O
PCB E O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 31/3/1964[1]: POR QUE AS ESQUERDAS
FORAM DERROTADAS?
Por Anita
Leocadia Prestes*
Tornou-se um truísmo, a partir de
1/4/1964, a crítica ao PCB por não ter resistido ao golpe civil-militar, assim
como a acusação de que tal posicionamento seria decorrência de sua política
pacifista, do despreparo para a resistência aos golpistas e de ilusões na
burguesia e no “esquema militar” do presidente João Goulart.
O PCB contava com importantes
lideranças sindicais à frente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e de
numerosos sindicatos, com inúmeros aliados tanto no movimento sindical urbano
quanto rural, com a presença significativa de seus militantes na União Nacional
dos Estudantes (UNE) e junto ao movimento estudantil universitário e
secundarista. Da mesma forma, o PCB exercia influência em múltiplos setores do
mundo social e político brasileiro, em particular, junto a personalidades e a
agrupamentos com posições democráticas e nacionalistas, que se pronunciavam contra
a ingerência imperialista no país e pela reforma agrária.
Diante disso, como explicar a
vitória dos golpistas e a derrota das esquerdas?
É
necessário retroceder no tempo e verificar qual era a perspectiva política e organizacional do PCB. Após a prisão dos
membros da direção nacional do PCB em 1940 e o consequente esfacelamento da
organização partidária, vários grupos tentaram sua reorganização. Afinal, a
reconstrução do PCB teve sucesso com a iniciativa da Comissão Nacional de Organização
Provisória (CNOP) de convocar a II Conferência Nacional do PCB – conhecida como
Conferência da Mantiqueira, porque se realizou clandestinamente, em algum lugar
do Vale do Paraíba, em agosto de 1943, reunindo 48 militantes. (Prestes, 2001:
cap.IX)[2]
O
exame das concepções político-ideológicas norteadoras da Conferência é
essencial para o esclarecimento das condições em que se formou o novo grupo dirigente eleito nessa
oportunidade e que assumiu a direção do PCB, tratando de reunificá-lo. Vale
lembrar a importância que Antônio Gramsci atribuía à formação do grupo dirigente do Partido Comunista. O
líder comunista e teórico marxista escrevia que “todos os problemas de
organização são problemas políticos” (Gramsci, 2004, v. 2: 348) e, preocupado
com a construção do PC italiano, afirmava: “É preciso criar no interior do
Partido um núcleo (...) de companheiros que tenham o máximo de homogeneidade
ideológica e, portanto, consigam imprimir à ação partidária um máximo de
unidade de orientação” (idem: 129-130). Para Gramsci, a formação do grupo dirigente ou núcleo dirigente do PC era condição indispensável para que o
partido pudesse cumprir seus objetivos políticos. A tal grupo caberia o papel
de garantir a “formação de uma vanguarda proletária homogênea e ligada às
massas” (idem: 351)[3].
Em outras palavras, para Gramsci, a formação do grupo dirigente constituía um
ponto de partida fundamental para a construção do Partido Comunista e,
consequentemente, as características de tal grupo dirigente iriam definir o
perfil da organização partidária em questão.
Cabe
assinalar que a tática de “União Nacional” adotada pelos comunistas a partir de
1938, levou seus dirigentes e militantes a se inserirem de maneira espontânea e
pouco crítica no movimento generalizado de repúdio às ameaças expansionistas e
agressoras do nazifascismo europeu, secundado pelos integralistas, seus agentes
internos em nosso país. Tal movimento empolgou setores muito amplos do espectro
político brasileiro, incluindo numerosas camadas populares. A análise da
atuação do PCB nesse período nos revela que, após os acontecimentos de novembro
de 1935, os comunistas, profundamente golpeados e desarticulados, com grandes
dificuldades para restabelecer os contatos com a Internacional Comunista (IC),
não tiveram condições de manter uma postura ideologicamente independente.
