“Ameaças, perseguições, demissões e assassinatos são o pão nosso de cada dia”, denunciam lideranças sindicais guatemaltecas durante encontro internacional da CSA
Leonardo Wexell Severo e Nicolás Honigesz, de San José, Costa Rica
“Na Guatemala, é mais econômico matar do que negociar. Faz parte da estratégia neoliberal”, sustentaram em uníssono nessa quarta-feira (7), dirigentes da CUSG, CGTG e Unsitragua, as três sindicais guatemaltecas presentes ao encontro internacional promovido pela Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), em San José, Costa Rica.
Apoiado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o evento debate formas para a remoção dos inúmeros obstáculos à efetivação dos direitos dos trabalhadores numa região onde o capital transnacional, particularmente o estadunidense, fez da precarização e do arrocho salarial um instrumento para a potencialização dos seus lucros. No combate para virar esta página, as entidades lançarão uma campanha continental visando garantir a liberdade sindical e a negociação coletiva.
“A violação aos direitos trabalhistas é o pão nosso de cada dia. Se intimida, persegue, ameaça de morte e assassina”, relatou Heydi Odett, secretaria-geral do Sindicato dos Servidores Municipais de Morales e dirigente da Central Geral dos Trabalhadores da Guatemala (CGTG), informando que “recentemente, mais companheiros foram assassinados nas áreas das bananeiras e mineradoras”. Depois de mortos, explicou, os mandantes, patrões e governos acionam os meios de comunicação para venderem a versão de “crime passional”, o que é posteriormente sustentado pelas “investigações” e pela própria “Justiça”, descaracterizando a perseguição antissindical. “Como as leis só existem no papel, a impunidade se alastra”, frisou Heydi.
“Desde o momento em que um ex-chefe de Estado como o general Ríos Montt é absolvido, após ter sido incriminado por genocídio, fica claro que a impunidade é total”, reforçou Moisés Pérez Urias, secretário de Finanças da Confederação de Unidade Sindical de Guatemala (CUSG) e secretário-geral da Têxtiles Modernos SA). Marionete do governo estadunidense à altura das atrocidades das ditaduras de um Somoza, na Nicarágua, ou de um Pinochet, no Chile, com seus milhares de cadáveres, torturados e desaparecidos, Ríos Montt continua vagando como um fantasma pela Guatemala. Segundo Moisés, “com ele livre, a sensação é de que a Justiça existe unicamente para quem tem dinheiro. Assim, instituições como o Ministério Público acabam abrindo mão das suas responsabilidades e fugindo das investigações sobre os crimes contra sindicalistas”. “Nas caminhadas do 20 de outubro, dia da revolução guatemalteca, se levantam faixas afirmando uma verdade: a justiça será aplicada em nosso país quando houver Justiça. Por enquanto...”
“Quem luta é chamado de terrorista”
Conforme Ronald de Paz, diretor da União Sindical de Trabalhadores da Guatemala (Unsitragua), com o governo entregando um cheque em branco para o crime, “já nos primeiros dias do ano foi assassinado o secretário-geral do Sindicato de Taxistas Autônomos de Izabal”. O objetivo imediato: paralisar as negociações, negar direitos e comprimir salários.
“Quem luta pelo interesse comum é criminalizado, tratado como bandido. Quem defende suas fontes de água para o cultivo da terra ou quem defende seu território para cultivar a comida é chamado de terrorista. A Guatemala está voltando aos anos 80, quando os espaços políticos se fecharam. Atualmente temos um general genocida que nos governa. As mesmas ações que adotou no tempo da guerra, ele está utilizando contra os movimentos sociais”, explicou Ronald. Em 1982 e 1983, o atual presidente Otto Pérez Molina, hoje general reformado, utilizava o pseudônimo de Tito Arias, pelo qual foi reconhecido por ter comandado o massacre e desaparecimento de aldeias inteiras no chamado Triângulo Ixil.
Com um passado tão presente, acrescenta Moisés Pérez Urias, “falar de liberdade sindical na Guatemala de hoje é falar de ficar sem emprego ou, caso seja um dirigentes sindical, falar até de assassinato”. “Por isso é que praticamente não há negociação coletiva. De cada 10 sindicatos, apenas dois conseguem alguma negociação, que ainda é condicionada por imensas pressões”, acrescentou.
