quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

“Da MEGA à MEGA2: breve história da edição crítica das obras de Karl Marx”

Por Hugo E. A. da Gama Cerqueira


RESUMO
Este artigo discute os diferentes esforços para empreender uma edição completa e histórico-crítica das obras de Karl Marx, aMarx-Engels Gesamtausgabe (MEGA): a primeira, liderada por David Riazanov nos anos 1920-30 e, a segunda, o projeto da MEGA2, iniciado nos anos 1970 e ainda em curso. O artigo apresenta essas duas edições e discute seus impactos sobre a interpretação do pensamento econômico e filosófico de Marx.
Palavras-chave: Karl Marx (1818-1883); Friedrich Engels (1820-1895); MEGA; marxologia.
ABSTRACT
This paper discusses the attempts to publish a historical-critical edition of the works of Karl Marx, the Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA): the first one, which was led by David Riazanov in the 1920’s and 1930’s, and the second one, the MEGA2 project which begun in the 1970’s and is still in course of publication. The paper presents these two editions and discusses their impact on the interpretation of Marx’s economic and philosophical thought.
Key words: Karl Marx (1818-1883); Friedrich Engels (1820-1895); MEGA; marxology.


Tudo que sei é que eu não sou um marxista.[1]

In a book published in the early 1980s I came
across a cartoon. It showed a man meeting
Karl Marx on a cloud in heaven. The man
says to Marx ‘I’ve read your book.’ Marx
replies: ‘Oh really?
And how does it end?’. [2]



INTRODUÇÃO
No último século e meio, a obra de Karl Marx foi lida por pesquisadores e estudiosos das mais diferentes disciplinas e em toda parte do mundo. É difícil lembrar de algum outro pensador que tenha sido tão influente nesse período. Grande parte dos conceitos que empregamos para pensar o mundo contemporâneo deriva direta ou indiretamente de seus trabalhos. Suas ideias incidiram sobre todo o espectro das ciências sociais e, até recentemente, o marxismo, doutrina inspirada em sua obra, era reivindicado por governos que dirigiam um terço da humanidade (Hobsbawn,2011: 311).

Se Marx foi amplamente lido, é preciso notar, por outro lado, que a recepção de sua obra comporta numerosos problemas, distorções e, até mesmo, paradoxos (Thomas, 1991). Em primeiro lugar, o fato de que suas ideias tenham invadido os currículos de várias disciplinas acadêmicas não deve nos fazer esquecer a relativa marginalização de sua influência justamente naqueles campos em que ele teria mais a nos ensinar, a começar pela economia, mas também a filosofia e a política. Em segundo lugar, nos países em que o nome de Marx foi venerado e o marxismo se constituiu em ideologia oficial, a leitura de suas obras ficou restrita a um punhado de estudiosos ligados a instituições pouco conhecidas. Fora delas, o que prevaleceu foi o ensino de alguma versão simplificada e monolítica das ideias de Marx, construída de modo a proporcionar justificativas para as práticas políticas dos regimes vigentes. Finalmente, seguidores e adversários de Marx estabeleceram uma continuidade direta e estri ta entre suas ideias e aquelas que povoaram o marxismo em suas diferentes versões. Desse modo, as diferenças que poderiam existir –e, certamente, existem– entre os conceitos marxianos e as ideias marxistas foram deixadas em segundo plano e terminaram apagadas.





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