(Prestes, 2001)
A
ausência, por parte do PCB, de uma justa compreensão da realidade do país
contribuiu para que a direção do partido tivesse dificuldade de formular uma
orientação política capaz de articular adequadamente a luta pela democracia no
plano internacional, ou seja, o combate ao nazifascismo e aos seus agentes
internos, com a luta pela democratização do país – contra o regime ditatorial
do Estado Novo – e o empenho necessário para a construção das forças sociais e
políticas capazes de levar adiante um projeto voltado para a emancipação
econômica e social do país – um projeto que apontasse para uma efetiva
transformação socialista, conforme constava dos documentos programáticos do PCB.
(idem)
Tais
impasses na trajetória do movimento comunista no Brasil teriam como
consequência a transformação do PCB num partido nacional-libertador, sob a influência das ideias nacionalistas
presentes na sociedade brasileira. Um partido progressista em que, entretanto,
o conflito entre trabalho e capital ficaria relegado a um segundo plano. (idem)
A
partir da Conferência da Mantiqueira, a orientação oficial do PCB, baseada na
defesa da “União Nacional”, não só deixava transparecer uma postura
nacionalista, de defesa da soberania nacional diante do expansionismo
nazifascista, mas também certo adesismo ao governo Vargas, o que se evidenciava
nas páginas da revista Continental,
que, na prática, se tornou o órgão oficioso do partido. (Prestes, 2010: 51-52).
Na
Conferência da Mantiqueira ficaram consagradas a hegemonia e a vitória das
posições defendidas pela CNOP. Na ocasião foi nomeado um Comitê Central
provisório, que se consolidaria com o apoio de Prestes, eleito secretário-geral
in absentia, pela primeira vez desde
seu ingresso no PCB. Segundo E. Carone, “é em agosto de 1945, na reunião legal
do Comitê Nacional do PCB, denominado Pleno da Vitória, que os recalcitrantes
irão aceitar a situação hegemônica do CNOP” (Carone, 1982: 3-4). Dessa forma,
constituía-se o novo grupo dirigente
do PCB, que proclamava a liderança de Prestes e incluía entre seus membros
nomes que figurariam à frente do PCB durante muitos anos, como Diógenes de
Arruda Câmara, João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Mário Alves,
Amarílio Vasconcelos, Ivan Ramos Ribeiro, Giocondo Dias, Álvaro Ventura, etc.
Tal
grupo dirigente sofreria algumas modificações no decorrer do tempo, mas foram
seus elementos mais destacados que orientaram a reconstrução do PCB e o dotaram
de um tipo de organização que correspondia aos objetivos políticos traçados na
Conferência da Mantiqueira, o qual teria o caráter nacional-libertador da política partidária como sua marca
registrada. As características desse novo grupo dirigente iriam definir o
perfil da organização partidária que viria a existir daí por diante. O berço do
novo PCB, reconstruído após o desastre de 1940, seria a Conferência da
Mantiqueira, e o seu novo perfil foi determinado pelo núcleo dirigente
constituído nesse conclave.
O
PCB, ao renascer dos violentos golpes desfechados pelo governo no início dos
anos 1940, surgia como um partido marcado pela ideologia nacional-libertadora,
com um grupo dirigente praticamente desconhecido, mas prestigiado pela presença
de Luiz Carlos Prestes, cujo aval fora decisivo para a consolidação desse
grupo, assim como da organização partidária. Tal núcleo dirigente empenhou-se
na construção de uma estrutura partidária que correspondesse aos objetivos
políticos traçados, ou seja, à defesa da soberania nacional, entendida como
fruto do desenvolvimento de um capitalismo autônomo no Brasil.(Prestes, 2010)
A análise do curto período de legalidade do PCB, nos
anos 1945-1947, nos revela que, não obstante os esforços desenvolvidos pelos
comunistas visando consolidar o processo de democratização no país e alcançar a
tão almejada “União Nacional”, o partido teve seu registro cancelado e os
mandatos dos seus parlamentares cassados. “União Nacional” tornou-se uma
quimera inatingível. Embora vitórias parciais tivessem sido conquistadas –
algumas de grande importância -, a política levada adiante pelo PCB foi
derrotada.
