domingo, 25 de outubro de 2020
Os comunistas no Estado Novo (1935-1945) | Aula 2 | Curso História dos Comunistas Brasileiros
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Após dois anos de processo na Justiça, a historiadora Anita Prestes conseguiu as 319 cartas de seus pais que iriam a leilão
Nesta quinta-feira, 22/10/2020, a historiadora Anita Leocadia Prestes, filha de Olga Benario Prestes e Luiz Carlos Prestes, recebeu as 319 cartas endereçadas ao seu pai por familiares. Depois de 2 anos de luta na Justiça, Anita ganhou o processo. No conjunto de documentos, está uma carta de Olga escrita para Prestes, no período em que esteve presa no Brasil, contando que estava grávida de Anita.
Em novembro de 2018, O Globo revelou a existência deste conjunto de 319 cartas de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, que foram encontradas no lixo em Copacabana e iriam a leilão, com o lance mínimo de R$ 320 mil no lote, de acordo com Soraia Cals, responsável pelo pregão à época. Ao tomar conhecimento da existência destas cartas, Anita entrou com uma ação na Justiça e obteve vitória em todas as instâncias.
Segundo Anita Prestes, em entrevista ao mesmo jornal, à época, as correspondências foram roubadas da sede do PCB (Partido Comunista Brasileiro) em dois saques que a legenda sofreu entre 1945 e 1947. O primeiro ataque ocorreu logo depois que Getúlio Vargas deixou o governo, no fim do chamado Estado Novo, em outubro de 1945. Já o segundo, quando o partido foi proibido, em maio de 1947.
Conforme reportagem de O Globo nesta quarta-feira (22/10), o comerciante Carlos Otávio Gouvêa Faria, que disse ter comprado a documentação, chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra as decisões do TJ-RJ. No entanto, o ministro Celso de Mello não admitiu o recurso porque analisou que não tinham sido cumpridos todos os requisitos para a apresentação. Desse modo, o mérito nem foi avaliado e a decisão do TJ-RJ de devolver as cartas foi mantida.
Cartas recebidas por Luis Carlos Prestes são encontradas por catador em Copacabana e vão a leilão. Na foto, cartas enviadas por Olga Benário para Prestes Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo |
Ao receber as cartas, Anita Prestes disse que pretende conversar com o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) para disponibilizar o material para digitalização, mas a doação do material físico será para a Universidade Federal de São Carlos - que cuida do acervo pessoal de Prestes.
Uma das cartas de Olga Benário para Prestes encontradas no lixo Foto: Jose Casado/ Agência O Globo |
À reportagem de O Globo, Anita falou:
- Acho que é uma vitória importante. Justiça. Era um absurdo não receber essas cartas. A maioria são da minha avó Leocádia e da minha tia Lygia falando de mim. De política nem se podia falar, porque a censura era muito forte.
- Lembro delas lamentando o roubo das cartas do partido. Lamentavam muito. Minha avó escreveu desde 1936 duas vezes por semana até 1943, religiosamente, para meu pai - diz a historiadora, ao citar que já publicou livros com 900 cartas da família, mas sentia falta das cartas da avó.
Anita e sua tia Lygia Prestes organizaram as 900 cartas da família que publicadas em 3 volumes chamados Anos tormentosos - Luiz Carlos Prestes: correspondência da prisão (1936-1945). |
Ainda segundo Anita, o ótimo estado de conservação dos documentos mostra que as cartas não foram encontradas no lixo como foi mencionado.
- Esse negócio de dizer que acharam no lixo é outro absurdo. As cartas estão em perfeito estado de conservação. A gente vê que elas não foram tocadas e elas foram feitas em um papel fininho de seda, aquilo tá intocado. Está tudo em seus respectivos envelopes. É visível que não estava no lixo. Acredito que estava nas mãos de descendentes desse policial - conta ela, ao citar uma reportagem do GLOBO que investigou a possível participação de Israel Souto, ex-chefe de gabinete de Filinto Muller, no episódio.
A advogada Maria Isabel Tancredo, que defendeu Anita Prestes, lamentou que o caso tenha chegado até o STF para a devolução dos documentos
- É lamentável que o caso precisou chegar até o STF para se tomar a atitude que desde o início deveria ter ocorrido. A Anita queria ter levado essas cartas ainda em novembro de 2018. O que eu mais lamento é que esse processo era desnecessário porque o direito dela como filha era muito claro. Para a Anita, depois de tanto tempo, tantas lutas, mais uma. Acho que deveriam ter honrado a história dela e a história brasileira e devolvido as cartas a quem era de direito, mas para mim foi uma honra e fico feliz que o resultado do processo vai permitir que outros pesquisadores jovens tenham acesso a essas cartas - afirmou a advogada da filha de Prestes, Maria Isabel Tancredo.
