Antonio Gramsci (1891-1937)
Nota escrita a propósito dos estudos das situações e do que se entende por "correlações de forças". O estudo de como analisar "situações", isto é, de como estabelecer os diversos graus de correlações de forças, pode se prestar a uma exposição elementar de ciência e arte políticas, entendidas como um conjunto de regras práticas de pesquisas e observações particulares destinadas a despertar o interesse pela realidade efetiva e suscitar intuições políticas mais rigorosas e vigorosas. Deve-se acrescentar à exposição o que se entende em política por estratégia e tática, por "plano" estratégico, por propaganda e agitação, por orgânico ou ciência da organização e da administração em política. Esses elementos de observação empírica que são expostos confusamente nos tratados de ciência política (pode-se tomar como exemplo a obra de G. Mosca: Elementos de ciência política) deveriam, na medida em que não são questões abstratas ou construções sem fundamento, encontrar seu lugar nos variados graus das correlações de forças, a começar pela correlação de forças internacionais (nas quais teriam lugar as notas escritas sobre o que é uma grande potência, sobre os reagrupamentos de Estados em sistemas hegemônicos e por conseguinte sobre o conceito de independência e de soberania no que diz respeito a pequenas e médias potências) para passar às correlações objetivas sociais, isto é, aos graus de desenvolvimento das forças produtivas, às correlações de forças políticas e de partidos (sistema hegemônico no interior do Estado) e às correlações políticas imediatas (ou ainda, potencialmente militares).
As correlações internacionais precedem ou seguem (logicamente) as relações sociais fundamentais? Seguem, indubitavelmente. Qualquer inovação orgânica na estrutura modifica organicamente as correlações absolutas e relativas no campo internacional, através de suas expressões técnico-militares. Mesmo a posição geográfica de um Estado nacional não precede mas segue (logicamente) as inovações estruturais, ao mesmo tempo que reagem sobre elas numa certa medida (precisamente na medida em que as superestruturas reagem sobre as estruturas, à política sobre a economia, etc.). Por outro lado, as correlações internacionais reagem passiva e ativamente sobre as correlações políticas (de hegemonia dos partidos). Quanto mais a vida econômica imediata de uma nação é subordinada às correlações internacionais, tanto mais um determinado partido representa esta situação e a explora para impedir o avanço dos partidos adversários (recordar o famoso discurso de Nitti sobre a revolução italiana tecnicamente impossível!). Dessa série de fatos pode-se chegar à conclusão que o partido que se chama de "partido do estrangeiro"1 não é propriamente aquele que como tal vem vulgarmente indicado, mas exatamente o partido mais nacionalista, o que, mais que representar a força vital do próprio país, representa a subordinação e a subserviência econômica às nações ou a um grupo de nações hegemônicas (um aceno a este elemento internacional "repressivo" da energia interna se encontra nos artigos publicados por G. Volpe no "Corriere della Sera" de 22 e 23 de março de 1932).
[1932-1933]
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que é preciso colocar exatamente e resolver para se chegar a uma análise justa das forças que operam na história de um determinado período e determinar suas correlações. É preciso mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se coloca problemas para a solução dos quais já não existam as condições necessárias e suficientes ou que não estariam ao menos em vias de aparecimento e de desenvolvimento; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve ou pode ser substituída se antes não desenvolveu todas as formas de vida que estão implícitas nas suas relações (controlar o enunciado exato destes princípios).
"Uma formação social não perece antes de desenvolver toda a força produtiva de que ainda é capaz e de que uma nova relação de produção mais elevada não lhe tenha tomado o lugar, antes que as condições materais de existência desta última não tenham surgido no seio esgotado da velha sociedade. Por isso, a humanidade se coloca sempre apenas os problemas que está a ponto de resolver; quando se observa com mais acuidade, se verificará sempre que a questão só se coloca depois que já existam as condições materiais de sua resolução ou estas estejam em vias de surgir." (Introdução à Contribuição à crítica da economia política).
A partir da reflexão sobre esses dois cânones, pode se chegar a desenvolver toda uma série de outros princípios de metodologia histórica. Entretanto, no estudo de uma estrutura é preciso distinguir os movimentos orgânicos (relativamente permanentes) dos movimentos que se pode chamar de conjuntura2 (e se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais). Os movimentos de conjuntura certamente também são dependentes dos movimentos orgânicos, mas sua significação não tem um vasto alcance histórico: propiciam uma crítica política mesquinha, do dia a dia, que se prende aos pequenos grupos dirigentes e às personalidades imediatamente responsáveis pelo poder. Os fenômenos orgânicos dão lugar à crítica histórico-social, que se preocupa com os grandes agrupamentos, para além das pessoas imediatamente responsáveis e para além do pessoal dirigente. No curso do estudo de um período histórico, aparece a grande importância desta distinção. Às vezes, aparece uma crise que se prolonga por dezenas de anos. Essa duração excepcional significa que na estrutura se revelaram (chegaram à maturidade) contradições insanáveis e que a força política que opera positivamente a conservação e a defesa da estrutura ainda está se esforçando para saneá-las dentro de certos limites e superá-las. Estes esforços incessantes e perseverantes (pois nenhuma força social vai confessar que está superada) formam o terreno do "ocasional" sobre o qual se organizam as forças antagonistas que tendem a demonstrar (demonstração que em última análise só é "verdadeira" se faz surgir uma nova realidade, quando as forças antagonistas triunfam, mais imediatamente se desenvolve uma série de polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas etc., cuja concretude pode ser avaliada pela maneira como conseguem convencer e pela maneira como deslocam o antigo dispositivo de forças sociais) que já existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas possam e devam estar então em vias de serem resolvidas historicamente (devam, porque ficar aquém do dever histórico aumenta a desordem necessária e prepara catástrofes mais grave).