A diretriz de “União Nacional”,
durante o ano de 1945, contribuiu inquestionavelmente para um significativo
avanço do processo de democratização do país. Já em 1946, com o início da
chamada Guerra Fria, a tendência predominante na política nacional acabou sendo
a de um crescente anticomunismo. Medidas repressoras, cada vez mais intensas,
foram adotadas, por parte do governo Dutra, contra os
comunistas e as forças democráticas e progressistas.
Os dirigentes do PCB não perceberam
com clareza a profundidade de tal virada e a gravidade de suas consequências
para o partido e para seus aliados. A hipotética “burguesia progressista”,
definida pelos comunistas como importante setor, com o qual seria possível
contar na luta por “União Nacional”, capitulara diante dos interesses do grande
capital, expressos na Doutrina Truman (Vizentini, 2000, v. II: 195-225; Munhoz,
2004: 273). Embora lutando com grande empenho e entusiasmo pelos objetivos
traçados, os comunistas ficaram isolados, o que explica sua derrota política.
Na realidade, mais uma vez, na
história do PCB predominara a tendência nacional-libertadora e sua aposta no
“papel progressista” de um setor da burguesia industrial, que seria capaz de
aliar-se ao proletariado para alcançar um capitalismo autônomo no Brasil, livre
do domínio do imperialismo, principalmente dos interesses dos capitais
norte-americanos. Mais uma vez, o conflito de classes seria deixado de lado
pelos comunistas, sendo privilegiada a luta nacional-libertadora.
O exame do período histórico que se
estende até o golpe civil-militar de março de 1964 nos mostra que, apesar das
mudanças táticas havidas na política do PCB, a estratégia nacional-libertadora
da revolução brasileira permaneceu intacta, marcando de maneira indelével a
trajetória dos comunistas. (Prestes, 1980, 2010, 2012) Uma concepção
estratégica falsa, uma vez que inadequada à realidade que os comunistas
pretendiam transformar. O capitalismo implantado no país surgira na época do
domínio imperialista mundial exercido pelas potências centrais desse sistema, o
que determinou sua posição subordinada, ou seja, a dependência a que ficou submetido.
Não havia condições para a conquista de um desenvolvimento livre e independente
do capitalismo brasileiro, meta que era perseguida pelos comunistas.
Em sua política de organização, consoante com a concepção estratégica
adotada pelo seu grupo dirigente criado ainda à época da Conferência da
Mantiqueira, o PCB desenvolveu ingentes esforços no sentido da formação de uma
estrutura partidária adequada à aplicação pela sua militância das diretrizes
condizentes com tal estratégia. Foi construído um partido conforme tal orientação
política, um partido empenhado numa aliança com uma suposta burguesia nacional
progressista, para realizar reformas que pudessem garantir o advento de um
desenvolvimento capitalista autônomo do país. O objetivo socialista era deixado
para uma etapa posterior. Dessa maneira, não se investia na formação da força
social e política, unificada por ideais comuns e voltada para a preparação das
condições necessárias à revolução socialista.
Na realidade, tentava-se a criação de
uma aliança de classes e setores sociais supostamente possuidores de interesses
e reivindicações comuns na luta contra o imperialismo e o latifúndio e pela
democracia. Mas, não se levava em conta algo que o conceito de bloco histórico, proposto por A. Gramsci
– ou, em outras palavras, do sujeito-povo[4]
- pressupõe: o momento político dessa
aliança. “Sua constituição está assentada em classes ou grupos concretos
definidos pela sua situação na sociedade, mas as ideias cumprem um papel
fundamental no que se refere à sua coesão.” No bloco histórico há “uma estrutura social – as classes e grupos
sociais – que depende diretamente das relações entre as forças produtivas; mas
também há uma superestrutura ideológica e política” (Bignami, s.d.: 27).
