(Sessão Solene do Conselho Universitário – Entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico à Professora Anita Leocadia Prestes, realizada no Salão Nobre do Instituto de História da UFRJ, no dia 07 de novembro de 2022.)
Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro
Professor de História da Educação da UERJ
Senhoras e senhores, boa tarde!
Sinto-me, extremamente, honrado de estar
nesta mesa, composta pela Magnífica Reitora da UFRJ, Prof.ª Denise Pires de
Carvalho, pelo Vice-Reitor, Prof. Carlos Frederico Leão Rocha, pelo Vice Decano
do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Prof.
Paulo Castro, pelo Diretor do Instituto de História, Prof. Antonio Carlos Jucá,
e pela homenageada desta Sessão Solene, Professora
Anita Leocadia Prestes.
Gostaria de agradecer o honroso convite
para ser orador nesta sessão solene de entrega da Medalha Minerva do Mérito
Acadêmico à Professora Anita Prestes, de quem fui seu aluno e orientando durante
minha trajetória discente nesta Universidade, tanto no Curso do Bacharelado em
História, do antigo Departamento de História, hoje Instituto de História da
UFRJ, quanto nos cursos de mestrado e doutorado do Programa
de Pós-Graduação em História Comparada. Assim como eu, muitos de seus
ex-alunos reconhecem que suas ideias e atitudes, reveladas durante o exercício
de sua docência aqui na UFRJ, contribuíram para que seus alunos trilharem o
difícil caminho de adquirir a profissão de pesquisador(a) ou professor(a) de
História.
Portanto, o que falar da Professora Anita
Prestes? No que se refere ao ensino, à pesquisa e à extensão, o trabalho
educativo desenvolvido por ela, isto é, o “ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”[1], tem uma expressão pedagógica explícita: é
diretamente voltado para a formação de lutadores e construtores, para
contribuir na construção de “alternativas a uma ordem social que precisa ser
transformada radicalmente em toda sua maneira de ser”. [2]
Sua postura como historiadora e professora
de História é de sempre se posicionar ideológica e politicamente diante da
chamada História Oficial – aquela elaboração histórica que convém aos grupos
dominantes na sociedade. Como uma historiadora e uma professora, comprometida
com as lutas populares, com os interesses dos explorados e dos oprimidos, a sua
meta, na sala de aula, no trabalho de pesquisa histórica e na participação de
eventos diversos para além dos muros da universidade, é formar jovens
questionadores, cidadãos que não aceitem o consenso dominante e contribuir para
a elaboração de uma outra história, comprometida não só com a evidência dos
fatos, mas também com o imperativo de construir um futuro de justiça social e
liberdade para o povo.
Por se posicionar publicamente contra o status
quo, negando-se a uma neutralidade aparente, a professora Anita Prestes é uma
personalidade incômoda aos chamados donos do poder e seus intelectuais
orgânicos, uma vez que não capitulou diante do inimigo de classe, não se vendeu
em troca de cargos políticos, não se utiliza dos nomes de seus pais para ser
favorecida diante de interesses menores ou de caráter pessoal. Discordar de
Anita Prestes por suas profundas convicções comunistas, de defesa de uma
sociedade justa e igualitária, é um direito facultado aos seus adversários
políticos, porém o que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza ao
seu trabalho de combate à História Oficial, que esquece, silencia, deturpa e
ataca “os ideais e as lutas dos setores, que não obtiveram êxito em seus
propósitos revolucionários e transformadores e, muitas vezes, sofreram duras
derrotas”.[3] A produção historiográfica
da professora Anita é feita com rigor científico, com absoluta precisão
teórico-metodológica, com análise em farta documentação, contribuindo
imensamente para esclarecer períodos obscuros da história brasileira.
