120 anos do seu nascimento
"Cora Coralina fez de sua ligação com o mundo um motivo a ser poetizado. E o que seria mais suscetível a ser poetizado do que a nossa própria vida? Cora celebra esse devir existencial e enxerga os privilégios de se ter uma vida difícil. É com os marginalizados, os humildes e destituídos
de sua honra que ela faz crescer a dignidade. Essa consciência humana é o combustível de sua força poética que nos toca pela simplicidade e nos revela o prosaico, o rústico que nos habita mesmo em tempos atuais. Com essa centelha humana, tão escassa e apagada no cotidiano atual, ainda somos capazes de nos identificar."
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TODAS AS VIDAS
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
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Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de são-caetano.
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Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
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Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
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Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
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Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre
seu triste fado.
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Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera
Para saber mais sobre a obra e a vida dessa mulher maravilhosa visite a Casa de Cora Coralina.xxxxxxxxxxxxx
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