sexta-feira, 29 de novembro de 2019

A desigualdade extrema da riqueza pessoal a nível mundial - uma análise dos dados do recém publicado relatório do Credit Suisse

O Blog da Consequência, traz esse artigo de Michael Roberts, renomado economista britânico, onde ele interpreta os dados do recém publicado relatório do Credit Suisse, sobre a riqueza mundial.



1% DA POPULAÇÃO MUNDIAL POSSUI 45% DA RIQUEZA; 50% MENOS DE 1% 

MICHAEL ROBERTS*
Publicado originalmente em Sin permiso no dia 16/11/2019
Tradução: Paulo Roberto de Andrade Castro

Acabou de ser publicado o informe anual do Credit Suisse sobre a riqueza mundial. Este informe continua sendo a análise mais completa e explicativa da riqueza global (não das receitas) e sobre a desigualdade de riqueza das famílias de 5,1 bilhões de pessoas em todo mundo. As riquezas das famílias são compostas pelos ativos financeiros (ações, bônus, efetivos, fundos de pensão) e propriedades (casas, etc). E o informe faz a medição descontando as dívidas. Os autores do informe são James Davies, Rodrigo Lluberas e Anthony Shorrocks. O professor Anthony Shorrocks era meu companheiro de andar na universidade onde ambos nos graduamos em economia (embora possua melhores habilidades matemáticas que eu).

A riqueza global cresceu o ano passado uns 2,6%, até os 360 trilhões de dólares e a riqueza por adulto alcançou um novo recorde de 70.850 dólares, 1,2% mais que a média de 2018, Suíça situando-se no topo da riqueza por adulto este ano. Estados Unidos, China e Europa são os países que mais contribuíram mais ao crescimento da riqueza mundial com 3,8 trilhões, 1,9 trilhões, e 1,1 trilhão de dólares, respectivamente.

Como a cada ano que é publicado, o informe revela a desigualdade extrema da riqueza pessoal a nível mundial. A metade inferior dos adultos no mundo representa menos de 1%da riqueza global a meados de 2019, enquanto o decil mais rico (os 10% superior dos adultos) possui 80% da riqueza mundial e o percentil superior (1%) quase a metade (45%) de todos os ativos por família. A desigualdade de riqueza é menor nos países individualmente: as cifras típicas seriam de 35% para a parte do 1% superior e de 65% para a parte do 10% superior. Mas, estes níveis continuam sendo muito mais altos que as cifras correspondentes à desigualdade de renda ou qualquer outro fator de bem estar geral.

Embora os avanços dos mercados emergentes continuem reduzindo as brechas entre países, a desigualdade dentro dos países cresceu à medida que as economias recuperaram – se depois da crise financeira mundial. Como resultado, o 1% superior dos possuidores de riqueza aumentou sua participação na riqueza mundial. Contudo, esta tendência parece ter diminuído desde 2016, em comparação com os 45% em 20006, essa proporção voltou a cair aos 45%.

Hoje, a participação dos 90% inferior representa 18% da riqueza mundial, em comparação com 11% em 2000. 



A pirâmide de riqueza captura a diferença de riqueza entre os adultos. Quase 5 bilhões de adultos, 57% de todos os adultos do mundo, possuem uma riqueza inferior a 10.000 dólares em 2019. O segmento seguinte, que abarca aqueles com riqueza entre 10.000 – 100.000 dólares experimentou o maior aumento neste século, triplicando seu tamanho, de 514 milhões em 2000 a 1,7 bilhões a meados de 2019. Isto reflete a crescente prosperidade das economias emergentes, especialmente da China.

A riqueza média desse grupo é de 33.530 dólares, menos ainda da metade do nível da riqueza média em todo mundo, mas consideravelmente acima da riqueza média dos países, nos quais residem a maioria das pessoas deste grupo. O grupo final de países com uma riqueza inferior a 5.000 dólares, que se concentra em grande medida na África central e na Ásia central e meridional.