Jovem dirigente do Unsitragua, Ronald alerta que “a impunidade está em todos os níveis”: “Como o Ministério do Trabalho precisa ser avisado sobre a formação do sindicato, que necessita por lei ter um mínimo de 20 trabalhadores, já no momento de registrar o sindicato eles chamam a empresa ou a instituição e imediatamente acontecem as demissões, o que é totalmente ilegal”. “No caso do Sintragua temos o exemplo do meu sindicato de base, dos trabalhadores da Secretaria de Planificação do Estado. Assim que formamos o sindicato nos despediram. O mais grave é que quem incorreu nas demissões é o ministro das Relações Exteriores, que deveria ter o estandarte da liberdade sindical, a defesa das convenções da OIT”, contou.
Com esse exemplo vindo das mais altas estruturas do Executivo, assinalou Ronald, o Judiciário acaba entrando no jogo, “e muitos juízes passam a retardar os processos”. “Há casos como o do Tribunal Superior Eleitoral que impugnou o pacto coletivo assinado com seus trabalhadores e leva cerca de uma década querendo reverter decisões que retiram direitos. Quando magistrados com caráter constitucional não respeitam a Constituição, a situação evidentemente se complica”, relatou.
Listas negras
“As listas negras nos perseguem o tempo todo, desde a fundação do Sindicato. Como é uma obrigação das entidades sindicais entregarem anualmente a listagem dos que integram a organização, isso faz com que o Ministério do Trabalho tenha a lista de todos os que a compõem. Lamentavelmente como o próprio ministro do Trabalho é um empresário, é dali onde saem as informações e ameaças permanentes. Aos que ainda não são filiados dentro de um centro de trabalho onde haja organização, os ameaçam dizendo que se caso se filie não encontrará mais trabalho. Como as empresas, antes de contratar, o primeiro que fazem é saber onde a pessoa trabalhou, ninguém quer organizar-se, e onde o Sindicato já está organizado, não querem filiar-se”, explicou Moisés.
Conforme o dirigente da CUSG, com a perseguição somada à impunidade se impõe sobre os trabalhadores mecanismos de controle para que se mantenham afastados da luta por seus direitos. “Essa intimidação se dá com nossas próprias famílias, porque os que são filhos de dirigentes sindicais também não vão conseguir trabalho”, denunciou.
Heydi relatou ter sofrido esse abuso na própria carne com o marido, dispensado assim que ela assumiu um cargo no sindicato. “Meu esposo trabalhava na Cervejaria Centro Americana, que no caso de Izabal se chama Ultra Rápida. Ali os trabalhadores não podem pertencer ao sindicato. Quando comecei a integrar a direção, demitiram meu marido, consequência da lista negra. Não podia, era casado com uma sindicalista”, afirmou.
“A maior ameaça para um trabalhador é tirar o sustento da sua família”, assevera Ronald, frisando que “as listas negras existem para colocar medo nas pessoas”. “Isso explica porque temos o mais baixo nível de sindicalização da nossa história. Na iniciativa privada, que envolve todo o setor de serviços, têxtil, mineiro, bananeiras, a taxa de sindicalização é de apenas 1,5%, chegando a 3,5% no setor governamental. Com 82% da população economicamente ativa na economia informal, sem direito à organização sindical, os salários são miseráveis. Só 5% recebem o salário mínimo que é de 315 dólares por mês, o que fica muito abaixo da cesta básica para uma família de cinco pessoas, que chega a 500 dólares”, esclareceu.
Como o país não dispõe de levantamentos minimamente confiáveis, Moisés avalia que dos cerca de cinco milhões de trabalhadores guatemaltecos, pelo menos um milhão esteja nas fazendas, local onde a exploração é ainda maior. “Nas fazendas, além dos patrões pagarem muito pouco, abaixo do salário mínimo, pagam dois salários diferenciados, o do homem e o da mulher, que recebe a metade, embora elas façam praticamente o mesmo trabalho”, relatou. Ele citou o caso da El Tumbador, fazenda de café bastante conhecida, onde o homem ganha 60 quetzales diários (cerca de R$ 16,00) e a mulher 35 quetzales.
“Dificultam a formação do sindicato e a sua organização, impedem a negociação coletiva, impõe requisitos como o de 50% mais um de representação para poder negociar. Toda a estrutura está montada para a negação dos direitos para alavancar os lucros. É contra isso que nos insurgimos na Guatemala e é por isso que estamos somando forças aqui”, concluiu Moisés.
FONTE: Brasil de Fato
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