sábado, 2 de outubro de 2010

Nos anos 1940, cientistas dos EUA infectaram sem consentimento prostitutas e doentes mentais na Guatemala

Nos anos 1940, cientistas dos EUA infectaram de propósito com sífilis e gonorreia cerca de 1.500 pessoas na Guatemala. Nenhum dos infectados -a maior parte prostitutas, soldados e doentes mentais- sabia dos propósitos do estudo ou deu consentimento para os testes.
O médico John Cutler, funcionário do serviço de saúde pública do governo americano, conduziu o trabalho entre 1946 e 1948 com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH).
O caso foi exposto por Susan Reverby, do Wellesley College. Ela descobriu cartas trocadas entre os pesquisadores e seus superiores, e publicará um artigo sobre isso em janeiro de 2011 no "Journal of Policy Studies".
"Estamos escandalizadas por saber que essa pesquisa ocorreu sob o disfarce de ação de saúde pública. O estudo foi antiético", disseram em nota divulgada ontem as secretárias de Estado dos EUA, Hillary Clinton, e a da Saúde, Kathleen Sebelius.
"Sentimos muito e pedimos desculpas a todos os infectados na pesquisa".
Barack Obama pediu desculpas pelo telefone diretamente ao presidente da Guatemala, Alvaro Colom.

VIOLAÇÃO TERRÍVEL

Cutler pretendia pesquisar formas de prevenir doenças sexualmente transmissíveis.
Ele infectou prostitutas com gonorreia ou sífilis e deixou que fizessem sexo com soldados e detentos.
Como poucos homens se contaminaram, ele decidiu inocular as doenças diretamente em soldados, prisioneiros e doentes mentais. As formas de contágio iam de injeções a exposição do pênis a material contaminado.
As cartas encontradas por Reverby mostram que os pesquisadores sabiam que o estudo era antiético e que autoridades da Guatemala aprovaram a pesquisa.
Os arquivos indicam que quase todos os que contraíram gonorreia e cancro mole foram tratados. Mas muitos dos que pegaram sífilis receberam tratamento parcial ou nem foram tratados.
Não há dados suficientes para saber se as prostitutas receberam tratamento. Ao menos 71 pessoas morreram, mas não se sabe se por causa da pesquisa.
"Regulamentos sobre pesquisas médicas em humanos nos EUA hoje proíbem esse tipo de violação terrível", disseram Hillary e Sebelius.
Elas afirmaram que será feita uma investigação sobre o caso e que especialistas internacionais farão um relatório sobre padrões éticos em pesquisas médicas.

Pesquisador não tratou negros nos EUA

John Cutler, que conduziu o estudo na Guatemala, também participou de outro famoso experimento com sífilis que chamou a atenção pelo descuido ético.
Entre 1932 e 1972, foram recrutados 400 negros nos EUA com a doença. Não receberam tratamento, para que se analisasse até onde a sífilis poderia levá-los -a penicilina, porém, já estava disponível nos anos 1940.
Cutler e outros cientistas davam aos pacientes medicamentos que não faziam efeito. Os negros, então, não tinham conhecimento de que não estavam sendo tratados.
O caso ficou conhecido como experimento de Tuskegee, em referência à cidade no Alabama onde ele foi realizado. Em 1997, outro Clinton que não Hillary, seu marido Bill, então presidente, pediu desculpas em nome do país pelo episódio.
Cutler morreu em 2003. Não recebeu nenhum tipo de punição oficial. Ele não foi o único, porém, a realizar estudos sem consentimento.
Entre os mais conhecidos, os realizados pelos nazistas em campos de concentração. Envolviam transplantes inéditos de partes do corpo, testes de resistência ao frio e contaminação por doenças ou substâncias tóxicas.
Em um caso mais recente, o governo da Nigéria acusou a farmacêutica americana Pfizer de dar a crianças do país um antibiótico não testado sem consentimento das famílias. Onze morreram.

FONTE: Folha de São Paulo, 02/10/2010.

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