Em SP, morador dos Jardins vive 24 anos "a mais" que o do Jardim Ângela
JÚLIA BARBON
DE SÃO PAULO
Favela Real Parque com prédios do Morumbi ao fundo em 2005, símbolo da desigualdade em SP |
Um morador do Jardim Ângela, bairro periférico da zona sul, morre em média 24 anos antes que um morador do Jardim Paulista, região nobre na zona oeste de São Paulo.
Os habitantes do distrito mais rico morrem com 79,4 anos de idade, enquanto no distrito mais pobre esse número despenca para 55,7 anos.
Para se ter uma ideia, a melhor taxa da cidade é comparável à expectativa de vida da Dinamarca, e a pior, à da Nigéria, que tem um dos indicadores mais baixos do mundo, segundo a CIA (agência de inteligência americana) –embora a metodologia para calcular o índice seja diferente da usada em SP.
A diferença gritante entre os bairros paulistas está no Mapa da Desigualdade 2017, estudo lançado nesta terça-feira (24) pela Rede Nossa São Paulo, organização da sociedade civil. A grande maioria dos dados é de 2016 e foi fornecida por órgãos municipais.
O levantamento leva em conta a desigualdade no acesso a serviços públicos e qualidade de vida entre os 96 distritos da cidade, por meio de 38 indicadores de diversas áreas, como cultura, educação, saúde e violência.
"Se fossem três ou cinco anos de vida, você poderia até pensar que é uma variação normal, mas 24 anos não é uma diferença nada aceitável. É uma geração inteira", diz Américo Sampaio, que é gestor de projetos da Rede e acompanha a realização do estudo anualmente, desde o seu início, em 2012.
Segundo o estudo, a média de idade ao morrer tem relação principalmente com fatores como taxa de homicídios, mortalidade infantil e óbitos por câncer. Para Sampaio, isso mostra que a infraestrutura urbana e o direito à cidade têm relação direta com o tempo de vida dos cidadãos.
"Um dos grandes achados da pesquisa é mostrar, por A+B, que quanto mais acesso à cidade, mais as pessoas vivem", diz. "Isso reforça a importância que os governos e as políticas públicas têm na vida delas."
DESIGUALDADE PERSISTENTE
O abismo que separa os bairros ricos dos pobres variou pouco desde o ano passado, quando o indicador de idade ao morrer foi medido pela primeira vez.
Alto de Pinheiros (oeste), que tinha o melhor índice, registrava uma idade média de óbito aos 79,67 anos, enquanto em Cidade Tiradentes (leste) esse número era de 53,85 –uma discrepância, portanto, de pouco mais de 25 anos.
"Tem um movimento que é a perpetuação da desigualdade, você só está trocando os distritos pobres e ricos, mas a desigualdade continua a mesma", afirma Sampaio.
O maior objetivo do levantamento, diz ele, é mostrar que, apesar de ser a cidade mais rica da América Latina, São Paulo é extremamente desigual. "Mesmo tendo essa riqueza, ela não consegue distribui-la igualmente para os seus moradores."
Abaixo, veja outros oito dados da pesquisa que demonstram as disparidades que existem na capital paulista.
1. Bairros com 'menor tempo' de vida têm maior taxa de homicídios
Treze dos 20 distritos com menor média de idade ao morrer também estão entre os 20 distritos com maiores taxas de homicídio, o que demonstra uma relação entre os dois índices.
2. Só 11 bairros da capital não têm favelas
Desde 2013, o número de distritos sem comunidades é o mesmo. Como mostra o gráfico abaixo, um terço dos bairros tem mais de 10% de seus domicílios em áreas de favelas.
3. Morador do Campo Belo ganha quase 8 vezes mais que o de Marsilac
4. Mais da metade dos bairros não têm cinema, museu, casa de cultura ou local para show
5. Centro é foco de mortes por Aids
Os seis distritos com maior taxa de óbitos decorrentes da doença sexualmente transmissível ficam na região central da cidade: República, Pari, Brás, Sé, Bela Vista e Santa Cecília.
6. Morador da Vila Andrade leva 17 vezes mais dias para conseguir vaga em creche
7. Cultura é o tema com maior desigualdade na cidade
Sete dos 10 indicadores com maiores índices de desigualdade são da área de cultura. O estudo considera como "desigualtômetro" a diferença entre o pior indicador da cidade e o melhor. Por exemplo: o número de livros infanto-juvenis disponíveis em bibliotecas municipais por criança –indicador que tem a maior taxa de desigualdade medida pelo levantamento– é 2.575 vezes maior na Consolação (5,3) do que no Capão Redondo (0,002). Isso sem considerar os distritos em que o índice é zero.
8. Brás, Marsilac e São Rafael são considerados os piores distritos
Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo, justifica a posição de pior distrito do Brás. "O Brás é a periferia do centro. É uma região bastante perigosa, com deficit de serviços públicos. Tem muitos cortiços e favelas próximas, além da questão da migração. É uma região marcada pelo tráfico de drogas, próxima de entrepostos comerciais, da marginal, do trem, do terminal do ônibus."
Para ele, também faz sentido que o Campo Belo –considerado um bairro rico– apareça como um dos cinco piores. "Isso mostra exatamente o que queremos: a desigualdade na oferta de serviços públicos. No Campo Belo majoritariamente não tem essa oferta, porque a população é mais rica e usa escolas particulares, hospitais particulares etc."
FONTE: Folha de São Paulo
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