Gramsci escrevia nos Cadernos do cárcere
que, segundo Marx, “uma persuasão popular tem, com frequência, a mesma energia
de uma força material”. Tal afirmação, segundo o filósofo italiano,
conduz ao fortalecimento
da concepção de “bloco histórico”, no qual precisamente, as forças materiais
são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo
puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente
concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as
forças materiais (Gramsci, 2001, v. 1: 238).
Os elementos citados da concepção gramsciana de bloco histórico permitem perceber o
frequente empobrecimento de tal conceito no âmbito dos partidos comunistas,
pois esse fenômeno marcou, de uma maneira geral, grande parte do movimento
comunista mundial. Nas fileiras do PCB, semelhante postura teria como resultado
a subestimação pelo trabalho ideológico de formação teórica e política não só
dos seus quadros, como também de lideranças populares. A incompreensão da
necessidade de criar um bloco histórico
contra-hegemônico, capaz de conduzir o processo revolucionário à vitória,
condicionou o desarmamento ideológico e político dos comunistas diante do bloco
histórico dominante e a inevitável capitulação frente ao reformismo burguês
(Prestes, 2010a).
Durante o período histórico que antecedeu a
deposição do presidente Goulart, a atividade prática da militância do PCB
evidenciou as limitações provenientes da incompreensão citada. A atuação dos
comunistas no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, no período
1945/1964, é nesse sentido exemplar. Conforme é mostrado por Santana (Santana,
2012), diferentemente do que sempre
se afirmou, “no plano organizacional os
comunistas vão ser incansáveis na atuação nos locais de trabalho e na
constituição de comissões sindicais de empresa, alterando, na prática, a
perspectiva de ação dos sindicatos” (idem: 237; grifos meus). Os comunistas
chegaram, em muitos momentos, a ter importante participação e indiscutível liderança
nas lutas dos trabalhadores nas fábricas, conseguindo alcançar sucesso na
organização dos trabalhadores (idem, 2012). Entretanto, quais eram as propostas
em torno das quais se dava esse trabalho de organização?
A pesquisa da atuação da militância comunista no
Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro revela que a orientação política
do PCB, marcada pela concepção estratégica nacional-libertadora, levou a que,
no âmbito do referido setor metalúrgico, os comunistas priorizassem a aliança
com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), fundado por Vargas em 1945. Na
prática, tratava-se da aliança com Benedito Cerqueira, importante liderança desse
partido no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro (idem). “O crescimento
de poder de fogo dos comunistas no interior da categoria e da direção sindical,
que atingiu o maior índice da história, acabou sendo diluído devido à política
de unidade que, contraditoriamente, o havia possibilitado” (idem: 213). Em nome
da unidade com os trabalhistas, os militantes comunistas foram levados a seguir
uma orientação reformista, de caráter nacionalista burguês. Tanto as diretrizes
do PCB quanto as que eram adotadas pelo PTB tinham a marca da ideologia do nacional-desenvolvimentismo, corrente,
que, a partir dos anos 1950, teve ampla aceitação, por parte de expressivos setores
do pensamento brasileiro, inclusive, tacitamente, por parte dos comunistas.
(Prestes, 2010: 55-59)
A ausência de uma efetiva autonomia política e organizacional
– resultante de uma concepção estratégica inadequada às condições brasileiras -
condicionou a atuação dos comunistas, impedindo-os de avançar no sentido da
formação do bloco histórico - ou do sujeito-povo - ou, em outras palavras,
das forças sociais e políticas capazes de impulsionar a realização das Reformas
de Base, colocadas em pauta naqueles anos e, nesse processo, preparar as
condições para avançar rumo às transformações de caráter revolucionário, que apontassem
para a conquista do poder político e a transição para o socialismo.
