O ano de 2024 irá marcar as celebrações pelos cem anos de história daquela que é considerada uma das maiores marchas revolucionárias da História da humanidade, a Coluna Prestes. Dessa forma, a Associação Memorial Luiz Carlos Prestes, de Porto Alegre, o Instituto Luiz Carlos Prestes, e o Memorial Coluna Prestes, de Santo Ângelo estão empenhados em viabilizar uma série de eventos com palestras, debates e apresentações teatrais voltados às comemorações de data tão simbólica de um dos acontecimentos mais importantes da História brasileira.
Inserida no contexto político da crise da Primeira República (1889-1930), nos anos 1920, a Coluna Prestes foi resultado das ações do movimento tenentista, composto por jovens militares de baixa patente do Exército brasileiro, principalmente tenentes e capitães, e por seus aliados civis, que a partir de 1922 lideraram revoltas de contestação à estrutura política do Estado brasileiro, especialmente após a vitória de Artur Bernardes nas eleições presidenciais de março de 1922. Entre outras demandas, os rebeldes questionavam a legitimidade dos pleitos eleitorais e exigiam o direito ao voto secreto.
Os primeiros levantes ocorreram em 5 de julho de 1922, sendo rapidamente esmagados pelo Governo de Epitácio Pessoa. O mais famoso, do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, reprimido com violência pelas forças legalistas contra os jovens rebeldes, foi imortalizado pela imagem dos “18 do Forte” que caminharam pelas areias da praia de Copacabana, sendo massacrados pelas tropas governistas; apenas Eduardo Gomes e Antônio de Siqueira Campos sobreviveram. Luiz Carlos Prestes, já naquele momento uma voz ativa do tenentismo não pôde tomar parte na revolta em função de estar acometido por um surto de febre tifoide. Porém, assim como outros envolvidos na revolta, não escapou das punições impostas pelo governo, sendo transferido para o interior do Rio Grande do Sul.
Apesar das punições e perseguições aos envolvidos, as conspirações do movimento tenentista continuaram, especialmente em 1924, quando os irmãos Joaquim e Juarez Távora articularam com outras lideranças militares, entre elas o próprio Luiz Carlos Prestes, uma nova revolta. A adesão de parte da Força Pública de São Paulo sob a direção do major Miguel Costa, assim como do general da reserva Isidoro Dias Lopes, deu peso ao movimento que desencadeou uma nova ação armada em 5 de julho de 1924, dessa vez em São Paulo. Os rebeldes resistiram durante mais de 20 dias aos intensos ataques das forças legalistas que utilizaram artilharia pesada e até mesmo bombardeios aéreos destruindo boa parte da cidade no episódio que ficou conhecido como a Revolução de 1924.
Buscando evitar mais destruição da capital paulista e com o objetivo de manter o movimento vivo, os rebeldes deixaram São Paulo e se estabeleceram na região de Foz do Iguaçu, no Paraná. Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, passou-se a articular a possibilidade de revoltas naquele estado, sendo delineada uma aliança entre os militares e os civis da Aliança Libertadora, liderados por Joaquim Francisco de Assis Brasil, os quais haviam travado batalha contra o governo de Borges de Medeiros na luta pelo Executivo estadual ao longo de 1923. A aliança entre os militares e os civis maragatos foi circunstancial, tendo em vista que os objetivos dos primeiros era depor o presidente da República e dos segundos o governador do Estado, Borges de Medeiros.
O fato é que desta aliança nasceram as revoltas na região das Missões e fronteira oeste do Rio Grande do Sul, quando quartéis dos municípios de Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, São Borja, Uruguaiana, Alegrete e Cachoeira do Sul se rebelaram a partir do final do mês de outubro. Em Santo Ângelo a liderança do movimento esteve a cargo do capitão Luiz Carlos Prestes, auxiliado pelo jovem tenente Mário Portela Fagundes. Tendo em vista o tratamento humanizado que Prestes garantiu aos seus subordinados do 1º Batalhão Ferroviário durante o período em que atuou nesta guarnição, na noite de 28 de outubro de 1924, quando o quartel foi rebelado, Prestes contou com a adesão quase total do efetivo militar, prendendo o comandante do batalhão e fazendo distribuir um manifesto à população no qual eram explicados os motivos da revolta.
Entre os meses de novembro e dezembro o efetivo revolucionário foi concentrado no pequeno município de São Luiz Gonzaga. Já nomeado comandante da divisão revolucionária do Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Prestes reorganizou as tropas que contavam com cerca de mil e quinhentos homens, além de umas trinta mulheres que se aproximaram dos acampamentos. Algumas delas percorreram os 25 mil quilômetros da Marcha da Coluna Prestes pelo Brasil, revelando grande resistência e heroísmo.
