terça-feira, 8 de novembro de 2022

Discurso de Saudação à Professora Anita Leocadia Prestes, por ocasião da entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico

(Sessão Solene do Conselho Universitário Entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico à Professora Anita Leocadia Prestes, realizada no Salão Nobre do Instituto de História da UFRJ, no dia 07 de novembro de 2022.)

 

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro

Professor de História da Educação da UERJ

 

Senhoras e senhores, boa tarde!

Sinto-me, extremamente, honrado de estar nesta mesa, composta pela Magnífica Reitora da UFRJ, Prof.ª Denise Pires de Carvalho, pelo Vice-Reitor, Prof. Carlos Frederico Leão Rocha, pelo Vice Decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Prof. Paulo Castro, pelo Diretor do Instituto de História, Prof. Antonio Carlos Jucá, e pela homenageada desta Sessão Solene, Professora Anita Leocadia Prestes.

Gostaria de agradecer o honroso convite para ser orador nesta sessão solene de entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico à Professora Anita Prestes, de quem fui seu aluno e orientando durante minha trajetória discente nesta Universidade, tanto no Curso do Bacharelado em História, do antigo Departamento de História, hoje Instituto de História da UFRJ, quanto nos cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Assim como eu, muitos de seus ex-alunos reconhecem que suas ideias e atitudes, reveladas durante o exercício de sua docência aqui na UFRJ, contribuíram para que seus alunos trilharem o difícil caminho de adquirir a profissão de pesquisador(a) ou professor(a) de História.

Portanto, o que falar da Professora Anita Prestes? No que se refere ao ensino, à pesquisa e à extensão, o trabalho educativo desenvolvido por ela, isto é, o “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”[1],  tem uma expressão pedagógica explícita: é diretamente voltado para a formação de lutadores e construtores, para contribuir na construção de “alternativas a uma ordem social que precisa ser transformada radicalmente em toda sua maneira de ser”. [2]

Sua postura como historiadora e professora de História é de sempre se posicionar ideológica e politicamente diante da chamada História Oficial – aquela elaboração histórica que convém aos grupos dominantes na sociedade. Como uma historiadora e uma professora, comprometida com as lutas populares, com os interesses dos explorados e dos oprimidos, a sua meta, na sala de aula, no trabalho de pesquisa histórica e na participação de eventos diversos para além dos muros da universidade, é formar jovens questionadores, cidadãos que não aceitem o consenso dominante e contribuir para a elaboração de uma outra história, comprometida não só com a evidência dos fatos, mas também com o imperativo de construir um futuro de justiça social e liberdade para o povo.

Por se posicionar publicamente contra o status quo, negando-se a uma neutralidade aparente, a professora Anita Prestes é uma personalidade incômoda aos chamados donos do poder e seus intelectuais orgânicos, uma vez que não capitulou diante do inimigo de classe, não se vendeu em troca de cargos políticos, não se utiliza dos nomes de seus pais para ser favorecida diante de interesses menores ou de caráter pessoal. Discordar de Anita Prestes por suas profundas convicções comunistas, de defesa de uma sociedade justa e igualitária, é um direito facultado aos seus adversários políticos, porém o que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza ao seu trabalho de combate à História Oficial, que esquece, silencia, deturpa e ataca “os ideais e as lutas dos setores, que não obtiveram êxito em seus propósitos revolucionários e transformadores e, muitas vezes, sofreram duras derrotas”.[3] A produção historiográfica da professora Anita é feita com rigor científico, com absoluta precisão teórico-metodológica, com análise em farta documentação, contribuindo imensamente para esclarecer períodos obscuros da história brasileira.

