A resenha do livro escrito pela historiadora Anita Prestes foi publicado hoje, 8/11/22, no jornal alemão junge Welt, disponível em: https://www.jungewelt.de/artikel/438328.antifaschismus-die-solidarit%C3%A4t-der-opfer.html.
Leia a seguir a resenha traduzida para o português.
ANTIFASCISMO
A solidariedade das vítimas
A historiadora Anita Prestes escreve sobre a vida e morte da sua famosa mãe, a comunista judia Olga Benario.
Por Robert Cohen*
A comunista de ascendência judaica de Munique inscreveu o seu nome nestes eventos: Para além de uma monografia, um romance e um filme documentário, a sua correspondência sobre a prisão e os campos de concentração e o seu arquivo da Gestapo foram publicados nos últimos anos, tendo sido lançado um livro áudio assombroso em 2020.
Com o livro fino de Anita Prestes "Olga Benario Prestes. Uma Abordagem Biográfica", complementa estas apresentações de uma forma significativa. Baseia-se na avaliação do extenso dossiê da Gestapo sobre Olga Benario, que está acessível nos arquivos da Federação Russa desde Abril de 2015. O livro contém fotografias, várias cartas e uma entrevista com o autora destinada aos leitores alemães.
Uma breve descrição da juventude de Olga Benario e do compromisso comunista inicial é seguida na seção principal por uma montagem opressiva de cartas seleccionadas e documentos da Gestapo com comentários complementares de Anita Prestes. Isto mina o cliché de que o Holocausto deve permanecer incompreensível. A burocracia passo a passo que conduz à aniquilação de um ser humano é tornada acessível à mente analítica. Os acontecimentos da curta vida de Olga Benario - ela tinha trinta e quatro anos quando foi morta - são, por vezes, pouco credíveis. Daí as numerosas notas de rodapé e a bibliografia na edição original brasileira de 2017 (estão em falta na edição alemã).
Um aspecto notável do livro está enraizado na pessoa da autora: Anita Prestes é uma historiadora, mas é também filha de Olga Benario. Isto leva, inevitavelmente, a uma visão estereofónica. Por exemplo, no capítulo sobre o resgate de Anita, de 14 meses, da custódia da Gestapo para sua sogra brasileira. O que poderiam estas passagens ter exigido da autora, agora com 85 anos de idade? Anita Prestes encontrou uma solução para manter a sua própria consternação à distância: Ela fala do seu antigo eu na terceira pessoa: "a criança"; numa nota ela chama a atenção para isto. Esta nota sensibiliza o leitor para o difícil equilíbrio da autora entre historiografia e autobiografia.
O subtítulo foi também alterado para a edição alemã. No original lê-se: "Uma comunista nos arquivos da Gestapo". Anita Prestes, ela própria comunista e, segundo as suas memórias Viver é tomar partido (2019), por vezes ativa numa posição de liderança no PCB, insiste no compromisso político dos seus pais em tudo o que diz. Mesmo na sua ampla monografia sobre o seu pai, isto é assinalado no subtítulo sucinto: "Um comunista brasileiro". Mas mesmo sem a menção no título, a centralidade do empenho comunista de Olga Benario nas suas ações e destino torna-se clara; é um mérito da Verbrecher Verlag ter trazido à luz este livro.
A manipulação de Anita Prestes das origens judaicas da sua mãe é mais difícil. Ela não faz segredo desta origem, mas minimiza o seu significado. Olga Benario já tinha deixado a comunidade judaica aos dezessete anos de idade, como se pode ver num arquivo da Gestapo citado por Anita Prestes. A correspondência prisional de Olga Benario quase não menciona as suas origens judaicas. De acordo com Anita Prestes na entrevista, a comunidade judaica brasileira tinha-se apropriado de Olga Benario enquanto ignorava o seu comunismo. A autora tem razão em defender-se contra isto. Talvez a melhor maneira de fazer justiça à relação de Olga Benario com o judaísmo seja referir-se ao famoso ensaio de 1958 "The Non-Jewish Jew" do historiador comunista polaco-britânico Isaac Deutscher. Deutscher expõe uma linhagem judaica de "grandes revolucionários do pensamento moderno", entre os quais Marx, Rosa Luxemburgo e Trotsky. Tinham-se separado das suas origens judaicas; mas sem estas origens, o seu desenvolvimento não poderia ser compreendido. Neste sentido, Olga Benario poderia ser entendida como uma judia não judia.
Anita Prestes enfatiza repetidamente a firmeza da sua mãe. Apesar de todas as torturas mentais e físicas durante os anos na prisão e nos campos de concentração, ela não revelou nada, como é provado por citações do dossiê da Gestapo. Esta firmeza foi tão importante para Anita Prestes que ela colocou uma declaração da sua mãe como epígrafe do texto (falta-o na edição alemã). Para Anita Prestes, o conceito de solidariedade está inseparavelmente ligado à firmeza. Uma e outra vez ela sublinha a atitude de solidariedade da sua mãe para com todas as outras vítimas do fascismo. A solidariedade forma uma espécie de leitmotiv do livro, como já é assinalado na dedicatória: "Em memória de Olga Benario Prestes, da minha mãe e de todos aqueles que morreram na luta contra o fascismo". Com esta formulação, Anita Prestes, por seu lado, cumpre a obrigação de recordar sempre solidariamente a totalidade das vítimas na vítima individual.
* Robert Cohen é o autor do épico romance Exil der frechen Frauen (2009), Olga Benario é uma das três personagens principais.
Anita Prestes: Olga Benario Prestes. Eine biografische Annäherung. Aus dem Portugiesischen vom Coletivo Tropeção. Verbrecher-Verlag, Berlin 2022, 114 Seiten, 16 Euro.
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