Na decisão do Tribunal de Justiça, o relator do caso na 3ª Turma Recursal, juiz Arthur Eduardo Magalhães Ferreira, escreveu que “não se nega que a Recorrida é filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário como tal, herdeira de ambos, sendo, em relação à segunda, notoriamente a única herdeira em virtude do falecimento de Olga Benário nas prisões do regime nazista”. Segundo ele, “o que está em debate nesta demanda é direito de personalidade dos pais da Recorrida, cujo conteúdo particular foi ressaltado pelos próprios recorrentes ao anunciar o leilão das cartas”.
FONTES:
- Filha de Luis Carlos Prestes e Olga Benário recebe de volta cartas dos pais que iam à leilão
- Anita Prestes acaba de receber as cartas do pai, Luiz Carlos, que foram encontradas no lixo
terça-feira, 20 de outubro de 2020
Cotidiano Entrevista: Anita Leocadia Prestes
Transmissão ao vivo, nesta quarta-feira, dia 21/10, às 20h.
Via YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=1X4ulH46cx8&feature=youtu.be
OU
Via Facebook:
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segunda-feira, 19 de outubro de 2020
«Cartas da prisão», a atitude dialógica de um grande clássico
Resenha de Guido Liguori à nova edição italiana das «Cartas da prisão», publicada no jornal "Il Manifesto: quotidiano comunista". «Lettere dal carcere» é uma nova edição da editora Einaudi com um rico álbum de documentos e fotografias.
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«Cartas da prisão», a atitude dialógica de um grande clássico
Guido Liguori
Il Manifesto: quotidiano comunista, edição de 17/10/2020
Tradução Google Translate, com ajuste do blog Prestes A Ressurgir
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Relato inédito de Pagu (Patrícia Galvão) sobre Luiz Carlos Prestes
Recentemente publicado pela editora Companhia das Letras, Autobiografia precoce é único texto autobiográfico deixado por Patrícia Galvão (1910-1962). Trata-se de um relato emocionante sobre a vida de uma mulher forte, revolucionária e única. Escrito em 1940, após uma das 23 vezes que Pagu sai da prisão, a autobiografia contém relato inédito sobre o encontro dessa famosa lutadora pela liberdade com Luiz Carlos Prestes (1898-1990) em Montevidéu, no ano de 1931.
O trecho desse relato encontra-se disponível no site do Instituto Luiz Carlos Prestes. Leia AQUI o relato de Pagu sobre o Cavaleiro da Esperança.
Dossiê "Vladimir Ilitch Ulianov – Lenin – 150 anos!"
A mais recente edição da revista Germinal: Marxismo e Educação em Debate (v. 12, n. 2, 2020).
v. 12, n. 2 (2020)
Vladimir Ilitch Ulianov – Lenin – 150 anos!
Sumário
Editorial
Rodrigo Castelo | 1-5 |
Debate
Vijay Prashad | 6-20 |
Marina Machado Gouvea | 21-34 |
Muniz Ferreira | 35-49 |
Jones Manoel | 50-68 |
Luis Eduardo Rocha Maia Fernandes | 69-85 |
Jaime Ortega | 86-100 |
Artigos
Víctor Antonio Carrión | 101-112 |
Ranieri Carli | 113-121 |
Ademar Bogo | 122-133 |
Marcos Del Roio | 134-145 |
Anderson Deo | 146-165 |
Fábio Palácio de Azevedo | 166-180 |
Túlio C.D. Lopes | 181-192 |
Ana Carolina Marra de Andrade, Júlio César Villela da Motta Filho | 193-204 |
Mariléia Maria da Silva, Luciana Pedrosa Marcassa | 205-221 |
Edson Teixeira da Silva Júnior | 222-235 |
Leonardo César de Albuquerque | 236-248 |
Raphael Seabra | 249-261 |
Victor Neves | 262-276 |
Theófilo Machado Rodrigues | 277-288 |
Lucas Bezerra | 289-310 |
Marizete Andrade da Silva | 311-321 |
Juberto Antonio Massud de Souza | 322-334 |
Lucas Barbosa Pelissari | 335-346 |
A concepção de politecnia no pensamento educacional de Vladimir Lênin no contexto da revolução Russa Vagno Emygdio Machado Dias | 347-358 |
Vinícius Azevedo, Lucas André Teixeira | 359-371 |
Leonardo Marcelino Luz | 372-383 |
Júlio Ernesto Souza de Oliveira | 384-394 |
Gustavo Borges Monteiro, Carlos Henrique Ferreira Magalhães | 395-405 |
Entrevista
Mauro Iasi | 406-413 |
Clássico
Vladimir Lenin | 414-421 |
Resenhas
Guilherme de Rocamora | 422-425 |
Hevilla Wanderley Fernandes | 426-429 |
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
Para download: "Classe dominante e educação em tempos de pandemia: uma tragédia anunciada"
O livro é composto por doze capítulos escritos pelos pesquisadores do LIEPE (Laboratório de Investigação Estado, Poder e Educação), que apresentam os resultados da atuação dos dominantes na educação no período da pandemia. Editado pela editora Terra Sem Amos no formato ebook e distribuído gratuitamente, o livro foi organizado pelo Prof. Dr. Rodrigo Lamosa (UFRRJ/PPGEduc) com a apresentação realizada pelo Prof. Dr. Roberto Leher (UFRJ/PPGE).
