Para analistas, militarização do Estado caminha a passos largos em meio à adoção de contrarreformas neoliberais em resposta à crise. Educadores soam alerta contra avanço das propostas de militarização de escolas públicas e aumento da repressão policial a movimentos de professores e estudantes.
A reportagem é de André Antunes e publicada por EPSJV/Fiocruz, 10-01-2017.
Entre o que de mais relevante aconteceu no Brasil em 2016, há alguns episódios que embora pareçam não ter nada a ver uns com os outros à primeira vista, guardam uma relação que contribui para lançar luz sobre o cenário sociopolítico do país atualmente.
De um lado estão as incontáveis imagens produzidas pela brutalidade com que a polícia reprimiu as manifestações de trabalhadores, estudantes e movimentos sociais contra as medidas dos programas de austeridade em âmbito federal e estadual – como na manifestação em frente ao Congresso Nacional durante a votação em primeiro turno da PEC 55 no Senado e os protestos de servidores públicos contrários ao pacote de austeridade do governo do Rio de Janeiro.
De outro, as imagens dos vários atletas brasileiros que bateram continência durante as cerimônias de entrega de medalhas nas Olimpíadas, em que um terço da delegação brasileira era membro das Forças Armadas. Para analistas ouvidos pela Poli, ambos podem ser entendidos como exemplos do protagonismo crescente de militares em uma conjuntura em que se agravam as deficiências do Estado no provimento de direitos sociais – como na educação, na saúde e também no esporte – ao mesmo tempo em que se acirra o embate entre o Estado e as populações que resistem à retirada de direitos em nome de uma suposta retomada do crescimento econômico.
O historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Renato Lemos, defende que está em curso a explicitação de um processo de militarização do Estado sob o capitalismo neoliberal. “A gente vive desde o final dos anos 1980 um processo de instrumentalização do Estado capitalista brasileiro no sentido de dotá-lo de meios para enfrentar as reações à implantação das contrarreformas neoliberais”, avalia ele, para quem a promulgação da Constituição de 1988, embora tenha trazido avanços do ponto de vista da garantia dos direitos sociais, foi também uma etapa nesse processo.
Foi ela quem atribuiu às Forças Armadas a função de polícia e regulamentou no nível constitucional a sua atuação na chamada garantia da lei e da ordem. “Essa é uma doutrina fundamental para entender não só o Brasil, mas o mundo capitalista”, ressalta Renato, que explica que sua origem remonta aos manuais do Exército dos Estados Unidos para orientar as tropas de ocupação na Alemanha, Itália e Japão após a Segunda Guerra Mundial. “No Brasil, esta doutrina vem sendo elaborada para a atuação das Forças Armadas na ocupação das favelas e também nos conflitos urbanos. E aí é contra tudo o que possa perturbar a lei e a ordem nas cidades: é contra sem-teto, estudante, grevista”, enumera.
Vários documentos legais foram emitidos ao longo dos anos para fixar diretrizes para o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, como as leis complementares 97 e 117, de 1999 e 2004, respectivamente, e o decreto 3.897, de 2001. Mais recentemente, cita o professor, houve a aprovação da Lei Antiterrorismo, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff e o decreto 8.793, assinado por Michel Temer em junho, criando a Política Nacional de Inteligência (PNI).
“No cenário de ascensão das propostas neoliberais, que têm como objetivo resolver a crise do capitalismo via redução dos direitos econômicos e sociais dos trabalhadores, essas condições de lei e ordem se tencionam progressivamente. E isso leva a uma ampliação da atuação das Forças Armadas, não apenas o Exército, mas também as forças auxiliares, como as polícias militares”, aponta o historiador.
O caso do capitão do Exército Willian Pina Botelho, que usou uma identidade falsa para se infiltrar em um grupo de jovens que se organizavam pelas redes sociais para participar de um protesto contra o presidente Michel Temer em setembro é emblemático. O próprio Exército admitiu realizar “operações de inteligência” em manifestações de rua e defendeu a legalidade da intervenção com base na legislação referente à garantia da lei e da ordem e na PNI. “Essa denúncia aconteceu porque ele foi flagrado, mas devem ter dezenas de sargentos e capitães do Exército infiltrados nos movimentos sociais. E eles assumem que fazem esse acompanhamento. Não é surpresa nenhuma”, opina Renato, para quem o avanço do conservadorismo na sociedade legitima esse processo: “O que está sendo chamado de onda conservadora é um anseio pela implantação de uma democracia forte, em que o Executivo tenha poderes para conter os movimentos sociais, mas que seja legitimada permanentemente pelo voto. E está sendo”.
