Artistas que realmente acreditam que as políticas de Israel são inaceitáveis apoiariam, certamente, um movimento de boicote global, não violento, como o BDS
Por Ofer Neiman e Yonatan Shapira, O Globo
Caetano e Gil visitam território palestino e se encontram com Shimon Peres em Israel (Foto: Gideon Markowicz / AFP) |
Em uma amostra de relações-públicas superficialmente disfarçada, Caetano Veloso declarou nesta segunda em Tel Aviv: “Acho inaceitável a ocupação, mas sou só um brasileiro, visitante, cantor. Esse é um problema dos israelenses”.
Como cidadãos israelenses, temos visto, vez após outra, que a ocupação e
apartheid de Israel não são um problema que israelenses estão dispostos
ou capazes de resolver sozinhos.
Infelizmente, esse “problema” também chegou à porta brasileira há
muitos anos: o Brasil é o quinto maior importador de armas de Israel.
Contratos assinados entre os governos brasileiro e israelense chegam
quase ao valor de US$ 1 bilhão.
De veículos blindados vindos de Israel para as ocupações policiais das
favelas ao treinamento israelense das polícias militares no Rio e em São
Paulo, trata-se de dinheiro do imposto de cidadãos brasileiros.
Caetano e Gil disseram que vieram a Israel em apoio a um “diálogo”.
Palestinos vivendo sob a ocupação e apartheid israelenses costumam
dizer, e estão certos, que não pode haver diálogo entre um cavalo e seu
cavaleiro.
Nós sabemos que diálogos significativos só podem começar quando o
opressor percebe que suas políticas não são mais aceitáveis. Artistas
que realmente acreditam que as políticas de Israel são inaceitáveis
apoiariam, certamente, um movimento de boicote global, não violento,
como o BDS — baseado no modelo sul-africano de campanha contra o
apartheid.
Eles declararam que estavam aqui em Israel para “aprender” sobre a
situação. Não é necessário mais do que uma mente aberta e acesso à
internet para entender a realidade da ocupação e apartheid de Israel
contra o povo palestino — assim como não é necessário ir à Síria para
entender a natureza dos crimes que estão sendo cometidos lá. Além disso,
nós e outros convidamos ambos a virem ver a realidade aqui sem prover
entretenimento às massas privilegiadas de Tel Aviv.
Os slogans de “paz” de Caetano e Gil, 48 anos depois da ocupação
israelense da Cisjordânia e Gaza e 67 anos depois da Nakba, a limpeza
étnica da Palestina, não são mais do que uma retórica de lavagem
política, a qual mantém as pessoas distantes de uma discussão séria
sobre a realidade assimétrica sob controle israelense.
Paz só pode vir como um resultado, resultado da igualdade perante os
direitos humanos e o fim da opressão. Eles falharam em focar nos crimes e
violações de direitos humanos que constituem, diariamente, um sistema
de ocupação e apartheid contra milhões de pessoas palestinas.
Em nossa opinião, talvez a pior das ações tomadas por Caetano e Gil em
Israel tenha sido sua reunião com Shimon Peres. Este talvez tenha
enganado pessoas no passado, com seus longos discursos românticos sobre
paz, mas qualquer um olhando para seu currículo percebe que Peres é um
inimigo da paz.
Enquanto primeiro-ministro de Israel, ele foi responsável pelo
bombardeamento indiscriminado do Líbano na primavera de 1996, matando
muitos civis e expulsando a milhares de libaneses refugiados de suas
casas.
Na função de ministro da Defesa, em 1986, Peres autorizou o sequestro e
tortura do israelense Mordechai Va’anunu, que revelou ao público
informações sobre o programa nuclear de Israel. Ele também fundou o
Centro Nuclear militar israelense de Dimona, um projeto que instigou uma
corrida armamentista perigosa e não convencional no Oriente Médio.
Há também evidência substancial de seu apoio moral e militar ao brutal
regime de apartheid da África do Sul e seu projeto nuclear.
Nós já testemunhamos inúmeros artistas vindo se apresentar em Israel
pela “paz”. Nenhum deles deixou um legado político aqui. Nenhum deles
começou uma onda de dissidência e ativismo pelo fim dos crimes cometidos
pelo governo israelense contra milhões de pessoas.
Por outro lado, artistas que escolheram não se apresentar aqui deram
uma mensagem moral clara: esses crimes não serão tolerados!
Nesta segunda-feira, Caetano Veloso e Gilberto Gil forneceram serviços
de propaganda ao regime de apartheid de Israel e seus esforços anti-BDS.
Só se pode esperar que eles farão como Roger Waters, que se apresentou
aqui mas depois percebeu que cometeu um erro.
Talvez eles também percebam que o movimento global e não violento de
BDS é o caminho para justiça, igualdade e — só quando estas forem
alcançadas — paz.
São pessoas inteligentes com opiniões brilhantes,mas que buscam o interesse próprio num mundo desumano, como eles próprios.
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