“os sindicatos devem atuar como centros de organização da classe operária, com vistas a sua radical emancipação.”
Karl Marx
No mês de março de 2012, a Central Única dos Trabalhadores lançou uma campanha nacional “Por Liberdade e Autonomia Sindical” e junto com esta campanha, um plebiscito contra o imposto sindical. O objetivo seria conscientizar e discutir com a classe trabalhadora mudanças na atual estrutura sindical. O material publicitário da campanha explicita toda uma posição coerente com os princípios que fundaram a Central e ataca a unicidade e o imposto sindical.
Para aqueles que sempre se opuseram a estrutura sindical parecia um bom momento para celebrar. Afinal, há muito não se via qualquer atividade do movimento sindical sobre este tema. Porém, passado alguns meses, a pergunta que fica é: qual o resultado da campanha? Aparentemente nenhum!
A CUT fez a campanha sem apresentar uma proposta de soterramento do sindicalismo de Estado ou, ao menos articular uma luta efetiva contra o sindicalismo de Estado. Ao contrário, acompanhamos a solidificação dessa estrutura e do atrelamento do sindicato ao Estado com aval da CUT. Em 2008 o reconhecimento das centrais pelo Estado autorizando a sua existência foi festejado pela CUT, juntamente com as demais centrais, e desde então é a central que recebe a maior fatia dos fartos recursos do imposto sindical. E quem está na base de algum sindicato cutista sabe que o plebiscito foi uma farsa. Quando havia alguma atividade, principalmente assembleia, a direção do sindicato colocava uma urna e dizia: “não esqueçam de votar”, sem debate algum.
Ao desencadear a sua campanha, porém, acabou por despertar as forças que não só sobrevivem desta estrutura, mas a defendem. Destaca-se a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB, criada e dirigida pelo PCdoB.
Para rebater as posições cutistas, a CTB publicou uma matéria em sua página na internet, intitulada “Unicidade Sindical: pelos trabalhadores, pelo Brasil” (CTB. 2012). O objetivo era a defesa da unicidade sindical em contraposição a pluralidade. Pascoal Carneiro, secretário-geral nacional da CTB, esclarece os termos da defesa da unicidade: “o fortalecimento dos sindicatos passa pelos seus princípios de unidade com liberdade e autonomia, baseados na unicidade sindical”. Mais a frente numa sessão do texto intitulada “Ser contra o imposto é ser contra os trabalhadores” podemos ler: “A campanha contra o imposto sindical é muito oportunista e não é a melhor ação para quem se propõe advogar os interesses dos trabalhadores (...) é incoerente este posicionamento (...). Sem imposto sindical, como os trabalhadores poderão organizar suas campanhas, garantir suas bandeiras e fazer frente ao patronato?”
Ao criticar a criação aleatória de sindicatos sem representatividade o documento aponta: “um dos caminhos para se garantir a unicidade e assim acabar com essa bagunça sindical é o fortalecimento do Ministério do Trabalho. (...) É preciso colocar o MTE como protagonista e não coadjuvante nos processos de negociação dos trabalhadores. O ministério precisa assumir seu papel nas negociações”.
A CTB está entre as cinco maiores centrais em número de sindicatos filiados e se reivindica do campo classista. Porém, ao reivindicar o protagonismo do Ministério do Trabalho nas negociações entre trabalhadores e patrões, vê-se claramente de que lado está. Não há como conciliar autonomia e independência com intervenção do Ministério.
É impossível compatibilizar liberdade e autonomia com a unicidade sindical e mais ainda com o poder do Estado de decidir a qual sindicato o trabalhador deve se filiar, ou seja, com a investidura sindical. Seja qual for a forma concreta de existência dessa unicidade, implica sempre, a dependência do sindicato diante do Estado. Não há como elevar a luta da classe trabalhadora a outros patamares com a tutela estatal. Solicitar a tutela estatal é desconsiderar a forma como se desenvolveu a dominação burguesa no Brasil. É desconsiderar o papel que o sindicato de Estado desempenha na luta de classes.