LINK para acesso gratuito ao livro:
LINK da live de lançamento do livro:
Para download: [Antología] Marxismo en Colombia. Historia y problemas.
LINK PARA DOWNLOAD:
http://cipec.nuevaradio.org/b2-img/ANTOLOGIAMARXISMOENCOLOMBIAIEALC.pdf
Esta obra colectiva [publicada en Buenos Sires, 2019] es un resultado del Grupo de Investigación sobre el Pensamiento Crítico Colombiano con sede en el Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe (IEALC - Facultad de Ciencias Sociales - Universidad de Buenos Aires [UBA]), coordinado por Javier Calderón Castillo y Diana López Cardona. Este colectivo de trabajo integra los Grupos de investigación sobre Marxismo latinoamericano, con sede en el mismo Instituto de la UBA, orientados por Néstor Kohan, quien prologa la Antología. La misma, apoyada en fuentes documentales originales de difícil acceso para la comunidad de investigación argentina, se propone desarrollar la historia del marxismo en Colombia, explorando de manera crítica y plural en los diversos afluentes de este paradigma-tradición, tantos teóricos como teórico-prácticos, de un universo político mayormente desconocido o incluso “ninguneado” en las antologías convencionales y habituales sobre el marxismo en América latina.
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
“Eu grito sim (…) e o meu grito vai sanar minhas feridas”: 75 anos de Taiguara
Por Gustavo Rolim (*)
Taiguara participa de caminhada ao lado de Beth Carvalho e Luiz Carlos Prestes, na praça Quinze de Novembro. Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1989. |
Em 1985, em comício das Diretas Já, Beth Carvalho chama Taiguara Chalar da Silva ao palco. Curvado sobre o microfone, braços projetados para frente, fala de uma vez só, em alto tom:
“Depois de proibido pela Ditadura durante dez anos, que eu digo pra vocês:
Eu resisto
Já existe essa manhã, que eu perseguia
Um lugar que me deu trégua e me sorria
E uma gente que não vive só pra si
Já te encontro
Gente armada, mergulhando no futuro
Procurando repartir…
…o futuro, em que o povo unido, jamais será vencido.”
Terminada as palavras, Taiguara ergue o punho cerrado. Sua música, “Universo no teu Corpo”, da onde realizou autoparódia na fala do ato da Diretas Já, seria adaptada inteiramente e cantada, nos anos seguintes, como “Universo do meu povo”. Nestes consertos, após o retorno ao Brasil, outras músicas como “Voz do Leste” e “Cavaleiro da Esperança”, costurados por elogios a Cuba, à guerrilha salvadorenha da FMLN e a África revolucionária tomavam conta do espetáculo. Conhecido por músicas “existencialistas”, “idílicas” ou até mesmo “idealistas”, os fãs e a mídia se perguntavam: quem era esse Taiguara?
Como dizem os antigos: “vamos rebobinar”. Com o AI-5, após os efervescentes festivais de música dos anos 1960, os artistas brasileiros dedicavam-se, entre trancos e barrancos com o estrangulamento da censura, estabelecer seus trabalhos autorais. Dentre estes, Taiguara, já conhecido por uma série de canções que pelo menos desde 1965 fazia-o frequentar aqueles festivais. Interpretava Chico Buarque, Vinícius de Morais, Alberto Land… seguia-se uma carreira promissora associado àquela geração, com a qual ia crescendo artisticamente.
