A arrecadação humanitária virou um negócio em que os doadores competem por espaço na mídia, diz o especialista em assistência humanitária e desenvolvimento Paolo de Renzio, pesquisador de governança econômica global no Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford.
FOLHA - Como é o funil que converte fundos em ações?
PAOLO RENZIO - O problema é que há vários funis: a ONU e suas agências, os governos dos países, as ONGs, cada um agindo separadamente. A arrecadação humanitária virou um "business", um negócio em que cada um quer se mostrar em ação.
FOLHA - Uma vitrine?
RENZIO - Exato. Como há muita atenção da mídia em curto período, todos querem aparecer doando.
FOLHA - O que muda na arrecadação após um grande desastre em relação à ajuda para o desenvolvimento?
RENZIO - Publicidade, urgência, retorno imediato. Um problema pode ser o cansaço da opinião publica em relação aos desastres. Outro é que, quando o mídia vai embora, todo o mundo esquece. O terceiro problema é a fragmentação e a falta de coordenação na arrecadação e a escassa transparência e prestação de contas.
FOLHA - E o planejamento?
RENZIO - Há necessidade de resposta imediata e há questões de coordenação. É preciso preparação prévia. A pressão em gastar os fundos com rapidez pode levar a ineficiências. Há doadores que fixam prazos de seis meses. Avaliar a eficácia das ações também muda, com indicadores de curto prazo no caso de desastres e de médio-longo prazo para ajuda ao desenvolvimento. Seria importante ligar os dois.
FOLHA - Há estimativa de quanto da arrecadação se converte em ajuda a flagelados?
RENZIO - Difícil. Tenho visto números que variam de 5% a 50% dos fundos.
FOLHA - Qual o maior obstáculo ao bom uso dos fundos?
RENZIO - Falta de coordenação; falta de consideração da ligação com a fase de reconstrução; uso exclusivo de materiais importados. Por exemplo, não se pode fazer abrigos temporários e se esquecer que será preciso reconstruir as moradias quando o foco da mídia mudar e as doações sumirem.
FOLHA - No Haiti, onde a governança é quase nula, qual o caminho para aplicar a verba?
RENZIO - O Haiti é um caso especial, pois já considerava a infraestrutura do governo fraca e ela foi destruída, o epicentro foi na capital. É diferente do que houve na Indonésia ou no Peru. Por isso, canais paralelos são obrigatórios. O problema é coordenar.
FOLHA - A ONU diz que a arrecadação é transparente. Mas não monitora a aplicação.
RENZIO - Isso é um problema mais geral do sistema da ajuda internacional. Sabe-se quanto se quer gastar, menos sobre o que foi gasto e quase nada sobre como foi gasto.
Fonte: Folha de São Paulo, 18/01/2010.
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