Aqui o assombroso. Se vives em um dos países capitalistas avançados e é dono de tua casa e tens algumas economias, estarás entre o 10% superior de todos os possuidores de riqueza do mundo. Isso se deve a grande maioria das moradias no mundo, possuem pouca ou nenhuma riqueza.

Uma pessoa necessita ativos líquidos de somente 7.087 dólares para estar entre a metade mais rica dos cidadãos do mundo em meados de 2019.  Entretanto, são necessários 109.430 dólares para ser membro dos 10% superior dos possuidores de riqueza mundial e 936.43º para pertencer ao 1% superior. Os cidadãos africanos e indianos se concentram no segmento base da pirâmide da riqueza, China nos níveis médios e América do Norte e Europa no percentil superior. Mas, também é evidente um número significativo de residentes norte – americanos e europeus no decil de riqueza global inferior, considerando que os adultos mais jovens adquirem dívidas em economias avançadas, o que resulta em uma riqueza líquida negativa.

E a desigualdade se alarga na parte superior da pirâmide. Há 46,8 milhões de milionários no mundo a meados de 2019, mas a maioria possui uma riqueza entre 1 milhão e 5 milhões de dólares: 41,1 milhões ou 88% dos milionários. Outros 3,7 milhões de adultos (7,9%) possuem entre 5 milhões e 10 milhões de dólares. Destes, 1,8 milhões possuem ativos no valo de 10-50 milhões de dólares, deixando a 168.030 indivíduos com um patrimônio líquido ultra-alto, com um patrimônio líquido superior a 50 milhões de dólares a meados de 2019. Em efeito, estes são a elite governante do mundo.



Estados Unidos da América possui, de sobra, o maior número de milionários: 18,6 milhões, ou 40% do total mundial. Durante muitos anos, Japão ocupou o segundo lugar no ranking de milionários, com uma margem cômoda. Contudo, Japão agora está no terceiro lugar, com 6%, superado por China (10%). Logo vem reino Unido e Alemanha com 5% cada um, seguidos de França  (4%), Itália, Canadá e Austrália (3%).



Suiça (530.240 dólares), Austrália (411.060 dólares) e Estados Unidos (403. 970 dólares) encabeçam novamente a classificação segundo a riqueza por adulto. A classificação por mediana de riqueza por adulto favorece aos países com níveis mais baixos de desigualdade de riqueza. Este ano, Austrália (191.450 dólares) superou a Suíça (183.340 dólares) em primeiro lugar. Portanto, Austrália possui a maior riqueza média por adulto no mundo (devido principalmente ao valor da moradia).

Os ativos financeiros sofreram mais durante a crise financeira de 2008 – 2009 e logo se recuperaram nos primeiros anos posteriores à crise. Este ano, seu valor aumentou em todas as regiões, contribuindo com 39% do aumento da riqueza bruta em todo o mundo e 75% do aumento América do Norte. Porém, os ativos não financeiros (propriedades) proporcionaram o principal estímulo para o crescimento geral nos últimos anos.

Em 12 meses até meados de 2019, cresceram mais rápido que os ativos financeiros em todas as regiões. A riqueza financeira representou a maior parte da nova riqueza na China. Europa e América Latina, e quase toda a nova riqueza da África e da Índia. Porém, a dívida das famílias aumentou ainda mais, em uns 4% em geral. A dívida das famílias cresceu em todas as regiões, a uma taxa dois dígitos na China e na Índia. Estamos próximos de uma crise da dívida.

*Michael Roberts é um renomado economista marxista britânico que trabalha há 30 anos na cidade de Londres como analista econômico e editor do blog do The Next Recession.



quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Excelente artigo: "Capitalismo dependente, autocracia burguesa e democracia de cooptação: o golpe de 2016 e a atualidade de Florestan Fernandes"

Texto de Davi Machado Perez
Publicado na revista Temporalis, Brasília (DF), ano 19, n. 37, p. 28-44, jan./jun. 2019. 