A partir de 1970, Taiguara começa a desenvolver sonoridades diferentes da MPB, Bossa Nova e Samba que caracterizou seu som nos anos 1960. No álbum Viagem (1970), a participação do conjunto Som Imaginário dá novos contornos a três faixas, “Universo”, “Geração” e “Viagem”. O álbum Carne e osso, de 1971, segue no mesmo sentido – entretanto, aqui já temos uma amostra de outros elementos e ideias que devagar começavam a tomar corpo. Não apenas um elogio à Cuba, na faixa “A Ilha”, como, na música que dá nome ao álbum, um recado, em pleno Brasil sufocado: “Saiba quem agride a minha lira/ quanto mais ferida, mais diz o que sente”. Referente certamente aos crescentes assédios da censura, que já procuravam cortar referências à sensualidade feminina e ao amor carnal, uma presença marcante em suas letras.
O cantor e compositor Taiguara. Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação / Kuarup. |
Ainda conseguiu gravar dois discos Piano e Viola (1972) e Fotografias (1973), entrementes o assédio da censura. Nos dois, Taiguara seguiria diversificando seu som, ao mesmo tempo que dialogava, criticava, vivenciava e procurava participar do mundo ao redor. “Teu sonho não acabou” era um diálogo com John Lennon. No álbum de 1973, além de algumas aventuras sonoras lembrando jazz, falava sobre a guerra do Vietnã e, mais ambiciosamente, tentava traduzir o momento que o Brasil vivia, em plena repressão sangrenta e ideológica do “Milagre Econômico”:
O tempo passa e atravessa as avenidas
E o fruto cresce, pesa, enverga o velho pé
E o vento forte quebra as telhas e vidraças
E o livro sábio deixa em branco o que não é
Pode não ser essa mulher o que te falta
Pode não ser esse calor o que faz mal
Pode não ser essa gravata o que sufoca
Ou essa falta de dinheiro que é fatal
Vê como o fogo brando funde um ferro duro
Vê como o asfalto é teu jardim se você crer
Que há um sol nascente avermelhando o céu escuro
Chamando os homens pro seu tempo de viver
E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem em sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou
O amanhã é seu, o amanhã é seu, o amanhã é seu
A partir de então, não teria mais paz dos censores. As contas, na ausência de um estudo histórico mais apurado, variam, de quarenta ou até quase setenta músicas censuradas. De uma forma ou de outra, a partir de 1973, Taiguara encontra-se incapacitado de gravar e produzir. Chega a viajar para Londres, onde grava álbum em 1974. Entretanto, todas as letras de todas as faixas do álbum são censuradas, mesmo artista e obra encontrando-se no exterior. Taiguara procura Michel Legrand em Paris, fugindo com as fitas originais do álbum, com medo de perseguição e destruição do material – o encontro não ocorre, e as fitas acabam sendo perdidas. Até hoje.
Procurando de qualquer forma, afinal, trabalhar, busca autorização para gravar novo trabalho. Ganha-a, juntamente com a promessa de uma grande produção, para abafar o escândalo do ano anterior. Viaja ao Brasil em 1975. As letras são constantemente ajustadas para que as mensagens escondam-se nos versos; mais: utiliza-se do nome da então esposa, Gheisa, para procurar despistar os censores. Mesmo assim, letra após letra sofre escrutínio. No estúdio, situação diametralmente oposta: efervescência musical que leva a gravação de Imyra, Tayra, Ipy – Taiguara. Um álbum grandioso, ambicioso, com contornos épicos – pretende ver a constituição indígena, negra e latino-americana (de nosso país, mas também pessoalmente), inspirado pela leitura de Quarup, de Antônio Calado. Taiguara pensa a obra de forma completa: sua primeira apresentação seria nas ruínas de São Miguel das Missões, em um Primeiro de Maio. Desenrola-se então, um dos casos mais curiosos da censura ditatorial. O álbum é gravado, prensado, lançado e enviado para as lojas de discos. Apenas 72h depois, entretanto, decreta-se o recolhimento do álbum e proibição de sua reprodução nas rádios. As apresentações são canceladas. Taiguara não conseguira romper o silêncio imposto.