A análise do desenrolar dos acontecimentos que
tiveram como desfecho o golpe de 31/3/1964 e a deposição do governo de João
Goulart justifica plenamente a opinião de Waldir Pires, então consultor-geral
da República, emitida 20 anos mais tarde: “Havia muito mais a retórica dos
discursos do que propriamente uma ação organizada para preservar o processo
democrático” (Moraes, 1989: 198).
As concepções nacional-libertadoras, presentes tanto
na estratégia política do PCB quanto em grande parte do discurso das forças
nacionalistas e de esquerda, sob a influência dominante da ideologia
nacional-desenvolvimentista, alimentaram as ilusões num hipotético
anti-imperialismo de uma suposta burguesia nacional[5] e
na possibilidade de – sob a pressão das manifestações das forças nacionalistas
e democráticas e, em particular, do movimento sindical – levar o presidente
João Goulart a realizar reforma ministerial que permitisse o estabelecimento de
um governo nacionalista e democrático
e a implementação das Reformas de Base. Cogitava-se ainda de uma reforma
constitucional, mesmo que para tal fosse necessário passar por cima do
Congresso Nacional.
As consequências práticas da presença de uma
concepção reformista da revolução por etapas, ou seja, da ideia de alcançar um governo nacionalista e democrático
dentro dos marcos do regime capitalista – etapa que seria necessária para
prosseguir na luta pela realização da revolução socialista – pouco diferiam das
consequências oriundas do voluntarismo, da impaciência e da pressa dos adeptos
das concepções esquerdistas, típicas dos setores pequeno-burgueses. Ambas as
concepções – a reformista de direita e a do radicalismo esquerdista –
dificultaram a organização e a conscientização das massas trabalhadoras,
premissa necessária para a conquista do poder e a realização das reformas
necessárias para iniciar outro tipo de desenvolvimento, livre e independente e
voltado, portanto, para uma transformação de caráter socialista, mesmo que não
fosse de imediato.
Uma abordagem autocrítica
da estratégia dos processos revolucionários em duas etapas, adotada pelos
comunistas latino-americanos, foi feita com grande clarividência pelo líder
revolucionário e dirigente do Partido Comunista Salvadorenho Schafik Handal:
(...) Não pode haver
revolução sem resolver a fundo o problema do poder.(...) Nosso partido, e me
parece que muitos outros partidos comunistas da América Latina, temos trabalhado
durante decênios com a ideia de duas revoluções (...).Reagimos tantas e tantas
vezes contra a colocação esquerdista da luta pela implantação direta, sem
estágios, do socialismo e chegamos a nos convencer de que a revolução
democrática não é necessariamente uma tarefa a ser organizada e promovida principalmente
por nós. Que poderíamos nos limitar e nos conformarmos em ser força de apoio e
assegurar a amplitude do leque das forças democráticas participante. Assim, a
revolução democrática anti-imperialista se nos apresentava como uma “via de
aproximação”, que pode alcançar-se deixando na dianteira da ação setores
“progressistas”, “anti-imperialistas”, das camadas médias (da intelectualidade,
dos militares, etc.) e até da burguesia. (...) O que surge de tal conduta
não é nem pode ser o partido da revolução mas sim o partido das reformas.(...)[6]
A seguir Handal escrevia:
Se aceitamos que a revolução democrática e anti-imperialista é parte inseparável da revolução socialista, não se pode realizar a revolução tomando pacificamente o poder por partes, será indispensável sob uma ou outra foram, desmantelar a máquina estatal dos capitalistas e seus amos imperialistas, erigir um novo poder e um novo estado (idem).