O erro em que se cai constantemente nas análises histórico-políticas consiste em não saber encontrar a justa relação entre o que é orgânico e o que é ocasional. Arrisca-se assim a expor como imediatamente operantes causas que, ao contrário, são operantes de uma maneira mediata, ou a afirmar que as causas imediatas são as únicas causas eficientes; num caso há excesso de "economismo" ou doutrinarismo pedante, noutro excesso de "ideologismo"; num caso se superestrima a causa mecânica, no outro se exalta o elemento voluntarista e individual. (A distinção entre "movimentos" e fatos orgânicos e movimentos e fatos de "conjuntura" ou ocasionais deve ser aplicada a todos os tipos de situações, não só àquelas em que se verifica um desenvolvimento regressivo ou de crise aguda, mas àquelas em que se verifica um desenvolvimento progressivo ou de prosperidade e àquelas em que se verifica uma estagnação da força produtiva.) O nexo dialético entre as duas ordens de movimentos e, por conseguinte, de pesquisas dificilmente pode ser estabelecido com exatidão, e, se o erro é grave em historiografia, ainda mais grave será na arte política, quando se trata não de reconstruir a história passada, mas de construir a do presente e futuro: os próprios desejos e as paixões deterioradas e imediatas são a causa do erro, na medida em que substituem a análise objetiva e imparcial e em que os veem não como "meio" concebido para estimular a ação, mas como auto-engano. A serpente , neste caso, morde o charlatão, ou seja, o demagogo é a primeira vítima da sua demagogia.
O não haver considerado o momento imediato das "correlações de forças" está ligado aos resíduos da concepção liberal vulgar, da qual o sindicalismo é uma manifestação que acreditava ir mais à frente quando na realidade dava um passo atrás. De fato, a concepção liberal vulgar dando importância à correlação das forças políticas organizadas nas diversas formas de partido (leitores de jornais, eleições parlamentáres e locais, organizações de massas dos partidos e dos sindicatos em senso estrito) era mais avançada do que o sindicalismo que dava importância primordial à correlação fundamental econômico-social e só a ela. A concepção liberal vulgar também levava em conta implicitamente tal correlação (como aparece em tantos sinais), mas insistia mais sobre a correlação da força política que era uma expressão do outro e, na realidade, o continha. Este resíduo da concepção liberal vulgar pode ser rastreado em toda uma série de tratativas que se consideravam relacionadas à filosofia da práxis e que logo deram lugar a formas infantis de otimismo e de loucura.
Esses critérios metodológicos podem alcançar visível e didaticamente todo o seu significado quando aplicados ao exame dos fatos históricos concretos. Poder-se-ia fazê-lo utilmente com os acontecimentos que se desenrolaram na França de 1789 a 1870. Parece-me que para uma maior clareza de exposição seja verdadeiramente necessário abarcar todo esse período. Com efeito, foi só em 1870-1871, com a tentativa da Comuna, que se exaurem historicamente todos os germes nascidos em 1789, vale dizer, que não só a nova classe que luta pelo poder esmaga os representantes da velha sociedade que não quer se confessar decisivamente superada, mas esmaga também os grupos novíssimos, que pretendem que já está superada a nova estrutura saída da sublevação iniciada em 1789, e demonstra assim sua vitalidade em confronto com o velho e em confronto com o novíssimo. De outra parte, em 1870-1871, perde eficácia o conjunto de princípios de estratégia e tática políticas nascido praticamente em 1789 e desenvolvidos ideologicamente em torno de 1848 (e que se resume na fórmula da "revolução permanente": seria interessante estudar quando tal fórmula fica ultrapassada na estratégia mazziniana - por exemplo na insurreição de Milão de 18533 - e se isso se produziu conscientemente ou não).
Um elemento que mostra a justeza desse ponto de vista é o fato de que os historiadores não estão em absoluto de acordo (e é impossível que o estejam) quando se trata de fixar os limites a esse conjunto de acontecimentos que constituem a Revolução Francesa. Para alguns (por exemplo, Salvemini), a Revolução está completa em Valmy: a França criou um novo Estado e soube organizar a força político-militar que afirma e defende a soberania territorial. Para outros, a Revolução continua até o Termidor, assim falam de mais revoluções (o 10 de agosto seria uma revolução em si, etc.; cf. A Revolução Francesa de A. Mathiez na coleção A. Collin). O modo de interpretar o Termidor e a obra de Napoleão oferece as mais ásperas contradições: trata-se de revolução ou de contra-revolução? etc. Para outros ainda, a história da Revolução continua em 1830, 1848, 1870 e persiste até a guerra mundial de 1914.
Em todos esses modos de ver há uma parte de verdade. Na realidade, as contradições internas da estrutura social francesa que se desenvolve desde 1789 só encontra sua composição relativa com a Terceira República, e a França tem 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas sempre mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870. É justamente o estudo dessas "ondas" com diferentes oscilações que permite reconstruir a correlação entre estrutura e superestrutura de uma parte à outra entre o desenvolvimento do movimento orgânico e o do movimento de conjuntura da estrutura. Em todo caso, pode-se dizer que a mediação dialética entre os dois princípios metodológicos enunciados no início dessa nota pode ser encontrado na fórmula político-histórica de revolução permanente.
Um aspecto desse mesmo problema é a dita questão das correlações de forças. Seguidamente se lê nas narrativas históricas a expressão genérica: correlações de forças favoráveis, desfavoráveis a esta ou àquela tendência. Assim, abstratamente, essa formulação não explica nada ou quase nada, porque não se faz que repetir o fato que se deve explicar, apresentando-o uma vez como fato e outra como lei abstrata e como explicação. O erro histórico consiste então em dar uma regra de pesquisa e de interpretação como "causa histórica".
