No aniversário de oito décadas do levante antifascista no
Brasil, filha de Luís Carlos e Olga revisita o episódio que levou à
extradição de sua mãe
Por Michelle de Mello,
Colaboração para o Brasil de Fato
Há
exatos 80 anos, Luís Carlos Prestes, líder tenentista ingresso no
Partido Comunista, comandou uma tentativa de levante contra o governo de
Getúlio Vargas. O episódio foi batizado pela História como Intentona
Comunista, ou Revolta Vermelha de 35.
A
mobilização fazia parte de um movimento amplo, a Aliança Nacional
Libertadora, que buscava enfrentar o fascismo crescente em território
brasileiro. O não sucesso da Intentona trouxe suas consequências: a
prisão de Prestes e Olga Benário, sua companheira. Em 1936, Olga seria
extraditada para a Alemanha nazista. Sua história seria retratada em
livro e no cinema.
Filha de Olga e Luís Carlos, nascida em 1936, no campo de concentração de Barninmstrasse,
Anita Leocádia Prestes, professora de história aposentada pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz sua versão dos
levantes populares brasileiros de 1935, que resultaram na extradição e
morte de sua mãe.
Anita Leocádia Prestes | Foto: Juliana Bublitz/Zero Hora |
Brasil de Fato - Alguns
pesquisadores afirmam que a deportação de Olga aconteceu apenas por
pressão de Filinto Müller, que Vargas não teria influenciado nessa
decisão. Qual sua opinião?
Anita Leocádia Prestes -
Minha opinião é a mesma do meu pai. Filinto Müller era um chefe de
polícia subordinado a Getúlio Vargas, então ele não faria isso sem o seu
aval. Além disso, o que aconteceu foi uma extradição totalmente ilegal,
pois ela era esposa de um brasileiro e esperava um filho dele. Sabemos
que também que foi uma operação clandestina, não há nenhum decreto de
extradição. Então fica claro que Vargas foi o principal responsável pela
operação. Meu pai sempre dizia que essa foi a maneira que ele teve de
torturá-lo, já que após a Coluna ele tinha muito prestígio no Brasil e
internacionalmente, portanto agredi-lo fisicamente seria muito
escandaloso para o governo.
Muitos livros
afirmam que a vinda de Prestes e Olga para o Brasil foi uma tarefa do
Comitê Central do Partido Comunista Soviético para construir a Revolução
na América Latina, iniciando pelo nosso país. Você concorda com essa
interpretação?
Prestes e Olga não vieram
construir a revolução socialista no Brasil. Ele veio por vontade
própria, por perceber que havia um avanço do fascismo no país. Dmitri
Manuilski tentou convencê-lo de permanecer em Moscou, por prezar pela
sua vida e segurança, mas ele quis ir mesmo assim. Por isso, o
secretário-geral da III Internacional deu a importante tarefa técnica a
Olga: fazer a segurança de Prestes. Aqui, como presidente de honra da
Aliança Nacional Libertadora (ANL), mesmo na clandestinidade, ele
defendia as bandeiras: contra o monópolio, latifúndio, fascismo e o
integralismo. Fica claro que Prestes veio ao Brasil para tentar derrotar
a Ação Integralista Brasileira, criada em 1932, e instaurar um governo
democrático, através da ANL.
A partir da obra Olga
de Fernando Morais foi criado um filme, indicado ao Oscar em 2005. Você
concorda com a narrativa e os dados abordados? Você acredita que o
filme e o livro contribuíram para difundir a história de Olga e dos
comunistas no Brasil?
Há uma grande
diferença entre o livro e o filme, embora a película seja baseada na
obra escrita. O livro era considerado muito bom pelo meu pai. Morais
apesar de ser jornalista fez um trabalho de historiador. Pesquisou em
todas as fontes possíveis, comparou documentos. Foi aos principais
arquivos sobre a vida dela, na Alemanha, União Soviética, Israel,
Inglaterra, Estados Unidos e no Brasil. Ele também foi o primeiro
pesquisador que teve acesso aos processos do Tribunal de Segurança
Nacional, que hoje são abertos ao público, mas na época eles eram
confidenciais. Ele transmite uma imagem verdadeira de Olga. Já o filme, o
próprio diretor, Jayme Monjardim afirmou em entrevistas que ele não
estava interessado na história, nem na política ou em Prestes. O que ele
queria era retratar uma história de amor que achou muito bonita. O
filme não aborda pontos fundamentais, como a campanha Prestes. Dirigida
por minha avó, Leocádia, para a libertação dos presos políticos
brasileiros, como também a minha e de Olga. Além disso, o filme acaba
com Olga sendo morta na câmara de gás, não mostra que apesar de tudo, as
forças democráticas e em particular, a União Soviética, venceram o
fascismo. Mesmo com as críticas, acredito que ele desempenhou um papel
positivo, afinal foi visto por cerca de 4 milhões de pessoas no Brasil,
que antes não poderiam ter contato com a história de Olga e Prestes.
Como você analisa o episódio que mais tarde foi chamado por muitos pesquisadores como Intentona Comunista?
Eu
repudio o termo Intentona Comunista. Esse é um estereótipo criado pela
direita no Brasil, um ano depois dos acontecimentos, para produzir uma
imagem ruim do movimento. A terminologia correta seria Levantes
Anti-fascistas. À época existiam várias ações contra o fascismo, que
desembocaram na criação da ANL, a maior frente ampla que existiu no
Brasil, chegou a ter 100 mil membros, entre eles sindicalistas,
estudantes e militares, além de ser um movimento em que Prestes era a
grande liderança. Os comunistas fizeram uma avaliação, que hoje, podemos
analisar como totalmente falsa da realidade brasileira. Com o prestígio
do Prestes nos quartéis, os dirigentes do PC realmente acreditavam que
um chamado dele faria os militares se levantarem em revolta. Por outro
lado, a direção do PCB estava na mão de pessoas muito aventureiras, como
o famoso Miranda, que contava várias mentiras sobre a inserção do
Partido no país. Uma coisa é o povo ir para a rua aplaudir Prestes,
outra coisa é ele participar de um levante revolucionário.
Além disso, mais tarde se descobriu que o agente Gruber era infiltrado da inteligência inglesa, então Getúlio sabia dos levantes. Na verdade, o que eles fizeram foi um gesto heroico.
FONTE: Brasil de Fato
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