Vários temas abordados: Democracia no Brasil, Capitalismo, Fascismo, Conjunturas pré-golpe de 1964 e pré-golpe de 2016, Ditadura Militar, Golpe de 2016, Getúlio Vargas, Fim da URSS, Esquerdas, Organização Popular.
Entrevista realizada neste sábado, 29/08. Anita Leocadia Prestes é filha dos legendários militantes comunistas Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes e professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nascida em uma prisão de mulheres, onde estava presa sua mãe, entregue pelo governo de Getúlio Vargas à Alemanha nazista, Anita foi militante comunista durante muitos anos, filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e perseguida política da ditadura militar na década de 1970. Seus diversos livros contam a história do comunismo no Brasil, do PCB, e também de seu pai, Luiz Carlos Prestes, e de sua mãe, Olga Benario, que foi assassinada numa câmara de gás do campo de concentração de Bernburg pela Alemanha Nazista.
A série Conversas Irredentas é um programa semanal de entrevistas com guerrilheiros, ativistas, artistas e historiadores para falar sobre movimentos revolucionários da América Latina e socialismo no mundo contemporâneo. A série acontece todos os sábados por meio de transmissões ao vivo no canal de youtube Os Irredentos.
Número especial da Revista Debates, Revista de Ciência Política*, v. 14, n. 2 (2020), com dossiê de uma única autora, a professora Sonia Ranincheski (1965-2019), que há um ano nos deixou (25/7/2019), prematuramente, no auge de sua maturidade intelectual.
* Editada pelo Núcleo de Pesquisa Sobre a América Latina (NUPESAL) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS.
Sonia Maria Ranincheski. Foto: Mariana Alves. Fonte: UFRGSMUNDI (Facebook).
Na foto abaixo, uma singela lembrança e homenagem do blog Prestes A Ressurgir a nossa querida amiga Sonia Ranincheski.
Da esquerda pra direita: Anita Prestes (UFRJ), Marcos Cesar (FEBF/UERJ), Sonia Ranincheski (UFRGS), Henrique Castro (UFRGS) e Amália Dias (FEBF/UERJ).
Foto de 15 novembro de 2016, em Havana, Cuba, quando participávamos de um seminário internacional no Instituto Cubano de Investigación Cultural Juan Marinello. Estávamos jantando em um restaurante em frente ao Hotel Colina e ao lado da Universidade de Havana.
Precursora na luta pelos direitos das mulheres no Brasil
Por Raul Milliet Filho
Do blog Deixa Falar
Eneida de Moraes
“Quem seria aquela mulher de fala dura e enérgica?” – indagou Graciliano Ramos aos amigos e companheiros de prisão nos períodos mais duros do “Estado Novo”.
Prossegue Graciliano: “[...] quem seria a criatura feminina de pulmões tão rijos e garganta macha [...] Foi Valdemar Bessa quem me satisfez a curiosidade: a mulher de voz forte era Eneida. E apertava-se uma dúzia delas na sala 4. Olga Prestes, Nise da Silveira, Elisa Berger, Cármem Ghioldi, Maria Werneck, Rosa Meireles, outras”.[1]
Aquela mulher de olhos verdes e personalidade pulsante era Eneida, nascida em Belém em 1904, batizada como Eneida Vilas Boas Costa; depois do casamento, Eneida de Moraes. Tempos depois, só Eneida.
Essa nossa personagem foi uma mulher incomum, parecia “à frente do seu tempo” – mas era uma importante face de seu tempo. Procurando com lupa em todos os rodapés das conjunturas históricas que viveu, salta aos olhos a pluralidade e a riqueza de sua trajetória, sempre na contracorrente dos preconceitos do mundo e do Brasil. Mãe, militante, artista, jornalista, escritora e carnavalesca. Muitas faces em uma só mulher.
Ainda criança, sai de Belém para estudar interna no colégio Sion, em Petrópolis, Rio de Janeiro, onde é submetida a uma educação disciplinadora e rígida, com imposições próprias dos ditames das escolas mais tradicionais.
Em 1919, perde sua melhor amiga, a mãe Júlia, acometida pela gripe espanhola.
Para conhecer quem foi Eneida de Moraes, é indispensável recuar a sua infância, quando foi obrigada pela avó a vestir azul e branco até completar 15 anos.
Mergulhando em “Promessa em Azul e Branco”, conto de Eneida, transformado em curta-metragem em 2013 pela diretora paraense Zienhe Castro (exibido em mostra paralela no Festival de Cannes), é possível desvendar esta passagem de sua vida por meio da prosa delicada e forte da escritora.
[...] Sim, sim, recordo muito bem; vestia apenas azul claro e branco e, de início, minha infância turbulenta e sadia não prestou atenção ao fato. Um dia, naturalmente, uma outra menina ou talvez a governanta ou – quem sabe? – a professora chamou-me ao conhecimento dessa prisão. Isso naturalmente deve ter acontecido num momento em que nascia a minha vaidade. Senti ou mostraram-me que todas as meninas da minha cidade, de meu país e do mundo usavam roupas de cores diversas e eu não. Por quê? Por quê? Perguntei à minha mãe, sempre pronta a responder às minhas perguntas:
- Foi uma promessa. Seu pai andou mal, muito mal, quase morria e sua avó fez uma promessa a N.S.ª de Nazaré: se ele sarasse, se vivesse, você, que acabara de nascer, vestiria até os quinze anos somente vestidos azul-claros e brancos.
- Até quinze anos? Então quer dizer que vou ficar assim, diferente de todas as meninas até ficar velha?
(Sempre se acha aos seis anos que ter quinze é estar velha). Só depois, muito mais tarde é que aprendi que a vida passa depressa, é curtinha, tão pequenina que nem dá para se viver plenamente todos os momentos [...]
Eneida descreve as pegadas de sua caminhada neste e em outros contos e crônicas. Pouco antes do falecimento de sua mãe, retorna a Belém em 1918. O retorno de Eneida a Belém nos remete obrigatoriamente aos trabalhos de Eunice Ferreira dos Santos, estudiosa da nossa personagem, autora do livro Eneida: memória e militância política e da tese de doutorado “Eneida de Moraes: militância e memória”, pela Faculdade de Letras da UFMG. Assinala Eunice:
“Eneida voltou a Belém em 1918, época de profundas mudanças na sociedade belenense. Mudanças que incluíam, entre outros, o aparecimento de associações literárias, revistas e jornais; o ressurgimento da Academia Paraense de Letras; a fundação da Associação de Imprensa do Pará. É também o ano de circulação de duas importantes revistas locais: Guajarina e A Semana”.[2]
Novos ventos
Os ventos do Modernismo, da Revolução Russa, dos novos rumos das artes plásticas aportavam em Belém. A veia literária de Eneida já brotara desde o tempo do colégio Sion. Em troca de chocolates e outras guloseimas, ela escrevia cartas amorosas pelas colegas. Em paralelo, estabeleceu uma longa e profícua correspondência com sua mãe, desabafando sua inadaptação ao dia a dia do internato.
