Pouco mais de vinte anos atrás podia-se ouvir praticamente em uníssono que “Marx está morto”. Mas, diante de um cenário pautado por crises econômicas, ecológicas e ideológicas, de um desmonte institucional num contexto de mobilizações globais, Marx se afirma cada vez mais como o espectro incontornável de nossos tempos. Suas análises econômicas passam a ser cada vez mais levadas em conta pelos analistas de Wall Street e sua teoria do dinheiro discutida até pelos grandes meios de comunicação.
Mas, afinal, o que disse Marx? Nesse pequeno curto livro, Marx, manual de instruções, publicado pela Boitempo, o filósofo e ativista político francês Daniel Bensaïd (1946-2010) oferece uma divertida introdução à vida e obra do pensador alemão.
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Um claro e elucidativo panorama que combina filosofia e dezenas de quadrinhos do provocativo cartunista francês Stéphane "Charb" Charbonnier, feitos especialmente para a obra; há humor e espírito de síntese, carregado de insights de um dos mais importantes teóricos anticapitalistas da contemporaneidade.
Neste “manual de instruções possíveis” para se ler Marx, escrito para um público iniciante – e que também agrada os já iniciados –, Bensaïd evita tanto o engessamento panfletário da simplificação quanto um hermetismo em busca do “verdadeiro” pensamento do alemão. Reler Marx está longe de ser uma proposta dogmática para o filósofo. Para ele, é preciso libertar Marx do academicismo do discurso de “especialistas”, cada vez mais dissociados do cotidiano e dos problemas da atualidade.
De acordo com o sociólogo Marcelo Ridenti, autor do texto de orelha, a proposta de Bensaïd é interpretar a obra marxiana, “enfatizando o caráter crítico radical de seu pensamento, avesso a ortodoxias e fanatismos, aberto à autocrítica e apto a acompanhar o movimento contraditório e cambiante da vida social, que envolve constante (auto)questionamento”. Também pretende “usar esse instrumental teórico para compreender e transformar o mundo no começo do século XXI, dominado como nunca pelo fetichismo da mercadoria e diante de uma grave crise do capital”.
É através de uma afiada e bem-humorada dissolução de consensos e preconceitos que Bensaïd expõe as principais questões enfrentadas pelo “Mouro”: a religião e os fetiches, a teoria do valor, o comunismo, o partidarismo, a revolução, o antissemitismo, as crises, a ciência e a ecologia. Organizado em capítulos curtos e temáticos, o livro destaca e contextualiza trechos de suas principais obras, desde os textos de juventude até os livros publicados postumamente, passando pelo Manifesto Comunista e por O capital.
Bensaïd nos ensina a ler O capital como um romance noir policialesco, em que nosso detetive barbudo irá mobilizar toda a sua astúcia analítica para investigar o crime quase perfeito do sistema capitalista. Nos perguntamos, com Marx, “Se Deus morreu, de que morreu ele?” e “Por que o espectro do comunismo sorri?”. É de maneira original e com verve inventiva inigualável que Bensaïd enfrenta questões centrais de nosso tempo, como a bolha financeira, o problema da representação política e a globalização. Marx, manual de instruções não é apenas um apanhado polêmico para refletir o clássico pensador alemão, mas um documento precioso para pensar o legado de Bensaïd. Afinal, neste seu último livro publicado em vida, o pensador francês mostra como “a herança da obra de Marx é uma herança sem proprietários nem manual de instruções. Uma herança à procura de autores”.
Marx, manual de instruções integra a coleção Marxismo e Literatura, coordenada por Leandro Konder e Michael Löwy. Nesta mesma coleção, Bensaïd publicou em 2008 Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente.
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Trechos do livro
“O capital tem reputação de livro difícil. No entanto, Marx pretendia tê-lo escrito para trabalhadores. A verdade está no meio: o livro não é fácil, mas é decifrável. E deveria seduzir qualquer leitor de romances policiais. Porque é um romance policial, o protótipo do romance noir, escrito na época em que, de Um caso tenebroso de Balzac ao herói de Conan Doyle, passando por Poe, Dickens e Wilkie Collins, o gênero amadureceu, na medida exata em que se desenvolviam as cidades modernas, onde se perde a pista dos culpados e o criminoso se dissipa no anonimato da multidão. É também a época em que a Scotland Yard confia as investigações policiais complexas a inspetores à paisana e a agência Pinkerton desfruta de uma notável prosperidade.”
“Vinte anos após a morte de Marx, Georges Sorel já falava, em ensaio de 1908, da ‘decomposição do marxismo’. Por muito tempo, Marx foi prisioneiro de seus ‘ismos’, das ortodoxias de partido e de Estado, de ídolos de mármore ou gesso que petrificaram em culto sua crítica profana da modernidade. Um passeio pela galeria de seus espelhos deformantes esclarece as expectativas e projeções de uma época tanto ou até mais do que sua obra propriamente dita. Não se trata de empreender escavações arqueológicas à procura de um Marx original e autêntico, debaixo de cópias incorretas e múltiplas contrafações, mas de trazê-lo ao jogo das interpretações, que fazem viver o pensamento, desvendando pistas ignoradas ou reprimidas.”
Sobre o autor
Daniel Bensaïd nasceu em Toulouse em 1946. Foi filósofo e dirigente da Liga Comunista Revolucionária, e um dos militantes mais destacados dos movimentos de Maio de 1968. Professor de Filosofia da Universidade de Paris VIII, faleceu no dia 12 de janeiro de 2010, aos 64 anos. Autor de muitas obras, tem, entre as publicadas em português Marx, o intempestivo (1999),Os irredutíveis (2008, pela Boitempo) e, em co-autoria com Michael Löwy, Marxismo, modernidade e utopia (2000).
Ficha técnica
Título: Marx, manual de instruções
Título original: Marx, mode d'emploi Autor: Daniel Bensaïd Ilustrações: Charb Tradução: Nair Fonseca Orelha: Marcelo Ridenti Páginas: 192 ISBN: 978-85-7559-346-2 Preço: R$ 42,00 Editora: Boitempo |
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Marx, manual de instruções - Por Daniel Bensaïd
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