Uma vitória parcial, mas importante
Por Marcos Cesar de Oliveira
Pinheiro*
Na
última sexta-feira, dia 29/05/2020, sem qualquer aviso prévio, os professores
da Rede Municipal de Ensino Público de Rio das Ostras foram surpreendidos, ao
receberem seus salários, com o corte da Gratificação de Regência de Classe
(GRC), mesmo trabalhando em regime de home office, como determinado por decreto
municipal, para que os alunos da rede continuem seu “aprendizado”. E como
afirmou a Nota Oficial do núcleo Rio das Ostras do SEPE (Sindicato Estadual de
Profissionais da Educação): “Esta opção do governo Marcelino de cortar
novamente na carne do profissional da educação deve ser entendida pela
categoria como um ataque frontal ao nosso direito à vida, às orientações da OMS
de isolamento social, já que muitos terão que encontrar outras formas de
equacionar as perdas e exige por parte dos professores uma ação contundente na
defesa de seu salário integral.” (Nota Oficial SEPE Rio das Ostras: “Em meio àpandemia somam-se as covardias”, de 29/05/2020).
Diante
da repercussão negativa do corte da GRC dos professores, as redes sociais
pró-governo, tentando justificar o ato covarde, lançaram postagens em que
colocavam a seguinte questão: “Marcelino pode escolher: ou segue a lei ou faz
política. Lei de 2013 condiciona pagamento da gratificação por regência a
efetiva atuação docente em sala de aula. Será que é certo ignorar a lei e pagar
mesmo assim?”. Trata-se de uma argumentação falsa, uma fraseologia vazia para
ludibriar a massa incauta. Na verdade, o prefeito Marcelino Carlos Dias Borba
tinha duas opções: seguir a lei ou fazer politicagem. E ele escolheu fazer
politicagem ao cortar a GRC dos professores. E por que politicagem? Ao tomar medidas de
redução de despesas para enfrentar a perda de arrecadação, o prefeito escolheu
cortar direitos dos servidores públicos e manter intocado o enorme número de
apadrinhados políticos nos cargos comissionados, que tem um peso considerável nas
despesas do município.
Os
ataques aos profissionais da educação promovidos pelo prefeito Marcelino, com a
anuência da Secretaria de Educação, Esporte e Lazer (SEMEDE), vinham se dando
como bola de neve e o governo não esperava a mobilização dos professores de Rio
das Ostras em reação ao corte da gratificação da regência. Ainda que incipientemente,
nós professores, juntamente com o SEPE Rio das Ostras, conseguimos transformar
a indignação numa atmosfera de combatividade crescente. A categoria em conjunto
decidiu suspender as atividades que vinham executando em regime de home office,
não entregando as atividades e apostilas online, fazendo mobilização nas redes
sociais para denunciar o ataque aos nossos direitos e pressionar o governo e
compartilhando as notas oficiais do SEPE e a importante live do sindicato sobrea retirada da regência e outros auxílios durante a pandemia, que possibilitou
um encaminhamento de ações conjuntas da categoria. Ademais, o Departamento
Jurídico do SEPE Rio das Ostras ingressou com ação judicial visando a reparação
dos danos causados pela retirada, de forma abrupta e injustificada, da
Gratificação de Regência de Classe ocorrida neste mês na rede pública local (Processo
nº 0003655-67.2020.8.19.0068, de 31/05/2020).
Na
Ação Cível Pública, solicita-se o pagamento em até
48h dos valores suprimidos no mês e que o município deixe de descontar nos
próximos meses em virtude das medidas de contenção do COVID-19 (home-office). A
ação popular fundamenta-se no fato dos profissionais de ensino estarem
exercendo atividade regular, de acordo com o PCCV (Plano de Cargos, Carreiras e
Vencimentos) e leis que regulamentam o GRC (como a Lei 1780/2013), preparando
aula, lecionando e passando todo conteúdo imposto pela SEMEDE. Os professores
estão notoriamente trabalhando mais nesse período de home-office, vista a
dificuldade no acesso às plataformas digitais, ausência de treinamento
adequado, demanda elevada de conteúdo, preparação de aula etc. Em outras
palavras, os professores da rede estão em pleno curso de suas atividades, em
efetiva atuação da docência e cumprindo a carga horária prevista no mês em
atividade Home-Office (resolução SME – 29/2020, Circular SEMEDE/Sub.Ped.Ed. nº
431/2020 e orientação pedagógica da SME ), deixando claro a manutenção de todo
dia-a-dia com seu colégio e sala de aula, contudo, em modalidade virtual.
O
ato do prefeito de corte da regência, além de covarde e desumano, é também
pautado na ilegalidade pelo fato da ausência de comunicação prévia aos
profissionais. Imaginem os professores, com várias contas a pagar e manter o
sustento próprio e de sua família, sendo literalmente surpreendidos com o corte
salarial inesperado.
A
abertura de várias frentes para lutar pelos direitos de nossa categoria levou o
governo municipal a recuar da decisão de cortar a gratificação de regência.
Nesta segunda-feira, dia 1o de junho de 2020, às 19h50, foi
publicado no site oficial da Prefeitura de Rio das Ostras a notícia de que o
governo municipal “vai pagar as gratificações de regência e suporte pedagógico
para professores que comprovarem a realização de atividades virtuais”. Segundo
a notícia, “A Procuradoria Geral do Município avaliou
novos dados apresentados nessa segunda-feira, dia 1º de junho, pela Secretaria
de Educação, e deu parecer favorável ao pagamento da regência, desde que as
atividades dos professores sejam comprovadas por meio de relatórios e
apresentação das atividades, devidamente avaliadas e atestadas pela direção da
Escola a qual o professor estiver lotado, e a anuência da Secretaria de
Educação, Esporte e Lazer.” (https://www.riodasostras.rj.gov.br/prefeitura-vai-pagar-as-gratificacoes-de-regencia-e-suporte-pedagogico-para-professores-que-comprovarem-a-realizacao-de-atividades-virtuais/).