Outra lembrança nos faz recuar ainda mais na vida de Eneida. Aos sete anos, ganha um concurso de contos infantis. Ela inscrevera secretamente seu conto sobre o lenhador e espantou a todos os familiares quando saiu o resultado. Essa saga precoce lhe valeu um prêmio de vinte mil réis e o seu nome estampado na revista Tico-Tico, promotora do certame.
Eneida
Chegamos a 1920. Nem bem completara dezessete anos, Eneida entra no jornalismo como secretária e colaboradora eventual da revista A Semana.
Mesmo vocacionada para a literatura, ingressa na faculdade de odontologia com o objetivo de alcançar sua independência financeira e romper com o pátrio poder. Em 1921 já frequentava na capital paraense reuniões da chamada “Academia ao ar livre”, no terraço do Grande Hotel, debatendo com Edgar Proença, Raul Bopp e Paulo de Oliveira, publicando crônicas e poemas.
Casa-se com Genáro Baima de Moraes, tendo pouco depois seus filhos Lea e Octavio Sérgio. Nunca seguiu a carreira de odontologia.
Na revista A Semana, adota o pseudônimo de “Miss Felicidade”, tendo no amigo Peregrino Junior seu maior incentivador.
Em 1925, em uma viagem a passeio ao Rio de Janeiro, conhece um casal de intelectuais e militantes de esquerda, Eugênia e Álvaro Moreyra, iniciando uma amizade que marcaria sua vida para sempre.
Volta para Belém, separa-se do marido, passando a assinar seus escritos apenas como Eneida. Escreve para o jornal Para todos (do Rio de Janeiro), dirigido pelo amigo recente Álvaro Moreyra, iniciando em paralelo uma colaboração na revista Belém Nova.
Ao fazer parte do grupo de colaboradores da Belém Nova, alia-se ao movimento contestatório de cor local e escreve Canto Novo do Brasil, uma crônica de louvação aos poetas que aderiram aos temas da estética modernista. E neste caldeamento doutrinário, Eneida faz eco ao manifesto Flamin-n’-assu lançado por Abeguar Bastos e publicado na Belém Nova. O flamin-n’-assu conclamava poetas e prosadores a formarem uma corrente de pensamento que contestava alguns itens do movimento Pau-Brasil, de Oswald de Andrade. [3]
Estas divergências, desprovidas de um norte mais claro, não alcançaram voo longo, pouco tempo depois Eneida escreve para a revista Antropofagia, dirigida pelo próprio Oswald, publicando dois poemas nos quais deixa eclodir as cores da temática paraense: Banho de Cheiro e Assahi.
A década de 1920 assistiu a uma multiplicidade de transformações sociais, políticas e culturais, impulsionando Eneida na direção de um caminho sem volta, selando seu destino de revolucionária em diversos campos da sociedade. Foi a década, como destacou Carlos Nelson Coutinho, na qual se acelerou o processo de ocidentalização da sociedade brasileira [4]. A fundação do Partido Comunista do Brasil; a Coluna Prestes; a Semana de Arte Moderna de 1922; a efervescência da cultura popular com a popularização do futebol (a experiência pioneira do Vasco da Gama em 1923, campeão com time de negros e mulatos); e o primeiro desfile de uma Escola de Samba, a Deixa Falar, em 1928, no bairro do Estácio no Rio de Janeiro.
Na segunda metade dos anos 20, nossa personagem ingressa no jornal O Estado do Pará, tribuna de oposição ao governo estadual. Além de escrever críticas literárias, poemas, Eneida publica crônicas com perfil claramente contestatório, trilhando o ofício de cronista militante que vai acompanhá-la em toda a sua vida. Publica em 1929 seu primeiro livro, Terra Verde, uma seleta de poemas amazônicos já divulgados em periódicos diversos.
Em 1930, recebe uma homenagem que lhe cala fundo: um grupo de intelectuais paraenses e amazonenses, sob a liderança de Raimundo de Morais, confere-lhe o prêmio “Muiraquitan” por sua participação nos movimentos literários de seu Estado.
Decide fixar residência no Rio de Janeiro, ingressando logo a seguir (1932) no Partido Comunista Brasileiro. Nesta fase, dedica-se apenas à crônica e ao conto. Seu nome literário de militante política, possivelmente por sugestão de sua amiga Eugênia Moreyra, passa a ser Eneida. Reside algum tempo no mesmo prédio de Manuel Bandeira. Através de artigos em jornais e revistas, participava ativamente dos debates políticos da época.
Eneida tinha na casa de Álvaro e Eugênia Moreyra, em Copacabana, aconchego, alegria e fonte inesgotável para aprofundar seus conhecimentos sobre a arte popular brasileira.
A jovem adentra autores como Marx, Lênin, Engels e Bukarin. Intuitivamente, antes mesmo da obra de Gramsci ser conhecida, Eneida enveredava com seu ativismo incansável nos novos “aparelhos privados de hegemonia”, principalmente aqueles vinculados à cultura popular, sempre iluminada pela convivência com Eugênia e Álvaro.
O casal Moreyra tinha em sua casa um reduto permanente de debates, saraus literários e musicais, bem como abrigo certo e seguro para perseguidos e clandestinos políticos. Não é difícil imaginar a alegria de Eneida ao conhecer Di Cavalcanti, Vinicius de Moraes, Valério Konder, Wilson Baptista, Paulo da Portela, Rubem Braga, dentre tantos outros.
Eneida não para. Tem alma de viajante, espírito guerreiro, uma apaixonada pelas cores e cheiros paraenses, samba e carnaval. Aproxima-se cada vez mais do campo socialista e do marxismo, deixando brotar seu futuro de “intelectual orgânica”, na acepção gramsciana do termo.
Em 1932, Eugênia Moreyra integra a primeira comissão julgadora de desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Por iniciativa do jornal O Mundo Sportivo, de Mário Filho, foram convidados, além de Eugênia, seu marido Álvaro, Orestes Barbosa, Raimundo Magalhães Júnior (pai da carnavalesca Rosa Magalhães), José Lira e Fernando Costa. Segundo relatos que o autor deste artigo ouviu de amigos de Eneida, nossa personagem ficou exultante com a escolha, comparecendo ao desfile e vibrando junto com a amiga Eugênia.