O artigo de Davi Machado Perez, "Capitalismo dependente, autocracia burguesa e democracia de cooptação: o golpe de 2016 e a atualidade de Florestan Fernandes", aborda a interpretação deste grande ícone do pensamento social brasileiro para pensar a formação sócio histórica brasileira,
objetivando debater sua atualidade para a compreensão socioeconômica e política do Brasil contemporâneo, com destaque para o golpe de Estado de 2016, concluindo que o capitalismo dependente e as combinações entre autocracia burguesa e democracia de cooptação seguem vigentes na realidade brasileira. São reflexões partindo da produção de Florestan Fernandes, em que leva em conta a contribuição de Luiz Carlos Prestes e faz crítica a teses de Carlos Nelson Coutinho.

CLIQUE NO LINK ABAIXO:

O artigo de Davi Perez é o que abre a Seção Temática "Em tempos de radicalização do capital, lutas, resistências e serviço social".




"Viver é tomar partido: memórias" entre os dez livros essenciais recomendados em novembro pela equipe do Aliás [do jornal O Estado de São Paulo]

A equipe do Aliás* seleciona, na última edição de cada mês, dez obras publicadas recentemente no Brasil e em outros países para incluir em sua Estante. Viver é tomar partido: memórias foi indicado como leitura essencial do mês de novembro.




FONTE: Boletim Boitempo

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Anita Prestes em Curitiba: palestra e lançamento do seu livro de memórias

Viver é tomar Partido! Palestra e lançamento com Anita Prestes

A Livraria Vertov e a Frente Patriótica Luiz Carlos Prestes - FPLCP convida todas e todos para uma tarde e noite com Anita Leocádia Prestes, com palestra, lançamento do livro VIVER É TOMAR PARTIDO! e autógrafos com a autora.



Quando: 07/12/2019
Horário: 16h às 21h
Local: Livraria Vertov - Rua Visconde do Rio Branco, 835 - sobreloja
Evento gratuíto, sem necessidade de inscrição prévia

LINK DO EVENTO NO FACEBOOK:

Livro: Viver é tomar partido!
Autora: Anita Leocádia Prestes
Editora: Boitempo
Sinopse:
Nesta obra, Anita registra as impressões dos episódios que marcaram sua vida, explorando acontecimentos pouco divulgados pelos meios de comunicação, na expectativa de que sejam experiências úteis para as novas gerações. Os onze capítulos que compõem o livro acompanham o percurso da filha de presos políticos nascida num campo de concentração da Alemanha nazista, sua libertação, a infância junto da avó, costurado sobre o pano de fundo da história do século 20. A ascensão e a queda do governo Vargas, os diversos fechamentos do PCB, a prisão de seus pais, a execução de sua mãe pelo governo Hitler, golpes e anistias são feitos tecido de uma vida de militância, que nunca hesitou em declarar seu caráter partidário, comunista. O texto articula com rigor e delicadeza objetividade histórica e estratégias subjetivas de sobrevivência e luta, representando ao mesmo tempo preciosa fonte historiográfica e de inspiração militante. No anexo, cartas inéditas, poemas e trechos de jornais contextualizam o relato em meio a fatos. O título ‘Viver É Tomar Partido’, frase do poeta e dramaturgo alemão Christian Friedrich Hebbel retomada pelo intelectual italiano Antonio Gramsci, resume o modo peculiar como a autora encara sua vida, totalmente imbricada em seu ativismo político.

O FASCISMO, ONTEM E HOJE: DENÚNCIAS E RESISTÊNCIAS

A revista Germinal: Marxismo e Educação em Debate  dedica este número ao passado e ao presente de uma face do modo de ser do imperialismo, o fascismo. Autores que submeteram suas produções a Germinal, fazem denúncias e apontam resistências, propostas para a sua superação. 

