Apesar da elevada taxa de escolaridade, Kerala tem sofrido com baixa industrialização e dificuldades econômicas
Segunda localidade do mundo em que um governo comunista foi eleito democraticamente, em 1957 (a primeira foi San Marino), o Estado de Kerala, no sudoeste da Índia, sempre demonstrou receptividade com os partidos de esquerda e hoje apresenta índices muito superiores aos do resto do país.
A expectativa de vida, por exemplo, é de 74 anos, enquanto na Índia é de 65. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região fica em 0,790, bem acima dos 0,467 do país como um todo.
Cristina Bruck/Opera Mundi
Desde a segunda metade da década de 1990, Kerala vivencia um modelo de descentralização do poder decisório
Em 1996, a coligação partidária Frente Democrática de Esquerda, com o poder executivo liderado pelo Partido Comunista Marxista da Índia [CPI(M)], implantou uma ousada experiência de governança participativa na região, descentralizando o poder decisório. Com isso, todos os 1.214 órgãos de poder local de Kerala - municípios e os três níveis rurais de panchayats (a designação indiana para assembleias locais) - receberam novas funções.
Ao repassar responsabilidades de planejamento e implementação aos governos locais, o movimento conseguiu, pela primeira vez na Índia, capacitar efetivamente as comunidades para atender aos seus problemas concretos. Além disso, elevou a escolaridade dos habitantes da região, cuja taxa de alfabetização está em 93,3%, ante 74% em toda a Índia.
A delegação de poder e de recursos reduziu significativamente o hiato de conhecimento e capacidade que tradicionalmente excluía o cidadão comum de uma participação efetiva no governo. Tal medida foi acompanhada de programas de formação, da mobilização ativa das competências da sociedade civil e de esforços concentrados de empoderamento de grupos tradicionalmente marginalizados - mulheres, adivasis (“tribais”) e dalits (“intocáveis”).
Problemas econômicos
Kerala tem assistido, entretanto, a uma enorme emigração de sua força de trabalho para os países do Golfo Pérsico, em busca de melhores oportunidades de emprego. Hoje a economia local depende de forma significativa das remessas de dinheiro provenientes dos expatriados.
Cristina Bruck/Opera Mundi
Devido às dificuldades econômicas, muitos jovens da região têm buscado oportunidades de emprego em outros países
“Dá gosto viver em uma Índia sem crianças nas ruas, sem mendigos. Mas também dá pena ouvir as histórias das mães cujos filhos foram obrigados a ir para o exterior em busca de uma oportunidade de trabalho”, conta Mariana Chatelain, brasileira que mora em Trivandrum, capital do Estado.
Essa é a consequência do que os críticos apontam como uma política que privilegiou o alto índice de escolaridade, mas com baixo nível de desenvolvimento econômico. Apesar das conquistas, Kerala apresenta baixo desenvolvimento industrial e desemprego de 8,3% da população urbana, segundo dados de 2010.
Contra a maré da análise do desenvolvimento baseado em indicadores financeiros, o economista indiano laureado com o Nobel, Amartya Sen, diz preferir o modelo de Kerala frente ao de outros estados do país ou mesmo de países mais ricos.
Para Sen, o desenvolvimento deve ser um processo de expansão das liberdades reais para que as pessoas desfrutem de suas vidas, o que depende de fatores políticos e sociais, como educação e saúde. Para ele, os indicadores tradicionais - renda per capita, crescimento da renda nacional, nível de industrialização etc. – dão apenas uma ideia parcial de desenvolvimento.
“A percentagem de pessoas abaixo da linha da pobreza é de 31,6% em Gujarat e 19,6% em Kerala. A mortalidade infantil é de 60,9 por mil crianças em Gujarat e de 16,2 em Kerala”, explica Amartya Sen. “Há muito o que se aprender de Kerala no que diz respeito à qualidade de vida”, conclui o economista.
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FONTE: Opera Mundi
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