Não nos parece demasiado aprofundar o ambiente da residência do casal Moreyra, que a tantos encantou e que tantos ainda preservam na memória. Recorremos a dois mestres da crônica brasileira para ilustrar a afirmativa. Em 18 de junho de 1948, escrevia Rubem Braga, no Diário de Notícias, crônica intitulada “DONA EUGÊNIA”:
[...] mais tarde fiquei freguês da feijoada aos domingos na casa branca da Rua Xavier da Silveira [...] a mesa era grande, sempre cabia mais um no banco, e os donos da casa eram cordiais. O magro jornalista podia tomar sua cachacinha, comer o bastante para esquecer a miséria de alguma pensão do Catete, pegar um bom livro na estante e fazer o que entendesse: ler versos, ouvir música, conversar ou dormir.
Houve tempos alegres, e fases de sonho e entusiasmo; houve depois tempos negros, ruins, de hospital, de prisão. Em qualquer tempo aquela mulher que espantava o homem da rua com sua franja, seu charuto, suas joias pesadas, sua voz alta e às vezes até um mico – era a mesma. Sempre promovendo alguma coisa, sempre trabalhando duro, ajudando os outros, fazendo arte e política, discutindo, organizando, às vezes brigando, e conseguindo ser no meio de tudo isso, a mais dedicada das mães e das vós [...].
E era espantoso como agia, como se jogava em canseiras, aborrecimentos, dificuldades, para atender a qualquer necessitado [...] E se era difícil ajeitar em algum canto o pobre – então o próprio 99 da Xavier da Silveira se transformava em asilo ou enfermaria [...].
Essa paixão de ajudar os outros é que a levou com Álvaro, para o comunismo. Quem quiser saber de seu devotamento e de sua capacidade de trabalho que pergunte a qualquer camarada de partido; quem quiser saber de sua coragem e de sua dignidade, pergunte aos homens da polícia, que nestes últimos 13 anos de estupidez quase contínua puderam muitas vezes encher aquela casa de aflição, de tristeza, mas nunca de humilhação. [5]
Segundo diversos amigos como João Saldanha, Valério Konder, Otávio Sérgio, filho de Eneida, a casa de número 99 da Rua Xavier da Silveira, em Copacabana, foi o principal ponto de apoio e influência por muitos anos na vida de nossa personagem.
Em 4 de dezembro de 1954, Sérgio Porto publicou na revista Manchete, no espaço “Um episódio por semana”, crônica intitulada “AS AMARGAS, NÃO...”, título do principal livro de Álvaro Moreyra, grande sucesso de público e crítica. Escreveu Sérgio:
Os personagens iam mudando, o mundo também, só Alvinho [Álvaro Moreyra] era o mesmo. Dava igual atenção a todos [...]
[...] Depois Oscar Niemeyer, um jovem arquiteto reformou a casa e a conversa passou a ser na varanda [...]
[...] Quando Di Cavalcanti aparecia, a conversa se animava, tomava-se vinho. No Natal, havia uma ceia grande para quase uma centena de pessoas. Era permitido levar a namorada. Sandro [filho de Álvaro e Eugênia] criou um caso – levou duas. [6]
O popular e o comunismo em Eneida tinham no seu humor importante ponto de apoio. Um humor onde a alegria era extensão de sua própria vida, não era inventado, mas vivido, gostado e praticado. O humor de Eneida pode ser situado na linha do historiador e linguista russo Bakhtin.. Um humor que se transmuta em riso como forma de bater no fígado do discurso oficial, impedindo que o sério se imponha com a prepotência de gala dos dominadores.
As prisões na vida de Eneida
Eneida sempre demonstrou arrojo e disciplina partidária em sua militância comunista, sem perder a alegria e o encantamento pelas manifestações da cultura popular brasileira. Envolveu-se diretamente na Revolução de 1932, residindo provisoriamente na capital paulista. Era uma entusiasta da causa proletária. Abre mão de sua origem de classe em nome de sua nova posição de classe.
Recorremos mais uma vez à palavra precisa de Eunice Ferreira dos Santos, situando o ativismo de Eneida, conduzido com harmonia entre o ofício de cronista e seu o destino de intelectual orgânica [7], numa conjuntura em que o PCB incorporava a proletarização e o obreirismo como orientação a seus quadros, em contraposição ao modo de vida da intelectualidade pequeno-burguesa.
Representam o locus da rememoração do projeto político da cronista militante:
“A primeira vez que li O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, fui tomada de um entusiasmo tão grande que cada uma de suas palavras repercutia profundamente dentro de mim”. [...] Para se afinar a este discurso e provar que estava pronta para ser militante, Eneida começa a apagar “os resquícios pequeno-burgueses”, que herdara da mãe: “As belas jóias que tive, perdi em casa de penhores na etapa em que encontrei o meu caminho; justamente no momento do qual me orgulho: o da escolha de um futuro”. [8]
O entorno da Revolução Constitucionalista aquece e impulsiona a jovem militante. O PCB avaliou que São Paulo seria um terreno fértil para a luta operária. Eneida atuava na agitação e propaganda, além de redigir e distribuir panfletos e tabloides.
Conforme registro policial do período, coletado e publicado por Eunice Ferreira dos Santos:
Eneida da Costa de Moraes (sic), conhecida agitadora comunista, possuía em sua residência um custoso mimeógrafo adquirido pelo “Socorro Vermelho Internacional” e a ela entregue para confecção de boletins de propaganda subversivo-comunista. Ali foram encontrados centenas de boletins, já empacotados, prontos para expedição, e muita correspondência do Partido Comunista. [9]
Eneida foi presa, submetida a interrogatórios intermitentes. Fica detida por quatro meses. Quando solta, permaneceu em São Paulo, escondida no interior do estado por alguns meses, retornando ao Rio de Janeiro por orientação da direção partidária. Nesta fase, Eneida passa por grandes dificuldades financeiras, sendo ajudada por amigas como Eugênia Moreyra. Trabalha como operária mas não deixa de lado seu trabalho intelectual, continua a realizar traduções para complementar seu parco orçamento pessoal.
A atividade política é incessante; participa da Aliança Nacional Libertadora e da União Feminina do Brasil. Desmantelada a tentativa de tomada do poder em 1935, fecha-se o cerco em torno das principais lideranças do movimento. Eneida é detida em janeiro de 1936.
As revoluções de 1932 e 1935 lhe custaram cárcere privado, torturas, clandestinidade e exílio. Colecionou prisões. Não desistia. Nunca desistiu. Até 1946, é presa onze vezes.
A prisão em 1936 lhe custou um ano e meio de privação de liberdade, humilhações e um por à prova tudo que amava e sonhava. Detida no “Pavilhão dos Primários”, compartilha o mesmo espaço com outras vinte e quatro mulheres. Lá, em companhia de outras intelectuais, liderou movimentos contra maus tratos e escreveu um livro de contos, Quarteirão, que permaneceu inédito. Um dos contos, “O guarda-chuva”, veio a ser incluído em uma antologia organizada por Graciliano Ramos. A permanência de Eneida na prisão foi profícua em sua literatura. Um de seus escritos mais reconhecidos e elogiados, “Companheiras” [10], foi escrito na Casa de Detenção.