CLIQUE NO LINK ABAIXO PARA ACESSAR O CONTEÚDO DA REVISTA


domingo, 24 de novembro de 2019

Duas revoluções - A Revolução Russa (1917) e a Revolução Alemã (1918): sem partido de vanguarda a revolução é derrotada (Ensinamentos para os dias atuais)

Texto da historiadora Anita Prestes
Germinal: Marxismo e Educação em Debate
(novembro de 2019)

Resumo

No artigo, a partir da comparação da Revolução Russa (1917) com a Revolução Alemã(1918), afirma-se que, sem partido de vanguarda, o processo revolucionário é levado à derrota.Ressalta-se o papel do reformismo como freio à formação de um partido revolucionário. Tal conclusão traz ensinamentos para os dias atuais, sendo abordado o exemplo do Partido dos Trabalhadores no Brasil.


Palavras-chave

Revolução Russa; Revolução Alemã; partido de vanguarda; reformismo; Partido dos Trabalhadores.

Texto completo:


PRESTES, Anita Leocadia. Duas revoluções - A Revolução Russa (1917) e a Revolução Alemã (1918): sem partido de vanguarda a revolução é derrotada (Ensinamentos para os dias atuais). Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 11, n. 2, p. 194-201, nov. 2019.


quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Entrevista de Anita Prestes ao UOL - lançamento do seu último livro

"Como em 1964, comunismo, hoje, é inimigo inventado", diz filha de Prestes

Camila Brandalise

De Universa

13/11/2019


As histórias que povoaram a infância de Anita Leocadia Prestes, hoje com 82 anos, envolviam política internacional, nazismo, clandestinidade e planos para implementar a revolução comunista no Brasil. Filha dos líderes comunistas Luiz Carlos Prestes (1898-1990) e Olga Benário (1908-1942) e nascida em um campo de concentração, na Alemanha, aos dois anos Anita já era uma exilada política no México, criada pela avó Leocadia e pela tia Lygia.

Os detalhes da sua trajetória —que se mistura com a dos movimentos radicais brasileiros—, da relação com os pais à militância no PCB (Partido Comunista Brasileiro), estão compilados no livro de memórias "Viver É Tomar Partido" (editora Boitempo), que chega às livrarias nesta quarta-feira (13). Na obra, a historiadora e professora aposentada da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) também documenta a vida das mulheres que a criaram, elas mesmas figuras importantes para a política do país, ainda que não tão conhecidas quanto Prestes e Olga.

Profunda estudiosa do comunismo, Anita não vê qualquer possibilidade de implantação do sistema no país, uma vez que considera que a esquerda brasileira, mesmo a moderada, anda mal das pernas: "Está desorganizada, pulverizada, sem rumo. A curto prazo, não vejo saída. Vai depender de mobilização, de organização. Um dia isso vai surgir, mas não estou vendo no momento."

Leia trechos de entrevista de Anita a Universa.

Filha de Luiz Carlos Prestes

Primeiro encontro de Anita com o pai. Rio de Janeiro, 28/10/1945.
"Sabia quem meus pais eram desde bem pequenininha", conta Anita, nascida em 1936, ano em que Prestes foi preso por Getúlio Vargas e em que sua mulher, Olga Benário, judia, foi enviada, a mando do então presidente brasileiro, a um campo de concentração na Alemanha, onde era fichada por "atividades subversivas". Aos 14 meses, foi entregue a avó Leocádia e viveu exilada com ela e a tia Lygia no México.

Quando Prestes saiu da prisão, em abril de 1945, na redemocratização após o período conhecido como Estado Novo, Anita se lembra de ir com a tia à redação de um jornal mexicano, onde trabalhava uma amiga da família, para ler um telegrama divulgado por agências de notícias com o decreto de anistia de Vargas. Tinha oito anos. O encontro entre pai e filha aconteceu em outubro do mesmo ano, quando ela voltou para o Brasil.

"Ele foi um pai muito carinhoso, até pelas cartas que me mandavam e minha avó e tias liam. Mesmo quando o conheci, lembro bem, estava deslumbrado com a filha. Depois, no pouco tempo livre que tinha, quando estava em casa, me dava atenção, me levava para passear. Aprendi com ele a não cultivar a tristeza. Ele me dizia: 'Tem que analisar a situação'. Aconteceu algo ruim, vamos analisar e ver o que se pode fazer. Era uma pessoa extremamente serena", diz.