No entanto, nas "correlações de forças" é preciso distinguir diversos momentos ou graus, que são fundamentalmente estes:
1) Uma correlação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mesurada com os sistemas das ciências exatas ou físicas. Sobre a base do grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, se dão os reagrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma posição dada na própria produção. Essa correlação é a que é, uma realidade rebelde: ninguém pode modificar o número de empresas e de seus funcionários, o número de cidades e da população urbana, etc. Essa disposição fundamental permite estudar se na sociedade existem as condições necessárias e suficientes para sua transformação, permite assim controlar o grau de realismo e de oportunidade das diversas ideologias que nasceram sobre esse mesmo terreno, no terreno das contradições que foram geradas durante o seu desenvolvimento.
2) Um momento seguinte é a correlação de forças políticas, quer dizer, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconfiança e de organização atingido pelos diferentes grupos sociais. Esse momento, por sua vez, pode ser analisado e distinguido em diferentes e vários graus, que correspondem aos diferentes momentos da consciência política coletiva, tal como se manifestaram até agora na história. O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo: um comerciante sente que deve ser solidário com outro comerciante, um fabricante com outro fabricante, etc., mas o comerciante não se sente ainda solidário como o fabricante; sente-se aí a unidade homogênea, e o dever de organizá-la, do grupo profissional, mas ainda não do grupo social mais vasto. Um segundo momento é o que alcança a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Nesse momento já se coloca a questão do Estado, mas só no terreno de alcançar uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, pois se reivindica o direito de participar na legislação e na administração, e nas oportunidades de modificá-los, de reformá-los, mas no quadro fundamental existente. Um terceiro momento é aquele em que se alcança a consciência de que os próprios interesses corporativos, no seu desenvolvimento atual e futuro, ultrapassam os limites da corporação, do grupo meramente econômico, e podem e devem vir a ser os interesses de outros grupos subordinados. Essa é a fase mais francamente política, que marca a passagem da estrutura às superestruturas complexas, é a fase na qual as ideologias que anteriormente germinaram tornam-se "partidos", se confrontam e entram em luta até que um só deles, ou ao menos uma só combinação deles, tenda a prevalecer, a se impor, a se difundir sobre toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, colocando todas as questões em torno dos quais se intensifica a luta não sobre o plano corporativo, mas sobre um plano "universal", e criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo, mas esse desenvolvimento e essa expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de toda a energia "nacional", quer dizer, o grupo dominante vem coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal vem concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e dos grupos subordinados, equilíbrios nos quais os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até certo ponto, não até o estreito interesse econômico-corporativo. Na história real, esses momentos se implicam reciprocamente, pode se dizer horizontal e verticalmente, isto é, segundo a atividade econômico-social (horizontalmente) e segundo o território (verticalmente), combinando-se e cindindo-se de forma variada: cada uma dessas combinações pode ser representada por sua própria expressão organizada econômica e política. Deve-se levar em conta ainda que as relações internas de um Estado-nação se entrelaçam com as relações internacionais, criando novas combinações originais e historicamente concretas. Uma ideologia nascida num país mais desenvolvido se difunde em países menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações. (A religião, por exemplo, sempre foi de tais combinações ideológico-políticas nacionais e internacionais, e como a religião outras formações internacionais, a maçonaria, o Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carreira, que sugerem experiências políticas de origens históricas diferentes e as fazem triunfar em determinados países, funcionando como partido político internacional que opera em cada nação com toda a sua força internacional concentrada; mas religião, maçonaria, Rotary, judeus etc. podem reentrar na categoria social dos "intelectuais", cuja função, em escala internacional, é a de mediar os extremos, de "socializar" os expedientes técnicos que fazem funcionar cada atividade de direção, de selar compromissos e achar os meios de escapar das soluções extremas.) Essa correlação entre forças internacionais e forças nacionais complica-se ainda pela existência no interior de cada Estado de várias seções territoriais de estruras diferentes e de diferentes correlações de forças em todos os graus (assim a Vandea estava aliada com a força internacional reacionária e a representava no seio da unidade territorial francesa; assim Lion na Revolução Francesa apresentava um núcleo particular de relações, etc.).
3) O terceiro momento é o da correlação de forças militares, imediatamente decisivo segundo a ocasião. (O desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo.) Mas tampouco isso é qualquer coisa instintiva e identificável imediatamente de forma esquemática; pode-se ainda aí distinguir dois graus: o militar em sentido estrito ou técnico-militar e o grau que se pode chamar de político-militar. No desenvolvimento da história esses dois graus se apresentaram numa grande variedade de combinações. Um exemplo típico que pode servir como demonstração-limite é o da relação de opressão militar de um Estado sobre uma nação que está tentando alcançar a sua independência estatal. A correlação não é puramente militar, mas político-militar, e de fato tal tipo de opressão seria impensável sem o estado de desagregação social do povo oprimido e a passividade de sua maioria; portanto, a independência não poderá ser alcançada com forças puramente militares, mas militares e político-militares. Se a nação oprimida, de fato, para iniciar a luta pela independência devesse esperar que o estado hegemônico lhe permita organizar um exército próprio, no sentido estrito e técnico da palavra, teria de esperar por um bom tempo (pode acontecer de a reivindicação de ter um exército próprio seja satisfeita pela nação hegemônica, mas isso significa que uma grande parte da luta já foi travada e ganha no terreno político-militar). A nação oprimida oporá então inicialmente à força militar hegemônica uma força que é só "político-militar", isto é, oporá uma forma de ação política que tem a virtude de reflexos de caráter militar no sentido: 1) que seja eficaz para desagregar intimamente a eficiência bélica da nação hegemônica; 2) que constranja a força militar hegemônica a se diluir num grande território, anulando-lhe grande parte da eficiência bélica. No Renascimento Italiano, se pode notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar, especialmente no Partido de Ação (por incapacidade congênita), mas também no partido piamontês-moderado, antes e depois de 1848, não certamente por incapacidade, mas por "maltusianismo econômico-político", isto é, porque nunca se quis acenar à possibilidade de uma reforma agrária e porque não se queria a convocação de uma assembleia nacional constituinte, mas se tentava apenas que a monarquia piamontesa, sem condições ou limitações de origem popular, se estendesse a toda a Itália, com a pura sanção dos plebicitos regionais.