Éramos vinte e cinco mulheres presas políticas numa sala da Casa de Detenção, Pavilhão dos Primários, 1935, 1936, 1937, 1938. Quem já esqueceu o sombrio fascínio do Estado Novo com seus crimes, perseguições, assassinatos, desaparecimentos, torturas?
[...] Vinte e cinco mulheres, vinte e cinco camas, vinte e cinco milhões de problemas. Havia louras, negras, mulatas, de cabelos escuros e claros; de roupas caras e trajes modestos. Datilógrafas, médicas, domésticas, advogadas, mulheres intelectuais e operárias. [...]
[...] Havia as tristes, silenciosas, metidas dentro de si próprias; as vibráteis, sempre prontas ao riso, aproveitando todos os momentos para não se deixarem abater. [...]
Estes dezoito meses na Casa de Detenção sintetizam a vida de Eneida. Uma lente ampliada de todos os seus caminhos com os diversos meandros de percursos sinuosos, um microcosmo que os poetas da imagem e da linguagem perseguem em sua busca constante na tentativa de revelar o universal no particular.
Esta foi Eneida, retratada por Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere, ora com tristeza, ora com uma alegria irônica.
Fiquemos apenas com as passagens mais alegres.
Tomei o copo de leite, fui ao consultório, onde o médico me aplicou a injeção de vitamina. Ao regressar, notei que haviam recolhido a mesinha do “crapoud” deixada à porta.
- Vá tomar banho e mudar a roupa, disse-me Eneida. Você não vai receber sua mulher assim vestido em pijama.
O diretor me anunciara na véspera uma visita para aquela manhã. Achava-me com bastante preguiça:
- Minha mulher não é de cerimônia. Já me viu deste jeito muitas vezes.
- Não senhor. Mude a roupa.
- Que impertinência! Vá lá. [11]
Das muitas amigas e companheiras destes tempos de privação de liberdade, uma em particular encantou Eneida, nunca saindo de sua lembrança. Qualquer esboço de texto que envidasse não teria a força das palavras de nossa personagem:
Esta mulher se chamava Elisa Soborovsk Asabo Berger, mulher de Henry Berger [...] Seu corpo guardava ainda as vergastadas do chicote policial. Jogavam-na de prisão em prisão. Ora era metida em cela de prostitutas, ora no meio das ladras ou ébrias. Durante mais de dois meses sofreu humilhações físicas e morais [...]
O governo Getúlio Vargas entregou-a mais tarde à Gestapo. Hitler matou-a. Sabo, para mim, foi uma revelação; jamais conheci mulher tão culta, tão humana, tão valente. Uma mulher tão bela. Nunca a esquecerei.
Na noite em que ela partiu com Olga Benário para o navio que as levaria a Hitler, era inverno e tiritávamos de frio, sofríamos ainda mais, porque tínhamos aprendido a amá-la.
Recordando-a agora, cumpro um dever. Jamais esquecerei também as vinte e cinco mulheres da sala ora fria, ora quente, do Pavilhão dos Primários.
Grandes mulheres; boas companheiras.
Novos tempos
Absolvida em 1937 pelo Tribunal de Segurança Nacional, quando foi solta, Eneida, sempre inquieta, não descansa, volta a ser presa seguidas vezes, perseguida e acusada por redigir material doutrinário e angariar fundos para o Socorro Vermelho do PCB. Logo após sua saída da prisão do Estado Novo, passa a escrever para diversos periódicos alternativos de cunho partidário.
É importante salientar que Eneida de Moraes sempre foi uma militante, não tendo nunca em seu percurso no PCB assumido cargo de direção. Na verdade, sua grande vocação política ainda estaria por se revelar, a de liderança e intelectual orgânica do carnaval, do samba e da cultura popular brasileira de maneira geral. Entendemos, dentro do que Benedict Anderson conceituou ao definir uma Nação como uma comunidade política imaginada, que o samba, o carnaval e o futebol constituem os pilares centrais da autoestima da população brasileira, do imaginário do nosso Estado-Nação [12].
Em 1947, inicia uma colaboração estreita com o jornal Momento Feminino, participando do primeiro congresso de escritores e da fundação da União Brasileira de Escritores.
Eneida aprofunda sua visão de feminismo, desenvolvendo uma série de trabalhos que tiveram início em 1928. À época, publica a crônica “Conversando”, por meio da qual critica as limitações do movimento sufragista, em seu entender incapaz de garantir a igualdade dos gêneros e a libertação mais ampla das mulheres.
Após alguns anos, mais precisamente em 1950, Eneida exila-se na França, fixando residência em Paris. Tempo de reflexão e autocrítica de sua militância política. De sua vida. Tempo de estio. Da França, começa a escrever colunas para Diário Carioca, Diário de Notícias, Senhor, Manchete e outros periódicos. Seu vínculo com o Diário de Notícias dura vinte anos, nele publicando a coluna “Encontro Matinal”. Este vínculo durará até seu falecimento em abril de 1971.
Retornando ao Brasil, embora continue firme em suas convicções, abre seus horizontes para novas frentes de trabalho, cada vez mais direcionados ao campo da arte popular. Os ares parisienses despertam em Eneida um retorno a suas origens paraenses, num caldo de cultura com o carnaval e o samba carioca. Na Europa, aproxima-se do meio literário e artístico, em particular do escritor português Ferreira de Castro e do pintor Antonio Bandeira.
Aqui, paira uma dúvida recorrente. Em sua estada na França, Eneida não terá tido contato com os escritos de Gramsci e Bakhtin, autores de obrasque permeiam problemáticas presentes na práxis de nossa personagem? Permanece a indagação se as teses destes autores brotam em Eneida racionalmente, por meio de leituras ou por associação empírica e reflexão independente, produto de sua criatividade intensa, de seu instinto amazônico.
Seu filho Octávio Sergio da Costa Moraes
Não é desconhecido dos contemporâneos de Eneida o fato de que os rumos políticos de sua vida tiveram para ela um preço alto. Foi obrigada a deixar a família, ex-marido e filhos em Belém para fixar residência no Rio de Janeiro e trilhar sua militância política, pois sabia dos perigos e da clandestinidade que possivelmente iria enfrentar. Dois anos depois, Genáro Baima de Moraes vem para o Rio com os filhos, que só voltam a ter algum tipo de contato com a mãe no Natal de 1955.
