quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O direito à cidade no ato de ocupação da Câmara Municipal de Rio das Ostras

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro

Nesta terça-feira, dia 3/9, manifestantes do movimento Vem Pra Rua ocuparam o plenário da Câmara Municipal de Rio das Ostras (RJ), ao término da sessão. A ocupação, da qual participei, foi resultado, única e exclusivamente, da incapacidade dos vereadores de manter um diálogo franco e aberto com a população, de discutir e enfrentar efetivamente as reivindicações mais sentidas pelo povo desta cidade. Foi a primeira vez que assisti a uma sessão do poder legislativo deste município. Observei tudo atentamente, fiquei impressionado com a mediocridade de uma câmara municipal intitulada demagogicamente de “casa do povo”. A subserviência em relação ao poder executivo também chamou a atenção. Foi muito entristecedor constatar a carência de credibilidade e legitimidade do poder legislativo municipal. Ao constrangimento de encarar uma assistência consciente de seu direito de cidadania, respondeu-se apagando as luzes do plenário imediatamente à saída dos vereadores – fato que já vinha se repetindo em outras sessões. Não se teve nem o cuidado de esperar que alunos da Escola Municipal Inayá Moraes d’Couto, que assistiam a sessão, saíssem – aliás, estavam sentados ainda quando as luzes se apagaram. A mensagem foi clara: expulsar o povo da “casa do povo”.


Na realidade, mais uma vez, assistimos à falácia de uma “democracia formal”, concebida através de uma forma de igualdade civil coexistente com a desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações de poder entre a “elite” e o “povo”. Nas democracias realmente existentes no mundo capitalista, quem manda é o capital e a vontade popular – adormecida, narcotizada e manipulada – tem um papel totalmente secundário e marginal, com escassa ou nula incidência na elaboração das políticas públicas de um regime instituído em seu nome e supostamente para a proteção de seus interesses. O seu ethos, na verdade, é “demofóbico”, isto é, com fobia ao povo. Segundo o marxismo, não existe uma democracia pura, uma democracia que não tenha caráter de classe.


Portanto, mais democracia, no sentido de soberania popular, implica, necessariamente, menos capitalismo. Como ensinou Lenin em Esquerdismo – doença infantil do comunismo, não basta que as massas oprimidas tenham consciência da impossibilidade de continuarem vivendo exploradas. A revolução somente pode triunfar quando os de baixo “não querem mais” e os de cima não podem mais viver à maneira antiga. Enquanto a revolução não vem, não se deve renunciar à luta pelas reformas, isto é, a revolução não prescinde das batalhas prévias por reformas econômico-democráticas em múltiplas frentes. Nossa história latino-americana mostra que até mesmo os mais tímidos projetos reformistas desencadearam raivosas contrarrevoluções.


Nesse sentido, na realidade histórico-social riostrense, o movimento Vem Pra Rua Rio das Ostras, apesar de sua ainda fragilidade organizativa e incipiente capacidade de mobilização, tem demonstrado disposição para impor ao Poder Público uma agenda de discussão das demandas da população e de luta para promover o protagonismo participativo da cidadania e o primado do interesse público sobre os interesses dos atores privados. A pauta de reivindicações do movimento assenta-se nas insatisfações quanto à precariedade dos serviços públicos básicos e quanto à legitimidade e amplitude das formas de representação e participação política instituídas. Investe na luta pelo “direito à cidade” (le droit à la ville) – para usar uma expressão concebida por Henri Lefebvre –, ou seja, uma luta para satisfazer e expandir necessidades e possibilidades dos cidadãos, especialmente os mais pobres. Um direito coletivo, e não individual. Uma luta que visa à conquista de água encanada e de saneamento básico inexistentes em várias regiões da cidade, do transporte público (contra o monopólio da empresa Viação 1001), da escola pública de qualidade, do posto de saúde, do policiamento, do esporte, do lazer, da moradia, da iluminação pública, etc... A luta por uma cidade para seus moradores e não para turista ver.


A ocupação da Câmara Municipal de Rio das Otras, nesta terça-feira e que vai ser mantida até a sessão desta quarta (4/9), é mais uma das muitas batalhas de um processo de acumulação de forças, de formação de um bloco de forças populares. O movimento Vem Pra Rua Rio das Ostras precisa encontrar as reivindicações que possam mobilizar e contribuir para organização dos diferentes setores populares. É necessário um trabalho consciente, a longo prazo, um trabalho de organização popular, que só pode ser feito em torno das reivindicações dos próprios trabalhadores. O mais importante neste momento é elaborar um programa de propostas concretas, viáveis de mobilizar hoje diferentes setores populares e organizá-los, educá-los politicamente. Trata-se de organizá-los em torno do que eles estão a fim, do que eles estão dispostos a fazer. O grande problema, como salienta Anita Prestes, é como se organizar, como se jogar nesse trabalho, como conquistar os trabalhadores que estão completamente manipulados por todo tipo de pelegos. É nesse trabalho que vão surgir lideranças novas. Ainda segundo Anita, é preciso mobilizar e organizar amplos setores populares em torno dos seus problemas reais. O decisivo será sempre a pressão popular. A pressão popular pode e deve arrancar conquistas seja do Estado seja dos patrões. Sem pressão popular não se vai conquistar nada significativo.


 Referências bibliográficas

BORON, Atílio. Aristóteles em Macondo: reflexões sobre poder, democracia e revolução na América Latina. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2011.

PRESTES, Anita. Estratégia e tática da revolução brasileira. Texto da intervenção no debate sobre "Estratégia e tática da revolução brasileira", promovido pelo PCB em 24/9/2009, no Salão Nobre do IFCS/UFRJ. Disponível em: http://prestesaressurgir.blogspot.com.br/2009/10/estrategica-e-tatica-da-revolucao.html.

SALEM, Jean. Lenin e a revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.



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