sábado, 8 de agosto de 2015

“Vargas foi o principal responsável pela extradição de Olga”, afirma Anita Prestes

No aniversário de oito décadas do levante antifascista no Brasil, filha de Luís Carlos e Olga revisita o episódio que levou à extradição de sua mãe


Por Michelle de Mello,
Colaboração para o Brasil de Fato

Há exatos 80 anos, Luís Carlos Prestes, líder tenentista ingresso no Partido Comunista, comandou uma tentativa de levante contra o governo de Getúlio Vargas. O episódio foi batizado pela História como Intentona Comunista, ou Revolta Vermelha de 35.

A mobilização fazia parte de um movimento amplo, a Aliança Nacional Libertadora, que buscava enfrentar o fascismo crescente em território brasileiro. O não sucesso da Intentona trouxe suas consequências: a prisão de Prestes e Olga Benário, sua companheira. Em 1936, Olga seria extraditada para a Alemanha nazista. Sua história seria retratada em livro e no cinema.

Filha de Olga e Luís Carlos, nascida em 1936, no campo de concentração de Barninmstrasse, Anita Leocádia Prestes, professora de história aposentada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz sua versão dos levantes populares brasileiros de 1935, que resultaram na extradição e morte de sua mãe.

Anita Leocádia Prestes | Foto: Juliana Bublitz/Zero Hora
Brasil de Fato - Alguns pesquisadores afirmam que a deportação de Olga aconteceu apenas por pressão de Filinto Müller, que Vargas não teria influenciado nessa decisão. Qual sua opinião?

Anita Leocádia Prestes - Minha opinião é a mesma do meu pai. Filinto Müller era um chefe de polícia subordinado a Getúlio Vargas, então ele não faria isso sem o seu aval. Além disso, o que aconteceu foi uma extradição totalmente ilegal, pois ela era esposa de um brasileiro e esperava um filho dele. Sabemos que também que foi uma operação clandestina, não há nenhum decreto de extradição. Então fica claro que Vargas foi o principal responsável pela operação. Meu pai sempre dizia que essa foi a maneira que ele teve de torturá-lo, já que após a Coluna ele tinha muito prestígio no Brasil e internacionalmente, portanto agredi-lo fisicamente seria muito escandaloso para o governo.

Muitos livros afirmam que a vinda de Prestes e Olga para o Brasil foi uma tarefa do Comitê Central do Partido Comunista Soviético para construir a Revolução na América Latina, iniciando pelo nosso país. Você concorda com essa interpretação?

Prestes e Olga não vieram construir a revolução socialista no Brasil. Ele veio por vontade própria, por perceber que havia um avanço do fascismo no país. Dmitri Manuilski tentou convencê-lo de permanecer em Moscou, por prezar pela sua vida e segurança, mas ele quis ir mesmo assim. Por isso, o secretário-geral da III Internacional deu a importante tarefa técnica a Olga: fazer a segurança de Prestes. Aqui, como presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora (ANL), mesmo na clandestinidade, ele defendia as bandeiras: contra o monópolio, latifúndio, fascismo e o integralismo. Fica claro que Prestes veio ao Brasil para tentar derrotar a Ação Integralista Brasileira, criada em 1932, e instaurar um governo democrático, através da ANL.

A partir da obra Olga de Fernando Morais foi criado um filme, indicado ao Oscar em 2005. Você concorda com a narrativa e os dados abordados? Você acredita que o filme e o livro contribuíram para difundir a história de Olga e dos comunistas no Brasil?

Há uma grande diferença entre o livro e o filme, embora a película seja baseada na obra escrita. O livro era considerado muito bom pelo meu pai. Morais apesar de ser jornalista fez um trabalho de historiador. Pesquisou em todas as fontes possíveis, comparou documentos. Foi aos principais arquivos sobre a vida dela, na Alemanha, União Soviética, Israel, Inglaterra, Estados Unidos e no Brasil. Ele também foi o primeiro pesquisador que teve acesso aos processos do Tribunal de Segurança Nacional, que hoje são abertos ao público, mas na época eles eram confidenciais. Ele transmite uma imagem verdadeira de Olga. Já o filme, o próprio diretor, Jayme Monjardim afirmou em entrevistas que ele não estava interessado na história, nem na política ou em Prestes. O que ele queria era retratar uma história de amor que achou muito bonita. O filme não aborda pontos fundamentais, como a campanha Prestes. Dirigida por minha avó, Leocádia, para a libertação dos presos políticos brasileiros, como também a minha e de Olga. Além disso, o filme acaba com Olga sendo morta na câmara de gás, não mostra que apesar de tudo, as forças democráticas e em particular, a União Soviética, venceram o fascismo. Mesmo com as críticas, acredito que ele desempenhou um papel positivo, afinal foi visto por cerca de 4 milhões de pessoas no Brasil, que antes não poderiam ter contato com a história de Olga e Prestes.

Como você analisa o episódio que mais tarde foi chamado por muitos pesquisadores como Intentona Comunista?

Eu repudio o termo Intentona Comunista. Esse é um estereótipo criado pela direita no Brasil, um ano depois dos acontecimentos, para produzir uma imagem ruim do movimento. A terminologia correta seria Levantes Anti-fascistas. À época existiam várias ações contra o fascismo, que desembocaram na criação da ANL, a maior frente ampla que existiu no Brasil, chegou a ter 100 mil membros, entre eles sindicalistas, estudantes e militares, além de ser um movimento em que Prestes era a grande liderança. Os comunistas fizeram uma avaliação, que hoje, podemos analisar como totalmente falsa da realidade brasileira. Com o prestígio do Prestes nos quartéis, os dirigentes do PC realmente acreditavam que um chamado dele faria os militares se levantarem em revolta. Por outro lado, a direção do PCB estava na mão de pessoas muito aventureiras, como o famoso Miranda, que contava várias mentiras sobre a inserção do Partido no país. Uma coisa é o povo ir para a rua aplaudir Prestes, outra coisa é ele participar de um levante revolucionário. 

Além disso, mais tarde se descobriu que o agente Gruber era infiltrado da inteligência inglesa, então Getúlio sabia dos levantes. Na verdade, o que eles fizeram foi um gesto heroico.  


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