Embora Jango tivesse
avançado no intento de realizar as reformas – e isso ficou patente no comício
de 13 de março de 1964 -, o golpe militar, com amplo apoio civil, foi
arquitetado para garantir o sucesso do seu desfecho. Jango ficara isolado, sem
contar com bases organizadas que o sustentassem, pois nas próprias Forças
Armadas a correlação de forças deixara de lhe ser favorável, diferentemente do
que tivera lugar quando da renúncia de Jânio Quadros, revelando que setores
ponderáveis dos militares nacionalistas haviam sido influenciados pela intensa
campanha anticomunista desencadeada pelos golpistas. A ameaça de Jango romper
com a legalidade constitucional ajudou a desarticular seu “dispositivo militar”[7].
Cabe registrar que, para
o isolamento do presidente João Goulart, tiveram influência as pressões sobre
ele exercidas de setores radicalizados, portadores de uma retórica
esquerdizante, sem o respaldo, contudo, de um movimento popular capaz de lhe
oferecer sustentação real. Logo após o
comício de 13 de março, Darcy Ribeiro, Chefe da Casa Civil, transmitiu à
direção do PCB cópia de documento intitulado Projeto Brasil, de caráter bastante radical, que Jango não desejava
encaminhar ao Congresso sem o apoio dos comunistas. Prestes, contrário ao
documento,[8] conta
que o assunto foi discutido na Comissão Executiva, que o aprovou, considerando
que deveria ser ainda mais radical. Esta era a posição de Carlos Marighella e
Mário Alves. Darcy Ribeiro teria ficado radiante com o apoio do PCB. Na opinião
de Prestes, sua postura era evidentemente esquerdista. O Projeto Brasil, encaminhado ao Congresso Nacional, não chegou a ser
discutido.[9]
Diante do isolamento de
Goulart e das forças nacionalistas e democráticas, seria suicídio para o PCB
tentar reagir ao golpe através da luta armada. Naquele momento, a única
alternativa viável foi o recuo para a clandestinidade, tentando manter, na
medida do possível, a estrutura partidária. Na ausência de condições reais para
a vitória de um movimento revolucionário, a história mundial da luta de classes
ensina que a solução correta é recuar. Em outubro de 1923, a direção do Partido
Comunista Alemão, ao tomar conhecimento de que a maioria dos delegados operários,
que eram socialistas de esquerda, rejeitara a proposta comunista de deflagrar
insurreição armada na Alemanha, agiu com acerto suspendendo a decisão adotada
anteriormente. Em Hamburgo, onde a determinação de recuar não chegou a tempo,
durante três dias travou-se uma encarniçada luta contra a polícia e o exército,
sem que as massas proletárias da cidade apoiassem ativamente os insurretos,
demonstrando que o proletariado alemão, naquele momento, não estava disposto a
pegar em armas (Claudin, 1970: 106-107).
A trágica experiência das
organizações de esquerda, que recorreram a diferentes formas de luta armada no
combate à ditadura, demonstrou na prática que inexistiam condições para tal no
Brasil de então. Durante o período de relativas liberdades anterior ao golpe
reacionário de março de 1964, as esquerdas haviam subestimado tanto a
necessidade de elaboração programática quanto o trabalho de organização e de
conscientização das forças populares para levar adiante o processo
revolucionário no país. Com o estabelecimento da ditadura, o esforço de
organização e conscientização das massas ficaria muito mais demorado e difícil.
A derrota das esquerdas
em 1964 traz ensinamentos que continuam válidos na atualidade: o caminho da
revolução, cuja estratégia hoje deve ser socialista, passa pela construção do bloco histórico contra-hegemônico, que
represente a unidade de amplas forças sociais e políticas em torno de um
projeto revolucionário condizente com a realidade atual do País. Tal projeto
deverá resultar das lutas dos trabalhadores e da sua organização para alcançar
objetivos parciais que possam contribuir para acumulação de forças e a criação
de condições – inclusive a formação de partidos políticos revolucionários - para
a conquista do poder político, objetivo sem o qual o processo revolucionário
ficaria inconcluso e sujeito a novas derrotas.