Ao final do mês de dezembro de 1924, tanto o governo federal de Artur Bernardes quanto o governo estadual de Borges de Medeiros designaram um efetivo de quatorze mil homens visando encurralar os rebeldes na região de São Luiz Gonzaga. Em uma manobra estratégica, Luiz Carlos Prestes conseguiu furar o chamado “anel de ferro” governista, deslocando-se em direção à região norte do estado e buscando juntar-se aos rebeldes paulistas acantonados no estado do Paraná. Naquele momento se delineou a “estratégia da guerra de movimento”, que se tornou uma marca da Coluna Prestes: conhecimento do terreno e das ações do inimigo, deslocamento muito rápido e surpresa. Esta estratégia permitiu a sobrevivência da Coluna – lutando em condições extremamente desfavoráveis contra forças muito superiores - em seu périplo pelo Brasil por 2 anos e 3 meses, através de 13 estados, sem nunca ter sido derrotada e, ao contrário, tendo derrotado 18 generais do Exército nacional. A Coluna Prestes transformou-se num movimento militar, político e social com características populares e dimensão nacional, que empolgou amplos setores anti-oligárquicos, acelerando a desagregação da República Velha.
Naquele período em que os rebeldes furaram o bloqueio legalista, o movimento já se tornara conhecido com o nome de Coluna Prestes, o que significava o reconhecimento da liderança de Luiz Carlos Prestes, assim como do fato de a Coluna Prestes ter iniciado a marcha pelo Brasil no Rio Grande do Sul, a partir de 27 de dezembro de 1924, dia em que os rebeldes romperam o cerco de São Luiz Gonzaga.
Grande parte da historiografia continua, entretanto, insistindo na ideia de que a marcha da Coluna teve início a partir do encontro das tropas gaúcha e paulista no Paraná, em abril de 1925. Na realidade, os rebeldes paulistas estacionados na região de Foz do Iguaçu haviam sofrido pesada derrota frente às tropas legalistas, cogitando abandonar o movimento e buscar refúgio em país vizinho. Quando Luiz Carlos Prestes, em nome da coluna gaúcha que chegara vitoriosa, decide prosseguir a marcha pelo Brasil, parte dos rebeldes paulistas sob o comando de Miguel Costa adere à Coluna Prestes.
Ao longo dos anos de 1925 e 1926 a Coluna Prestes seguiu a marcha pelo centro-oeste, norte e nordeste do Brasil, sempre perseguida por forças regulares do Exército ou por grupos de jagunços aliciados por fazendeiros a mando do governo federal. Até mesmo Lampião foi atraído para dar enfrentamento ao efetivo da Coluna, o que não aconteceu. Tendo chegado ao norte de Minas Gerais, a Coluna, desprovida de armamentos e de munição, foi forçada a recuar, iniciando um trajeto rumo ao exílio na Bolívia, em fevereiro de 1927.
Ao conhecer de perto a realidade do povo pobre do interior do Brasil, das condições de servidão ou semiescravidão em que a maioria vivia, as lideranças da Coluna ficaram impressionadas e especialmente Luiz Carlos Prestes se convenceu de que a simples mudança de homens no poder não resolveria a situação em que o país se encontrava. Para Prestes, o problema era social e ele precisava estudar para encontrar a solução.
Durante o exílio na Bolívia e depois na Argentina e no Uruguai, Prestes teve contato com as ideias do marxismo, encontrando nessa teoria as respostas para os problemas que tinha visto e vivenciado na marcha da Coluna. Sua adesão ao comunismo e ao Partido Comunista o levou a não dar seu apoio a Getúlio Vargas nas eleições de 1930, embora o candidato das oligarquias oposicionistas tivesse buscado se aproximar dos “tenentes”, pois o prestígio do tenentismo e especialmente de Prestes daria um peso simbólico à sua candidatura.
Após tentar conquistar sem sucesso os antigos companheiros para suas novas posições, Prestes rompe com os “tenentes”, lançando seu Manifesto de Maio de 1930, documento em que se posiciona definitivamente a favor da revolução social e do programa do Partido Comunista.
A partir desse momento, Prestes passa a enfrentar dura rejeição por parte das forças políticas hegemônicas do Brasil, algo que se ampliou após a derrota dos levantes antifascistas de 1935. Ao longo do tempo se construiu no Brasil um imaginário anticomunista que teve em Luiz Carlos Prestes seu principal inimigo.
Essas representações anticomunistas sobre Prestes acabaram por afetar a história da Coluna Prestes, o que resultou na produção de falsificações e deturpações que seguem até os dias de hoje, gerando também um profundo silenciamento acerca desse acontecimento na historiografia brasileira.
Ao longo do tempo, a construção de lugares de memória que relembram a trajetória de Luiz Carlos Prestes e da Coluna têm sido alvos de ataques, especialmente de grupos conservadores ligados a partidos e ideologias de extrema direita, casos do Memorial Coluna Prestes, de Santo Ângelo, nos anos 1990 e, mais recentemente, do Memorial Luiz Carlos Prestes, em Porto Alegre, inaugurado em 2017.
É com o intuito de desfazer tais representações negativas, ao mesmo tempo em que se busca valorizar a trajetória de Luiz Carlos Prestes e da Coluna Prestes, que estão sendo organizados eventos em homenagem ao centenário da Coluna Prestes em 2024. Acontecimento tão marcante na história e na memória brasileiras não deve ser silenciado nem esquecido; é necessário que chegue ao conhecimento das novas gerações, sabidamente expostas às mentiras e falsificações da realidade em tempos de “pós-verdade”.
ASSOCIAÇÃO MEMORIAL LUIZ CARLOS PRESTES - Geraldo Pereira Barbosa.
INSTITUTO LUIZ CARLOS PRESTES - Anita Leocádia Prestes
MEMORIAL COLUNA PRESTES - Amilcar Guidolim Vitor.