Um novo capítulo nasce quando, exilando-se (inclusive pelo assédio constante da polícia), decide ir à África. A ajuda vem de Paulo Freire, que, por carta, lhe dá acesso à Tanzânia de Julius Nyerere, teórico do “socialismo africano”. Lá, estuda. Acaba lendo revolucionários africanos (como Amílcar Cabral), os clássicos de Marx e Engels, e mesmo Lênin. Com a Anistia, em 1979, retorna ao Brasil, procurando agora trabalhar mais próximo daqueles ideais que teve acesso no exílio. Torna-se repórter no jornal Hora do Povo, do MR-8. Ali, inteirando-se das dinâmicas da esquerda brasileira e das discussões da época, aproxima-se cada vez mais de Luiz Carlos Prestes. Na época, o velho dirigente comunista havia rompido com o Partido Comunista Brasileiro, procurando desvincular o movimento comunista da proposta de distensão controlada da ditadura.
Taiguara, a partir dos anos 1980, teria o apodo de “Pertencente do PCB-ala Prestes” nos documentos do Serviço Nacional de Inteligência (SNI). E, de fato, Taiguara a partir de então, torna-se um comunista. Chega a declarar que o “marxismo-leninismo” era uma dessas “coisas de cabeça” que acabam virando “coisa de coração”! Estava formado o Taiguara que surpreenderia o público nas Diretas Já e na gravação de seus dois últimos álbuns, Canções de Amor e Liberdade (de 1983, onde, rezando a lenda, teria sido Prestes a “batizá-lo” com este nome) e Brasil-Afri (de 1994). No primeiro, exaltação da América Latina sublevada, reprodução de um clássico do comunista paraguaio José Asunción Flores, homenagem ao periódico dos “comunistas alinhados a Prestes”, o “Voz Operária” e elogios à Tanzânia e à revolução africana. No segundo, em plena ascensão triunfalista do capitalismo, com o fim do “socialismo real”, Taiguara vai para Cuba, grava com o Grupo Manguaré, sonoridades cubanas tomam corpo, as letras elogiam Cuba livre, ainda a África e, finalmente, é lançada a canção “O Cavaleiro da Esperança”, homenagem a quem havia se tornado seu guia político. Em Brasil-Afri também temos uma homenagem a Porto Alegre, cidade que residiu em seus últimos anos, na música “Uvardente (Pétite Syrah)”.
Taiguara morre, em 1996, vitimado por um câncer. Por mais que tenha voltado, de uma forma ou de outra, a cena musical, o estrago feito pela ditadura ao afastá-lo de seu público por praticamente dez anos, não é capaz de ser medido. Suas opções políticas na “Abertura” acabaram cerrando portas, censurado veladamente, por gravadoras, críticos de música que o acusam de proselitismo político… a sociedade criada pela ditadura manifestava-se. Hoje, acessar sua discografia não é tarefa tão fácil. Nas lojas de discos, há poucos, por preços altos; nos serviços de streaming, sua obra segue incompleta, fruto de gravadoras diferentes possuindo diferentes partes de sua obra. Há que se escavar a salvaguarda “arquivística” da música atual, o youtube. Imyra, Tayra, Ipy, o álbum recolhido e proibido, foi relançado apenas em 2013 no Brasil! Taiguara parece, mesmo prestes a completar 75 anos de seu nascimento, não ter sua obra sedimentada na mentalidade musical brasileira. E isso revela muito sobre nosso país.
Taiguara, um uruguaio brasileiro, um negro indígena, que visitou e se encantou pela África Revolucionária, que volta ao Brasil, que acolhe o comunismo. Entretanto, talvez diferente de muitos outros casos ou do que o senso comum prega, não saltou do comunismo à censura, saltou da censura ao comunismo. Transformou a violência que sofria em motivo para tentar ler o mundo a sua volta; compreender as suas raízes e, essencialmente, superá-la. Esta não é qualquer trajetória. Poderia ser, mesmo, a trajetória de nosso país, sua tentativa desesperada de gerações e gerações em compreender-nos a nós mesmos. Taiguara postula-se, à nossa frente, como esfinge de nossas próprias agonias. Enquanto o país arde, enferma-se e ameaça mesmo desfalecer em uma grande hecatombe planejada, teremos que utilizar esta dor para compreender o momento e buscar saídas. Condensando este emblema, de nosso país, que infelizmente ainda é o mesmo de Taiguara, cabe a cena:
O santo, a seca, o sertão
O filho morto nas mãos
Família, fome, facão
A gana, o gado, o ladrão
O pó, o podre, o país
A madre, o medo, a matriz
Só não sofreu quem não viu
Não entendeu quem não quis…
(*) Doutorando na UFRGS
domingo, 11 de outubro de 2020
Mulheres na história viva - participação de Anita Prestes
Jacinta Passos, Ana Montenegro e Olga Benario
Debate do dia 20 de outubro, às 19h, transmissão ao vivo pelos plataformas virtuais do Jornal O Poder Popular.
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