Octávio destacou-se como um craque do futebol carioca, com um estilo clássico, de passadas elegantes em campo, passes precisos e chutes certeiros. Conquistou o campeonato de 1948 pelo Botafogo, sendo artilheiro do certame com 21 gols. Seu feito não foi nada fácil, pois substituiu um ídolo do time da Estrela Solitária, Heleno de Freitas. Octávio chegou à seleção brasileira.
Uma característica peculiar da vida carioca reaproximou Octávio de sua mãe. Tinham vários amigos em comum, como, por exemplo, Sandro Moreyra, filho de Álvaro e Eugênia. Além de Sandro, Octávio era frequentador assíduo de vários redutos boêmios que Eneida cultivava, dentre eles o clube Marimbás, no Posto 6, praia de Copacabana. Outros amigos em comum foram Oscar Niemeyer e João Saldanha. Segundo diversos relatos, Eneida assistia sem se fazer notara os jogos disputados pelo filho nos campeonatos da praia de Copacabana, sendo certo que esteve presente no estádio de General Severiano (em Botafogo) para acompanhar a grande final do campeonato de 48, em que o Botafogo derrotou o Vasco da Gama por 3x1.
Seria impensável dissociar a paixão de Eneida de Moraes pela cultura popular de seu encantamento pela atuação do filho em um dos grandes clubes cariocas, sendo o futebol, ao lado do samba, arte e paixão popular.
Octávio formou-se em arquitetura, sendo responsável pelo projeto da concentração da seleção brasileira em Teresópolis.
Livros de Eneida publicados
Na década de 1950 e no início dos anos 60, Eneida publica a maior parte de seus livros: Terra verde (1929); Cão da madrugada (1954); Alguns personagens (1954); Aruanda (1957); História do carnaval carioca (1958); Caminhos da terra: URSS, Tchecoslováquia, China (1959); Copacabana: história dos subúrbios (1959); Romancistas também personagens (1962); Banho de cheiro (1962); Boa noite, Professor (1965); Molière narrado para crianças (1965).
Livros inéditos
O quarteirão; Paris e outras histórias; Sujinho de terra.
O Baile do Pierrô e o Salgueiro
A partir da segunda metade da década de 50, Eneida se aproxima cada vez mais do cotidiano do carnaval carioca. Torna-se uma salgueirense de coração, admirando as inovações de Fernando Pamplona, e idealiza o Baile do Pierrô.
O primeiro baile dos pierrôs foi no “Aubon gourmet”, em 1958, sendo um sucesso espetacular frequentado principalmente por escritores e artistas. Quem narra é a própria Eneida em uma de suas várias crônicas: “Alugávamos uma boate, fazíamos a quota de quanto cabia a cada um e durante três carnavais nosso baile foi de abafar”. Depois do primeiro, o segundo também no “Aubon gourmet”, idem o terceiro até 1967. O último foi na “Sucata”, em 1968.
Em 1965, o Salgueiro realiza seu carnaval baseando o enredo no livro de Eneida História do carnaval carioca,conquistando o primeiro lugar no desfile. Eneida desfila exatamente na ala dos pierrôs.
Neste mesmo ano, foi criada sob a liderança de Albino Pinheiro, com apoio de vários artistas, intelectuais e jornalistas, a Banda de Ipanema, com duplo intuito: retomar o carnaval de rua no Rio de Janeiro e realizar, dentro dos limites do possível, uma crítica bem-humorada à ditadura militar. Em 1967, Eneida desfila como a rainha da Banda de Ipanema, lugar que no ano anterior fora de Leila Diniz.
Nos anos subsequentes, até seu falecimento em 1971, a saúde de Eneida se fragiliza progressivamente.
Em 1973, a Acadêmicos do Salgueiro promove Joãozinho Trinta e Maria Augusta ao posto de carnavalescos da escola. A dupla de carnavalescos desenvolve o enredo “Eneida, amor e Fantasia”. O Salgueiro fica em terceiro lugar no desfile. O samba-enredo de autoria de Geraldo Babão fala por si:
Eneida, Amor e Fantasia
O povo sambando,
Cantando a melodia,
Salgueiro traz o tema
Eneida, amor e fantasia
A mulher que veio do Norte
Para o Rio de Janeiro
Com idéia genial,
Em busca da glória
Na literatura nacional.
Expoente jornalista,
Suas crônicas são imortais,
Foi amiga dos sambistas,
Fatos que não esquecemos jamais (coração).
Coração puro e nobre, foi benquista
Entre ricos e pobres,
É famoso o seu Baile de Pierrôs,
Onde a Colombina procura o seu amor
A escritora de lirismo invulgar
Enriqueceu o folclore nacional,
Hoje o mundo a conhece
Através da história do carnaval.
É açaí,
É tacacá,
Coisa gostosa lá do Pará.
Em 1990, o carnavalesco Eduardo Gonçalves, da Paraíso do Tuiuti, apresenta, pelo Grupo A do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, o enredo “Eneida, o pierrô está de volta”, com o samba-enredo de Aldir, Parim, Jorge Neguinho e Fernando J..
É carnaval, é alegria
É manifestação popular
A emoção que alegra a vida
Folclore e fantasia
O povo quer cantar
Eneida
O seu amor foi carnaval
E na arte e na cultura
Marco da literatura foi sem igual
Deslumbrando as escolas de samba
Raízes de gente bamba
Que faz a passarela delirar
Vem burrinhas, Zé pequeno
Pirata da perna de pau
Arlequins, bloco de sujo
A euforia é geral
Desfilam luxuosas fantasias
No Baile do Municipal
O corso pelas ruas da cidade
Ranchos e sociedades tradicionais
Eu sou o seu pierrô
Tu és minha colombina
No salão todo enfeitado
De confete e serpentina
Pierrôs e colombinas, personagens do carnaval, estavam presentes em praticamente todas as alas do desfile da Paraíso do Tuiuti.
Nota do autor: Escrevi este texto para um livro que está prestes a ser lançado. "Mulheres intérpretes do Brasil". ORG. Marcos Silva.
Raul Milliet Filho é Historiador, criador e editor responsável deste blog, mestre em História Política pela UERJ, doutor em História Social pela USP. Como professor, pesquisador e autor prioriza a cultura popular. Gestor de políticas sociais, idealizou e coordenou o Recriança, projeto de democratização esportiva para crianças e jovens. Autor de “Vida que segue: João Saldanha e as copas de 1966 e 1970” e do artigo “Eric Hobsbawm e o futebol”, dentre outros. Dirigiu os documentários: “Quem não faz, leva: as máximas e expressões do futebol brasileiro” e “A mulher no esporte brasileiro”.
Assista, no dia 29/08 (sábado), às 15h, a entrevista ao vivo com Anita Leocadia Prestes, filha dos legendários militantes comunistas Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes e professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Liga Latino-americana de Irredentos entrevista Anita Prestes
A Liga Latino-Americana de Irredentos vem lhe convidar para assistir no dia 29/08 (sábado), às 15h, a entrevista com Anita Leocadia Prestes, mais um encontro da série Conversas Irredentas.