Outra questão conexa à precedente é a de ver se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente pelas crises econômicas. A resposta à questão está contida implicitamente nos parágrafos precedentes, que são um outro modo de apresentar o que se trata agora, embora seja sempre necessário, por razões didáticas, dado o público particular, examinar cada modo de se apresentar uma mesma questão como se fosse um problema independente e novo. Se pode excluir que, por si mesma, a crise econômica imediata produza eventos fundamentais; só pode criar um terreno mais favorável à difusão de certos modos de pensar, de definir e resolver as questões que envolvem todo o ulterior desenvolvimento da vida estatal. De resto, todas as afirmações que concernem os períodos de crise ou de prosperidade podem dar lugar a juízos unilaterais. No seu compêndio de história da Revolução Francesa (ed. Colin), Mathiez, opondo-se à história vulgar tradicional, que aprioristicamente "encontra" uma crise em coincidência com as grandes rupturas dos equilíbrios sociais, afirma que por volta de 1789 a situação econômica era mais que tudo boa imediatamente, pelo qual não se pode dizer que a catástrofe do Estado absoluto fosse devido a uma crise de empobrecimento (cf. a afirmação exata de Mathiez). Deve-se observar que o Estado era presa de uma mortal crise financeira e se colocava a questão de sobre qual das três ordens sociais privilegiadas deveria recair o sacrifício e o peso para recolocar em ordem as finanças estatais e reais. Dito de outro modo: se a posição econômica da burguesia era florescente, certamente não era boa a situação das classes populares da cidade e do campo, especialmente destas, atormentadas pela miséria endêmica. Em cada caso, a ruptura do equilíbrio de forças não ocorreu por causa mecânica imediata de empobrecimento do grupo social que tinha interesse em romper o equilíbrio e de fato o rompeu, mas ocorreu no quadro dos conflitos superiores ao mundo econômico imediato, relacionados ao "prestígio" das classes (interesses econômicos futuros), uma exasperação do sentimento de independência, de autonomia e de poder. A questão particular do mal-estar ou do bem-estar econômico como causa das novas realidades históricas é um aspecto parcial da questão das correlações de forças nos seus vários graus. Podem-se produzir novidades seja porque uma situação de bem-estar está ameaçada pelo egoísmo mesquinho do grupo adversário, como porque o mal-estar tornou-se intolerável e não se vê na velha sociedade nenhuma força que seja capaz de mitigá-lo e de restabelecer uma normalidade por meios legais. Pode-se dizer, portanto, que todos esses elementos são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das correlações sociais de forças, em cujo terreno se faz delas as correlações políticas de forças para culminar na correlação militar decisiva. Se falta esse processo de desenvolvimento de um momento em outro, e esse é essencialmente um processo que tem por atores os homens, e a vontade e a capacidade dos homens, a situação fica inoperante e podem ocorrer conclusões contraditórias: a velha sociedade resiste e se dá o tempo de "respirar", exterminando fisicamente a elite adversária e aterrorizando as massas de reserva, ou ainda a destruição recíproca das forças em conflito, com a instauração da paz dos cemitérios, sob a guarda de um sentinela estrangeiro.
Mas a observação mais importante a fazer a propósito de toda análise concreta das correlações de forças é esta: que tais análises não podem e não devem ser um fim em si mesmas (a menos que não se escreva senão um capítulo de história do passado), mas que só adquire um significado se serve para justificar uma atividade prática, uma iniciativa da vontade. Elas mostram quais são os pontos de menor resistência, sobre os quais a força da vontade pode ser aplicada com maior proveito, sugerindo as operações táticas imediatas, indicando como se pode lançar melhor uma campanha de agitação política, que linguagem será melhor compreendida pela multidão, etc. O elemento decisivo de cada situação é a força permanentemente organizada e de longa data predisposta, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável quando essa força exista e esteja plena de ardor combativo); porque a tarefa essencial é a de cuidar sistemática e pacientemente a formar, desenvolver, tornar sempre mais homogênea, compacta, consciente essa força. Isso é visto na história militar e na preparação com que em todos os tempos estão predispostos os exércitos para iniciar uma guerra a qualquer momento. Os grandes Estados foram grandes Estados exatamente porque a cada momento estavam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis, que eram tais porque havia a possibilidade concreta deles se inserirem eficazmente nelas.
[1932-1933]
Notas:
1 Ver a subordinação do fascismo italiano à Alemanha hitlerista, apesar de sua fraseologia nacionalista, e a política de demissão nacional dos partidos franceses ditos "nacionalistas".
2 "Conjuntura. Pode-se definir a conjuntura como o conjunto de circunstâncias que determinam o mercado numa dada fase, desde que essa circunstância seja concebida em movimento, isto é, como um conjunto que sempre dá lugar a um processo de novas combinações, processo que é o ciclo econômico. Estuda-se a conjuntura para prever e, mais ainda, dentro de certos limites, determinar o ciclo econômico no sentido favorável aos negócios. Assim a conjuntura foi definida como a oscilação da situação econômica ou o conjunto das oscilações.
"Origem da expressão: serve para compreender melhor o conceito. Em italiano = flutuação econômica. Ligado aos fenômenos do pós-guerra, muito rápidos no tempo. (Em italiano, o significado de 'ocasião econômica favorável ou desfavorável' está ligado à palavra 'conjuntura'; diferença entre 'situação' e 'conjuntura'; a conjuntura apreende o complexo das características imediatas e transitórias da situação econômica, e por isso aquele conceito precisa agora entender as características mais fundamentais e permanentes.da situação mesma. O estudo da conjuntura fica ligado mais estreitamente à política imediata, à 'tática' e à agitação, enquanto que a 'situação' à 'estratégia' e à propaganda, etc.)" [GRAMSCI, Antonio. Passato e presente. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 194-195]
3 Uma sublevação estoura em Milão em 6 de fevereiro de 1853 contra o regime austríaco restabelecido após o fracasso das revoluções de 1848. Animado pelos membros de sociedades secretas, notadamente mazzinianas, ela foi duramente reprimida (24 condenações à morte). O sequestro pela Áustria dos bens dos milaneses emigrados em seguida aos acontecimentos, dá lugar a uma crise diplomática entre a Áustria e o governo sardo dirigido por Cavour.