*
Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História
Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes (www.ilcp.org.br).
Referências
bibliográficas
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pensamiento de Gramsci: una introduccion. 2ª ed. Buenos Aires,
Editorial El Folleto, s.d.
_____________. Intelectuales
& revolución o el tigre azul. Buenos Aires, Acercándonos Ediciones,
2009.
CARONE, Edgard. O
P.C.B. (1964-1982). Volume 3. São Paulo, Difel, 1982.
CLAUDIN, Fernando. La crisis del movimiento comunista. Tomo 1. França, Ediciones Ruedo
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GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere. 2ª ed. Volume 1. Rio de Janeiro, Ed.
Civilização Brasileira, 2001.
________________. Escritos Políticos. 2 volumes. Rio de Janeiro, Ed. Civilização
Brasileira, 2004.
MORAES, Denis. A
Esquerda e o golpe de 64: vinte e cinco anos depois, as forças populares
repensam seus mitos, sonhos e ilusões. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo,
1989.
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interpretativo”. In: Da Silva,
Francisco Carlos Teixeira (org.). O
século sombrio: guerras e revoluções do século XX. Rio de Janeiro,
Elsevier, p. 239 a 259, 2004.
PRESTES, Anita Leocadia. “A que herança devem os
comunistas renunciar?” Oitenta, Porto
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_____________________. Da insurreição armada (1935) à “União Nacional” (1938-1945): a virada
tática na política do PCB. São Paulo, Paz e Terra, 2001.
_____________________. Os comunistas brasileiros (1945-1956/1958): Luiz Carlos Prestes e a
política do PCB. São Paulo, Brasiliense, 2010.
_____________________. “Antônio Gramsci e o ofício
do historiador comprometido com as lutas populares”, Revista de História Comparada, v.4, n.3, dez.2010a, p. 6-18.
_____________________. Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário
(1958-1990). São Paulo, Ed. Expressão Popular, 2012.
SANTANA, Marco Aurélio. Bravos companheiros: comunistas e metalúrgicos no Rio de Janeiro
(1945/1964). Rio de Janeiro, 7 Letras, 2012,
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. “A Guerra Fria”. In:
REIS FILHO, Daniel Aarão et alii (org.). O
século XX. V.2. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, p. 195 a 225, 2000.
xxxxxxxxxxxxx
NOTAS
[1]
O golpe teve início no dia 31/3, embora a deposição de João Goulart só tenha
ocorrido na noite de 1º para 2 de abril.
[2] Tribuna Popular, RJ,
27/6/1946, p. 1.
[3] Cf. GRAMSCI (2004, v.2: 129-402).
[4]
Sujeito-povo: categoria empregada por
alguns intelectuais latino-americanos, relacionada com o conceito gramsciano de
bloco histórico, ou seja, sujeito-povo expressa não só a soma
numérica de diversos setores sociais, mas também é portador de novos valores
culturais e constitui uma alternativa de poder (cf., por exemplo, BIGNAMI,
2009: 23, 26, 28 e 107).
[5] As ilusões no “dispositivo
militar” de Jango faziam parte de tal concepção nacional-libertadora.
[6]
HANDAL, Schafik. “O poder, o caráter, a vida da revolução e a unidade da
esquerda”, FMNL, início da década de 1980, 15 páginas (acessado via Internet);
grifos meus.
[7]
“Dispositivo militar” – denominação atribuída à época aos setores militares que
supostamente dariam sustentação ao governo João Goulart, impedindo sua
deposição.
[8] L. C. Prestes, naquele período, ainda apoiava
a estratégia nacional-libertadora do PCB, da qual iria afastar-se
posteriormente.
[9] LCP (entrevistas concedidas por Luiz Carlos
Prestes a Anita Leocadia Prestes e Marly de Almeida Gomes Vianna, gravadas em
fita magnética e transcritas; RJ, 1981-83). LCP, fita nº XV.
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