Filha dos legendários militantes comunistas Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, Anita Prestes é atualmente presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes e professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Anita nasceu em uma prisão de mulheres, onde estava presa sua mãe, entregue pelo governo de Getúlio Vargas à Alemanha nazista, onde foi assassinada numa câmara de gás do campo de concentração de Bernburg.
Militante comunista durante muitos anos, filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e perseguida política da ditadura militar na década de 1970, Anita Prestes tem produzido diversos livros sobre a história do comunismo no Brasil, do PCB, e também de seu pai, Luiz Carlos Prestes, e de sua mãe, Olga Benario.
Nos últimos anos lançou os livros Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro (Ed. Boitempo, 2015), Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo (Ed. Boitempo; 2016) e Viver é tomar partido: memórias (Ed. Boitempo. 2019).
Conversas Irredentas
A série Conversas Irredentas é um programa semanal de entrevistas com guerrilheiros, ativistas, artistas e historiadores para falar sobre movimentos revolucionários da América Latina e socialismo no mundo contemporâneo. A série acontece todos os sábados por meio de transmissões ao vivo no canal de youtube Os Irredentos.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no ano de 1986, Luiz Carlos Prestes (1898-1990) discutiu a Constituinte e os rumos do Brasil em um contexto de reformulação política e social.
Participaram da bancada de entrevistadores Wladir Nader, jornalista e escritor; Luiz Gonzalez, jornalista da TV Globo de São Paulo; Armando Sartori, jornalista do jornal Retrato do Brasil; Maria Angélica de Oliveira, da TV Cultura; Marcos Faermann, da Rádio Cultura; Luiz Fernando Emediato, de O Estado de S. Paulo; Armando Figueiredo, da TV Cultura; Cláudio Abramo, da Folha de S. Paulo; o poeta Mário Chamie; o historiador Marco Aurélio Garcia e o sociólogo Otacvio Ianni.
Nesta terça-feira (18/08), a Lei 14.038, de 2020, que regulamenta a profissão de historiador, foi publicada no Diário Oficial da União. Nesta quarta-feira (19/08), foi comemorado o Dia do Historiador. E nesta quinta-feira (20/08), marca-se os 78 anos do historiador Ciro Flamarion Santana Cardoso, nascido em Goiânia no ano de 1942, e que faleceu em 29/06/2013.
Ciro Flamarion Santana Cardoso foi um combatente pela história, um grande, senão o maior, historiador marxista brasileiro, autor de uma vasta obra em diversas áreas do conhecimento. Outra marcante característica foi ser uma pessoa simples, generosa, um professor sempre disponível e disposto a ajudar os estudantes que o procuravam.
Em entrevista à revista Novos Temas, a historiadora Anita Prestes falando sobre o começo dos seus estudos de História teceu o seguinte comentário: "O Ciro Flamarion foi muito importante. Mesmo eu cursando o mestrado na UFRJ, fiz créditos na UFF com o Ciro Cardoso. Assisti a um curso de Metodologia com ele, li vários dos seus livros e admiro muito seus escritos sobre metodologia da história. Considero que ele é um dos maiores historiadores marxistas que temos no Brasil. O Ciro Cardoso me ajudou muito na elaboração da minha tese de doutorado [sobre a Coluna Prestes], que foi orientada pela [Maria] Yedda Linhares" ("Entrevista com Anita Leocadia Prestes". In: Novos Temas, n. 7, 2012, p. 27).
Várias pessoas tiveram e têm Ciro Flamarion Cardoso como referência. É importante manter viva a sua memória e, principalmente, fazer com que as novas gerações de historiadores e professores de História tenham contato com sua extensa e importante produção acadêmica, entre as quais destaca-se o livro “Os Métodos da História”, escrito em conjunto com Héctor Pérez Brignoli. Conhecer sua importância para a ciência da história, assim como sua atuação como professor.
Recomenda-se acessar o site Ciro Cardoso, clicando no link https://www.cirocardoso.com/, onde se encontra depoimentos sobre ele, sua trajetória acadêmica e suas obras comentadas.
Outra importante referência para contato com a obra deste grande historiador é o dossiê "Ciro Flamarion Cardoso (1942-2013)", elaborado por marxismo21, onde indica-se links para livros, artigos, entrevistas etc. disponíveis na internet bem como divulga alguns materiais ainda inacessíveis aos pesquisadores da web. Clique no link https://marxismo21.org/ciro-flamarion-cardoso-1942-2013/.
A Editora Expressão Popular indica e está disponibilizando em pdf gratuito a obra "Imprensa de esquerda e movimento operário (1964-1984)", de Celso Frederico. Este livro traz, por meio da análise de jornais e periódicos de organizações de esquerda, a atuação do movimento operário durante ditadura empresarial militar brasileira. Recupera a memória da luta dos operários nessa "página infeliz de nossa história".
Você pode baixar de forma gratuita diretamente CLICANDO AQUI ou seguir com a compra do livro digital e contribuir com o projeto editorial popular da Expressão Popular, clicando no link:
O livro é um dossiê de documentos produzidos por Luiz Carlos Prestes, Anita Leocádia Prestes e o movimento comunista, a partir de 1980, quando este rompe com o Comitê Central do PCB. Além dos textos, também traz periódicos como o Ecos a Carta de Prestes, o Voz Operária e os primeiros números do Jornal Avançando.
No Prefácio, Lincoln Secco salienta que poucas personalidades no Brasil têm a grandeza política e moral de Luiz Carlos Prestes. “Nele confluem diferentes camadas históricas numa síntese única. Como Julio Mella ele foi um jovem inconformista dos anos 1920. Como Togliatti e Dimitrov, foi um dos símbolos da Revolução Mundial nos anos 1930. Como Dolores Ibárruri, que depois de ser La Pasionaria sobreviveu longos anos ao seu próprio tempo, ele foi muito além do Cavaleiro da Esperança.”