Fonte primária: GRAMSCI, Antonio. Note sul Machiavelli. Organização de Valentino Gerratana. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 49-61
Fonte secundária: GRAMSCI, Antonio. Gramsci dans le texte. Organização de François Riccie e Jean Bramant. Tradução de Jean Bramant e outros. Paris: Editions Sociales, 1975, pp. 489-504
Tradução: Sergio Granja
Revisão: Silvia Mundstock
[1932-1933]
É o problema das relações entre estrutura e superestrutura que é preciso colocar exatamente e resolver para se chegar a uma análise justa das forças que operam na história de um determinado período e determinar suas correlações. É preciso mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de que nenhuma sociedade se coloca problemas para a solução dos quais já não existam as condições necessárias e suficientes ou que não estariam ao menos em vias de aparecimento e de desenvolvimento; 2) e o de que nenhuma sociedade se dissolve ou pode ser substituída se antes não desenvolveu todas as formas de vida que estão implícitas nas suas relações (controlar o enunciado exato destes princípios).
"Uma formação social não perece antes de desenvolver toda a força produtiva de que ainda é capaz e de que uma nova relação de produção mais elevada não lhe tenha tomado o lugar, antes que as condições materais de existência desta última não tenham surgido no seio esgotado da velha sociedade. Por isso, a humanidade se coloca sempre apenas os problemas que está a ponto de resolver; quando se observa com mais acuidade, se verificará sempre que a questão só se coloca depois que já existam as condições materiais de sua resolução ou estas estejam em vias de surgir." (Introdução à Contribuição à crítica da economia política).
A partir da reflexão sobre esses dois cânones, pode se chegar a desenvolver toda uma série de outros princípios de metodologia histórica. Entretanto, no estudo de uma estrutura é preciso distinguir os movimentos orgânicos (relativamente permanentes) dos movimentos que se pode chamar de conjuntura2 (e se apresentam como ocasionais, imediatos, quase acidentais). Os movimentos de conjuntura certamente também são dependentes dos movimentos orgânicos, mas sua significação não tem um vasto alcance histórico: propiciam uma crítica política mesquinha, do dia a dia, que se prende aos pequenos grupos dirigentes e às personalidades imediatamente responsáveis pelo poder. Os fenômenos orgânicos dão lugar à crítica histórico-social, que se preocupa com os grandes agrupamentos, para além das pessoas imediatamente responsáveis e para além do pessoal dirigente. No curso do estudo de um período histórico, aparece a grande importância desta distinção. Às vezes, aparece uma crise que se prolonga por dezenas de anos. Essa duração excepcional significa que na estrutura se revelaram (chegaram à maturidade) contradições insanáveis e que a força política que opera positivamente a conservação e a defesa da estrutura ainda está se esforçando para saneá-las dentro de certos limites e superá-las. Estes esforços incessantes e perseverantes (pois nenhuma força social vai confessar que está superada) formam o terreno do "ocasional" sobre o qual se organizam as forças antagonistas que tendem a demonstrar (demonstração que em última análise só é "verdadeira" se faz surgir uma nova realidade, quando as forças antagonistas triunfam, mais imediatamente se desenvolve uma série de polêmicas ideológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas etc., cuja concretude pode ser avaliada pela maneira como conseguem convencer e pela maneira como deslocam o antigo dispositivo de forças sociais) que já existem as condições necessárias e suficientes para que determinadas tarefas possam e devam estar então em vias de serem resolvidas historicamente (devam, porque ficar aquém do dever histórico aumenta a desordem necessária e prepara catástrofes mais grave).
O erro em que se cai constantemente nas análises histórico-políticas consiste em não saber encontrar a justa relação entre o que é orgânico e o que é ocasional. Arrisca-se assim a expor como imediatamente operantes causas que, ao contrário, são operantes de uma maneira mediata, ou a afirmar que as causas imediatas são as únicas causas eficientes; num caso há excesso de "economismo" ou doutrinarismo pedante, noutro excesso de "ideologismo"; num caso se superestrima a causa mecânica, no outro se exalta o elemento voluntarista e individual. (A distinção entre "movimentos" e fatos orgânicos e movimentos e fatos de "conjuntura" ou ocasionais deve ser aplicada a todos os tipos de situações, não só àquelas em que se verifica um desenvolvimento regressivo ou de crise aguda, mas àquelas em que se verifica um desenvolvimento progressivo ou de prosperidade e àquelas em que se verifica uma estagnação da força produtiva.) O nexo dialético entre as duas ordens de movimentos e, por conseguinte, de pesquisas dificilmente pode ser estabelecido com exatidão, e, se o erro é grave em historiografia, ainda mais grave será na arte política, quando se trata não de reconstruir a história passada, mas de construir a do presente e futuro: os próprios desejos e as paixões deterioradas e imediatas são a causa do erro, na medida em que substituem a análise objetiva e imparcial e em que os veem não como "meio" concebido para estimular a ação, mas como auto-engano. A serpente , neste caso, morde o charlatão, ou seja, o demagogo é a primeira vítima da sua demagogia.
