Por
Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro
Nesta
terça-feira, dia 3/9, manifestantes do movimento Vem Pra Rua ocuparam o plenário da Câmara Municipal de Rio das
Ostras (RJ), ao término da sessão. A ocupação, da qual participei, foi resultado,
única e exclusivamente, da incapacidade dos vereadores de manter um diálogo
franco e aberto com a população, de discutir e enfrentar efetivamente as
reivindicações mais sentidas pelo povo desta cidade. Foi a primeira vez que
assisti a uma sessão do poder legislativo deste município. Observei tudo
atentamente, fiquei impressionado com a mediocridade de uma câmara municipal
intitulada demagogicamente de “casa do povo”. A subserviência em relação ao
poder executivo também chamou a atenção. Foi muito entristecedor constatar a carência de credibilidade e legitimidade do poder legislativo municipal. Ao
constrangimento de encarar uma assistência consciente de seu direito de
cidadania, respondeu-se apagando as luzes do plenário imediatamente à saída dos
vereadores – fato que já vinha se repetindo em outras sessões. Não se teve nem o
cuidado de esperar que alunos da Escola Municipal Inayá Moraes d’Couto, que
assistiam a sessão, saíssem – aliás, estavam sentados ainda quando as luzes se
apagaram. A mensagem foi clara: expulsar o povo da “casa do povo”.
Na
realidade, mais uma vez, assistimos à falácia de uma “democracia formal”,
concebida através de uma forma de igualdade civil coexistente com a
desigualdade social e capaz de deixar intocadas as relações de poder entre a “elite”
e o “povo”. Nas democracias realmente existentes no mundo capitalista, quem
manda é o capital e a vontade popular – adormecida, narcotizada e manipulada –
tem um papel totalmente secundário e marginal, com escassa ou nula incidência
na elaboração das políticas públicas de um regime instituído em seu nome e
supostamente para a proteção de seus interesses. O seu ethos, na verdade, é “demofóbico”, isto é, com fobia ao povo. Segundo o marxismo, não existe uma democracia pura, uma
democracia que não tenha caráter de classe.
Portanto,
mais democracia, no sentido de soberania popular, implica, necessariamente,
menos capitalismo. Como ensinou Lenin em Esquerdismo
– doença infantil do comunismo, não basta que as massas oprimidas tenham
consciência da impossibilidade de continuarem vivendo exploradas. A revolução
somente pode triunfar quando os de baixo “não querem mais” e os de cima não
podem mais viver à maneira antiga. Enquanto a revolução não vem, não se deve
renunciar à luta pelas reformas, isto é, a revolução não prescinde das batalhas
prévias por reformas econômico-democráticas em múltiplas frentes. Nossa
história latino-americana mostra que até mesmo os mais tímidos projetos
reformistas desencadearam raivosas contrarrevoluções.
Nesse
sentido, na realidade histórico-social riostrense, o movimento Vem Pra Rua Rio
das Ostras, apesar de sua ainda fragilidade organizativa e incipiente capacidade de mobilização,
tem demonstrado disposição para impor ao Poder Público uma agenda de discussão
das demandas da população e de luta para promover o protagonismo participativo
da cidadania e o primado do interesse público sobre os interesses dos atores
privados. A pauta de reivindicações do movimento assenta-se nas insatisfações
quanto à precariedade dos serviços
públicos básicos e quanto à legitimidade e amplitude das formas de
representação e participação política instituídas. Investe na luta pelo
“direito à cidade” (le droit à la ville)
– para usar uma expressão concebida por Henri Lefebvre –, ou seja, uma luta
para satisfazer e expandir necessidades e possibilidades dos cidadãos,
especialmente os mais pobres. Um direito coletivo, e não individual. Uma luta
que visa à conquista de água encanada e de saneamento básico inexistentes em
várias regiões da cidade, do transporte público (contra o monopólio da empresa
Viação 1001), da escola pública de qualidade, do posto de saúde, do policiamento,
do esporte, do lazer, da moradia, da iluminação pública, etc... A luta por uma
cidade para seus moradores e não para turista ver.
A
ocupação da Câmara Municipal de Rio das Otras, nesta terça-feira e que vai ser
mantida até a sessão desta quarta (4/9), é mais uma das muitas batalhas de um
processo de acumulação de forças, de formação de um bloco de forças populares.
O movimento Vem Pra Rua Rio das Ostras precisa encontrar as reivindicações que
possam mobilizar e contribuir para organização dos diferentes setores
populares. É necessário um trabalho consciente, a longo prazo, um trabalho de
organização popular, que só pode ser feito em torno das reivindicações dos
próprios trabalhadores. O mais
importante neste momento é elaborar um programa de propostas concretas, viáveis
de mobilizar hoje diferentes setores populares e organizá-los, educá-los
politicamente. Trata-se de organizá-los em torno do que eles estão a fim, do
que eles estão dispostos a fazer. O
grande problema, como salienta Anita Prestes, é como se organizar, como se
jogar nesse trabalho, como conquistar os trabalhadores que estão completamente
manipulados por todo tipo de pelegos. É nesse trabalho que vão surgir
lideranças novas. Ainda segundo Anita, é preciso mobilizar e organizar amplos setores
populares em torno dos seus problemas reais. O decisivo será sempre a pressão
popular. A pressão popular pode e deve arrancar conquistas seja do Estado seja
dos patrões. Sem pressão popular não se vai conquistar nada significativo.
Referências
bibliográficas
BORON,
Atílio. Aristóteles em Macondo:
reflexões sobre poder, democracia e revolução na América Latina. Rio de
Janeiro: Pão e Rosas, 2011.
PRESTES,
Anita. Estratégia e tática da revolução
brasileira. Texto da intervenção no debate sobre "Estratégia e tática
da revolução brasileira", promovido pelo PCB em 24/9/2009, no Salão Nobre
do IFCS/UFRJ. Disponível em: http://prestesaressurgir.blogspot.com.br/2009/10/estrategica-e-tatica-da-revolucao.html.
SALEM,
Jean. Lenin e a revolução. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
WOOD,
Ellen Meiksins. Democracia contra
capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo,
2003.
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