Nascida em berço comunista, Anita diz ter ouvido, em casa e desde pequena, a frase que dá título ao novo livro: viver é tomar partido, usada pelo filósofo Antonio Gramsci em um texto sobre o mal da indiferença. "Fui educada para me posicionar politicamente. O capitalismo leva ao individualismo, então, se não existe uma educação contra isso, que ensine que homens e mulheres devem ser solidários entre si, é meio difícil exigir das pessoas que tomem partido", afirma. Partido, no caso, era ser contra o capitalismo.

Em 1950, aos 14 anos, em plena Guerra Fria, passou a viver na clandestinidade após receber cartas anônimas com ameaças de sequestro. Vivia escondida na casa de um médico, também comunista. Na época, se mudou para Moscou, regressando ao Brasil em 1957. Dois anos depois, se filiou ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), com o qual rompeu em 1979, junto com o pai, por não acreditar que o partido seguia o ideário da revolução. Atualmente, não tem partido, mas continua agarrada à crença no comunismo.

As mulheres da minha vida



"Minha avó, com mais de 60 anos, com pressão alta, sem nunca ter participado ativamente da vida política, encabeçou a Campanha Prestes na Europa, mobilização que teve comícios e atos públicos pela libertação de presos políticos", conta Anita. Leocadia também pedia que a neta fosse libertada do campo de concentração em que nascera, o que aconteceu quando tinha 14 meses de vida. "Lygia, minha tia, com 22 anos, largou os estudos e acompanhou a mãe. Eram muito combativas e determinadas. Elas não tinham preocupação com o papel da mulher na sociedade, naquela época isso não existia. Enfrentaram uma situação difícil com coragem e determinação como acharam que deveria ser."

Das outras três tias, ouvia histórias sobre a participação delas na 2ª Guerra Mundial. "Elas ficaram em Moscou e monitoravam bombardeios, avisavam se caiu granada, faziam inspeção para que não houvesse luz acesa, o que seria um ponto fácil de ver e de bombardear", diz.

"Depois, foram retiradas para os Montes Urais, na fronteira entre a Rússia europeia e a Rússia asiática. Trabalharam em hospitais de guerra tratando soldados feridos que chegavam estraçalhados. Quando vieram para o Brasil, me contavam muitas dessas histórias. Sempre gostei de ouvir."

A história contada pela perspectiva feminina

"Não acho, como comunista, que teria uma visão muito diferente se fosse homem", diz Anita, ao ser questionada sobre a diferença de perspectivas entre autores homens e mulheres. "Nunca fui especialmente preocupada com isso. Como sou comunista desde muitos anos, sigo a ideia de que é na sociedade capitalista que a mulher é duplamente explorada. É explorada como trabalhadora e tem toda a carga do preconceito de gênero, a dupla jornada de trabalho."

Líder, mulher, radical e de esquerda

Apesar da noção de que não deveria haver distinção de gênero dentro do ideário comunista, poucas mulheres ocuparam, de fato, posições de liderança no movimento. Anita se lembra de uma: Dolores Ibárruri (1895-1989), da Espanha. "Foi dirigente do partido [Comunista da Espanha] e teve papel fundamental na Guerra Civil [1936-1939]", diz. Dolores, conhecida como Passionária, convocou manifestações contra o general Francisco Franco aos gritos de "não passarão".

Entre os nomes atuais, crava um: a filósofa americana Angela Davis. "Ela luta pela causa das mulheres, em especial a das mulheres negras, e faz questão de dizer que continua comunista", diz. E entre as mulheres brasileiras? "Não me ocorre [nenhum nome]. A Manuela d´Ávila (PCdoB) não vejo como uma grande liderança por enquanto. Pode ser que venha a ser um dia."

Há um projeto para implementar o comunismo no Brasil?

