quinta-feira, 29 de outubro de 2009

85 anos da Coluna Prestes - uma epopéia brasileira

28 de outubro de 1924: começa o levante tenentista no estado do Rio Grande do Sul. Logo a seguir tem início a marcha rebelde que, mais tarde, entraria para a História como a Coluna Prestes (ou a Coluna Invicta) – episódio culminante do movimento tenentista.
Diante da grave crise estrutural (econômica, social, política, ideológica e cultural), que abalava a República no início dos anos 20 – a crise do “pacto oligárquico” estabelecido entre os grupos oligárquicos dominantes -, os setores médios mostravam-se insatisfeitos com a falta de liberdade e as limitadas possibilidades de influir na vida política. Predispunham-se à revolta e a apoiar ações radicais contra o poder oligárquico. Faltavam-lhes, contudo, organização e capacidade de arregimentação para assumir a direção do movimento de rebeldia contra o poder oligárquico estabelecido.
A insatisfação no país era geral, mas foi a jovem oficialidade do Exército e da Marinha (os chamados “tenentes”) que assumiu a liderança das oposições. O tenentismo veio preencher o vazio deixado pela falta de lideranças civis aptas a conduzirem o processo de lutas que começava a sacudir as já caducas instituições políticas da Primeira República. Os “tenentes” assumiram as bandeiras de conteúdo liberal que, há algum tempo, já vinham sendo agitadas pelos setores oligárquicos dissidentes, dentre as quais se destacava a demanda do voto secreto, refletindo o anseio generalizado de liquidação da fraude eleitoral então em vigor. O que distinguia os “tenentes” das oligarquias dissidentes e dava ao seu liberalismo um caráter radical era a disposição de recorrer às armas na luta por tais objetivos.
A primeira revolta tenentista, rapidamente sufocada tanto no Rio de Janeiro como em Mato Grosso – os únicos lugares em que chegou a ser deflagrada -, imortalizou-se pelo episódio do levante dos 18 do Forte de Copacabana, no dia 5/07/1922. Liderados pelo tenente Antônio de Siqueira Campos, um pequeno grupo de jovens militares marchou pela praia de Copacabana, de peito a descoberto, disposto a enfrentar os disparos das tropas governistas. Manchando de sangue as areias de Copacabana, os jovens foram trucidados. Apenas dois conseguiram sobreviver: os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes. O episódio repercutiu por todo o Brasil, apesar do estado de sítio e da censura à imprensa, decretados pelo Congresso Nacional. E os nomes dos heróis do Forte tornaram-se símbolo do clima de revolta então existente contra os governos das oligarquias dominantes – os governos de Epitácio Pessoa e do seu sucessor Artur Bernardes. Ambos representavam, no fundamental, os interesses das oligarquias cafeicultoras de São Paulo e Minas Gerais e, dada a grave crise que abalava as estruturas do regime republicano, adotavam políticas econômicas cada vez mais excludentes em relação aos grupos oligárquicos dos demais estados da União e aos diversos setores da sociedade brasileira da época.
Em 5/07/1924, dois anos após o levante de 1922, estourava a Rebelião de São Paulo, inaugurando uma nova onda de revoltas tenentistas. Era o “segundo 5 de julho”. Levantaram-se vários grupamentos policiais e unidades do Exército sediados nesse estado. O comando geral do movimento fora entregue pelos jovens rebeldes ao general reformado do Exército Isidoro Dias Lopes, que contava com a colaboração do major Miguel Costa, comandante da Força Pública de São Paulo (a polícia militar do estado).
A conspiração tenentista prosseguiu durante todo o ano de 1924. Após o levante paulista, ela atingiu um ritmo mais acelerado no Rio Grande do Sul (...) Na noite de 28 de outubro, levantou-se o 1º Batalhão Ferroviário (1ºBF) de Santo Ângelo, sob o comando de Luiz Carlos Prestes e Mário Portela, e, na madrugada do dia 29, algumas outras unidades militares nesse mesmo estado.