Segundo Gustavo, também foram incluídos dois textos de Florestan Fernandes, pela sua aguda capacidade de sintetizar em linhas gerais as contribuições de Prestes e de suas posições políticas para a história brasileira. Já no primeiro capítulo, Gustavo destaca essa descrição de Florestan:
“A vida de Luiz Carlos Prestes atravessa a história do Brasil e marca, dramaticamente, os limites da atividade libertadora, nacionalista e revolucionária. Tornou-se herói antes de afirmar-se como símbolo das possibilidades frustradas e foi a sua lenda que levou os comunistas até ele [...] Inicia-se assim, uma carreira política ímpar. Luiz Carlos Prestes não foi do comunismo à revolução. Saltou da revolução ao comunismo. O que quer dizer que seu ardor revolucionário inquebrantável possuía raízes no solo histórico do nosso país e da América Latina. Ele nasce e se alimenta da recusa firme e decidida de uma ordem de privilégios, de iniquidades e de formas extremas de exploração e opressão, que são repelidas com intransigência [...] À sedução do poder, ele preferiu a luta tenaz e incerta pela criação de uma nova sociedade. É preciso que se reflita sobre isso, hoje e agora [...] É o caminho de todos os grandes revolucionários da América Latina. A recusa da sociedade existente, da ordem de iniquidades e do mandão como lobo de outros homens.” [FERNANDES, Florestan. "Luiz Carlos Prestes: esperança e revolução". In: ____. A contestação necessária: retratos intelectuais de inconformistas e revolucionários. São Paulo, Ática, 1995.]
Para abrir o livro, Gustavo escolheu Taiguara, um dos artistas mais censurados da Ditadura. A música "Voz do Leste" é uma homenagem ao periódico "Voz Operária" e aos comunistas alinhados a Prestes. Ela integra o álbum lançado em 1983, "Canções de amor e liberdade", extremamente político em toda a sua montagem. “Me pareceu justo fazer este encontro de camaradas na publicação. Além disso, este ano Taiguara completaria 75 anos, e creio cada vez mais que deva ser resgatado como o cancioneiro da nossa futura sociedade.”
Voz do Leste
Sou Voz Operária do Tatuapé
Canto enquanto enfrento o batente co'a mão
Trabalho no ritmo desse Chamamé
Meu pouco Salário faz minha ilusão
Sou voz operária do Tatuapé
Vivo como posso a me deixa o patrão
E enquanto respira dessa chaminé
Meu povo se vira e não vê solução
No teatro da vergonha
aonde a vedade não se diz
Tem quem representa a massa,
quem ri da desgraça
E quem banca o infeliz
Tem até burguês que sonha
que entra em cena e engana a atriz
Tem quem sustenta a trapaça
e depois que fracassa
amordaça o país
Tem quem sustenta a trapaça
E depois que fracassa,
Amordaça o país.
Já meu drama é o da cegonha...
quase morre o meu guri...
Sobra pr'o Leste a fumaça
e a peste ameaça
O ar do Piqueri
Pior que a matança medonha
é o desemprego pra engolir...
Seja no peito ou na raça,
esse teatro devasso
Alguém tem que proibir...
Seja no palco ou na praça
Essas peças sem graça
vão ter que sair.
(sair de cartaz...)
Sou voz operária...
Taiguara, Canções de Amor e Liberdade, Voz do Leste (1983)
Confira a íntegra da entrevista.
Gustavo Rolim organizou dossiê de documentos produzidos por Luiz Carlos Prestes, Anita Leocádia Prestes e o movimento comunista, a partir de 1980 - Reprodução
Brasil de Fato RS – Por que lançar um livro sobre Luiz Carlos Prestes e o movimento comunista brasileiro neste momento em que o comunismo é mais uma vez eleito o inimigo a ser combatido pela extrema-direita?
Gustavo Rolim - Talvez justamente por isso! Acusar o comunismo de ser o maior inimigo do povo brasileiro sempre foi uma tática da extrema-direita brasileira. E precisamos saber afirmar as convicções e os programas que defendemos ainda mais quando se faz essas mistificações tão perigosas. Qualquer projeto político sério e honesto (comunista, socialista, social-democrata, nacionalista...) não pode rebaixar seu programa quando atacado por mentiras, as custas de aumentar ainda mais as mistificações sobre si próprio ou mesmo começar a autocensurar-se (o pior tipo de censura).
BdFRS – Como surgiu a ideia de escrever este livro?
Gustavo - Na época da universidade me envolvi com o movimento estudantil, participei de organizações e conheci antigos militantes que se alinharam a Luiz Carlos Prestes nos anos 1980. Através deles tomei conhecimento de muitos dos textos apresentados no livro como a "Carta aos Comunistas" e o "A que herança devem os comunistas renunciar". Também tive acesso a alguns jornais antigos, como o "Jornal Avançando".
Na licenciatura fui estagiário no Memorial Luiz Carlos Prestes e vi que minha exposição sobre Prestes, principalmente sobre o final de sua vida, carecia de algumas publicações. Excetuando-se as obras de Anita Prestes, as teses e monografias brasileiras sobre os comunistas na reabertura não costumam citar estas documentações. Lembrando de algumas conversas que tive com a querida professora Silvia Petersen, pensei então em lançar o livro para suprir uma lacuna de fonte primária para pesquisa científica e debate político.
BdFRS - Quais são os documentos que tu reuniste no livro? E qual a atualidade deles?
Gustavo - Considero que a Nova República terminou em 2016 e 2018, afogada em suas contradições (e ainda vivemos um período de transição complicadíssimo, em elevada aceleração fascistizante). A análise do que era essa "Nova República" é de suma importância e as alternativas que visavam aprofundar a nossa democracia, ou mesmo as revolucionárias e socialistas, seguem tão atuais hoje quanto há 30 anos. Em que sentido: Prestes lançou, em 1982, uma "Proposta para discussão de um programa de soluções de emergência", tentando vincular as tarefas imediatas ao movimento real dos trabalhadores. A nova forma de dependência latino-americana, através da "dívida externa" também foi abordado por ele em Discurso em Havana de 1985. Seu texto em jornal, breve artigo de 1988, sobre a presença de uma tutela militar na nossa Constituição, agora parece ecoar cada vez mais, quando nossos militares voltam a ser agentes políticos tão presentes e atuantes quanto qualquer partido político.
A atualidade destes textos está muito no sentido de compreendermos as tarefas democráticas que não foram realizadas no findar da Ditadura, pois são estas as contradições que afloraram para acabar com o período republicano que estávamos vivendo.
Reunimos então estes documentos de Prestes, escritos em seus últimos dez anos de vida, acrescidos de jornais de militantes a ele vinculados, como o "Ecos a Carta de Prestes", o "Voz Operária" e o "Jornal Avançando". Da professora Anita Prestes trazemos dois textos, um fazendo balanço da história das táticas e estratégias dos comunistas brasileiros, de 1981, e outro inédito, recente, sobre a importância de Prestes para a revolução brasileira. Escolhemos também adicionar dois textos de Florestan Fernandes, pela sua aguda capacidade de sintetizar em linhas gerais as contribuições de Prestes e de suas posições políticas para a história brasileira.
BdFRS – Em uma entrevista ao Blog Prestes A Ressurgir tu falas que os posicionamentos de Luiz Carlos Prestes seguem via de regra nos meios políticos e acadêmicos muito mal compreendidos e incorporados. Na tua avaliação por que isso acontece?