Anita ri, desesperançosa, ao ser questionada sobre se é possível que um regime comunista se instale no Brasil, possibilidade já apontada como ameaça pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus correligionários. A resposta dela é não. "Tem pessoas que se esforçam para isso, mas o desmonte do movimento foi muito grande. O PCB é débil, sem condições. Por enquanto, estamos longe disso", diz ela, historiadora que se debruçou sobre o comunismo durante a carreira acadêmica.

"Você veja, hoje em dia, o comunismo não está representando nenhum perigo. Nem em 1964 representava esse perigo todo que se dizia na época, que os comunistas iriam tomar o poder. Não tinha força para isso. Mas é usado como bandeira, é um inimigo inventado para articular adeptos. É o bode expiatório. No golpe de 1964, quais eram as bandeiras? Contra o comunismo e contra a corrupção, exatamente o que está sendo dito agora."

Mas por que, então, se fala tanto sobre uma possível tomada de poder pelos comunistas? Anita elenca alguns motivos: "O avanço da direita no mundo, as derrotas da esquerda, a crise do capitalismo muito séria, a insatisfação popular. Isso tudo leva a burguesia mundial a se articular para defender seus interesses. E aí o bode expiatório é sempre o comunismo".

"Quem lê com seriedade 'O Capital', obra de Karl Marx, entende que o que ele faz é provar cientificamente, não é achismo, que o capitalismo se move por contradições cada vez mais graves, que vemos aumentando, como a concentração de renda. Há um pequeno número de milionários enquanto aumentam as milhões de pessoas em situação mais desfavorável. A insatisfação popular cresce, o desemprego está alto como nunca foi", diz.

"Vai levar tempo para forças sociais e políticas organizadas conseguirem levar adiante um projeto para derrubar o capitalismo. E não tem jeito, a única saída é o socialismo. Quando vai ser não dá para adivinhar. Mas vai surgir, não tenho dúvida, é uma necessidade histórica."

Fascismo à brasileira

Para Anita, não se pode falar que o Brasil vive no fascismo porque o "Estado de Direito ainda está funcionando". Ou seja, os direitos fundamentais dos cidadãos, garantidos pela Constituição, ainda vigoram, diferentemente do que aconteceria em um sistema fascista, em que as decisões de um governo autocentrado e autoritário imperariam sobre as liberdades individuais.

Mas, segundo ela, esse risco existe. "O presidente Jair Bolsonaro tem posições de caráter fascista, como elogiar um torturador da ditadura. Ele e seus filhos caminham para isso", diz. "Tudo vai depender da organização da resistência para contê-lo."

Esquerda sem rumo

Sobre a esquerda brasileira, Anita é incisiva: "Está desorganizada, pulverizada, sem rumo. A curto prazo não vejo saída. Precisa de mobilização, organização, conscientização. Um dia isso vai surgir, mas não estou vendo no momento", diz.

A comunista histórica tem dúvidas se a saída do ex-presidente Lula da prisão poderá contribuir efetivamente para essa organização. Também não vê no petista um líder que rompa com o status quo capitalista: considera Lula seguidor de uma política tão neoliberal quanto a de Fernando Henrique Cardoso, presidente entre 1995 e 2002.

Em sua opinião, o PT não foi capaz de organizar o povo quando esteve no poder, e dificilmente fará isso agora. "O partido não fez praticamente nada no sentido de organizar, conscientizar e mobilizar trabalhadores para se defenderem e lutarem. Lula distribuiu o Bolsa Família, fez uma série de medidas que melhoraram a situação dos mais pobres, mas não tomou medidas para organizar setores populares", diz.

"Não adianta o líder chegar, falar para grandes massas e ir embora. Precisa organizar núcleos e ensinar o povo a defender seus objetivos. O PT tem uma grande responsabilidade por tudo o que aconteceu, como o golpe contra Dilma Rousseff [em 2016]. Não houve resistência."