E por falar em história, a professora
Anita é também uma personagem histórica. Sua trajetória pessoal entrecruza-se,
em muitos pontos, com os acontecimentos históricos internacionais e os
nacionais de alguns países, como Brasil, México e União Soviética, desde o seu
nascimento em uma prisão em Berlim da Alemanha nazista, passando pelos dramas
familiares e pelas vicissitudes de sua militância comunista no contexto da
Guerra Fria e da Ditadura Militar no Brasil, até a carreira acadêmica como
estudiosa da história política do Brasil contemporâneo e do movimento comunista
internacional, em particular, a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
e a trajetória política de seu pai, Luiz Carlos Prestes, principal liderança
comunista brasileira no século XX.
Aliás, desde o nascimento, o modo como a professora
Anita vai se inscrevendo no mundo é marcado por dois aspectos ao longo de sua
vida: a solidariedade, um princípio entre os comunistas que lhe foi fundamental,
e o anticomunismo, impondo-lhe condições que nunca foram favoráveis desde a
mais tenra infância. As vivências de sua infância e adolescência são elementos
da formação de um sujeito histórico, de uma pessoa, que se engajará na luta por
um mundo melhor para todos, não obstante os sacrifícios pessoais, entendendo,
por exemplo, que o martírio de sua mãe, assassinada na câmara de gás do campo
de concentração de Bernburg (em abril de 1942), uma vítima do fascismo entre
milhares de outras, “deve servir de exemplo para que não permitamos que tais
horrores se repitam”. [4] Para além da condição de filha de dois
expoentes do movimento comunista internacional, a professora Anita, desde cedo,
procura trilhar caminho próprio como militante, ciente de que não pertence a
ela o prestígio de ser filha de quem é. Em vez de desfrutar do prestígio
advindo dos pais, busca sempre ser digna da história de vida de ambos, isto é,
ser uma comunista revolucionária.
A partir dos anos 1990, atuando
profissionalmente na universidade, a militância comunista assume “a forma de
luta ideológica contra a falsificação (promovida pela história oficial a
serviço dos donos do poder) da trajetória revolucionária de Luiz Carlos Prestes
e dos comunistas brasileiros, e contra as tendências de caráter reformista
burguês presentes em grande parte das políticas adotadas pelas forças ditas de
esquerda no Brasil”.[5] Anita Prestes é uma
intelectual militante, comprometida com os “de baixo”, em defesa de uma
educação pública, laica, gratuita, democrática e de qualidade, e que luta por
transformações radicais da sociedade expressando os interesses de setores
sociais revolucionários ou potencialmente revolucionários.
“Viver é tomar partido”, título do seu
livro de memórias, resume bem uma vida de militância política e de carreira
acadêmica, que nunca ficou indiferente e sempre se posicionou frente aos
acontecimentos. Anita Prestes não é somente o “bebê famoso”, filha de Olga e
Prestes, nem unicamente uma historiadora e professora universitária, mas uma
pessoa com uma vida intensa, cheia de aventuras, marcada pelas perseguições
movidas contra os comunistas e, em particular, contra seu pai e sua família.
Mas, também, uma vida marcada pela solidariedade humana e cercada de amor.
Para concluir, gostaria de finalizar
dizendo o seguinte à nossa homenageada: Professora Anita, pela sua integridade,
pela sua firmeza de caráter, pela sua militância comunista, pelo seu
profissionalismo e pela sua coerência de na vida sempre tomar partido, serei
sempre seu aprendiz.
Muito obrigado.
[1] Dermeval Saviani, D. Pedagogia
histórico-crítica: primeiras aproximações (8ª ed., Campinas, Autores
Associados, 2003, p. 13).
[2] Roseli Salete Caldart, Pedagogia
do Movimento: processo histórico e chave metodológica (março de 2021, p. 1).
Disponível em: https://mst.org.br/download/pedagogia-do-movimento-processo-historico-e-chave-metodologica/. Acesso em: 06/11/2022.
[3] Anita Leocadia Prestes, O
historiador perante a história oficial, in Germinal: marxismo e
educação em debate, v. 2, n. 1, 2010, p. 94. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/9607/7031.
Acesso em: 06/11/2022.
[5] Anita Leocadia Prestes, Viver é
tomar partido: memorias (São Paulo: Boitempo, 2019, p. 268-269).
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