E por falar em história, a professora Anita é também uma personagem histórica. Sua trajetória pessoal entrecruza-se, em muitos pontos, com os acontecimentos históricos internacionais e os nacionais de alguns países, como Brasil, México e União Soviética, desde o seu nascimento em uma prisão em Berlim da Alemanha nazista, passando pelos dramas familiares e pelas vicissitudes de sua militância comunista no contexto da Guerra Fria e da Ditadura Militar no Brasil, até a carreira acadêmica como estudiosa da história política do Brasil contemporâneo e do movimento comunista internacional, em particular, a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a trajetória política de seu pai, Luiz Carlos Prestes, principal liderança comunista brasileira no século XX.

Aliás, desde o nascimento, o modo como a professora Anita vai se inscrevendo no mundo é marcado por dois aspectos ao longo de sua vida: a solidariedade, um princípio entre os comunistas que lhe foi fundamental, e o anticomunismo, impondo-lhe condições que nunca foram favoráveis desde a mais tenra infância. As vivências de sua infância e adolescência são elementos da formação de um sujeito histórico, de uma pessoa, que se engajará na luta por um mundo melhor para todos, não obstante os sacrifícios pessoais, entendendo, por exemplo, que o martírio de sua mãe, assassinada na câmara de gás do campo de concentração de Bernburg (em abril de 1942), uma vítima do fascismo entre milhares de outras, “deve servir de exemplo para que não permitamos que tais horrores se repitam”. [4]  Para além da condição de filha de dois expoentes do movimento comunista internacional, a professora Anita, desde cedo, procura trilhar caminho próprio como militante, ciente de que não pertence a ela o prestígio de ser filha de quem é. Em vez de desfrutar do prestígio advindo dos pais, busca sempre ser digna da história de vida de ambos, isto é, ser uma comunista revolucionária.

A partir dos anos 1990, atuando profissionalmente na universidade, a militância comunista assume “a forma de luta ideológica contra a falsificação (promovida pela história oficial a serviço dos donos do poder) da trajetória revolucionária de Luiz Carlos Prestes e dos comunistas brasileiros, e contra as tendências de caráter reformista burguês presentes em grande parte das políticas adotadas pelas forças ditas de esquerda no Brasil”.[5] Anita Prestes é uma intelectual militante, comprometida com os “de baixo”, em defesa de uma educação pública, laica, gratuita, democrática e de qualidade, e que luta por transformações radicais da sociedade expressando os interesses de setores sociais revolucionários ou potencialmente revolucionários.

“Viver é tomar partido”, título do seu livro de memórias, resume bem uma vida de militância política e de carreira acadêmica, que nunca ficou indiferente e sempre se posicionou frente aos acontecimentos. Anita Prestes não é somente o “bebê famoso”, filha de Olga e Prestes, nem unicamente uma historiadora e professora universitária, mas uma pessoa com uma vida intensa, cheia de aventuras, marcada pelas perseguições movidas contra os comunistas e, em particular, contra seu pai e sua família. Mas, também, uma vida marcada pela solidariedade humana e cercada de amor.

Para concluir, gostaria de finalizar dizendo o seguinte à nossa homenageada: Professora Anita, pela sua integridade, pela sua firmeza de caráter, pela sua militância comunista, pelo seu profissionalismo e pela sua coerência de na vida sempre tomar partido, serei sempre seu aprendiz.

Muito obrigado.



[1] Dermeval Saviani, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações (8ª ed., Campinas, Autores Associados, 2003, p. 13).

[2] Roseli Salete Caldart, Pedagogia do Movimento: processo histórico e chave metodológica (março de 2021, p. 1). Disponível em: https://mst.org.br/download/pedagogia-do-movimento-processo-historico-e-chave-metodologica/. Acesso em: 06/11/2022.

[3] Anita Leocadia Prestes, O historiador perante a história oficial, in Germinal: marxismo e educação em debate, v. 2, n. 1, 2010, p. 94. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/9607/7031. Acesso em: 06/11/2022.

[5] Anita Leocadia Prestes, Viver é tomar partido: memorias (São Paulo: Boitempo, 2019, p. 268-269).




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