Gustavo - A figura de Luiz Carlos Prestes não é fácil de se estudar. Um ano antes de ele morrer (1989) a República Brasileira fez 100 anos. Prestes foi ator político destacado em 70 destes 100. Ele engloba tanto o nacionalismo inconformado quanto a revolução comunista mundial. Tanto a resistência à Ditadura Vargas e o antifascismo quanto a tentativa de aprofundar o nosso momento democrático de 1945-1964. Tanto o combate à Ditadura Civil-Militar quanto a denúncia aos problemas da Nova República.
Em vários momentos ele se confunde com a própria história do comunismo no Brasil. Em outros é necessário ver seu próprio desenvolvimento intelectual para perceber suas ideias táticas e estratégicas. A ele a República foi oferecida em 1930. Se tivesse "se acomodado", com a anistia, poderia ter sido uma das grandes figuras consolidadoras da "Nova República" em sua tutela militar e aprofundamento do capitalismo sem nenhuma mudança profunda em conquistas democráticas.
Por isso é tão odiado, por direitistas e reformistas: ele nunca escolheu o lado fácil ou o lado apresentado pela burguesia. No final da vida, irá defender uma renovação do marxismo-leninismo, do movimento comunista brasileiro alinhado completamente às reivindicações das massas em ascensão, procurando por em prática a "revolução democrática" que Florestan Fernandes tanto pontuou.
É difícil para muita gente ter em mente que um dirigente de 80 a 90 anos de idade possa ter esse nível de disciplina e esclarecimento a favor da classe trabalhadora. Para coroar: justamente em um momento de crise do movimento comunista e sua capitulação ou mesmo liquidação. Compreender todo este complexo quadro é difícil, tanto política quando academicamente.
BdFRS – Por que tu escolheste o nome “Herança, Esperança e Comunismo” para o livro?
Gustavo - "Herança" é o termo que Anita Prestes utiliza em seu texto, resgatado de Vladmir Lenin, em "A que herança renunciamos" de fins do século XIX. Em se tratando de um olhar sobre Luiz Carlos Prestes e o movimento geral dos comunistas e dos trabalhadores há mais de 30 anos, me parece propício.
"Esperança" é o termo pelo qual Prestes ficou designado desde a Coluna, sendo chamado de "Cavaleiro da Esperança". Mostra também um pouco da utopia, necessária de termos em voga nos momentos mais duros. O último texto que trago dos “comunistas que se alinham às posições de Prestes” se chama "A Herança e a Esperança".
Adicionei “comunismo” a este último, porque afinal de contas, era a ideologia defendida por todos aqueles indivíduos históricos. Mais: era a batalha pela permanência de um marxismo-leninismo revolucionário em um momento de assenso de massas no Brasil – e também um momento em que cresciam ideias completamente contrárias ao materialismo histórico-dialético. Assim como Florestan dizia em 1980, que era necessário voltar à ótica comunista de Marx e Engels, achei que fazia por bem também colocar o termo já no título do livro.
BdFRS – Em meio a tantas incertezas e dificuldades de rumos para a esquerda, quais os principais ensinamentos de Prestes? Ou o que ele diria nesse momento?
Gustavo - Difícil pensar isso. O que diriam Florestan, Brizola, Prestes... e tantos outros?
Agora, certamente ele procuraria identificar pelo menos uma tarefa do presente: compreender a estrutura de classes no Brasil e atuar em prol daquilo que ela mais necessita. Enquanto escrevo estas linhas, ocorrem despejos imensos em acampamentos do MST, nossos povos indígenas enfrentam mais um genocídio comparável apenas ao tempo da Ditadura e a classe trabalhadora está se reduzindo a uma classe completamente órfã de direitos. E sabemos que essa agenda começou no Golpe de 2016. Já temos mais do que o necessário para traçarmos um projeto de unidade básica.
Talvez o estudo de Prestes (e de todas as figuras de luta da nossa história) seja compreender como e de que formas eles tiveram a compreensão das tarefas imediatas e necessárias a serem tocadas. Ajudando-nos enxergar como poderemos chegar às táticas corretas. Vamos esperar pela eleição de 2022? Achamos realmente que uma eleição presidencial reverterá um processo de fascistização do Estado e aparelhamento criminoso pela direita iniciado em 2016? Como se revertem tendências e processos históricos? Essas perguntas seguem em aberto...
BdFRS – A abertura do livro é com a letra da música “Voz do Leste” de Taiguara. Por que escolheu essa música?
Gustavo - Taiguara foi um dos artistas mais censurados da Ditadura, por suas músicas que, de poéticas e românticas começavam a ganhar tons cada vez mais interessantes de crítica social ao fechamento do regime. Foi impedido de gravar. Passou por dois exílios. Silenciamento. Esquecimento forçado. E mesmo assim escolheu, retornando ao Brasil, o caminho mais difícil, mais complicado. Alinhou-se ao comunismo de Prestes e ganhou novo motivo para ser censurado, por militares, mídia e um público que não queria saber de política. É uma trajetória única e merece ser mais reconhecida dentre a esquerda brasileira.
Por esta opção política, Taiguara foi seguido de perto pelo Serviço de Inteligência Nacional (SNI), desgostoso de seus discursos nas apresentações ao vivo, onde incitava o público sobre a luta da FMLN em El Salvador ou citava Che Guevara. O álbum lançado em 1983, "Canções de amor e liberdade" é extremamente político em toda a sua montagem. E "Voz do Leste" é uma música em homenagem ao periódico "Voz Operária" e aos comunistas alinhados a Prestes. Me pareceu justo fazer este encontro de camaradas na publicação.
Este ano Taiguara completaria 75 anos, e creio cada vez mais que deva ser resgatado como o cancioneiro da nossa futura sociedade.
Artigo da historiadora Anita Leocadia Prestes na nova edição da revista "Germinal: Marxismo e Educação em Debate" (v. 12, n. 1, 2020), dedicada às contribuições das mulheres ao marxismo.
Em Olga Benario Prestes e a questão democrática, sua autora tece o nexo entre o legado da sua mãe Olga Benario Prestes e “o tipo de democracia pela qual deveríamos nos mobilizar para assegurá-la a amplos setores populares”.
Olga não vacilou em dedicar sua vida à causa do socialismo e, se o fez de maneira consequente e heroica, por meio da convicção por ela adquirida da dureza da luta de classes, da resistência encarniçada da burguesia na defesa de seus interesses espúrios e de que a conquista da democracia socialista jamais será a ampliação da democracia representativa burguesa, mas resultado da conquista do poder político pelos trabalhadores - a ditadura do proletariado – assegurando uma democracia para a maioria - social, política e cultural - e a liquidação da burguesia como classe exploradora.
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