “ciências da natureza”. Diferentemente, do ponto de vista da educação, ou seja, da perspectiva da pedagogia entendida como ciência da educação, esses elementos interessam enquanto é necessário que os homens os assimilem, tendo em vista a constituição de algo como uma segunda natureza. [15] (p. 13)

Eis aí como se posiciona a pedagogia histórico-crítica na pesquisa em educação no Brasil na atualidade, desenvolvendo projetos que, sempre tendo a educação como ponto de partida e ponto de chegada, envolvem:

a) O aprofundamento de determinados aspectos teóricos nos campos da filosofia e das chamadas ciências da educação e, especificamente da pedagogia.
b) A investigando de problemas no campo da política educacional.
c) A investigando de aspectos relativos aos níveis e modalidades de ensino no âmbito da educação básica e da educação superior.
d) A análise crítica das tentativas que vêm sendo encetadas de aplicação da pedagogia histórico-crítica nos vários campos de atuação educativa no contexto brasileiro atual.

Para ampliar a abordagem do primeiro momento relativo à aproximação às características estruturais do fenômeno educativo, seria desejável mencionar os diversos trabalhos que foram e estão sendo realizados pelo coletivo de professores e pesquisadores que vêm participando do processo de construção da pedagogia histórico-crítica. O mesmo se pode dizer da contextualização das teorias pedagógicas hegemônicas que vêm sendo feitas sistematicamente de diversas formas, em diferentes oportunidades e pelos vários integrantes da construção coletiva da pedagogia histórico-crítica em articulação com a elaboração da teoria nos seus múltiplos aspectos. Mas fazer um inventário dessa produção demandaria um tempo maior e estenderia essa entrevista para além dos limites estabelecidos pela revista.

REFERÊNCIAS

1. Marcuse H. Materialismo histórico e existência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 1968. 

2. Marx K. Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa: Estampa; 1973. 

3. Dommanget M. Los grandes socialistas y la educación: de Platón a Lenin. Madrid: Fragua; 1972. 

4. Dangeville R, Organizador. Marx e Engels, critique de l’éducation et de l’enseignement. Paris: Maspéro; 1976. 

5. Manacorda MA. Il marxismo e l’educazione. Roma: Armando; 1964. 

6. Suchodolski B. Teoría marxista de la educación. México: Grijalbo; 1966. 

7. Vigotski LS. "O significado histórico da crise da psicologia: uma investigação metodológica". In: Vigotski LS. Teoria e método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes; 1999. p. 201-417. 

8. Marx K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo; 2010. 

9. Vázquez AS. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1977. 

10. Althusser L. Elementos de autocrítica. Lisboa: Iniciativas Editoriais; 1976. 

11. Marx K, Engels F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes; 2001. 

12. Vázquez AS. Filosofía y economía en el joven Marx. México: Grijalbo; 1982. 

13. Marx K. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1968. 

14. Saviani D. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados; 2008. 

15. Saviani D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11a ed. Campinas: Autores Associados; 2013. 

16. Orlandi LBL. "O problema da pesquisa em educação e algumas de suas implicações". Educ Hoje. 1969; 2:7-25. 



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