FONTEUniversa


terça-feira, 5 de novembro de 2019

Viver é tomar partido: memórias

Novo livro da historiadora Anita Prestes lançado pela Boitempo Editorial
[ O LIVRO ENCONTRA-SE EM PRÉ-VENDA NO SITE DA BOITEMPO E ESTARÁ DISPONÍVEL A PARTIR DO DIA 13/11]

Em Viver é tomar partido: memórias, Anita Leocadia Prestes narra sua extraordinária trajetória de vida, militância e pensamento. Autora de mais de uma dezena de livros sobre a história do comunismo no Brasil e no mundo, passando pela vida de seus pais – objeto de suas publicações mais recentes, Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro (Boitempo, 2015) e Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo (Boitempo, 2017) –, a historiadora lança agora esse relato memorialístico em que momentos importantes da história mundial são mesclados à narrativa de suas vivências pessoais.


Nessa obra, Anita registra as impressões dos episódios que marcaram sua vida, explorando acontecimentos pouco divulgados pelos meios de comunicação, na expectativa de que sejam experiências úteis para as novas gerações. Os onze capítulos que compõem o livro acompanham o percurso da filha de presos políticos nascida num campo de concentração da Alemanha nazista, sua libertação, a infância junto da avó, costurado sobre o pano de fundo da história do século XX. A ascensão e a queda do governo Vargas, os diversos fechamentos do PCB, a prisão de seus pais, a execução de sua mãe pelo governo Hitler, golpes e anistias são feitos tecido de uma vida de militância, que nunca hesitou em declarar seu caráter partidário, comunista.

O texto articula com rigor e delicadeza objetividade histórica e estratégias subjetivas de sobrevivência e luta, representando ao mesmo tempo preciosa fonte historiográfica e de inspiração militante. No anexo, cartas inéditas, poemas e trechos de jornais contextualizam o relato em meio a fatos. O título Viver é tomar partido, frase do poeta e dramaturgo alemão Christian Friedrich Hebbel retomada pelo intelectual italiano Antonio Gramsci, resume o modo peculiar como a autora encara sua vida, totalmente imbricada em seu ativismo político.
  

Trecho do livro

Apesar da separação, não fui uma criança triste nem infeliz. Minha avó sempre se referia à alegria contagiante da neta. Embora longe dos meus pais, cresci cercada do carinho deles, que me chegava através das cartas, da dedicação de Leocadia e Lygia e da atenção, amizade e cuidados de numerosas pessoas de diversas nacionalidades.
A partir de junho de 1941, com o ataque hitlerista à União Soviética, lembro-me bem da angústia da minha avó, preocupada com a violência da invasão do território soviético pelos nazistas e, certamente, com o destino das filhas e do netinho que viviam em Moscou. Imediatamente foi pendurado numa parede da nossa casa um grande mapa do cenário da guerra, em que os movimentos das tropas (tanto soviéticas quanto hitleristas) eram indicados com alfinetes de cabeças coloridas. Leocadia e Lygia acompanhavam essa movimentação torcendo, evidentemente, pelos soviéticos. Mesmo durante os períodos de maiores dificuldades para o exército soviético, minha avó se mantinha confiante em sua vitória final, afirmando aos amigos e companheiros que nos visitavam: “Eu conheço aquele povo e sei que vencerão a guerra.” Escreveu ela a meu pai:
 

"Eu, por mim, procuro reagir contra o desânimo, que muitas vezes vejo empolgar certa gente menos firme, quando os jornais, sempre ávidos de notícias retumbantes, exageram os fatos da Guerra. Muitas vezes discuto com essas pessoas que querem convencer-me de que tudo está perdido e que o nazismo governará o mundo."

Lamentavelmente, minha avó faleceu antes da vitória da União Soviética na Segunda Guerra Mundial.
Viver é tomar partido: memórias
autor: Anita Leocadia Prestes
orelha: Daniela Mussi
capa: Ronaldo Alves
selo:Boitempo
páginas:376
formato:16cm x 23cm x 2cmpeso:520 gr
encadernação:Brochura
ISBN:9788575597286

FONTE: Boitempo Editorial