Uma pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no final de outubro indicou que as Forças Armadas são a instituição mais confiável do país para 59% dos entrevistados, à frente da Igreja Católica, da imprensa escrita, do Ministério Público, das grandes empresas e das emissoras de TV.
Militarização na educação
A educação vem adquirindo centralidade cada vez maior no processo de militarização do Estado brasileiro. Primeiro porque os movimentos ligados à educação, estudantes e também professores estão entre as principais vítimas da repressão que se abate sobre os grupos contrários às medidas impopulares defendidas pelo atual governo, como a reforma do ensino médio. Segundo por conta da defesa que vários governos estaduais têm feito da militarização da gestão de escolas públicas como solução para problemas como a falta de segurança no ambiente escolar e os maus resultados obtidos nos exames de avaliação da qualidade da educação. Para Renato Lemos, isto é o que mais preocupa. “É um ponto estratégico da afirmação do projeto de poder de médio e longo prazo deste conjunto de forças conservadoras da nossa sociedade. É a estratégia de conquista dos corações e mentes, para consolidar na cabeça dos jovens esse projeto que se serve da degradação social e da pobreza da ação do Estado na área social para legitimar soluções de força”, pontua.
Nenhum governo estadual contribuiu mais para esse quadro do que o de Marconi Perillo (PSDB), em Goiás, reeleito em 2014 para cumprir um quarto mandato à frente do Executivo goiano. Perillo foi quem introduziu o modelo de gestão de escolas da rede estadual pela PM em seu primeiro mandato, em 1999. Atualmente, segundo a Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), são 27 escolas nesses moldes, o que faz de Goiás o estado com mais escolas militarizadas na rede estadual, à frente de Minas Gerais, com 22, e Bahia, com 13.
Sete destas escolas foram militarizadas em Goiás por meio de um decreto do dia 22 de julho de 2015, em meio a uma greve de professores e servidores da rede estadual deflagrada no dia 13 de maio cuja pauta era implantação do piso salarial, pagamento em dia dos salários e a realização de concursos públicos. Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Miriam Alves, as escolas foram selecionadas por meio de critérios políticos. “Foram escolas de muita resistência durante a greve”, assinala. O próprio governador não fez muita questão de esconder o objetivo da proposta, ao afirmar, durante uma palestra a empresários e políticos, que a militarização, junto com a proposta de concessão da gestão das escolas para organizações sociais (OSs), era um “remedinho”, contra o “radicalismo” de alguns professores.
Segundo Miriam, a proposta levou menos de 30 dias para ser debatida e aprovada pelo legislativo estadual. “No início do semestre letivo a direção dessas escolas já tinha sido assumida por policiais militares. Com isso, foi imposto aos alunos toda aquela doutrina militar: o começo da aula é com todo mundo no pátio, em fila, bate continência, tem vistoria para verificar se os estudantes estão de acordo com as normas da escola, o cabelo cortado, as meninas com o cabelo preso, uniforme, toda essa coisa que é bem da disciplina militar”, aponta Miriam.
O regimento que normatiza a disciplina no interior dos colégios militares de Goiás dedica quatro de suas páginas para listar as atitudes consideradas transgressoras dentro dos colégios, que vão desde o uso de óculos com armações de cores “esdrúxulas”, cabelos e unhas “fora do padrão” e namoros até “ler ou distribuir, dentro do colégio, publicações, estampas ou jornais que atentem contra a disciplina, a moral e a ordem pública”, e “provocar ou tomar parte, uniformizado ou estando no colégio, em manifestações de natureza política”.
Censura, ‘esculachos’ e elitização
De acordo com uma professora de uma das escolas militarizadas da rede estadual de Goiás, que concedeu entrevista na condição de que sua identidade não fosse divulgada, a gestão militar tem significado menos problemas disciplinares entre os alunos, fazendo com que a maioria dos professores aprove a militarização. “Tem muita gente querendo ir para uma escola militar, para poder trabalhar sossegado”, revela, emendando: “Para aqueles professores mais conservadores, que acham que o aluno tem que sentar e obedecer, a militarização é boa demais. Mas para aqueles que vêem a educação como diálogo, desenvolvimento do senso crítico e democracia, a militarização é o caos”.