O sindicato financiado pelo Estado a partir do imposto sindical sempre foi alvo de disputas entre as diversas forças que atuam no movimento, porém, após o reconhecimento das centrais, essas disputas tornaram-se mais violentas ainda, envolvendo todas as centrais reconhecidas pelo Estado. As disputas não são mais ideológicas. São pelo aparato e envolve sindicalistas, burocratas do Estado e o próprio Ministério.
O sindicato no Brasil hoje se tornou um negócio, e o Ministério é o promotor da comercialização.Presenciamos hoje um processo intenso de fabricação de sindicatos, federações e confederações atendendo unicamente a interesses particularistas. A concessão das cartas sindicais, controlada pelo Estado, chega a custar R$ 150 mil no mercado negro da burocracia federal. O dinheiro “ajuda” o processo de registro do sindicato a andar mais rápido. E a fila é longa. Em apenas três anos da gestão Lupi no Ministério (2008 – 2011), foram concedidos 1.457 registros sindicais e há, ainda, outros 2.410 pedidos em trâmite na Secretaria de Relações do Trabalho. Essa situação foi criada pela Portaria 186/2008 que estabeleceu novas regras para o registro sindical e na prática facilitou a fabricação de milhares de sindicatos clones e de fachada ou de “gaveta”, dividindo categorias de trabalhadores com objetivos políticos e econômicos das diversas centrais, inclusive a própria CUT que lançou uma campanha contra a estrutura sindical.
Em reportagem da revista IstoÉ, a presidente da Federação Nacional dos Terapeutas (Fenate), Adeilde Marques relata um episódio definitivo para revelar o tratamento diferenciado que estaria ocorrendo na burocracia federal. Quem paga, segundo ela, vai para o topo da fila das concessões de cartas sindicais. Quem se recusa a entrar no esquema pode ficar esperando indefinidamente pelo registro. “Ela conta que, ao buscar a regularização da entidade junto ao Ministério do Trabalho, em Brasília, foi encaminhada ao escritório do sindicalista Miguel Salaberry, ligado à Social Democracia Sindical, hoje a nova central UGT, União Geral dos Trabalhadores. ‘Me pediram R$ 5 mil para que a carta sindical saísse mais rápido’”, afirma. Diante dessa situação a sindicalista procurou apoio da Força Sindical. “Em conversa com o próprio presidente da central em Sergipe, Willian Roberto Cardoso Arditti, o ‘Roberto da Força’, Adeilde foi informada de que a carta sindical poderia custar até R$ 40 mil.”
A reportagem destaca ainda que esse Roberto da Força aparece em outra denúncia envolvendo a criação dos chamados sindicatos de gaveta. A presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Nossa Senhora do Socorro, Edjane Silveira disse que não quis pagar o pedágio exigido pela Força Sindical. “Em retaliação, Roberto criou, com aprovação do Ministério, um clone do sindicato de Edjane com um nome quase idêntico: o Sindicato dos Servidores do Município de Nossa Senhora do Socorro (Sindispub). No comando desse Sindispub clonado está Joanes Albuquerque de Lima, que também preside outros sindicatos locais da Força Sindical”, prática constante no sindicalismo da Força.
Chama a atenção outras denúncias na mesma reportagem. “Em São Paulo, o camelô José Artur Aguiar conseguiu fundar o Sindicato dos Trabalhadores em Casas Lotéricas, mesmo sem nunca ter trabalhado na atividade” Em outro caso, “o Sindicato de Empresas de Desmanche de Veículos (Sindidesmanche), entidade patronal ligada à Força, ganhou sua carta sindical apesar de seus dirigentes (...) também comandarem, na outra ponta, uma entidade de trabalhadores, o Sintseve, que reúne inspetores técnicos em segurança veicular.”
