Por Marcos Cesar de Oliveira
Pinheiro*
Quinta-feira, 31 de outubro de
2013, último dia do mês da data-base para o reajuste salarial do funcionalismo
público de Rio das Ostras. O Prefeito do município, ou, para satisfazer o ego
do mesmo, o “Chefe Supremo” da cidade-Estado da “Pérola entre o rio e o mar”,
achou melhor não apresentar um projeto de aumento salarial para os servidores
públicos. Depois de muitos estudos, resolveu contemplar os serviçais, perdão!, quis
dizer os servidores, com uma palestra motivacional ministrada pelo “renomado”
Daniel Godri, intitulada “Como ser feliz na família, na vida e no trabalho”. A
palestra aconteceu na quadra do Colégio Municipal Professora América Abdalla,
no centro desta cidade. Lá estavam presentes o “Chefe Supremo” e seus
agregados, membros do Conselho Consultivo de Rio das Ostras, mais uma vez perdão!,
quis dizer Câmara Municipal de Rio das Ostras, o pessoal com cargos
comissionados, servidores em função gratificada, servidores contratados e
estatutários. Ah!!! Havia também um pequeno grupo de “vândalos” e “baderneiros”
reclamando pelo reajuste salarial e condições de trabalho dignas aos servidores
públicos – eu estava no meio deste grupo de servidores que ficaram insistindo
em querer exigir reajuste para os servidores na sua data-base, fazendo “pirracinha”
para que se tenha um Acordo Coletivo de Trabalho, com a proposta de 21,4% de
aumento, sendo 6,38% de inflação (INPC), 11,52% de reposição de perdas e 3,5%
de ganho real, conforme estudo do DIEESE, entre outras demandas dos servidores
públicos de Rio das Ostras.
Na visão da “Pérola das pérolas” –
outro título pomposo do “Chefe Supremo” – seria um equívoco dar aumento
salarial aos servidores públicos, mesmo existindo cinco categorias atualmente
ganhando menos de um salário mínimo. O argumento do “Ungido” – mais um título
pomposo para o alcaide eleito com aproximadamente 70% dos votos válidos nas
eleições de 2012 – é o seguinte. Para ele é preciso pensar politicamente. Se
ele der o aumento exigido pelos servidores, terá que dar mais na próxima
eleição. A estratégia, portanto, é dar pouco agora, para lá na frente “ficar
bonzinho” e garantir a reeleição, conforme seria exposto pelo “Chefe Supremo”
em almoço com alguns vereadores no dia 23 de outubro, no Restaurante do Dudu.
Resumindo, o reajuste dos servidores públicos fica a mercê dos interesses
eleitoreiros da medíocre classe política de Rio das Ostras, ou seja, dos “coronelzinhos”
que não aceitam o princípio da soberania popular – “O governo do povo, pelo
povo e para o povo” (Abraham Lincoln). Os políticos de Rio das Ostras não
querem uma democracia, mas defendem com unhas e dentes – e mandando matar
também, de acordo com o histórico desta cidade – a plutocracia aqui existente.
[Plutocracia: sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais rico.]
Querem manter as coisas como elas estão. Isto é, nas eleições, a margem de escolha
popular se reduz a decidir quem entre os representantes dos ricos será o
encarregado de aplicar as políticas que seguirão beneficiando os próprios
ricos. Em vez de soberania popular, defendem o governo dos ricos, pelos ricos e
para os ricos.
Por isso, pensando politicamente,
o “Chefe Supremo” contratou, com o meu, com o seu, com o nosso dinheiro, os
serviços do “renomado” palestrante Daniel Godri, para que, de uma maneira dinâmica,
bem humorada e em linguagem atual e direta (clichês), garantisse a retenção da
mensagem do “Chefe Supremo”: o problema do servidor público não é salarial, mas
apenas uma questão de motivação, de ânimo, dele se doar em prol do próximo,
abraçar, em uma profissão de fé, sua condição de servidor público. O resto
(salário) não tem a menor importância.
O “renomado” palestrante utilizou
de muitas metáforas. Entre elas, de que o servidor público deveria ser como um
cachorro. Ou seja, fiel e obediente ao seu dono. Quando o dono (Prefeito)
ordenar late, todo mundo late. Quando o dono (Prefeito) ordenar abane o rabo,
todo mundo abana o rabo. O palestrante solicitou que a plateia latisse e foi atendido
prontamente. O Prefeito não escondeu a satisfação de ver seus “cachorrinhos”
latindo animadamente. O Prefeito deve ter pensado: “estão no papo!”.
Porém, insistentemente, continuou um grupo de “baderneiros” levantando faixas
de protesto contra a ausência de aumento salarial para os servidores e
protestando contra aquela situação humilhante que a plateia estava sendo
submetida – evidentemente que cada uma das pessoas ali presentes deveria ter
seu motivo, justificável ou não, para se prestar como figurante daquela cena
deprimente. Eu estava no alto de uma das arquibancadas da quadra e daquele
ângulo a cena que se passava frente aos meus olhos mais do que deprimente era
de degradação do ser humano – um reality
tipicamente grotesco, trash.