Ela se diz assustada com os métodos utilizados para manter a ordem no colégio. “Eles intimidam os alunos, principalmente aqueles adolescentes que costumam dar mais trabalho”, conta, e cita como exemplo o caso de um estudante que estava faltando muito às aulas. “Ele foi abordado pelos policiais dentro da escola, [eles estavam] atuando na condição de coordenação disciplinar. Aí chamaram a atenção, dizendo que ele tinha que vir para a escola, etc. No momento em que o aluno saiu do prédio, ele foi abordado na esquina do colégio por policiais, dessa vez agindo daquele jeito da PM: colocando o estudante com a mão na parede, dando um esculacho”, revela.
Embora a coordenação pedagógica permaneça na mão de servidores civis nas escolas militarizadas, ela afirma que também há constrangimentos para o trabalho dos professores por conta da vigilância constante de policiais militares. “Eu tive a oportunidade de presenciar quando um capitão, membro da coordenação disciplinar da escola onde trabalho, interrompeu um professor que estava dando aula para dizer que não houve golpe de 1964, o que houve foi a revolução de 1964. Ou seja, não se pode falar em ditadura militar dentro da escola militar”, critica.
Rafael Saddi, professor de história da UFG que coordena um projeto de iniciação em docência dentro de uma escola da PM, argumenta que a militarização traz uma série de outros problemas, como a destinação de 50% das vagas nas escolas sob gestão militar para os filhos de policiais militares. “Das vagas restantes, metade é selecionada por sorteio e metade por meio de uma prova, onde acabam entrando aqueles alunos com uma condição econômica melhor”, diz ele, que acrescenta que essa não é a única característica que contribui para a elitização das escolas militarizadas. Outra delas é a obrigação do uso da farda, que tem um custo proibitivo para muitas famílias. Segundo a professora da escola militarizada de Goiás, o uniforme do ano passado na escola custava R$ 640.
As escolas ainda cobram uma mensalidade, que vai de R$ 50 a R$ 150. “Eles não falam que é mensalidade, que é proibida, falam que é uma contribuição voluntária. O que eles fazem? Aprovam no Conselho dos pais, que é metade formado por militares, e cobram essa taxa mensal. Na verdade cobram taxa para tudo. Um aluno que perde uma prova, por exemplo, precisa pagar uma taxa para fazer uma segunda chamada”, aponta Rafael. Consequência disso é que, após a militarização, alguns estudantes estão tendo que mudar de escola, muitas vezes para bairros distantes de suas casas, por não terem condições de arcar com os custos. “A gente teve caso aqui de mãe que tinha três filhos matriculados numa escola que foi militarizada e teve que procurar outra escola porque ganhava um salário mínimo e não conseguia pagar. Muitos passam a ter que mandar seus filhos para regiões afastadas, e a gente ainda não sabe como isso vai impactar na evasão escolar. É muito grave”, alerta ele.
Por outro lado, a cobrança das mensalidades faz com que as escolas militares tenham mais dinheiro para investir em coisas como a reforma da infraestrutura e o pagamento de gratificações aos professores. “A estrutura das escolas militares é excelente. Tem tudo que você imaginar. E a minha, que não tinha uma estrutura muito boa, nesse um ano e meio já melhorou bastante”, ressalta a professora da escola militarizada. Para RafaelSaddi, esse investimento, aliado à disciplina imposta pelos militares, é um fator que ajuda a entender a popularidade das escolas. “Tem escolas com mais de dois mil alunos que pagam R$ 100 por mês. Então elas conseguem fazer uma quadra boa, conseguem fazer viagens com os alunos, pagam professores especialistas em Enem. Isso efetivamente vai construir o seu respaldo social. Enquanto as outras estão caindo aos pedaços, as escolas da Polícia Militar estão limpas, pintadas”, compara.