Sabemos
bem o que motivou a avaliação dos “novos dados” por parte da Procuradoria Geral
do Município. Política e juridicamente, o prefeito Marcelino Borba deu um tiro
no pé. Mais uma vez, mostrou-se ser da mesma laia ou até pior do que os governos
anteriores, fossem eles verde (de Alcebíades Sabino) ou laranja (de Carlos
Augusto Balthazar), no fundo todos comprometidos com os contratos de
empreiteiras, a distribuição de cargos comissionados e funções gratificadas, mais
por indicações políticas do que por requisitos técnicos, e a prática de
políticas assistencialistas e clientelísticas para manter a grande
maioria das pessoas adormecida, narcotizada e manipulada, deixando intocadas as relações de poder entre a "elite" e o "povo".
Mas
o que garantiu o recuo do governo municipal em relação ao corte da gratificação
de regência foi a mobilização efetiva e consequente dos professores,
pressionando em várias frentes. O que se esboçou, ainda que espontaneamente, no
calor da hora, com o “Boicote às Apostilas” foi uma espécie de “greve não
oficializada” da categoria, com a paralisação do regime de home office. Tivemos
o protesto virtual que repercutiu junto à sociedade local. E a Ação Cível
Pública da categoria, via Departamento Jurídico do SEPE Rio das Ostras.
Vencemos
uma batalha, mas não vencemos a guerra. A vitória é muito importante no
contexto atual, porém é uma vitória parcial. A situação da classe trabalhadora
vem se agravando desde o governo de Michel Temer, quando da alteração da
legislação trabalhista, isto é, a retirada de direitos dos trabalhadores. A
pandemia agrava o que já estava ruim. Ademais, a evolução do atual regime de
exceção que vem sendo implantado pelo governo de Jair Bolsonaro no país aponta
para tendências que indicam a possibilidade de sua transformação em ditadura
fascista. Ou seja, uma ditadura violenta do capital financeiro
internacionalizado, assegurando no sentido político o êxito da ofensiva do
capital, da exploração e do saque das massas populares pela minoria capitalista
e garantir a unidade dessa minoria sobre a maioria popular. E o governo
municipal de Rio das Ostras deixa bem clara sua posição de alinhamento às
diretrizes do governo de Jair Bolsonaro, “o produto malparido do medo burguês”,
principalmente, ao adotar medidas drásticas de contenção de despesas
orçamentárias, penalizando mais ainda as massas trabalhadoras. Portanto, não
estamos seguros nem no âmbito municipal.
Devemos
e precisamos manter nossa capacidade de resistência e, principalmente, desenvolver
o nível de organização, de mobilização e de consciência da nossa categoria e
dos trabalhadores em geral. Pois, ninguém é ingênuo de achar que não vão tentar,
me desculpem o termo, nos sacanear de alguma forma. Quem é da Rede Municipal de
Ensino de Rio das Ostras sabe que não vão engolir, facilmente, a derrota
sofrida. A própria notícia supracitada no site da Prefeitura e a Resolução SME
n° 29/2020, publicada na edição 1182 do "Jornal Oficial" (p. 10), de 29/05/2020,
sinalizam um arcabouço de assédio moral e de eventuais descontos salariais dos
professores.
Ainda
que parcial, é uma vitória importante. Importante porque nos mostra que as
vitórias só são conquistadas com mobilização, com organização, com consciência.
“Quanto mais a gente luta, mais a luta nos educa”, diz o poema do professor
Jonathan Mendonça. Quando o professor está lutando, ele está ensinando, e, mais
ainda, está aprendendo. Como afirma o grande sociólogo brasileiro Florestan
Fernandes, “mudar requer luta e luta social entre classes” e, prossegue, “um
professor deve aprender a pensar em termos de lutas de classes, mesmo que não
seja marxista” (Florestan Fernandes, A formação política e o trabalho do
professor. Marília, Lutas anticapital, 2019, p. 76).
Conforme
salienta o jornalista português e militante comunista Miguel Urbano Rodrigues: “A
história ensina que na vida dos povos vítimas de uma opressão intolerável, as
grandes lutas fermentam por tempo variável até que eles se levantam em
explosões sociais vitoriosas. Então exercem o direito de resistência e à
rebelião - direito que é antiquíssimo e consta do artigo 2º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão promulgada pela Revolução Francesa
de 1789. É o direito à resistência contra a opressão econômica e social,
direito que, após os horrores da Segunda Guerra Mundial, foi incluído na
Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 22 a 25).”
Onde
há luta tudo é conquistável e potencialmente perdível. Mas onde não há luta a
derrota é certa. Que a nossa vitória parcial nos ajude e ajude aos demais companheiros
trabalhadores a compreender essa lição.
NOSSA
LUTA É MAIS DO QUE JUSTA. VAMOS LUTAR!!!
*
Professor de História da Rede Municipal de Ensino Público de Rio das Ostras, desde
2004, lotado na Escola Municipal Padre José Dilson Dórea, e Professor Adjunto
de História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
campus Duque de Caxias (Faculdade de Educação da Baixada Fluminense).
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