Apelando para a fé das pessoas
ali presentes, o “renomado” palestrante recorreu à imagem de Jesus Cristo para
solicitar que as pessoas tenham “resiliência” para com as dificuldades que
enfrentam (ausência de um reajuste que garanta salários condignos aos
servidores) e que depositem sua confiança no Prefeito, que ele precisa de
servidores animados, motivados para assegurar o melhor para a cidade. Utilizou os
mesmos argumentos que a Igreja Católica Apostólica Romana usava para pedir “resiliência”
aos indígenas, africanos e seus descendentes submetidos às cruéis condições de
exploração do sistema colonial escravista existente nas colônias de Portugal e
Espanha aqui no continente americano.
Bem, na lógica defendida pelo “renomado”
palestrante, os pobres não são pobres porque vivemos em um mundo marcado pela
exploração do homem pelo homem, marcado por uma escandalosa desigualdade
social, mas porque os pobres não correm atrás para melhorar de vida, não se
motivam a subir de vida, a ascender socialmente. Em suma, as causas para a
existência de um bilhão de pessoas que não tem o que comer (uma em cada sete
pessoas passa fome no mundo) e para o fato de que a cada três segundos, alguém
morre de fome (dados da FAO/ONU) não estariam articuladas com o injusto sistema
de exploração capitalista (defendido pelo “renomado” palestrante no início de
sua apresentação), mas com a falta de motivação destas pessoas famintas – elas passam
fome porque querem, elas não tem dinheiro para comprar comida porque não querem
trabalhar e por aí vai... Ou seja, o oprimido é o culpado pelos seus infortúnios.
Seguindo a lógica, a culpa nunca é, por exemplo, do estuprador, mas do
estuprado, que não estava motivado para evitar aquela situação.
Trazendo para o caso dos servidores
públicos de Rio das Ostras: se eles estão passando por dificuldades financeiras
e falta de condições de trabalho, o problema não é do Prefeito, nem dos
vereadores, muito menos dos secretários e pessoal dos cargos comissionados, que
estão ali apenas cumprindo ordens, ou na boca do povo da cidade, não passam de “paus
mandados”. Portanto, a culpa é sua, servidor!!!!! Você que não tem motivação
para administrar bem o seu salário e você que não tem “resiliência” para se
ajustar ao ambiente de trabalho, improvisando soluções, etc., etc., etc... É
uma injustiça os servidores ficarem reclamando aumento de salário. Pela lógica
do “renomado” palestrante, qual o problema ter servidor público ganhando menos
de um salário mínimo? Nada que uma boa motivação apenas não resolva. Nada como
assistir uma palestra do “renomado” Daniel Godri para ser estimulado a deixar
de reclamar por melhores salários e desenvolver a tal da “resiliência”.
Ora, “resiliência” não enche barriga
de ninguém, nem paga as contas do servidor com água, luz, aluguel... E os
mandatários da cidade sabem disso muito bem. Tanto que em dezembro de 2012, os
vereadores se concederam um aumento de 220%. Tanto que o salário do Prefeito é
de R$ 26.916,09 – aliás, o prefeito mais bem pago do Brasil. Para motivar o
Prefeito e os vereadores, só dinheiro, o que confirma a existência de uma
plutocracia em Rio das Ostras. E para os servidores “cachorros”, só resta
abanar o rabo e latir seguindo os comandos do “Chefe Supremo” na esperança de
que venha algum pedaço de osso.
Diante da política de pilhagem a
que estão sendo submetidos os servidores públicos de Rio das Ostras, A LUTA É MAIS DO QUE JUSTA. Não
se pode aceitar o argumento de equilíbrio das contas públicas para justificar a
violação dos direitos, mais do que legítimos, dos servidores. Não se pode
aceitar a regra dos donos do poder de “socialização dos prejuízos”, afetando
seriamente os serviços públicos que assistem à população mais pobre (educação e
saúde).
Conforme salienta o jornalista
português e militante comunista Miguel Urbano Rodrigues:
A
história ensina que na vida dos povos vítimas de uma opressão intolerável, as
grandes lutas fermentam por tempo variável até que eles se levantam em
explosões sociais vitoriosas. Então exercem o direito de resistência e à
rebelião - direito que é antiquíssimo e consta do artigo 2º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada pela Revolução Francesa
de 1789. É o direito à resistência contra a opressão econômica e social,
direito que, após os horrores da Segunda Guerra Mundial, foi incluído na
Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 22 a 25).
A Constituição da Republica
Federativa do Brasil menciona-o no artigo 9. Como consta abaixo:
Art. 9º É assegurado o direito de
greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e
sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Ora, o direito de greve é uma das
formas de se exercer, ainda que parcialmente, o direito à resistência contra a
opressão econômica. Opressão a que estão sendo submetidos os servidores públicos
de Rio das Ostras.
NEM MAIS UM MINUTO, SERVIDOR!!!
GREVE!!! GREVE!!! GREVE!!!
Onde
há luta tudo é conquistável e potencialmente
perdível. Mas onde não há luta a
derrota é certa.
Transformar a indignação numa
atmosfera de combatividade crescente dos servidores públicos será um avanço.
Será um golpe importante na engrenagem da máquina pública municipal, assentada
no mandonismo, no clientelismo, no nepotismo e na repressão (de várias ordens).
Será um passo importante para forçar a democratização das relações poder
público X cidadãos no município de Rio das Ostras.
* Professor de História da Rede
Municipal de Ensino Público de Rio das Ostras. Matrícula: 6273-1. Lotado na
Escola Municipal Padre José Dilson Dórea, bairro Âncora, Rio das Ostras.
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