Outro argumento utilizado para defender a militarização é o que aponta uma suposta relação entre a gestão militar e os bons resultados no Ideb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Para Heleno Araújo, diretor de assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), escolas que optam por fazer o caminho inverso, ampliando os mecanismos de gestão democrática, conseguem atingir resultados similares. “A LDB [Lei de Diretrizes e Bases] consagrou o princípio da gestão democrática da escola pública, um instrumento importante para que a escola tenha um conselho escolar deliberativo, autonomia para organizar seu projeto político-pedagógico por meio de assembleias escolares e coordenar seu processo de escolha da direção”, enumera. Para ele, estes são elementos que ajudam a ter dentro da escola um processo de participação social, envolvendo trabalhadores, alunos, responsáveis e a comunidade local na administração escolar. “Se você pegar o Ideb vai ver que muitas das escolas com bons resultados têm grande participação da comunidade escolar na sua gestão. Só que é um trabalho imenso, que muitas vezes não se quer enfrentar. Se prefere a imposição de um modelo autoritário de cima para baixo porque acham que resolve mais rápido. Mas na verdade se está construindo uma escola e uma sociedade cada vez mais embrutecida”, opina Heleno.
Modelo é exemplo para outros estados
A militarização de escolas vem sendo alardeada como uma experiência exitosa do governo goiano na educação. Lucine Almeida, diretora de assuntos educacionais do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí (Sinte/PI), conta que foi depois de uma viagem para conhecer a experiência em Goiás e em outros estados que a secretária de Educação do Piauí, Rejane Dias, esposa do governador Wellington Dias (PT), passou a defender a adoção do modelo. “Ela voltou maravilhada, destacando em entrevistas a questão da obediência, dizendo que era o sonho de qualquer mãe colocar o filho numa escola militarizada”, destaca ela. Em 2015, a Secretaria de Educação e Cultura inaugurou o primeiro colégio da Polícia Militar do Piauí, a Escola Estadual Governador Dirceu Mendes Arcoverde.
“Era a ‘menina dos olhos’ da secretaria, que tinha um planejamento de expandir o projeto para regiões com maiores índices de violência e vulnerabilidades. Fica num bairro de classe média alta de Teresina, teve um investimento alto do governo estadual, e foi inaugurada com ampla divulgação da mídia, até como forma de convencimento da população de que aquela era a escola ideal”, aponta a diretora do Sinte. Em abril do ano passado, no entanto, o Ministério Público estadual recomendou a suspensão do projeto de implantação de escolas geridas pela PM. O pedido veio após uma representação apresentada ao MP pelo Fórum Estadual em Defesa da Escola, contrário à proposta. Segundo Lucine, a interferência do Ministério Público não significa o fim do projeto. “Sabemos que a qualquer momento ele pode ser retomado”, diz.
Em Rondônia, Fátima Gavioli, secretária de Educação do governo de Confúcio Moura (PMDB) – que tem em seu currículo passagem pela Polícia Militar – afirmou que pretende conceder a gestão de dez escolas para a PM. A declaração foi feita após reunião no começo de novembro com o deputado estadual e ex-PM Jesuíno Boabaid (PMN), defensor da militarização. “Há um pré-projeto de militarização de escolas na Assembleia Legislativa, mas a secretaria já está implantando, sem ter feito nenhum debate prévio com a sociedade”, reclama Claudir Mata, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (Sintero). “Estamos recebendo denúncias de que em escolas de Porto Velho, Ji-Paraná e Vilhena já foram feitas reuniões com a diretoria para informar que a gestão vai ser militarizada a partir de 2017”, revela. Segundo ela, o sindicato pediu audiência com a secretaria para debater a proposta, mas ainda não foi atendido. “Somos totalmente contrários à militarização. A gente precisa trabalhar para a escola ser um espaço de democracia, de conscientização e de responsabilidade deste aluno e não apenas um espaço para que ele aprenda a obedecer ordens”, critica Claudir.
A militarização começa a aparecer também como proposta para a gestão de escolas municipais. No Rio de Janeiro, o principal defensor da gestão militar de escolas é um vereador cujo sobrenome já se tornou sinônimo do que há de mais retrógrado na política brasileira atual e que foi o mais votado nas eleições municipais de 2016. Carlos Bolsonaro (PSC) encaminhou, em agosto de 2015, um ofício ao poder executivo sugerindo a concessão da gestão de escolas municipais para instituições militares como forma de lidar com a criminalidade e a suposta baixa qualidade do ensino oferecido. “Trata-se de modelo de educação pautado na disciplina, valores éticos e morais, orientando as gerações no caminho reto do saber, do dever e do amor à Pátria”, defendeu o vereador, citando a militarização em Goiás como exemplo. Candidato do PSC à prefeitura do Rio nas eleições municipais do ano passado, Flávio Bolsonaro, irmão de Carlos, defendeu durante sua campanha a militarização das escolas “mais indisciplinadas” da rede municipal.