O não haver considerado o momento imediato das "correlações de forças" está ligado aos resíduos da concepção liberal vulgar, da qual o sindicalismo é uma manifestação que acreditava ir mais à frente quando na realidade dava um passo atrás. De fato, a concepção liberal vulgar dando importância à correlação das forças políticas organizadas nas diversas formas de partido (leitores de jornais, eleições parlamentáres e locais, organizações de massas dos partidos e dos sindicatos em senso estrito) era mais avançada do que o sindicalismo que dava importância primordial à correlação fundamental econômico-social e só a ela. A concepção liberal vulgar também levava em conta implicitamente tal correlação (como aparece em tantos sinais), mas insistia mais sobre a correlação da força política que era uma expressão do outro e, na realidade, o continha. Este resíduo da concepção liberal vulgar pode ser rastreado em toda uma série de tratativas que se consideravam relacionadas à filosofia da práxis e que logo deram lugar a formas infantis de otimismo e de loucura.
Esses critérios metodológicos podem alcançar visível e didaticamente todo o seu significado quando aplicados ao exame dos fatos históricos concretos. Poder-se-ia fazê-lo utilmente com os acontecimentos que se desenrolaram na França de 1789 a 1870. Parece-me que para uma maior clareza de exposição seja verdadeiramente necessário abarcar todo esse período. Com efeito, foi só em 1870-1871, com a tentativa da Comuna, que se exaurem historicamente todos os germes nascidos em 1789, vale dizer, que não só a nova classe que luta pelo poder esmaga os representantes da velha sociedade que não quer se confessar decisivamente superada, mas esmaga também os grupos novíssimos, que pretendem que já está superada a nova estrutura saída da sublevação iniciada em 1789, e demonstra assim sua vitalidade em confronto com o velho e em confronto com o novíssimo. De outra parte, em 1870-1871, perde eficácia o conjunto de princípios de estratégia e tática políticas nascido praticamente em 1789 e desenvolvidos ideologicamente em torno de 1848 (e que se resume na fórmula da "revolução permanente": seria interessante estudar quando tal fórmula fica ultrapassada na estratégia mazziniana - por exemplo na insurreição de Milão de 18533 - e se isso se produziu conscientemente ou não).
Um elemento que mostra a justeza desse ponto de vista é o fato de que os historiadores não estão em absoluto de acordo (e é impossível que o estejam) quando se trata de fixar os limites a esse conjunto de acontecimentos que constituem a Revolução Francesa. Para alguns (por exemplo, Salvemini), a Revolução está completa em Valmy: a França criou um novo Estado e soube organizar a força político-militar que afirma e defende a soberania territorial. Para outros, a Revolução continua até o Termidor, assim falam de mais revoluções (o 10 de agosto seria uma revolução em si, etc.; cf. A Revolução Francesa de A. Mathiez na coleção A. Collin). O modo de interpretar o Termidor e a obra de Napoleão oferece as mais ásperas contradições: trata-se de revolução ou de contra-revolução? etc. Para outros ainda, a história da Revolução continua em 1830, 1848, 1870 e persiste até a guerra mundial de 1914.
Em todos esses modos de ver há uma parte de verdade. Na realidade, as contradições internas da estrutura social francesa que se desenvolve desde 1789 só encontra sua composição relativa com a Terceira República, e a França tem 60 anos de vida política equilibrada, após 80 anos de sublevações em ondas sempre mais espaçadas: 1789-1794-1799-1804-1815-1830-1848-1870. É justamente o estudo dessas "ondas" com diferentes oscilações que permite reconstruir a correlação entre estrutura e superestrutura de uma parte à outra entre o desenvolvimento do movimento orgânico e o do movimento de conjuntura da estrutura. Em todo caso, pode-se dizer que a mediação dialética entre os dois princípios metodológicos enunciados no início dessa nota pode ser encontrado na fórmula político-histórica de revolução permanente.
Um aspecto desse mesmo problema é a dita questão das correlações de forças. Seguidamente se lê nas narrativas históricas a expressão genérica: correlações de forças favoráveis, desfavoráveis a esta ou àquela tendência. Assim, abstratamente, essa formulação não explica nada ou quase nada, porque não se faz que repetir o fato que se deve explicar, apresentando-o uma vez como fato e outra como lei abstrata e como explicação. O erro histórico consiste então em dar uma regra de pesquisa e de interpretação como "causa histórica".
No entanto, nas "correlações de forças" é preciso distinguir diversos momentos ou graus, que são fundamentalmente estes:
1) Uma correlação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura, objetiva, independente da vontade dos homens, que pode ser mesurada com os sistemas das ciências exatas ou físicas. Sobre a base do grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, se dão os reagrupamentos sociais, cada um dos quais representa uma função e ocupa uma posição dada na própria produção. Essa correlação é a que é, uma realidade rebelde: ninguém pode modificar o número de empresas e de seus funcionários, o número de cidades e da população urbana, etc. Essa disposição fundamental permite estudar se na sociedade existem as condições necessárias e suficientes para sua transformação, permite assim controlar o grau de realismo e de oportunidade das diversas ideologias que nasceram sobre esse mesmo terreno, no terreno das contradições que foram geradas durante o seu desenvolvimento.