As fraudes no sindicalismo brasileiro ocorrem também com a taxa negocial, que os sindicatos recebem das empresas. No Sindicato dos Plásticos de Jundiaí, por exemplo, a parcela correspondente ao sindicato nunca entrava nas contas do mesmo. Ia direto para a conta dos diretores. Além de estar na direção há mais de 20 anos, o presidente do sindicato nunca teria trabalhado na categoria, aponta reportagem da TV TEM.
Em outra matéria intitulada “Bandidagem Sindical” IstoÉ revela a violência da disputa entre as centrais de trabalhadores e os bastidores da luta pelos recursos do imposto sindical.
Mas a criação de entidades para disputar as bases de outros sindicatos não é exclusividade da Força Sindical e outras centrais identificadas com o sindicalismo de Estado. A CUT criou o Pro-IFES na base de um sindicato que sempre esteve na vanguarda das lutas, o Andes-SN.
Quais as razões podem ser apontadas para esta disputa fratricida e mesmo a criação desenfreada de sindicatos de gaveta? Um dos elementos é com toda certeza os infindáveis recursos do imposto sindical que em 2010 representavam cerca de 1,2 bilhões de reais. Mas também tem razões políticas. Os altos índices de aprovação do governo Lula, por exemplo, não foram alcançados sem o silêncio sepulcral e o imobilismo das centrais. Da mesma forma, o ajuste fiscal imposto por Dilma, com cortes expressivos no Orçamento da Educação (3,1 bi. em 2011) e da Saúde (5,4 bi. em 2012), não recebeu crítica alguma dos sindicatos cutistas. Prevaleceu o silêncio.
Enquanto isso, a burguesia não só mantém sua posição contrária a toda e qualquer política de direito social e de proteção ao trabalho, como vê nas políticas existes uma possibilidade de lucrar. A nossa burguesia, associada e dependente, aposta na privatização dos direitos sociais para garantir seu lucro. A Previdência Social, a Educação, a Saúde, são alvos constantes dos desejos burgueses. As contrarreformas da Previdência de FHC e Lula abriram e aprofundaram a privatização da previdência. Só no 1º semestre deste ano, a previdência privada cresceu 32% e já movimenta um mercado de 33 bilhões de reais. Se não bastasse a privatização, os governos subservientes agraciam nossa burguesia com constantes desonerações da folha, zerando a contribuição previdenciária de alguns setores da indústria e reduzindo impostos. Agraciada, a burguesia agradece. Em nota oficial, o presidente da FIESP disse: “Toda desoneração é bem vinda” (FIESP. 2012). O objetivo principal é diminuir os custos de produção e, toda vez que a burguesia fala em custo, sabemos muito bem a quem ela se refere.
A partir de 1930 com a instituição da legislação protetora do trabalho, as forças que atuavam no movimento sindical, sobretudo os comunistas, optaram por disputar os sindicatos oficiais e esta tática estava correta. Estavam disputando com o Estado uma concepção livre, autônoma e independente de organização dos trabalhadores, pois essa era a tradição do movimento, construída nas décadas anteriores com muita luta. Nossa tradição hoje é outra. É a do sindicato de Estado, atrelado, corporativo, burocrata e, o que é pior, legalista. Desde a instituição do sindicalismo de Estado, o Estado passou a disputar física e ideologicamente os sindicatos, e até aqui tem sido vitorioso. É contra esta tradição que precisamos lutar e não será a partir das atuais centrais sindicais atreladas que elevaremos a luta dos trabalhadores a outros patamares. Unificar os setores combativos do movimento sindical contra as práticas antipopulares e antissindicais do atual governo é a tarefa imediata, criar as condições construir uma Central das Classes Trabalhadoras efetivamente autônoma é o que devemos constantemente perseguir.
Fonte: Voz Operária n19
Nenhum comentário:
Postar um comentário