Monitoramento e intimidação contra ocupações
Não é sem resistência de professores e estudantes que essas medidas autoritárias vêm sendo impostas, e aqui mais uma vez o estado de Goiás se mostra um campo fértil para observar de que modo o Estado vem se instrumentalizando para enfrentar seus opositores. O movimento de ocupações de escolas organizado por estudantes e professores contra a proposta de concessão da gestão de escolas goianas para as OSs e contra a militarização ganhou projeção nacional em 2015. No auge do movimento de ocupações de secundaristas contra a reforma do ensino médio em 2016, quando mais de mil escolas estavam ocupadas em todo o Brasil, não havia nenhuma ocupação em Goiás. Para Rafael Saddi, isso se deu pela forma brutal com que a PM, a mando do governo do estado, desocupou as escolas em 2015 e passou a monitorar alunos e professores que atuaram no movimento.
Uma reportagem de outubro da Ponte Jornalismo revelou a existência de um grupo de Whatsapp formado por diretores de escolas e membros da Seduce, da PM, da Polícia Civil do setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública e da Administração Penitenciária, com o objetivo de vigiar estudantes e professores envolvidos em movimentos de contestação ao governo do estado. Rafael Saddi afirma que sua militância contra as propostas para a educação do governo de Marconi Perillo fez dele um alvo deste aparato de vigilância. Ele vinha escrevendo textos de denúncia do que chama de “máfia das OSs” no estado. “Os presidentes, sócios das OSs que estavam participando [das licitações] tinham vínculos com o PSDB, e respondiam a processos por fraude de licitação, desvio de dinheiro”, denuncia. Depois disso ele conta que seu nome começou a aparecer em jornais do estado como um dos líderes do movimento de ocupações. “Aí não tive mais sossego”, conta o professor da UFG, que sustenta que começou a notar que estava sendo seguido. “Uma vez estava dando carona para duas alunas saindo de uma manifestação quando uma delas percebeu que tinha uma moto me seguindo e disse ‘freia’. Eu freei com tudo, a moto freou também e ficou parada, esperando. No que eu continuei parado, ela virou e foi embora pela contramão”, diz Rafael.
O professor também conta que quase todo dia recebia uma notificação avisando que seu email havia sido invadido. Pouco depois, foi detido durante a desocupação do Colégio Estadual Ismael Silva de Jesus, em janeiro, realizada às 5:30 da manhã com os estudantes, muitos com 16 anos, sendo expulsos a pontapés pela polícia. “Recebi uma mensagem dizendo que os estudantes estavam na porta do colégio machucados e fui para lá. A ideia era ir para o IML e para o Ministério Público denunciar essa agressão. Estava a caminho, com três alunos no carro, quando três carros vermelhos, que não eram viaturas, me fecharam, e um dos motoristas saiu e botou uma arma na minha cabeça e me deu voz de prisão, me acusando de crime organizado, aliciamento de menores, dano qualificado e furto”, conta Rafael, para quem a repercussão do caso acabou contribuindo para que fosse liberado. “Mais de 100 pessoas foram presas durante a luta contra as OSs. E todos esses, de alguma forma, estão respondendo a processos. Com isso você vai tirando as pessoas da luta, porque o cara fica com medo de ser preso de novo e a isso se juntar outro processo e ele ir se complicando. Assim eles estão conseguindo, pela repressão, barrar as ocupações”, alerta Rafael, que foi detido mais duas vezes, sempre no contexto do movimento das ocupações de escolas. “É claramente uma tentativa de criminalização. E o mais assustador é que os estudantes que ocuparam estão hoje submetidos a uma perseguição profunda, dentro e fora da escola. Há vários relatos de jovens que são seguidos na rua, agredidos, além de serem monitorados constantemente dentro da escola para que não voltem a se organizar”, revela.
A Poli entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás solicitando uma resposta às críticas feitas à militarização pelos educadores ouvidos pela reportagem, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
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