segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O carnaval “espetacular”




Por Luiz Ricardo Leitão


Quem ainda se lembra do samba-enredo campeão do desfile de 2012 no Rio de Janeiro? Alguns foliões da Tijuca talvez o cantem na sua quadra – e mais ninguém logrará tal proeza. Contudo, a letra e a melodia de Bum bum paticumbum prugurundum seguem vivas em nossa memória musical, assim como outras joias do Império – basta lembrar a antológica Aquarela Brasileira, do genial Silas de Oliveira, que encantou a passarela em 1964.

Dos mais recentes, eu próprio só recordo a bela homenagem de Martinho da Vila a Noel Rosa, no centenário do Poeta, em 2010. Os leitores devem supor que este cronista padece de uma crise aguda de nostalgia, porém estão enganados. Meu coração socialista tem muitas saudades do futuro, mas os signos de metamorfose do carnaval ‘espetacular’ de Bruzundanga não podem ser ignorados.

Como já escrevi aqui nesta coluna, a conversão do desfile em um evento televisivo só fez realçar o peso dos elementos visuais na Sapucaí – e, de fato, a última escola a vencer impulsionada pelo samba foi o Salgueiro, em 1993 (!), com o seu Ita do Norte, cujo esfuziante refrão (Explode, coração, na maior felicidade...) até hoje agita as ruas do país.

A lógica irracional do mercado ditou, em grande parte, essa agonia do gênero. Por imposição das gravadoras, acelerou-se em muito a harmonia dos sambas, para que todos coubessem em um só disco. Com isso, a velha cadência de Mano Décio, Silas, Zé Katimba, Martinho & Cia. cedeu vez a uma batida frenética, de melodias padronizadas, em que raros refrões logram seduzir o público.

E quem se habituou a cantar os belos e alegres sambas da Ilha nos anos 70/80 (DomingoO amanhãO que será?Bom, bonito e barato) só pode lamentar o que se ouve hoje, "colchas de retalho" compostas por "firmas" que concorrem em várias quadras – e de que logo se esquecerá em meio a tamanha pasteurização.

A suposta “nostalgia”, pelo visto, não se restringe a este escriba. O sambista Zeca Pagodinho, de forma ainda mais clara e contundente, acaba de declarar, em entrevista, que não vai ao sambódromo em 2013: “Não tem Carnaval! Roubaram tudo. Acabaram com tudo o que é da cultura. Não sei que doideira deu nesse mundo aí.”

Mas a festa vai rolar em Xerém, no sítio de um amigo, com banda de música, decoração e as crianças todas enfeitadas, cantando Mamãe, eu queroÍndio quer apito e outros sucessos dos antigos carnavais. Assim como Zeca, o povo continua a fazer da festa sua forma de contestação. Cresce o número de foliões fantasiados, expressando seus sonhos, suas revoltas e, sobretudo, sua enorme criatividade.

Conforme escrevi em 2012, o carnaval volta a cumprir seu papel dentro de uma sociedade excludente e perversa, liberando as energias reprimidas pelo capital e desnudando a farsa do poder em Bruzundanga. É óbvio, também, que o “mercado” não subestima essa energia colossal e tenta cooptá-la por diversas vias – que o diga a Basf, empresa aliada do latifúndio, com os milhões investidos no desfile da Vila Isabel.

Certos tiros, porém, podem sair pela culatra – e a iniciativa da Campanha contra os Agrotóxicos de entregar uma carta à Vila foi mais que oportuna: “o agronegócio, que não partilha, nem protege e muito menos abençoa a terra, quer se apropriar da imagem dos camponeses e da agricultura familiar”.

Em realidade, o episódio só reitera o dilema das escolas em Bruzundanga: com as verbas do Estado e dos bicheiros, não logram mais fazer um carnaval espetacular. Por isso, a São Clemente exaltará as novelas da TV Globo, a Mocidade cantará o Rock in Rio (!) e a Beija-Flor, o Manga-larga Marchador... Quem dá mais, caro leitor? Só mesmo o sarcástico Noel para cantar a moral dessa história: “Quanto é que vai ganhar o leiloeiro / Que é também brasileiro / E em três lotes vendeu o Brasil inteiro?”

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.


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