2) Um momento seguinte é a correlação de forças políticas, quer dizer, a avaliação do grau de homogeneidade, de autoconfiança e de organização atingido pelos diferentes grupos sociais. Esse momento, por sua vez, pode ser analisado e distinguido em diferentes e vários graus, que correspondem aos diferentes momentos da consciência política coletiva, tal como se manifestaram até agora na história. O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo: um comerciante sente que deve ser solidário com outro comerciante, um fabricante com outro fabricante, etc., mas o comerciante não se sente ainda solidário como o fabricante; sente-se aí a unidade homogênea, e o dever de organizá-la, do grupo profissional, mas ainda não do grupo social mais vasto. Um segundo momento é o que alcança a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no campo meramente econômico. Nesse momento já se coloca a questão do Estado, mas só no terreno de alcançar uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, pois se reivindica o direito de participar na legislação e na administração, e nas oportunidades de modificá-los, de reformá-los, mas no quadro fundamental existente. Um terceiro momento é aquele em que se alcança a consciência de que os próprios interesses corporativos, no seu desenvolvimento atual e futuro, ultrapassam os limites da corporação, do grupo meramente econômico, e podem e devem vir a ser os interesses de outros grupos subordinados. Essa é a fase mais francamente política, que marca a passagem da estrutura às superestruturas complexas, é a fase na qual as ideologias que anteriormente germinaram tornam-se "partidos", se confrontam e entram em luta até que um só deles, ou ao menos uma só combinação deles, tenda a prevalecer, a se impor, a se difundir sobre toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, colocando todas as questões em torno dos quais se intensifica a luta não sobre o plano corporativo, mas sobre um plano "universal", e criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados. O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo, mas esse desenvolvimento e essa expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de toda a energia "nacional", quer dizer, o grupo dominante vem coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados, e a vida estatal vem concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e dos grupos subordinados, equilíbrios nos quais os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até certo ponto, não até o estreito interesse econômico-corporativo. Na história real, esses momentos se implicam reciprocamente, pode se dizer horizontal e verticalmente, isto é, segundo a atividade econômico-social (horizontalmente) e segundo o território (verticalmente), combinando-se e cindindo-se de forma variada: cada uma dessas combinações pode ser representada por sua própria expressão organizada econômica e política. Deve-se levar em conta ainda que as relações internas de um Estado-nação se entrelaçam com as relações internacionais, criando novas combinações originais e historicamente concretas. Uma ideologia nascida num país mais desenvolvido se difunde em países menos desenvolvidos, incidindo no jogo local das combinações. (A religião, por exemplo, sempre foi de tais combinações ideológico-políticas nacionais e internacionais, e como a religião outras formações internacionais, a maçonaria, o Rotary Club, os judeus, a diplomacia de carreira, que sugerem experiências políticas de origens históricas diferentes e as fazem triunfar em determinados países, funcionando como partido político internacional que opera em cada nação com toda a sua força internacional concentrada; mas religião, maçonaria, Rotary, judeus etc. podem reentrar na categoria social dos "intelectuais", cuja função, em escala internacional, é a de mediar os extremos, de "socializar" os expedientes técnicos que fazem funcionar cada atividade de direção, de selar compromissos e achar os meios de escapar das soluções extremas.) Essa correlação entre forças internacionais e forças nacionais complica-se ainda pela existência no interior de cada Estado de várias seções territoriais de estruras diferentes e de diferentes correlações de forças em todos os graus (assim a Vandea estava aliada com a força internacional reacionária e a representava no seio da unidade territorial francesa; assim Lion na Revolução Francesa apresentava um núcleo particular de relações, etc.).
3) O terceiro momento é o da correlação de forças militares, imediatamente decisivo segundo a ocasião. (O desenvolvimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o terceiro momento, com a mediação do segundo.) Mas tampouco isso é qualquer coisa instintiva e identificável imediatamente de forma esquemática; pode-se ainda aí distinguir dois graus: o militar em sentido estrito ou técnico-militar e o grau que se pode chamar de político-militar. No desenvolvimento da história esses dois graus se apresentaram numa grande variedade de combinações. Um exemplo típico que pode servir como demonstração-limite é o da relação de opressão militar de um Estado sobre uma nação que está tentando alcançar a sua independência estatal. A correlação não é puramente militar, mas político-militar, e de fato tal tipo de opressão seria impensável sem o estado de desagregação social do povo oprimido e a passividade de sua maioria; portanto, a independência não poderá ser alcançada com forças puramente militares, mas militares e político-militares. Se a nação oprimida, de fato, para iniciar a luta pela independência devesse esperar que o estado hegemônico lhe permita organizar um exército próprio, no sentido estrito e técnico da palavra, teria de esperar por um bom tempo (pode acontecer de a reivindicação de ter um exército próprio seja satisfeita pela nação hegemônica, mas isso significa que uma grande parte da luta já foi travada e ganha no terreno político-militar). A nação oprimida oporá então inicialmente à força militar hegemônica uma força que é só "político-militar", isto é, oporá uma forma de ação política que tem a virtude de reflexos de caráter militar no sentido: 1) que seja eficaz para desagregar intimamente a eficiência bélica da nação hegemônica; 2) que constranja a força militar hegemônica a se diluir num grande território, anulando-lhe grande parte da eficiência bélica. No Renascimento Italiano, se pode notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar, especialmente no Partido de Ação (por incapacidade congênita), mas também no partido piamontês-moderado, antes e depois de 1848, não certamente por incapacidade, mas por "maltusianismo econômico-político", isto é, porque nunca se quis acenar à possibilidade de uma reforma agrária e porque não se queria a convocação de uma assembleia nacional constituinte, mas se tentava apenas que a monarquia piamontesa, sem condições ou limitações de origem popular, se estendesse a toda a Itália, com a pura sanção dos plebicitos regionais.
