João Pedro Stédile, líder do MST, avalia protestos e critica aliança com a burguesia, agronegócio e alimentos transgênicos
Ao receber a reportagem da Folha de Caxias, o líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, descartou formalidades logo de início. ‘Chamar alguém de senhor é prática herdada da escravidão’, disse ele. Habituado a lutas sociais, Stédile integra o MST desde sua fundação, há 30 anos. Tempo que, para ele, só foi possível graças à política de não submissão a governos. Formado em Economia pela PUC/RS e pós-graduado pela Universidade Autônoma do México, atualmente é diretor nacional do Movimento. A convite dos Diretórios Acadêmicos de Direito e História da Universidade de Caxias do Sul (UCS), ele esteve na cidade na quarta-feira (19).
Para a Folha de Caxias, Stédile falou sobre as relações entre as manifestações atuais, governo e política. O líder social não economizou afirmações sobre o PT, reforma agrária, agronegócio e capitalismo. Em maio, o MST ocupou o Ministério de Minas e Energia por dois dias. Quanto ao assunto, a mídia ‘não deu uma linha’, salientou. Nas próximas linhas você confere a entrevista que Stédile concedeu a Folha de Caxias.
Folha: Acostumado a protestos, como você avalia as mobilizações atuais?
Stédile: Nos pegaram de surpresa. São consequências dos problemas estruturais que há nas cidades brasileiras, é a crise urbana. Sem canais para reclamar, surge de repente como uma faísca que explodiu no aumento da passagem em São Paulo. Foi o estopim de uma bomba já armada. A solução não será apenas a redução da tarifa. Espero que as mobilizações consigam chamar atenção da sociedade porque o governo... os governos perderam a sensibilidade social.
Folha: Seria uma crise do capitalismo?
Stédile: O capitalismo já está em crise porque transforma tudo em mercadoria e só valoriza o que dá lucro. Mas no meio da sociedade, ele vai projetando problemas específicos como este que surgiu. Acho que a manifestação atinge os governos também porque estamos vivendo uma crise política de representação. Os partidos não conseguem mais canalizar as demandas populares. Então, as mobilizações são contra o que um sociólogo já chamou de peemedebismo, que tomou conta da política brasileira. Tu vota, vota e nunca muda nada.
Folha: Tomou conta também do PT?
Stédile: Claro, o PT é refém dessas alianças que ele fez, nos municípios, nos Estados. O governo Dilma não é governo do PT. Participam 13 partidos. O Maluf, execrado como símbolo da ditadura militar, controla dois ministérios. Então o governo Dilma é um governo de alianças. Não é do PT e muito menos da classe trabalhadora. De certa forma, essa rebeldia é também contra essa forma de fazer política em que os partidos manipulam. Eles escolhem os candidatos e a população é chamada a cada dois anos para votar. Mesmo que vote em algo diferente depois não muda nada.
Folha: As movimentações são apartidárias. Seria sinal de uma nova tendência?
Stédile: Não. Acho que o futuro é democratizar os partidos. Essa forma de eleição e de funcionamento dos partidos é que está em crise. No mínimo deveríamos começar por uma reforma política. A base deveria ser o financiamento público das campanhas. Enquanto continuar esse método de financiamento, na verdade os candidatos são das empresas, não são da população e muito menos dos partidos. O fato de os jovens se declararem apartidários não significa ‘apolíticos’. Pelo contrário, estão fazendo política na rua, disputando ideias. Eles estão dizendo que os partidos não fazem política. No fundo, só administram o poder público em benefício da classe dominante.
Folha: Sem lideranças, podem ocorrer mudanças significativas a partir dessas mobilizações?
Stédile: Acho que faz parte desse processo de renascença do movimento de massa. No início, surgem mobilizações sem muita organização, mas à medida que a população vai se envolvendo, vai dando forma. Vão surgir líderes desse processo e tenho esperança nele. Essas mobilizações vieram em boa hora e deve oxigenar a política brasileira. Vão obrigar os governos a tirar a cera do ouvido.
Folha: Você falou de problemas específicos que surgem da crise do capitalismo. A Reforma Agrária tão almejada pelo MST é um deles. Como está essa questão atualmente?