Após a junção das colunas paulista e gaúcha, as tropas rebeldes foram reorganizadas, criando-se a 1a Divisão Revolucionária, constituída pelas brigadas “São Paulo” e “Rio Grande”, sob o comando do major Miguel Costa. Ao todo, a divisão contava com menos de 1,5 mil combatentes, sendo oitocentos da coluna gaúcha e os restantes da coluna paulista. Havia cerca de 50 mulheres, entre gaúchas e paulistas, que, na maioria dos casos, acompanhavam seus maridos e companheiros.
A Coluna, além de mal-armada (não dispondo de fábricas de armamento e munição), não contava com uma retaguarda que assegurasse o abastecimento da tropa. Baseado na experiência do 1º BF, Prestes transformou a tropa rebelde num exército, em que vigorava a disciplina militar e, ao mesmo tempo, era estimulada a iniciativa dos soldados. Sem uma disciplina rigorosa e um comando único e centralizado, as forças rebeldes seriam desbaratadas. Mas, sem a participação ativa de cada soldado, sem a compreensão, de parte de cada um deles, de que a luta era pela libertação do Brasil do governo despótico de Artur Bernardes, seria impossível garantir a sobrevivência de uma força armada tão diferente: não havia soldo, nem pagamento de qualquer espécie, ou vantagens de qualquer tipo, e se exigia, para permanecer em suas fileiras, um grande espírito de sacrifício e muita disposição de luta.
A Coluna Prestes durou 2 anos e 3 meses, percorrendo cerca de 25 mil quilômetros através de treze estados do Brasil (ver mapa). Jamais foi derrotada, embora tenha combatido forças muitas vezes superiores em homens, armamento e apoio logístico, tendo enfrentado ao todo 53 combates. Os principais comandantes do Exército nacional não só não puderam desbaratar a Coluna Prestes, como sofreram pesadas perdas e sérios reveses impostos pelos rebeldes durante sua marcha. A Coluna, em seu périplo pelo Brasil, derrotou 18 generais. Ao adotar a tática da “guerra de movimento”, a Coluna Prestes garantiu a própria sobrevivência em condições que lhe eram extremamente desfavoráveis. E mais, transformou-se num exército com características populares.
Dado o fracasso governista no combate à Coluna Prestes, ela poderia continuar percorrendo o país, tirando proveito de sua mobilidade extrema, a grande arma que a tática da “guerra de movimento” lhe conferia. Mas o comando da Coluna tomou a decisão de partir para o exílio, ingressando na Bolívia em 3/02/1927. Como assinalou o cronista da Marcha, Lourenço Moreira Lima, “não vencemos, mas não fomos vencidos”.
Os soldados rebeldes foram os desbravadores do caminho que minou os alicerces da Primeira República. A sobrevivência da Coluna Prestes constituiu um fator decisivo para que, em diversos pontos do país, eclodissem levantes tenentistas. Embora essas revoltas militares – que sempre contaram com a colaboração de civis – tivessem sido esmagadas, a Coluna Prestes contribuiu para que, durante vários anos, fosse mantido um clima “revolucionário” no país, favorável à germinação das condições que levaram ao colapso da República Velha e à vitória da chamada Revolução de 30, propiciando o início de uma nova etapa no desenvolvimento capitalista no Brasil.A Marcha da Coluna e o impacto causado em Prestes pela situação deplorável em que viviam as populações do interior do Brasil levaram o Cavaleiro da Esperança a se transformar, anos mais tarde, na principal liderança do movimento comunista no país. A Coluna Prestes gerara o líder mais destacado da revolução social no Brasil.



Adaptado do artigo 85 anos da Coluna Prestes - uma epopéia brasileira, de Anita Leocadia Prestes. (clique sobre o título)


Leitura recomendada: PRESTES, Anita Leocadia. Uma epopéia brasileira: a Coluna Prestes. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

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