Outra questão conexa à precedente é a de ver se as crises históricas fundamentais são determinadas imediatamente pelas crises econômicas. A resposta à questão está contida implicitamente nos parágrafos precedentes, que são um outro modo de apresentar o que se trata agora, embora seja sempre necessário, por razões didáticas, dado o público particular, examinar cada modo de se apresentar uma mesma questão como se fosse um problema independente e novo. Se pode excluir que, por si mesma, a crise econômica imediata produza eventos fundamentais; só pode criar um terreno mais favorável à difusão de certos modos de pensar, de definir e resolver as questões que envolvem todo o ulterior desenvolvimento da vida estatal. De resto, todas as afirmações que concernem os períodos de crise ou de prosperidade podem dar lugar a juízos unilaterais. No seu compêndio de história da Revolução Francesa (ed. Colin), Mathiez, opondo-se à história vulgar tradicional, que aprioristicamente "encontra" uma crise em coincidência com as grandes rupturas dos equilíbrios sociais, afirma que por volta de 1789 a situação econômica era mais que tudo boa imediatamente, pelo qual não se pode dizer que a catástrofe do Estado absoluto fosse devido a uma crise de empobrecimento (cf. a afirmação exata de Mathiez). Deve-se observar que o Estado era presa de uma mortal crise financeira e se colocava a questão de sobre qual das três ordens sociais privilegiadas deveria recair o sacrifício e o peso para recolocar em ordem as finanças estatais e reais. Dito de outro modo: se a posição econômica da burguesia era florescente, certamente não era boa a situação das classes populares da cidade e do campo, especialmente destas, atormentadas pela miséria endêmica. Em cada caso, a ruptura do equilíbrio de forças não ocorreu por causa mecânica imediata de empobrecimento do grupo social que tinha interesse em romper o equilíbrio e de fato o rompeu, mas ocorreu no quadro dos conflitos superiores ao mundo econômico imediato, relacionados ao "prestígio" das classes (interesses econômicos futuros), uma exasperação do sentimento de independência, de autonomia e de poder. A questão particular do mal-estar ou do bem-estar econômico como causa das novas realidades históricas é um aspecto parcial da questão das correlações de forças nos seus vários graus. Podem-se produzir novidades seja porque uma situação de bem-estar está ameaçada pelo egoísmo mesquinho do grupo adversário, como porque o mal-estar tornou-se intolerável e não se vê na velha sociedade nenhuma força que seja capaz de mitigá-lo e de restabelecer uma normalidade por meios legais. Pode-se dizer, portanto, que todos esses elementos são a manifestação concreta das flutuações de conjuntura do conjunto das correlações sociais de forças, em cujo terreno se faz delas as correlações políticas de forças para culminar na correlação militar decisiva. Se falta esse processo de desenvolvimento de um momento em outro, e esse é essencialmente um processo que tem por atores os homens, e a vontade e a capacidade dos homens, a situação fica inoperante e podem ocorrer conclusões contraditórias: a velha sociedade resiste e se dá o tempo de "respirar", exterminando fisicamente a elite adversária e aterrorizando as massas de reserva, ou ainda a destruição recíproca das forças em conflito, com a instauração da paz dos cemitérios, sob a guarda de um sentinela estrangeiro.
Mas a observação mais importante a fazer a propósito de toda análise concreta das correlações de forças é esta: que tais análises não podem e não devem ser um fim em si mesmas (a menos que não se escreva senão um capítulo de história do passado), mas que só adquire um significado se serve para justificar uma atividade prática, uma iniciativa da vontade. Elas mostram quais são os pontos de menor resistência, sobre os quais a força da vontade pode ser aplicada com maior proveito, sugerindo as operações táticas imediatas, indicando como se pode lançar melhor uma campanha de agitação política, que linguagem será melhor compreendida pela multidão, etc. O elemento decisivo de cada situação é a força permanentemente organizada e de longa data predisposta, que se pode fazer avançar quando se julga que uma situação é favorável (e só é favorável quando essa força exista e esteja plena de ardor combativo); porque a tarefa essencial é a de cuidar sistemática e pacientemente a formar, desenvolver, tornar sempre mais homogênea, compacta, consciente essa força. Isso é visto na história militar e na preparação com que em todos os tempos estão predispostos os exércitos para iniciar uma guerra a qualquer momento. Os grandes Estados foram grandes Estados exatamente porque a cada momento estavam preparados para se inserir eficazmente nas conjunturas internacionais favoráveis, que eram tais porque havia a possibilidade concreta deles se inserirem eficazmente nelas.
[1932-1933]
Notas:
1 Ver a subordinação do fascismo italiano à Alemanha hitlerista, apesar de sua fraseologia nacionalista, e a política de demissão nacional dos partidos franceses ditos "nacionalistas".
2 "Conjuntura. Pode-se definir a conjuntura como o conjunto de circunstâncias que determinam o mercado numa dada fase, desde que essa circunstância seja concebida em movimento, isto é, como um conjunto que sempre dá lugar a um processo de novas combinações, processo que é o ciclo econômico. Estuda-se a conjuntura para prever e, mais ainda, dentro de certos limites, determinar o ciclo econômico no sentido favorável aos negócios. Assim a conjuntura foi definida como a oscilação da situação econômica ou o conjunto das oscilações.
"Origem da expressão: serve para compreender melhor o conceito. Em italiano = flutuação econômica. Ligado aos fenômenos do pós-guerra, muito rápidos no tempo. (Em italiano, o significado de 'ocasião econômica favorável ou desfavorável' está ligado à palavra 'conjuntura'; diferença entre 'situação' e 'conjuntura'; a conjuntura apreende o complexo das características imediatas e transitórias da situação econômica, e por isso aquele conceito precisa agora entender as características mais fundamentais e permanentes.da situação mesma. O estudo da conjuntura fica ligado mais estreitamente à política imediata, à 'tática' e à agitação, enquanto que a 'situação' à 'estratégia' e à propaganda, etc.)" [GRAMSCI, Antonio. Passato e presente. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 194-195]
3 Uma sublevação estoura em Milão em 6 de fevereiro de 1853 contra o regime austríaco restabelecido após o fracasso das revoluções de 1848. Animado pelos membros de sociedades secretas, notadamente mazzinianas, ela foi duramente reprimida (24 condenações à morte). O sequestro pela Áustria dos bens dos milaneses emigrados em seguida aos acontecimentos, dá lugar a uma crise diplomática entre a Áustria e o governo sardo dirigido por Cavour.
Fonte primária: GRAMSCI, Antonio. Note sul Machiavelli. Organização de Valentino Gerratana. Turim: Editori Rriuniti, 1975, pp. 49-61
Fonte secundária: GRAMSCI, Antonio. Gramsci dans le texte. Organização de François Riccie e Jean Bramant. Tradução de Jean Bramant e outros. Paris: Editions Sociales, 1975, pp. 489-504
Tradução: Sergio Granja
Revisão: Silvia Mundstock
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