Stédile: Ela está paralisada e isso já há muito tempo. Os governos e o próprio capitalismo priorizou esse modelo do agronegócio e transformou tudo que tem na agricultura em mercadoria. Os fazendeiros só plantam aquilo que dá dinheiro. O que dá dinheiro é soja e gado. Hoje o Brasil virou um grande monocultor de cana, gado e soja. Estamos importando feijão da China, alpiste do Chile, e um monte de produtos alimentícios.
Folha: O MST achava que a reforma agrária seria feita com a chegada do PT ao poder?
Stédile: Tínhamos esperança que o governo Lula pudesse abraçar como prioridade, por conta da bandeira histórica do PT. Infelizmente a forma como o Lula ganhou as eleições, em aliança com setores da burguesia, a correlação de forças que se estabeleceram em dez anos, levou o governo a priorizar o agronegócio. Assim, a agricultura familiar ficou em segundo plano. Mas as consequências do agronegócio virão logo, logo. É um modelo que dá lucro para os fazendeiros, mas concentra a propriedade. Hoje 58% de todo o setor sucroalcooleiro está nas mãos de três multinacionais, a Cargill, Burgue e Shell. Estamos usando cinco litros de veneno por pessoa. Em São Paulo toda a farinha de milho no supermercado é transgênica. Atenção gringos! Nossa polenta corre risco.
Folha: O MST está ignorado pela mídia?
Stédile: Não só ignorado como combatido. Estão no mural da Globo portarias orientando que não se pode entrevistar alguém ligado ao MST. Nós ocupamos, em 15 de maio, o Ministério de Minas e Energia durante dois dias com 1,2 mil pessoas. O Lobão (Ministro Edison Lobão) fugiu para o Rio de Janeiro. Foi para o leilão do petróleo. Querem entregar um bem que pertence ao povo, mas ninguém deu procuração para o Lobão e a Dilma entregarem o petróleo às multinacionais. Ocupamos o Ministério para protestar, teve notícia disso? Não saiu uma linha. Não querem dar notícias da luta social para não servir de exemplo. Agora quebraram a cara, essa política pode esconder, esconder até que milhares vão para a rua.
Folha: A grande mídia se relaciona assim e o governo?
Stédile: Fez uma opção por conta da sua aliança de classes. Fez opção pelo agronegócio. Não sou eu que digo. A senadora Katia Abreu (PSD-TO), líder dos ruralistas, é sempre recebida pela Dilma e nós, petistas históricos, não. Temos vários senadores que nunca cumprimentaram a Dilma porque ela não recebe. De repente colocou o Pepe (Vargas) no MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), mas com uma função subalterna. A prioridade do governo são as exportações de commodities. Isso pode deixar o governo bem com os fazendeiros, mas trará graves consequências.
Folha: O Pepe foi colocado para acalmar a relação anterior entre o MST e Ministério...
Stédile: Mas temos uma relação de autonomia, não vai adiantar botar ministro A ou B. O fim de qualquer movimento é quando vira subalterno a qualquer governo. Nós existimos há 30 anos porque mantemos essa política, autônomos de todos os governos, inclusive do Lula, que era mais amigo nosso pela trajetória de maior convivência.
Folha: E ainda assim a reforma agrária não foi bandeira dele...
Stédile: É. E o PT e MST surgiram juntos. O Lula ia às atividades, era uma relação de afinidade, mas a Dilma teve uma trajetória muito mais de tecnocracia. A política do governo não é de democratização da propriedade da terra. Os governos Lula e Dilma também não fizeram nada porque têm olhos para os fazendeiros. Esse modelo do agronegócio tem que ser revisto para disseminar a agricultura familiar.
Folha: O governo lança incentivos de créditos ao agricultor familiar.
Stédile: Mas não pensa um projeto para o Brasil. A pauta dos ministros em Brasília é sempre resolver problemas do dia a dia. Eles são gerentes do capital e não pensadores de um projeto de sociedade. Há letargia na sociedade e o governo é resultado. Mas algum dia vai mudar, está começando com esses jovens.
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